THE NEW YORK TIMES, TÓQUIO - Estava escuro quando Daiki Funamizu encostou seu caminhão no mercado de Osaka, encerrando uma viagem de 15 horas pela ilha principal do Japão. Ele esfregou as costas doloridas e enxugou o suor da testa. Em seguida, começou a trabalhar por mais várias horas para descarregar 500 caixas de maçãs vermelhas.
Funamizu, 35 anos, afirma que costumava gostar de dirigir. Agora, no entanto, com o número de motoristas cada vez menor, à medida que a população do Japão diminui e os trabalhadores abandonam o setor, “devo dizer que odeio”, disse ele.
Os caminhões são considerados uma engrenagem crucial em uma das maiores economias do mundo, além de ser a força vital da cultura japonesa de ultraconveniência. Mas o setor e os seus motoristas estão sob imensa pressão.
Para melhorar as condições de trabalho e torná-lo mais atraente, o governo está adotando medidas para limitar as horas extras pela primeira vez no próximo ano, diminuindo as horas punitivas que há muito tempo definem o transporte por caminhão no país.
A solução desse problema, no entanto, criará outros, o que pode afetar todo o sistema de logística japonês. É improvável que um número suficiente de motoristas possa ser contratado em breve para compensar as horas extras perdidas.
Além disso, esse déficit pode deixar as prateleiras dos supermercados sem alguns itens e ameaçar a rapidez do transporte porta a porta - bagagem para o aeroporto ou tacos de golfe para o resort - com a qual os japoneses estão acostumados.
Autoridades chamam situação de ‘problema de 2024′
“Acredito que essa será uma aterrissagem difícil”, disse Mikio Tasaka, pesquisador do NX Logistics Research Institute and Consulting, um think tank em Tóquio.
O governo está sendo estimulado a agir à medida que trabalhadores de diversos setores se opõem a uma cultura de trabalho extremista, que deixa pouco espaço para o equilíbrio entre vida pessoal e profissional e até mesmo levou alguns trabalhadores à morte por excesso de trabalho.
As horas extras também serão limitadas para trabalhadores da construção civil, médicos e motoristas de ônibus e táxis - trabalhadores que, assim como os caminhoneiros, costumam trabalhar longas horas por conta da escassez de mão de obra em um país com 130 vagas de emprego para cada 100 candidatos.
Esses setores também estão se preparando para um choque. Mas o desafio será particularmente grave para os caminhoneiros.
Mais de 90% da carga no Japão é transportada por via rodoviária, em comparação com cerca de 73% nos Estados Unidos. Com as horas extras perdidas, os analistas estão estimando um déficit de 14% na capacidade de entrega no próximo ano.
Alguns motoristas fazem 100 horas extras ou mais por mês, porque o trabalho exige isso ou porque eles precisam do pagamento extra. A partir de abril, no entanto, as horas extras serão limitadas a uma média mensal de 80 horas ou a um limite diário de 15 horas de trabalho.
Mudanças já são sentidas
Antes mesmo de o limite de horas extras ser decretado, os efeitos da escassez de motoristas já foram amplamente sentidos.
As lojas de conveniência estão reduzindo as entregas de lanches de três para duas vezes ao dia. As cadeias de supermercados estão permitindo um dia extra para a entrega e evitando o transporte noturno. Elas também estão tentando compartilhar centros de distribuição e padronizar os tamanhos das caixas, sob a orientação do governo.
Depois que as novas regras de horas extras entrarem em vigor, as entregas de um ou dois dias talvez não sejam mais possíveis, dizem os economistas. Poderá haver menos frutos do mar frescos e menos frutas e legumes nos supermercados. Os custos de remessa podem aumentar em 10%. A entrega pode não estar disponível para alguns clientes durante as épocas de pico, como Natal e Ano Novo.
Em Aomori, uma província do norte do Japão famosa pela qualidade de suas maçãs, os agricultores estão preocupados com o atraso nas entregas e o aumento dos custos de transporte, que podem prejudicar o negócio. “Sem motoristas de caminhão, não podemos transportar”, disse Shoji Naraki, 55 anos, um produtor de maçãs em Aomori.
Além da escassez de mão de obra, o setor de caminhões é limitado por práticas ultrapassadas, moldadas pelos hábitos das pessoas em outros pontos da cadeia de suprimentos, como fornecedores e varejistas, o que dificulta a busca de novas eficiências.
“Não é tão fácil fazer mudanças de uma só vez nesse setor”, afirma Haruhiko Hoshino, funcionário da associação que representa o setor de caminhões do Japão, referindo-se à sua natureza interdependente.
Os caminhões no Japão não têm reboques removíveis, ao contrário dos caminhões em grande parte do mundo desenvolvido. As caixas de papelão não são padronizadas - há 400 tamanhos diferentes para o transporte de laranjas, por exemplo.
“A padronização no setor de logística está muito atrasada no Japão”, explica Yuji Yano, que estuda sistemas de entrega na Universidade Ryutsu Keizai, no Japão. “Os tamanhos dos paletes não são padronizados. Os fabricantes e atacadistas não usam sistemas padronizados de compartilhamento de dados.”
A falta de uniformidade significa que a carga tem de ser carregada e descarregada à mão - trabalho realizado por empilhadeiras em outros países, mas pelos próprios caminhoneiros no Japão, que muitas vezes não são pagos por esse trabalho, porque não faz parte dos seus contratos, dizem os especialistas.
Em Aomori, essas práticas profundamente enraizadas significam que uma fila de caminhoneiros tem de esperar horas pela sua vez no pátio de carregamento de maçãs.
“Os motoristas trabalham muito”, diz Funamizu, o caminhoneiro que recentemente fez uma viagem de produtos de Aomori para Osaka. “Não acho que o sistema de distribuição no Japão vá mudar - não se pode evitar.”
Para amenizar o golpe no setor de transporte rodoviário, o governo japonês propôs uma série de mudanças.
As autoridades pediram taxas mais justas para as empresas de transporte rodoviário, além de criar processos mais eficientes para reduzir o tempo que os motoristas precisam esperar para carregar e descarregar caminhões. Eles ainda pediram às empresas que usem com mais frequência meios de transporte alternativos, como trens e navios. Além disso, eles consideram aumentar os limites de velocidade das rodovias para caminhões de 80 para 100 quilômetros por hora.
O primeiro-ministro Fumio Kishida disse que trabalhará para aumentar o salário dos motoristas de caminhão, prometeu subsídios para que as empresas de logística atualizem seus sistemas e pediu aos moradores que estejam em casa quando suas entregas estiverem programadas para chegar, apontando para a necessidade de reduzir as entregas repetidas que atrasam os motoristas.
As empresas de transporte rodoviário também estão considerando mudanças, incluindo a permissão para que trabalhadores estrangeiros se tornem motoristas de caminhão. (Atualmente, há 200 vagas para cada 100 candidatos a motoristas de caminhão.) Mas as carteiras de motorista no Japão exigem proficiência em japonês, uma habilidade que os trabalhadores estrangeiros têm menos probabilidade de ter.
Alguns motoristas, mesmo lamentando as suas condições de trabalho, dizem ser contra os limites das horas extras. Estão preocupados com os cortes salariais, uma vez que pode ser difícil aumentar o salário dos motoristas e compensar as horas extras perdidas se os consumidores resistirem ao aumento dos custos de transporte.
Tomoyasu Matsuyama, 31 anos, que ganha cerca de US$ 3.060 por mês com a entrega de frutas e legumes, disse que esperava que o seu salário mensal fosse reduzido em US$ 600 quando o limite das horas extras entrasse em vigor.
As transportadoras também estão sendo pressionadas pelo aumento dos preços dos combustíveis e dos custos de manutenção dos veículos, disse Hiroyuki Utsunomiya, 74 anos, presidente de uma empresa de caminhões na província de Miyagi. “Quando a regulamentação for reforçada em 2024, será mais difícil fazer negócios”, disse ele. Em Aomori, o governador pediu que as regras para motoristas de caminhão em sua província fossem flexibilizadas.
Ainda assim, o Ministério dos Transportes do Japão parece firme quanto aos novos limites de horas extras, que foram adiados por cinco anos. “Definitivamente, não estenderemos a moratória”, disse Yudai Furukawa, vice-diretor de política de logística do ministério. “Não há nada mais precioso do que a vida das pessoas.”