A chegada do mês de julho marca o aniversário de dez anos da crise financeira da Ásia. Desde a desvalorização do baht, na Tailândia, ocorrência que ficou marcada na comunidade internacional como o estopim da crise em 1997, o cenário global mudou sensivelmente. Para analistas em Wall Street e Londres e acadêmicos das universidades norte-americanas, parte da mudança classificada como favorável, principalmente, nos países emergentes é avaliada como o "legado da crise". Ou seja, políticas macro e de mercados mais responsáveis foram adotadas por diversos emergentes como reação, ou aprendizagem, aos golpes seqüenciais desferidos no período turbulento que abrange as crises da Ásia em 1997, da Rússia e do fundo hedge LTCM ambas em 1998, e que comprovaram da forma mais dolorosa que naquela década os mercados realmente já estavam globais. No caso do Brasil, somam-se ainda ocorrências locais, como a desvalorização cambial em 1999. Atualmente, a economia mundial experimenta seis anos consecutivos de crescimento em ritmo ainda forte e os países emergentes mostram-se muito menos vulneráveis aos choques do ambiente internacional. Este ano, em uma apresentação em Cingapura, o diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Departamento Ásia-Pacífico, David Burton, disse que "ao olhar para trás, a crise da Ásia provou ser um revés temporário". No entanto, naquele momento, observa o economista, os emergentes sofreram com a reversão do sentimento do investidor e a saída abrupta de capital internacional. Estopim na Tailândia O estopim da crise asiática ocorreu no dia 2 de julho de 1997, quando a Tailândia foi forçada a promover uma desvalorização de 18% em sua moeda, o bath, até então atrelado ao dólar, que vinha sendo alvo nas semanas anteriores de um ataque de especuladores. O contágio se espalhou rapidamente para outros países do sudeste asiático, como a Malásia, Filipinas, Indonésia e Cingapura. Quando atingiu a Coréia do Sul, uma das maiores potências da região, passou a ser vista como uma ameaça real para o sistema financeiro mundial. A crise ocorreu após décadas de uma performance econômica espetacular dos países asiáticos - daí o apelido de ´tigres´. Mas, como explica o FMI, "uma combinação de supervisão inadequada do setor financeiro, gerenciamento pobre do risco, e a manutenção de taxas de câmbio relativamente fixas levaram os bancos a captar grandes empréstimos de capital internacional, boa parte deles de curto prazo, denominados em moeda estrangeira, e não protegidos por operações hedge". Esse fluxo de dinheiro estrangeiro começou a ser usado para financiar investimentos de qualidade pobre. "Embora o gasto do setor privado e as decisões financeiras causaram a crise, ela foi agravada por problemas de governança", argumenta o FMI, que foi obrigado a promover sucessivas operações de socorro para tentar apagar os incêndios financeiros na região (muitos deles, importante lembrar, causados por prescrições equivocadas do próprio Fundo). "Acontecimentos nas economias avançadas, como o fraco crescimento na Europa e Japão que causaram uma carência de oportunidades de investimentos atrativas e mantiveram as taxas de juros baixas nesses países, também contribuíram para a formação da crise." As conseqüências foram graves. Ocorreram fortes declínios em moedas, bolsas de valores e nos preços dos ativos financeiros de vários países asiáticos, cujos sistemas financeiros ficaram ameaçados. O impacto também chegou à economia real, com falências, desemprego e agravamento de problemas sociais. Outros países emergentes também foram pressionados. O crescimento da economia mundial foi freado nos dois anos seguintes. Brasil na tempestade O Brasil, dentro do pacote de risco que eram os emergentes, do qual os investidores queriam se desfazer naquele momento, foi abatido pela ventania, mas não em termos macroeconômicos na proporção em que foram deprimidos os emergentes asiáticos. Para analistas, a retração experimentada pelos Tigres Asiáticos acabou tendo o efeito mitigado no Brasil porque, naquele momento, os laços comerciais do País não eram intensos com a região. "O restante do mundo, fora do Sudeste da Ásia, continuava a crescer. E, enquanto os EUA e Europa continuavam avançando, as exportações do Brasil continuavam fortes", lembra Jay Bryson, especialista do banco Wachovia para economia global. "Do impacto sentido na Ásia, o que sobrou para países como o Brasil foi gerenciável", avalia o diretor para o Departamento de Estudos Brasileiros, da Columbia University, em Nova York, Thomas Trebat. "No início, parecia que o incidente era apenas de importância regional. Mas a crise da Ásia foi um novo capítulo no livro da volatilidade dos mercados emergentes. O segundo capítulo foi a Rússia, em agosto de 1998, e o terceiro, a crise do fundo hedge LTCM, em setembro daquele mesmo ano", lembra o professor. De fato, a trajetória de crescimento econômico do Brasil comparada à da Indonésia indica a diferença do impacto sentido nos dois países. De 1997 para 1998, o PIB brasileiro desacelerou de 3,2% para 0,2%, de acordo com dados do FMI. Neste mesmo período, o PIB da Indonésia mergulhou de 4,5% para -13,5%, segundo o Fundo. Bryson pondera que se o PIB do Brasil em 1998 for comparado à queda do PIB na Tailândia, que teve retração de 10% naquele ano, o crescimento brasileiro em torno de zero mostra que o País não se desmoronou com a crise. John Williamson, pesquisador Peterson Institute para Economia Internacional, antigo Instituto de Economia Internacional (IIE), avalia que o PIB da Indonésia ainda não se recuperou totalmente da crise. "A Indonésia ainda está sofrendo 10 anos depois." O país asiático não conseguiu mais elevar o PIB para o nível de 7,5% registrado antes da crise de 1997. De acordo com dados do FMI, em termos agregados, o PIB dos países asiáticos industrializados recuou de 5,8% em 1997 para -2,4% em 1998. Em torno deste período, organismos multilaterais, como o FMI, vieram em socorro de diversos emergentes, como também foi o caso para o Brasil. Contudo, ainda que "o custo para o PIB brasileiro tenha sido bastante baixo, o governo ficou fortemente endividado, o que é um custo subseqüente" das crises, pondera Williamson. De fato, sem contabilizar a revisão metodológica do IBGE, dados do Banco Central indicam que a relação dívida líquida/PIB não ultrapassava 35% em 1997, subiu em direção a 40% em 1998 e superou 50% em 1999, principalmente em conseqüência da desvalorização cambial. No entanto, a relação dívida/PIB iria se aproximar de 60% apenas às vésperas das eleições presidenciais, em 2002. Hoje, dados do Tesouro indicam que a relação dívida/PIB está em 44,4%.