Crise de 2008 ainda deixa lições a serem aprendidas


Países precisam resolver lacunas, como o redesenho de hipotecas; aumento do populismo também traz risco para o euro

Por The Economist

Quando os historiadores olharem para o início do século 21, identificarão dois choques sísmicos. O primeiro se deu com os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001; o segundo, com a crise financeira global, que irrompeu violentamente há dez anos completados este mês, com o colapso do Lehman Brothers. O 11 de setembro resultou em guerra. A falência do Lehman, resultou em um ajuste de contas econômico e político. Assim como a luta contra o terrorismo ainda continua, o ajuste de contas está longe de terminar.

O Lehman faliu depois de perder dinheiro com empréstimos tóxicos e títulos ligados ao mercado imobiliário americano. Sua falência desencadeou o caos. O comércio caiu em todos os países acompanhados pela Organização Mundial do Comércio (OMC). O crédito fornecido à economia real caiu, em cerca de US$ 2 trilhões só nos Estados Unidos. Para conter o endividamento, os governos recorreram à austeridade. Tendo esgotado o campo de ação para reduzir as taxas de juros, os bancos centrais recorreram ao afrouxamento monetário (criando dinheiro para a compra de ativos).

Assim como as causas da crise foram muitas e variadas, também foram diversas as suas consequências. A crise impulsionou o surto populista de hoje, levantando questões sobre desigualdade de renda, insegurança no emprego e globalização. Mas também mudou o sistema financeiro. A questão é: essa mudança foi suficiente?

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Crise crônica. Colapsos bancários sistêmicos são uma característica da história humana. O Fundo Monetário Internacional (FMI) contabilizou 124 deles entre 1970 e 2007. E não há dúvida de que eles ocorrerão novamente, no mínimo porque os tempos de bonança costuma gerar complacência. Basta observar que o governo de Donald Trump está desregulamentando as finanças durante um boom econômico. Mesmo quando a prudência predomina, nenhuma autoridade reguladora consegue fazer um julgamento perfeito dos riscos.

Mais importante, no entanto, seria questionar se o tamanho das crises e as probabilidades de ocorrerem podem ser reduzidos. Nesse ponto, a notícias são boas e ruins.

Primeiro, a boa notícia. Os bancos agora precisam se financiar com mais capital e menos dívida. Eles dependem menos de transações para ganhar dinheiro e menos de tomar empréstimos no atacado, no curto prazo, para financiar suas atividades. Mesmo na Europa, onde poucos bancos obtêm grandes lucros, o sistema no total está mais forte do que era.

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Autoridades reguladoras reforçaram seu controle, especialmente sobre as instituições que são grandes demais para falir. Nos dois lados do Atlântico, os bancos estão sujeitos a testes de estresse regulares e devem apresentar planos para sua própria extinção organizada. Os mercados de derivativos, do tipo que derrubaram a seguradora AIG, hoje são menores e mais seguros.

As políticas de pagamento reformuladas também devem evitar repetir a injustiça dos banqueiros receberem dinheiro público enquanto embolsaram grandes pacotes de pagamentos – em 2009, os membros dos cinco maiores bancos embolsaram US$ 114 bilhões.

Ainda por fazer. Muitas lições ainda não foram aprendidas. Um exemplo disso está nos erros cometidos pelos formuladores de políticas no rescaldo da crise. O governo não teve escolha a não ser dar apoio a bancos em dificuldades, mas isso levou à decisão equivocada de abandonar famílias insolventes. Talvez 9 milhões de americanos tenham perdido suas casas na recessão; o desemprego aumentou. Enquanto as famílias pagavam suas dívidas, o consumo foi devastado.

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Foram necessários dez anos inteiros para que o estímulo econômico compensatório restaurasse a saúde da economia dos EUA. Muitas das economias da Europa ainda sofrem com fraca demanda agregada. 

A política fiscal e monetária poderia ter feito mais e em menos tempo, para concretizar a recuperação. A política foi contida por preocupações em sua maior parte deslocadas sobre a dívida do governo e a inflação. O fato de essa falha não ser mais amplamente reconhecida é um sinal ruim para a resposta política que se espera da próxima vez.

A estagnação, inevitavelmente, alimentou o populismo. E, ao procurar bodes expiatórios e soluções simplistas que os punam, o populismo tornou mais difícil enfrentar os problemas reais de longo prazo que a crise deixou expostos. Três deles se destacam: habitação, empréstimos offshore em dólares e o futuro do euro.

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A forma precisa da próxima crise financeira não está clara – caso contrário, certamente seria evitada. Mas, de uma forma ou de outra, é provável que envolva o conceito de propriedade. Os governos dos países ricos nunca reconciliaram de forma adequada o desejo de incentivar a propriedade da casa com a necessidade de evitar booms perigosos no crédito doméstico, como nos anos 2000. 

Nos Estados Unidos, a relutância em confrontar isso significa que o contribuinte subscreve 70% de todos os novos empréstimos hipotecários. Em todos os lugares, os regulamentos incentivam os bancos a emprestar contra a propriedade, em vez de conceder empréstimos às empresas. O risco será mitigado somente quando os políticos adotarem reformas fundamentais, como a redução do endividamento das famílias, com hipotecas de compartilhamento de risco. Nos Estados Unidos, os contribuintes devem sair do negócio espúrio de garantir a dívida hipotecária. Infelizmente, é altamente improvável que os populistas encarem os proprietários de casas.

Durante a recessão, há dez anos, desemprego aumentou e consumo foi devastado; crise afetou profundamente o mercado imobiliário Foto: REUTERS/Mark Avery (UNITED STATES)
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Além disso, a crise se espalhou através das fronteiras porque os bancos europeus ficaram sem os dólares de que precisavam para restituir seus empréstimos feitos em moeda americana. O Fed, então, ofereceu aos estrangeiros US$ 1 trilhão de liquidez.

Desde então, as dívidas de dólar offshore praticamente dobraram.  Para uma próxima crise, é improvável que o sistema político dos Estados Unidos deixe o Fed agir da mesma forma, como apoio a esse vasto sistema, mesmo depois que Donald Trump deixar a Casa Branca. Encontrar formas de tornar seguro os empréstimos offshore, como reunir reservas em dólares entre países emergentes, depende da cooperação internacional do tipo que está rapidamente caindo fora de moda.

A ascensão do nacionalismo também dificulta para a Europa a solução dos problemas estruturais do euro. A crise mostrou como os bancos e o governo de um país estão interligados: o estado luta para tomar empréstimos suficientes para sustentar os bancos, que são arrastados para baixo pela queda do valor da dívida pública. 

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Este círculo vicioso, em que os bancos em dificuldades e Estados soberanos levam um ao outro para o buraco permanece praticamente intacto. Até que a Europa compartilhe mais riscos além das fronteiras nacionais – seja através de mercados financeiros, garantias de depósito ou política fiscal – o futuro da moeda única permanecerá em dúvida. Um caótico colapso do euro faria com que a crise de 2008 parecesse fichinha.

Os formuladores de políticas tornaram a economia mais segura, mas ainda têm muitas lições a aprender. E uma geopolítica fraturada tende a dificultar ainda mais o financiamento globalizado. Uma década depois do fracasso do Lehman, o sistema financeiro ainda tem muitas questões preocupantes para serem reparados. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO  © 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER  LIMITED. DIREITOS RESERVADOS.  PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO  ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

Quando os historiadores olharem para o início do século 21, identificarão dois choques sísmicos. O primeiro se deu com os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001; o segundo, com a crise financeira global, que irrompeu violentamente há dez anos completados este mês, com o colapso do Lehman Brothers. O 11 de setembro resultou em guerra. A falência do Lehman, resultou em um ajuste de contas econômico e político. Assim como a luta contra o terrorismo ainda continua, o ajuste de contas está longe de terminar.

O Lehman faliu depois de perder dinheiro com empréstimos tóxicos e títulos ligados ao mercado imobiliário americano. Sua falência desencadeou o caos. O comércio caiu em todos os países acompanhados pela Organização Mundial do Comércio (OMC). O crédito fornecido à economia real caiu, em cerca de US$ 2 trilhões só nos Estados Unidos. Para conter o endividamento, os governos recorreram à austeridade. Tendo esgotado o campo de ação para reduzir as taxas de juros, os bancos centrais recorreram ao afrouxamento monetário (criando dinheiro para a compra de ativos).

Assim como as causas da crise foram muitas e variadas, também foram diversas as suas consequências. A crise impulsionou o surto populista de hoje, levantando questões sobre desigualdade de renda, insegurança no emprego e globalização. Mas também mudou o sistema financeiro. A questão é: essa mudança foi suficiente?

Crise crônica. Colapsos bancários sistêmicos são uma característica da história humana. O Fundo Monetário Internacional (FMI) contabilizou 124 deles entre 1970 e 2007. E não há dúvida de que eles ocorrerão novamente, no mínimo porque os tempos de bonança costuma gerar complacência. Basta observar que o governo de Donald Trump está desregulamentando as finanças durante um boom econômico. Mesmo quando a prudência predomina, nenhuma autoridade reguladora consegue fazer um julgamento perfeito dos riscos.

Mais importante, no entanto, seria questionar se o tamanho das crises e as probabilidades de ocorrerem podem ser reduzidos. Nesse ponto, a notícias são boas e ruins.

Primeiro, a boa notícia. Os bancos agora precisam se financiar com mais capital e menos dívida. Eles dependem menos de transações para ganhar dinheiro e menos de tomar empréstimos no atacado, no curto prazo, para financiar suas atividades. Mesmo na Europa, onde poucos bancos obtêm grandes lucros, o sistema no total está mais forte do que era.

Autoridades reguladoras reforçaram seu controle, especialmente sobre as instituições que são grandes demais para falir. Nos dois lados do Atlântico, os bancos estão sujeitos a testes de estresse regulares e devem apresentar planos para sua própria extinção organizada. Os mercados de derivativos, do tipo que derrubaram a seguradora AIG, hoje são menores e mais seguros.

As políticas de pagamento reformuladas também devem evitar repetir a injustiça dos banqueiros receberem dinheiro público enquanto embolsaram grandes pacotes de pagamentos – em 2009, os membros dos cinco maiores bancos embolsaram US$ 114 bilhões.

Ainda por fazer. Muitas lições ainda não foram aprendidas. Um exemplo disso está nos erros cometidos pelos formuladores de políticas no rescaldo da crise. O governo não teve escolha a não ser dar apoio a bancos em dificuldades, mas isso levou à decisão equivocada de abandonar famílias insolventes. Talvez 9 milhões de americanos tenham perdido suas casas na recessão; o desemprego aumentou. Enquanto as famílias pagavam suas dívidas, o consumo foi devastado.

Foram necessários dez anos inteiros para que o estímulo econômico compensatório restaurasse a saúde da economia dos EUA. Muitas das economias da Europa ainda sofrem com fraca demanda agregada. 

A política fiscal e monetária poderia ter feito mais e em menos tempo, para concretizar a recuperação. A política foi contida por preocupações em sua maior parte deslocadas sobre a dívida do governo e a inflação. O fato de essa falha não ser mais amplamente reconhecida é um sinal ruim para a resposta política que se espera da próxima vez.

A estagnação, inevitavelmente, alimentou o populismo. E, ao procurar bodes expiatórios e soluções simplistas que os punam, o populismo tornou mais difícil enfrentar os problemas reais de longo prazo que a crise deixou expostos. Três deles se destacam: habitação, empréstimos offshore em dólares e o futuro do euro.

A forma precisa da próxima crise financeira não está clara – caso contrário, certamente seria evitada. Mas, de uma forma ou de outra, é provável que envolva o conceito de propriedade. Os governos dos países ricos nunca reconciliaram de forma adequada o desejo de incentivar a propriedade da casa com a necessidade de evitar booms perigosos no crédito doméstico, como nos anos 2000. 

Nos Estados Unidos, a relutância em confrontar isso significa que o contribuinte subscreve 70% de todos os novos empréstimos hipotecários. Em todos os lugares, os regulamentos incentivam os bancos a emprestar contra a propriedade, em vez de conceder empréstimos às empresas. O risco será mitigado somente quando os políticos adotarem reformas fundamentais, como a redução do endividamento das famílias, com hipotecas de compartilhamento de risco. Nos Estados Unidos, os contribuintes devem sair do negócio espúrio de garantir a dívida hipotecária. Infelizmente, é altamente improvável que os populistas encarem os proprietários de casas.

Durante a recessão, há dez anos, desemprego aumentou e consumo foi devastado; crise afetou profundamente o mercado imobiliário Foto: REUTERS/Mark Avery (UNITED STATES)

Além disso, a crise se espalhou através das fronteiras porque os bancos europeus ficaram sem os dólares de que precisavam para restituir seus empréstimos feitos em moeda americana. O Fed, então, ofereceu aos estrangeiros US$ 1 trilhão de liquidez.

Desde então, as dívidas de dólar offshore praticamente dobraram.  Para uma próxima crise, é improvável que o sistema político dos Estados Unidos deixe o Fed agir da mesma forma, como apoio a esse vasto sistema, mesmo depois que Donald Trump deixar a Casa Branca. Encontrar formas de tornar seguro os empréstimos offshore, como reunir reservas em dólares entre países emergentes, depende da cooperação internacional do tipo que está rapidamente caindo fora de moda.

A ascensão do nacionalismo também dificulta para a Europa a solução dos problemas estruturais do euro. A crise mostrou como os bancos e o governo de um país estão interligados: o estado luta para tomar empréstimos suficientes para sustentar os bancos, que são arrastados para baixo pela queda do valor da dívida pública. 

Este círculo vicioso, em que os bancos em dificuldades e Estados soberanos levam um ao outro para o buraco permanece praticamente intacto. Até que a Europa compartilhe mais riscos além das fronteiras nacionais – seja através de mercados financeiros, garantias de depósito ou política fiscal – o futuro da moeda única permanecerá em dúvida. Um caótico colapso do euro faria com que a crise de 2008 parecesse fichinha.

Os formuladores de políticas tornaram a economia mais segura, mas ainda têm muitas lições a aprender. E uma geopolítica fraturada tende a dificultar ainda mais o financiamento globalizado. Uma década depois do fracasso do Lehman, o sistema financeiro ainda tem muitas questões preocupantes para serem reparados. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO  © 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER  LIMITED. DIREITOS RESERVADOS.  PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO  ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

Quando os historiadores olharem para o início do século 21, identificarão dois choques sísmicos. O primeiro se deu com os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001; o segundo, com a crise financeira global, que irrompeu violentamente há dez anos completados este mês, com o colapso do Lehman Brothers. O 11 de setembro resultou em guerra. A falência do Lehman, resultou em um ajuste de contas econômico e político. Assim como a luta contra o terrorismo ainda continua, o ajuste de contas está longe de terminar.

O Lehman faliu depois de perder dinheiro com empréstimos tóxicos e títulos ligados ao mercado imobiliário americano. Sua falência desencadeou o caos. O comércio caiu em todos os países acompanhados pela Organização Mundial do Comércio (OMC). O crédito fornecido à economia real caiu, em cerca de US$ 2 trilhões só nos Estados Unidos. Para conter o endividamento, os governos recorreram à austeridade. Tendo esgotado o campo de ação para reduzir as taxas de juros, os bancos centrais recorreram ao afrouxamento monetário (criando dinheiro para a compra de ativos).

Assim como as causas da crise foram muitas e variadas, também foram diversas as suas consequências. A crise impulsionou o surto populista de hoje, levantando questões sobre desigualdade de renda, insegurança no emprego e globalização. Mas também mudou o sistema financeiro. A questão é: essa mudança foi suficiente?

Crise crônica. Colapsos bancários sistêmicos são uma característica da história humana. O Fundo Monetário Internacional (FMI) contabilizou 124 deles entre 1970 e 2007. E não há dúvida de que eles ocorrerão novamente, no mínimo porque os tempos de bonança costuma gerar complacência. Basta observar que o governo de Donald Trump está desregulamentando as finanças durante um boom econômico. Mesmo quando a prudência predomina, nenhuma autoridade reguladora consegue fazer um julgamento perfeito dos riscos.

Mais importante, no entanto, seria questionar se o tamanho das crises e as probabilidades de ocorrerem podem ser reduzidos. Nesse ponto, a notícias são boas e ruins.

Primeiro, a boa notícia. Os bancos agora precisam se financiar com mais capital e menos dívida. Eles dependem menos de transações para ganhar dinheiro e menos de tomar empréstimos no atacado, no curto prazo, para financiar suas atividades. Mesmo na Europa, onde poucos bancos obtêm grandes lucros, o sistema no total está mais forte do que era.

Autoridades reguladoras reforçaram seu controle, especialmente sobre as instituições que são grandes demais para falir. Nos dois lados do Atlântico, os bancos estão sujeitos a testes de estresse regulares e devem apresentar planos para sua própria extinção organizada. Os mercados de derivativos, do tipo que derrubaram a seguradora AIG, hoje são menores e mais seguros.

As políticas de pagamento reformuladas também devem evitar repetir a injustiça dos banqueiros receberem dinheiro público enquanto embolsaram grandes pacotes de pagamentos – em 2009, os membros dos cinco maiores bancos embolsaram US$ 114 bilhões.

Ainda por fazer. Muitas lições ainda não foram aprendidas. Um exemplo disso está nos erros cometidos pelos formuladores de políticas no rescaldo da crise. O governo não teve escolha a não ser dar apoio a bancos em dificuldades, mas isso levou à decisão equivocada de abandonar famílias insolventes. Talvez 9 milhões de americanos tenham perdido suas casas na recessão; o desemprego aumentou. Enquanto as famílias pagavam suas dívidas, o consumo foi devastado.

Foram necessários dez anos inteiros para que o estímulo econômico compensatório restaurasse a saúde da economia dos EUA. Muitas das economias da Europa ainda sofrem com fraca demanda agregada. 

A política fiscal e monetária poderia ter feito mais e em menos tempo, para concretizar a recuperação. A política foi contida por preocupações em sua maior parte deslocadas sobre a dívida do governo e a inflação. O fato de essa falha não ser mais amplamente reconhecida é um sinal ruim para a resposta política que se espera da próxima vez.

A estagnação, inevitavelmente, alimentou o populismo. E, ao procurar bodes expiatórios e soluções simplistas que os punam, o populismo tornou mais difícil enfrentar os problemas reais de longo prazo que a crise deixou expostos. Três deles se destacam: habitação, empréstimos offshore em dólares e o futuro do euro.

A forma precisa da próxima crise financeira não está clara – caso contrário, certamente seria evitada. Mas, de uma forma ou de outra, é provável que envolva o conceito de propriedade. Os governos dos países ricos nunca reconciliaram de forma adequada o desejo de incentivar a propriedade da casa com a necessidade de evitar booms perigosos no crédito doméstico, como nos anos 2000. 

Nos Estados Unidos, a relutância em confrontar isso significa que o contribuinte subscreve 70% de todos os novos empréstimos hipotecários. Em todos os lugares, os regulamentos incentivam os bancos a emprestar contra a propriedade, em vez de conceder empréstimos às empresas. O risco será mitigado somente quando os políticos adotarem reformas fundamentais, como a redução do endividamento das famílias, com hipotecas de compartilhamento de risco. Nos Estados Unidos, os contribuintes devem sair do negócio espúrio de garantir a dívida hipotecária. Infelizmente, é altamente improvável que os populistas encarem os proprietários de casas.

Durante a recessão, há dez anos, desemprego aumentou e consumo foi devastado; crise afetou profundamente o mercado imobiliário Foto: REUTERS/Mark Avery (UNITED STATES)

Além disso, a crise se espalhou através das fronteiras porque os bancos europeus ficaram sem os dólares de que precisavam para restituir seus empréstimos feitos em moeda americana. O Fed, então, ofereceu aos estrangeiros US$ 1 trilhão de liquidez.

Desde então, as dívidas de dólar offshore praticamente dobraram.  Para uma próxima crise, é improvável que o sistema político dos Estados Unidos deixe o Fed agir da mesma forma, como apoio a esse vasto sistema, mesmo depois que Donald Trump deixar a Casa Branca. Encontrar formas de tornar seguro os empréstimos offshore, como reunir reservas em dólares entre países emergentes, depende da cooperação internacional do tipo que está rapidamente caindo fora de moda.

A ascensão do nacionalismo também dificulta para a Europa a solução dos problemas estruturais do euro. A crise mostrou como os bancos e o governo de um país estão interligados: o estado luta para tomar empréstimos suficientes para sustentar os bancos, que são arrastados para baixo pela queda do valor da dívida pública. 

Este círculo vicioso, em que os bancos em dificuldades e Estados soberanos levam um ao outro para o buraco permanece praticamente intacto. Até que a Europa compartilhe mais riscos além das fronteiras nacionais – seja através de mercados financeiros, garantias de depósito ou política fiscal – o futuro da moeda única permanecerá em dúvida. Um caótico colapso do euro faria com que a crise de 2008 parecesse fichinha.

Os formuladores de políticas tornaram a economia mais segura, mas ainda têm muitas lições a aprender. E uma geopolítica fraturada tende a dificultar ainda mais o financiamento globalizado. Uma década depois do fracasso do Lehman, o sistema financeiro ainda tem muitas questões preocupantes para serem reparados. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO  © 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER  LIMITED. DIREITOS RESERVADOS.  PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO  ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

Quando os historiadores olharem para o início do século 21, identificarão dois choques sísmicos. O primeiro se deu com os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001; o segundo, com a crise financeira global, que irrompeu violentamente há dez anos completados este mês, com o colapso do Lehman Brothers. O 11 de setembro resultou em guerra. A falência do Lehman, resultou em um ajuste de contas econômico e político. Assim como a luta contra o terrorismo ainda continua, o ajuste de contas está longe de terminar.

O Lehman faliu depois de perder dinheiro com empréstimos tóxicos e títulos ligados ao mercado imobiliário americano. Sua falência desencadeou o caos. O comércio caiu em todos os países acompanhados pela Organização Mundial do Comércio (OMC). O crédito fornecido à economia real caiu, em cerca de US$ 2 trilhões só nos Estados Unidos. Para conter o endividamento, os governos recorreram à austeridade. Tendo esgotado o campo de ação para reduzir as taxas de juros, os bancos centrais recorreram ao afrouxamento monetário (criando dinheiro para a compra de ativos).

Assim como as causas da crise foram muitas e variadas, também foram diversas as suas consequências. A crise impulsionou o surto populista de hoje, levantando questões sobre desigualdade de renda, insegurança no emprego e globalização. Mas também mudou o sistema financeiro. A questão é: essa mudança foi suficiente?

Crise crônica. Colapsos bancários sistêmicos são uma característica da história humana. O Fundo Monetário Internacional (FMI) contabilizou 124 deles entre 1970 e 2007. E não há dúvida de que eles ocorrerão novamente, no mínimo porque os tempos de bonança costuma gerar complacência. Basta observar que o governo de Donald Trump está desregulamentando as finanças durante um boom econômico. Mesmo quando a prudência predomina, nenhuma autoridade reguladora consegue fazer um julgamento perfeito dos riscos.

Mais importante, no entanto, seria questionar se o tamanho das crises e as probabilidades de ocorrerem podem ser reduzidos. Nesse ponto, a notícias são boas e ruins.

Primeiro, a boa notícia. Os bancos agora precisam se financiar com mais capital e menos dívida. Eles dependem menos de transações para ganhar dinheiro e menos de tomar empréstimos no atacado, no curto prazo, para financiar suas atividades. Mesmo na Europa, onde poucos bancos obtêm grandes lucros, o sistema no total está mais forte do que era.

Autoridades reguladoras reforçaram seu controle, especialmente sobre as instituições que são grandes demais para falir. Nos dois lados do Atlântico, os bancos estão sujeitos a testes de estresse regulares e devem apresentar planos para sua própria extinção organizada. Os mercados de derivativos, do tipo que derrubaram a seguradora AIG, hoje são menores e mais seguros.

As políticas de pagamento reformuladas também devem evitar repetir a injustiça dos banqueiros receberem dinheiro público enquanto embolsaram grandes pacotes de pagamentos – em 2009, os membros dos cinco maiores bancos embolsaram US$ 114 bilhões.

Ainda por fazer. Muitas lições ainda não foram aprendidas. Um exemplo disso está nos erros cometidos pelos formuladores de políticas no rescaldo da crise. O governo não teve escolha a não ser dar apoio a bancos em dificuldades, mas isso levou à decisão equivocada de abandonar famílias insolventes. Talvez 9 milhões de americanos tenham perdido suas casas na recessão; o desemprego aumentou. Enquanto as famílias pagavam suas dívidas, o consumo foi devastado.

Foram necessários dez anos inteiros para que o estímulo econômico compensatório restaurasse a saúde da economia dos EUA. Muitas das economias da Europa ainda sofrem com fraca demanda agregada. 

A política fiscal e monetária poderia ter feito mais e em menos tempo, para concretizar a recuperação. A política foi contida por preocupações em sua maior parte deslocadas sobre a dívida do governo e a inflação. O fato de essa falha não ser mais amplamente reconhecida é um sinal ruim para a resposta política que se espera da próxima vez.

A estagnação, inevitavelmente, alimentou o populismo. E, ao procurar bodes expiatórios e soluções simplistas que os punam, o populismo tornou mais difícil enfrentar os problemas reais de longo prazo que a crise deixou expostos. Três deles se destacam: habitação, empréstimos offshore em dólares e o futuro do euro.

A forma precisa da próxima crise financeira não está clara – caso contrário, certamente seria evitada. Mas, de uma forma ou de outra, é provável que envolva o conceito de propriedade. Os governos dos países ricos nunca reconciliaram de forma adequada o desejo de incentivar a propriedade da casa com a necessidade de evitar booms perigosos no crédito doméstico, como nos anos 2000. 

Nos Estados Unidos, a relutância em confrontar isso significa que o contribuinte subscreve 70% de todos os novos empréstimos hipotecários. Em todos os lugares, os regulamentos incentivam os bancos a emprestar contra a propriedade, em vez de conceder empréstimos às empresas. O risco será mitigado somente quando os políticos adotarem reformas fundamentais, como a redução do endividamento das famílias, com hipotecas de compartilhamento de risco. Nos Estados Unidos, os contribuintes devem sair do negócio espúrio de garantir a dívida hipotecária. Infelizmente, é altamente improvável que os populistas encarem os proprietários de casas.

Durante a recessão, há dez anos, desemprego aumentou e consumo foi devastado; crise afetou profundamente o mercado imobiliário Foto: REUTERS/Mark Avery (UNITED STATES)

Além disso, a crise se espalhou através das fronteiras porque os bancos europeus ficaram sem os dólares de que precisavam para restituir seus empréstimos feitos em moeda americana. O Fed, então, ofereceu aos estrangeiros US$ 1 trilhão de liquidez.

Desde então, as dívidas de dólar offshore praticamente dobraram.  Para uma próxima crise, é improvável que o sistema político dos Estados Unidos deixe o Fed agir da mesma forma, como apoio a esse vasto sistema, mesmo depois que Donald Trump deixar a Casa Branca. Encontrar formas de tornar seguro os empréstimos offshore, como reunir reservas em dólares entre países emergentes, depende da cooperação internacional do tipo que está rapidamente caindo fora de moda.

A ascensão do nacionalismo também dificulta para a Europa a solução dos problemas estruturais do euro. A crise mostrou como os bancos e o governo de um país estão interligados: o estado luta para tomar empréstimos suficientes para sustentar os bancos, que são arrastados para baixo pela queda do valor da dívida pública. 

Este círculo vicioso, em que os bancos em dificuldades e Estados soberanos levam um ao outro para o buraco permanece praticamente intacto. Até que a Europa compartilhe mais riscos além das fronteiras nacionais – seja através de mercados financeiros, garantias de depósito ou política fiscal – o futuro da moeda única permanecerá em dúvida. Um caótico colapso do euro faria com que a crise de 2008 parecesse fichinha.

Os formuladores de políticas tornaram a economia mais segura, mas ainda têm muitas lições a aprender. E uma geopolítica fraturada tende a dificultar ainda mais o financiamento globalizado. Uma década depois do fracasso do Lehman, o sistema financeiro ainda tem muitas questões preocupantes para serem reparados. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO  © 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER  LIMITED. DIREITOS RESERVADOS.  PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO  ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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