Déficit das estatais bate recorde puxado por investimentos e pagamento de debêntures


Especialistas dizem que resultado está dentro do previsto pelo Tesouro e reflete investimentos de empresas de saneamento, além da construção de navios pela Marinha; déficit dos Correios, contudo, dobra no período

Por Alvaro Gribel

BRASÍLIA - O déficit das empresas estatais atingiu o maior nível da série histórica, no acumulado de janeiro a agosto de cada ano: R$ 7,21 bilhões, segundo dados do Banco Central. As estatais federais tiveram resultado negativo de R$ 3,37 bilhões no período, enquanto as estaduais ficaram no vermelho em R$ 3,85 bilhões.

Os números do Banco Central contabilizam o resultado das empresas “abaixo da linha”, ou seja, captando a variação do endividamento das companhias. Esse conceito é diferente do que aparece no balanço das empresas ou no resultado do Tesouro, que mede o fluxo de entrada e saída de recursos do caixa, conceito chamado “acima da linha”.

Os números chamaram atenção, já que o Tesouro é o garantidor em última instância das empresas públicas, mas especialistas apontam que há melhor qualidade na composição desse déficit, que tem sido puxado por investimentos das empresas federais e por pagamento de debêntures (também ligadas a investimentos) pelas estaduais, principalmente nas companhias de saneamento.

continua após a publicidade
Construção do Navio Polar, executado pela Polar 1 e gerenciado pela Empresa Gerencial de Projetos Navais (EMGEPRON). Cerimônia de "batimento de quilha", no dia 17 de outubro de 2023, em Aracruz/ES Foto: MarinhadoBrasil/Divulgação

Segundo Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings, o déficit seria preocupante se fosse puxado por aumento de gastos de custeio, como despesas com pessoal.

(O déficit) não preocupa. O que geralmente preocupa são os gastos com custeio. O que estamos vendo agora são emissões de debêntures, que viram despesas financeiras quando começam a ser pagas. Em geral, no termo de captação, o gasto tem destino”, afirmou.

continua após a publicidade

A visão é a mesma do economista João Pedro Leme, da Tendências Consultoria. Ele explica que a emissão de debêntures por parte das estatais estaduais recebe nota de agências de rating, precisa passar pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e os papéis só atraem investidores após análise criteriosa.

“Não parece preocupante, é uma forma de captação de recursos. Do ponto de vista das estatais, é mais barato, tem vantagens. Foi desenhado para um investidor que acredita no projeto. Quem faz a emissão não só precisa fazer regra contábil, mas tem de submeter essa proposta a uma agência de rating, que vai fazer a avaliação do investimento e vai conceder uma nota”, disse.

continua após a publicidade

Um exemplo de emissão de debêntures, segundo Leme, aconteceu com a Sanepar, empresa de saneamento do Estado do Paraná. A estatal foi ao mercado no início do ano para emitir R$ 600 milhões em papéis que receberam classificação de risco AAA, a maior nota possível, da agência Moody’s. A ação foi coordenada pelo Banco BV e a XP Investimentos.

“Do total de recursos captados para investimentos, 46,75% serão destinados a obras de expansão e melhoria dos sistemas de abastecimento de água e 53,25% para a área de esgotamento sanitário, com expansão e melhoria dos serviços”, afirmou a Sanepar em nota.

continua após a publicidade

Por esse conceito do Banco Central, quando a empresa capta recursos via papéis no mercado, nada acontece com o seu balanço, já que é contabilizado uma receita (o ativo que entra no caixa), mas entra também um passivo (a dívida que terá de ser paga).

No momento em que essa despesa financeira começa a deixar o caixa, o déficit aparece. A estatística não considera o resultado dos bancos públicos e também da Petrobras.

Construção de navios

continua após a publicidade

No número agregado das empresas federais, a visão de especialistas é que houve aportes nessas empresas entre 2013 e 2023. Quando o dinheiro federal entra no caixa da estatal, é contabilizado como superávit. Quando a empresa passa a executar as despesas, como investimentos, por exemplo, transforma-se em déficit.

Em 2019, por exemplo, houve R$ 10 bilhões aportados em empresas estatais. Somente a Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron) recebeu R$ 7,5 bilhões em recursos naquele ano para a construção de quatro fragatas da classe Tamandaré para a Marinha Brasileira. Quando o dinheiro começou a ser gasto, passou a contribuir para o déficit.

Procurada, a empresa afirmou que o último relatório de Receitas e Despesas divulgado pelo Tesouro Nacional apurou um déficit de R$ 1,2 bilhão de janeiro a junho, em grande parte pela construção das fragatas. Até dezembro, a expectativa do Tesouro é de que o déficit suba para R$ 2,5 bilhões.

continua após a publicidade

“Os investimentos da ordem de R$ 1,2 bilhão no exercício de 2024 correspondem ao avanço natural do cronograma do Programa de Construção das Fragatas e do Navio Polar e não indicam haver prejuízo”, afirmou a empresa.

Outra companhia que recebeu aportes foi a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBpar). Ela foi criada em 2021, após a capitalização da Eletrobras, para controlar a parte brasileira em Itaipu Binacional e também a Eletronuclear, que cuida das usinas Angra 1, Angra 2 e Angra 3.

Em 2021, a ENBpar recebeu aporte de R$ 4 bilhões, seguido de outra injeção de recursos de R$ 1,2 bi em 2022. Pelo relatório do Tesouro, a expectativa é de que ela feche o ano com déficit de R$ 631 milhões este ano.

Pelo balanço das empresas, contudo, os Correios viram o déficit saltar de R$ 753 milhões no primeiro semestre de 2023 para R$ 1,35 bilhão no primeiro semestre deste ano. A Infraero também teve uma reversão no seu resultado no mesmo período: superávit de R$ 459 milhões no ano passado contra déficit de R$ 106 milhões.

MGI não divulga relatório detalhado

No governo Lula, o Ministério da Gestão e Inovação parou de divulgar o relatório anual com o relatório das empresas estatais. Isso tirou transparência dos dados e dificultou a análise sobre os números.

Apesar disso, o economista da Az Quest, Alexandre Manoel, especialista em política fiscal, diz que os dados estão em linha com o esperado pelo Tesouro.

“No caso das estatais federais, está tudo dentro do previsto pelo próprio Tesouro. Seria um problema se os números estivessem surpreendendo negativamente. As empresas que ficaram de fora da meta de primário, como a ENBPar, entraram na contabilidade do Banco Central, também como esperado”, afirmou.

“No caso dos Estados, claramente é decorrência das exigências da privatização do saneamento. E não tem outra forma. A não ser que se queira fazer doação para as empresas”, concluiu.

BRASÍLIA - O déficit das empresas estatais atingiu o maior nível da série histórica, no acumulado de janeiro a agosto de cada ano: R$ 7,21 bilhões, segundo dados do Banco Central. As estatais federais tiveram resultado negativo de R$ 3,37 bilhões no período, enquanto as estaduais ficaram no vermelho em R$ 3,85 bilhões.

Os números do Banco Central contabilizam o resultado das empresas “abaixo da linha”, ou seja, captando a variação do endividamento das companhias. Esse conceito é diferente do que aparece no balanço das empresas ou no resultado do Tesouro, que mede o fluxo de entrada e saída de recursos do caixa, conceito chamado “acima da linha”.

Os números chamaram atenção, já que o Tesouro é o garantidor em última instância das empresas públicas, mas especialistas apontam que há melhor qualidade na composição desse déficit, que tem sido puxado por investimentos das empresas federais e por pagamento de debêntures (também ligadas a investimentos) pelas estaduais, principalmente nas companhias de saneamento.

Construção do Navio Polar, executado pela Polar 1 e gerenciado pela Empresa Gerencial de Projetos Navais (EMGEPRON). Cerimônia de "batimento de quilha", no dia 17 de outubro de 2023, em Aracruz/ES Foto: MarinhadoBrasil/Divulgação

Segundo Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings, o déficit seria preocupante se fosse puxado por aumento de gastos de custeio, como despesas com pessoal.

(O déficit) não preocupa. O que geralmente preocupa são os gastos com custeio. O que estamos vendo agora são emissões de debêntures, que viram despesas financeiras quando começam a ser pagas. Em geral, no termo de captação, o gasto tem destino”, afirmou.

A visão é a mesma do economista João Pedro Leme, da Tendências Consultoria. Ele explica que a emissão de debêntures por parte das estatais estaduais recebe nota de agências de rating, precisa passar pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e os papéis só atraem investidores após análise criteriosa.

“Não parece preocupante, é uma forma de captação de recursos. Do ponto de vista das estatais, é mais barato, tem vantagens. Foi desenhado para um investidor que acredita no projeto. Quem faz a emissão não só precisa fazer regra contábil, mas tem de submeter essa proposta a uma agência de rating, que vai fazer a avaliação do investimento e vai conceder uma nota”, disse.

Um exemplo de emissão de debêntures, segundo Leme, aconteceu com a Sanepar, empresa de saneamento do Estado do Paraná. A estatal foi ao mercado no início do ano para emitir R$ 600 milhões em papéis que receberam classificação de risco AAA, a maior nota possível, da agência Moody’s. A ação foi coordenada pelo Banco BV e a XP Investimentos.

“Do total de recursos captados para investimentos, 46,75% serão destinados a obras de expansão e melhoria dos sistemas de abastecimento de água e 53,25% para a área de esgotamento sanitário, com expansão e melhoria dos serviços”, afirmou a Sanepar em nota.

Por esse conceito do Banco Central, quando a empresa capta recursos via papéis no mercado, nada acontece com o seu balanço, já que é contabilizado uma receita (o ativo que entra no caixa), mas entra também um passivo (a dívida que terá de ser paga).

No momento em que essa despesa financeira começa a deixar o caixa, o déficit aparece. A estatística não considera o resultado dos bancos públicos e também da Petrobras.

Construção de navios

No número agregado das empresas federais, a visão de especialistas é que houve aportes nessas empresas entre 2013 e 2023. Quando o dinheiro federal entra no caixa da estatal, é contabilizado como superávit. Quando a empresa passa a executar as despesas, como investimentos, por exemplo, transforma-se em déficit.

Em 2019, por exemplo, houve R$ 10 bilhões aportados em empresas estatais. Somente a Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron) recebeu R$ 7,5 bilhões em recursos naquele ano para a construção de quatro fragatas da classe Tamandaré para a Marinha Brasileira. Quando o dinheiro começou a ser gasto, passou a contribuir para o déficit.

Procurada, a empresa afirmou que o último relatório de Receitas e Despesas divulgado pelo Tesouro Nacional apurou um déficit de R$ 1,2 bilhão de janeiro a junho, em grande parte pela construção das fragatas. Até dezembro, a expectativa do Tesouro é de que o déficit suba para R$ 2,5 bilhões.

“Os investimentos da ordem de R$ 1,2 bilhão no exercício de 2024 correspondem ao avanço natural do cronograma do Programa de Construção das Fragatas e do Navio Polar e não indicam haver prejuízo”, afirmou a empresa.

Outra companhia que recebeu aportes foi a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBpar). Ela foi criada em 2021, após a capitalização da Eletrobras, para controlar a parte brasileira em Itaipu Binacional e também a Eletronuclear, que cuida das usinas Angra 1, Angra 2 e Angra 3.

Em 2021, a ENBpar recebeu aporte de R$ 4 bilhões, seguido de outra injeção de recursos de R$ 1,2 bi em 2022. Pelo relatório do Tesouro, a expectativa é de que ela feche o ano com déficit de R$ 631 milhões este ano.

Pelo balanço das empresas, contudo, os Correios viram o déficit saltar de R$ 753 milhões no primeiro semestre de 2023 para R$ 1,35 bilhão no primeiro semestre deste ano. A Infraero também teve uma reversão no seu resultado no mesmo período: superávit de R$ 459 milhões no ano passado contra déficit de R$ 106 milhões.

MGI não divulga relatório detalhado

No governo Lula, o Ministério da Gestão e Inovação parou de divulgar o relatório anual com o relatório das empresas estatais. Isso tirou transparência dos dados e dificultou a análise sobre os números.

Apesar disso, o economista da Az Quest, Alexandre Manoel, especialista em política fiscal, diz que os dados estão em linha com o esperado pelo Tesouro.

“No caso das estatais federais, está tudo dentro do previsto pelo próprio Tesouro. Seria um problema se os números estivessem surpreendendo negativamente. As empresas que ficaram de fora da meta de primário, como a ENBPar, entraram na contabilidade do Banco Central, também como esperado”, afirmou.

“No caso dos Estados, claramente é decorrência das exigências da privatização do saneamento. E não tem outra forma. A não ser que se queira fazer doação para as empresas”, concluiu.

BRASÍLIA - O déficit das empresas estatais atingiu o maior nível da série histórica, no acumulado de janeiro a agosto de cada ano: R$ 7,21 bilhões, segundo dados do Banco Central. As estatais federais tiveram resultado negativo de R$ 3,37 bilhões no período, enquanto as estaduais ficaram no vermelho em R$ 3,85 bilhões.

Os números do Banco Central contabilizam o resultado das empresas “abaixo da linha”, ou seja, captando a variação do endividamento das companhias. Esse conceito é diferente do que aparece no balanço das empresas ou no resultado do Tesouro, que mede o fluxo de entrada e saída de recursos do caixa, conceito chamado “acima da linha”.

Os números chamaram atenção, já que o Tesouro é o garantidor em última instância das empresas públicas, mas especialistas apontam que há melhor qualidade na composição desse déficit, que tem sido puxado por investimentos das empresas federais e por pagamento de debêntures (também ligadas a investimentos) pelas estaduais, principalmente nas companhias de saneamento.

Construção do Navio Polar, executado pela Polar 1 e gerenciado pela Empresa Gerencial de Projetos Navais (EMGEPRON). Cerimônia de "batimento de quilha", no dia 17 de outubro de 2023, em Aracruz/ES Foto: MarinhadoBrasil/Divulgação

Segundo Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings, o déficit seria preocupante se fosse puxado por aumento de gastos de custeio, como despesas com pessoal.

(O déficit) não preocupa. O que geralmente preocupa são os gastos com custeio. O que estamos vendo agora são emissões de debêntures, que viram despesas financeiras quando começam a ser pagas. Em geral, no termo de captação, o gasto tem destino”, afirmou.

A visão é a mesma do economista João Pedro Leme, da Tendências Consultoria. Ele explica que a emissão de debêntures por parte das estatais estaduais recebe nota de agências de rating, precisa passar pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e os papéis só atraem investidores após análise criteriosa.

“Não parece preocupante, é uma forma de captação de recursos. Do ponto de vista das estatais, é mais barato, tem vantagens. Foi desenhado para um investidor que acredita no projeto. Quem faz a emissão não só precisa fazer regra contábil, mas tem de submeter essa proposta a uma agência de rating, que vai fazer a avaliação do investimento e vai conceder uma nota”, disse.

Um exemplo de emissão de debêntures, segundo Leme, aconteceu com a Sanepar, empresa de saneamento do Estado do Paraná. A estatal foi ao mercado no início do ano para emitir R$ 600 milhões em papéis que receberam classificação de risco AAA, a maior nota possível, da agência Moody’s. A ação foi coordenada pelo Banco BV e a XP Investimentos.

“Do total de recursos captados para investimentos, 46,75% serão destinados a obras de expansão e melhoria dos sistemas de abastecimento de água e 53,25% para a área de esgotamento sanitário, com expansão e melhoria dos serviços”, afirmou a Sanepar em nota.

Por esse conceito do Banco Central, quando a empresa capta recursos via papéis no mercado, nada acontece com o seu balanço, já que é contabilizado uma receita (o ativo que entra no caixa), mas entra também um passivo (a dívida que terá de ser paga).

No momento em que essa despesa financeira começa a deixar o caixa, o déficit aparece. A estatística não considera o resultado dos bancos públicos e também da Petrobras.

Construção de navios

No número agregado das empresas federais, a visão de especialistas é que houve aportes nessas empresas entre 2013 e 2023. Quando o dinheiro federal entra no caixa da estatal, é contabilizado como superávit. Quando a empresa passa a executar as despesas, como investimentos, por exemplo, transforma-se em déficit.

Em 2019, por exemplo, houve R$ 10 bilhões aportados em empresas estatais. Somente a Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron) recebeu R$ 7,5 bilhões em recursos naquele ano para a construção de quatro fragatas da classe Tamandaré para a Marinha Brasileira. Quando o dinheiro começou a ser gasto, passou a contribuir para o déficit.

Procurada, a empresa afirmou que o último relatório de Receitas e Despesas divulgado pelo Tesouro Nacional apurou um déficit de R$ 1,2 bilhão de janeiro a junho, em grande parte pela construção das fragatas. Até dezembro, a expectativa do Tesouro é de que o déficit suba para R$ 2,5 bilhões.

“Os investimentos da ordem de R$ 1,2 bilhão no exercício de 2024 correspondem ao avanço natural do cronograma do Programa de Construção das Fragatas e do Navio Polar e não indicam haver prejuízo”, afirmou a empresa.

Outra companhia que recebeu aportes foi a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBpar). Ela foi criada em 2021, após a capitalização da Eletrobras, para controlar a parte brasileira em Itaipu Binacional e também a Eletronuclear, que cuida das usinas Angra 1, Angra 2 e Angra 3.

Em 2021, a ENBpar recebeu aporte de R$ 4 bilhões, seguido de outra injeção de recursos de R$ 1,2 bi em 2022. Pelo relatório do Tesouro, a expectativa é de que ela feche o ano com déficit de R$ 631 milhões este ano.

Pelo balanço das empresas, contudo, os Correios viram o déficit saltar de R$ 753 milhões no primeiro semestre de 2023 para R$ 1,35 bilhão no primeiro semestre deste ano. A Infraero também teve uma reversão no seu resultado no mesmo período: superávit de R$ 459 milhões no ano passado contra déficit de R$ 106 milhões.

MGI não divulga relatório detalhado

No governo Lula, o Ministério da Gestão e Inovação parou de divulgar o relatório anual com o relatório das empresas estatais. Isso tirou transparência dos dados e dificultou a análise sobre os números.

Apesar disso, o economista da Az Quest, Alexandre Manoel, especialista em política fiscal, diz que os dados estão em linha com o esperado pelo Tesouro.

“No caso das estatais federais, está tudo dentro do previsto pelo próprio Tesouro. Seria um problema se os números estivessem surpreendendo negativamente. As empresas que ficaram de fora da meta de primário, como a ENBPar, entraram na contabilidade do Banco Central, também como esperado”, afirmou.

“No caso dos Estados, claramente é decorrência das exigências da privatização do saneamento. E não tem outra forma. A não ser que se queira fazer doação para as empresas”, concluiu.

BRASÍLIA - O déficit das empresas estatais atingiu o maior nível da série histórica, no acumulado de janeiro a agosto de cada ano: R$ 7,21 bilhões, segundo dados do Banco Central. As estatais federais tiveram resultado negativo de R$ 3,37 bilhões no período, enquanto as estaduais ficaram no vermelho em R$ 3,85 bilhões.

Os números do Banco Central contabilizam o resultado das empresas “abaixo da linha”, ou seja, captando a variação do endividamento das companhias. Esse conceito é diferente do que aparece no balanço das empresas ou no resultado do Tesouro, que mede o fluxo de entrada e saída de recursos do caixa, conceito chamado “acima da linha”.

Os números chamaram atenção, já que o Tesouro é o garantidor em última instância das empresas públicas, mas especialistas apontam que há melhor qualidade na composição desse déficit, que tem sido puxado por investimentos das empresas federais e por pagamento de debêntures (também ligadas a investimentos) pelas estaduais, principalmente nas companhias de saneamento.

Construção do Navio Polar, executado pela Polar 1 e gerenciado pela Empresa Gerencial de Projetos Navais (EMGEPRON). Cerimônia de "batimento de quilha", no dia 17 de outubro de 2023, em Aracruz/ES Foto: MarinhadoBrasil/Divulgação

Segundo Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings, o déficit seria preocupante se fosse puxado por aumento de gastos de custeio, como despesas com pessoal.

(O déficit) não preocupa. O que geralmente preocupa são os gastos com custeio. O que estamos vendo agora são emissões de debêntures, que viram despesas financeiras quando começam a ser pagas. Em geral, no termo de captação, o gasto tem destino”, afirmou.

A visão é a mesma do economista João Pedro Leme, da Tendências Consultoria. Ele explica que a emissão de debêntures por parte das estatais estaduais recebe nota de agências de rating, precisa passar pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e os papéis só atraem investidores após análise criteriosa.

“Não parece preocupante, é uma forma de captação de recursos. Do ponto de vista das estatais, é mais barato, tem vantagens. Foi desenhado para um investidor que acredita no projeto. Quem faz a emissão não só precisa fazer regra contábil, mas tem de submeter essa proposta a uma agência de rating, que vai fazer a avaliação do investimento e vai conceder uma nota”, disse.

Um exemplo de emissão de debêntures, segundo Leme, aconteceu com a Sanepar, empresa de saneamento do Estado do Paraná. A estatal foi ao mercado no início do ano para emitir R$ 600 milhões em papéis que receberam classificação de risco AAA, a maior nota possível, da agência Moody’s. A ação foi coordenada pelo Banco BV e a XP Investimentos.

“Do total de recursos captados para investimentos, 46,75% serão destinados a obras de expansão e melhoria dos sistemas de abastecimento de água e 53,25% para a área de esgotamento sanitário, com expansão e melhoria dos serviços”, afirmou a Sanepar em nota.

Por esse conceito do Banco Central, quando a empresa capta recursos via papéis no mercado, nada acontece com o seu balanço, já que é contabilizado uma receita (o ativo que entra no caixa), mas entra também um passivo (a dívida que terá de ser paga).

No momento em que essa despesa financeira começa a deixar o caixa, o déficit aparece. A estatística não considera o resultado dos bancos públicos e também da Petrobras.

Construção de navios

No número agregado das empresas federais, a visão de especialistas é que houve aportes nessas empresas entre 2013 e 2023. Quando o dinheiro federal entra no caixa da estatal, é contabilizado como superávit. Quando a empresa passa a executar as despesas, como investimentos, por exemplo, transforma-se em déficit.

Em 2019, por exemplo, houve R$ 10 bilhões aportados em empresas estatais. Somente a Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron) recebeu R$ 7,5 bilhões em recursos naquele ano para a construção de quatro fragatas da classe Tamandaré para a Marinha Brasileira. Quando o dinheiro começou a ser gasto, passou a contribuir para o déficit.

Procurada, a empresa afirmou que o último relatório de Receitas e Despesas divulgado pelo Tesouro Nacional apurou um déficit de R$ 1,2 bilhão de janeiro a junho, em grande parte pela construção das fragatas. Até dezembro, a expectativa do Tesouro é de que o déficit suba para R$ 2,5 bilhões.

“Os investimentos da ordem de R$ 1,2 bilhão no exercício de 2024 correspondem ao avanço natural do cronograma do Programa de Construção das Fragatas e do Navio Polar e não indicam haver prejuízo”, afirmou a empresa.

Outra companhia que recebeu aportes foi a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBpar). Ela foi criada em 2021, após a capitalização da Eletrobras, para controlar a parte brasileira em Itaipu Binacional e também a Eletronuclear, que cuida das usinas Angra 1, Angra 2 e Angra 3.

Em 2021, a ENBpar recebeu aporte de R$ 4 bilhões, seguido de outra injeção de recursos de R$ 1,2 bi em 2022. Pelo relatório do Tesouro, a expectativa é de que ela feche o ano com déficit de R$ 631 milhões este ano.

Pelo balanço das empresas, contudo, os Correios viram o déficit saltar de R$ 753 milhões no primeiro semestre de 2023 para R$ 1,35 bilhão no primeiro semestre deste ano. A Infraero também teve uma reversão no seu resultado no mesmo período: superávit de R$ 459 milhões no ano passado contra déficit de R$ 106 milhões.

MGI não divulga relatório detalhado

No governo Lula, o Ministério da Gestão e Inovação parou de divulgar o relatório anual com o relatório das empresas estatais. Isso tirou transparência dos dados e dificultou a análise sobre os números.

Apesar disso, o economista da Az Quest, Alexandre Manoel, especialista em política fiscal, diz que os dados estão em linha com o esperado pelo Tesouro.

“No caso das estatais federais, está tudo dentro do previsto pelo próprio Tesouro. Seria um problema se os números estivessem surpreendendo negativamente. As empresas que ficaram de fora da meta de primário, como a ENBPar, entraram na contabilidade do Banco Central, também como esperado”, afirmou.

“No caso dos Estados, claramente é decorrência das exigências da privatização do saneamento. E não tem outra forma. A não ser que se queira fazer doação para as empresas”, concluiu.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.