Esqueçam a trajetória para o déficit do INSS até 2049, elaborada pelo governo e recentemente apresentada no Fórum Nacional da Previdência Social. Ela foi feita para mostrar aos integrantes do Fórum, principalmente às lideranças sindicais, a necessidade de reforma das regras de aposentadoria. Naquela projeção, o déficit chegaria a 5,21% do Produto Interno Bruto (PIB) na metade deste século. Era uma trajetória explosiva, pois hoje o déficit está em torno de 1,8% do PIB. Mas a projeção não vale mais. A razão para o abandono daquela estimativa é que o governo considerou, no cálculo do déficit, todos os benefícios pagos pela Previdência, sem compensar as renúncias de receitas, de acordo com a metodologia adotada desde o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Essa metodologia foi condenada na última reunião do Fórum, que decidiu adotar uma nova contabilidade para a Previdência. Por essa nova contabilidade, o déficit do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), mais conhecido como INSS, será a diferença entre a receita dos contribuintes da área urbana e os benefícios previdenciários a eles concedidos. Além disso, a Previdência passará a ser compensada pelo Tesouro Nacional por todas as renúncias de receitas feitas a entidades filantrópicas, ao sistema de tributação da pequena e média empresa (Simples) e à exportação da produção rural. O principal argumento para esta mudança é que o conjunto da sociedade deve arcar com as decisões que toma e que implicam em redução de receita da Previdência, deixando de repassar esse ônus unicamente aos contribuintes do sistema. Não entrarão no cálculo do déficit do RGPS os benefícios previdenciários pagos aos trabalhadores rurais, que passam a ser considerados como gastos assistenciais. A proposta aprovada pelo Fórum prevê o uso dos tributos criados para o financiamento da seguridade social - a Cofins, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a CPMF - para arcar com essas despesas. As duas primeiras contribuições foram criadas pelos constituintes de 1988 para arcar, entre outras coisas, com o custo do subsídio aos aposentados da área rural, que passaram a ter direito aos benefícios previdenciários, mas nunca haviam contribuído para o sistema. O objetivo dessa nova contabilidade, criada pelo ex-ministro da Previdência Nelson Machado, atual secretário-executivo do Ministério da Fazenda, é separar o sistema previdenciário de repartição simples da área urbana, que os atuais trabalhadores ativos financiam com suas contribuições, do sistema altamente subsidiado, criado pelos constituintes de 1988, que beneficia os trabalhadores rurais. Os trabalhadores urbanos que recebem benefícios previdenciários contribuíram no passado para o sistema. O mesmo não ocorre na área rural. Em 2006, a Previdência pagou 7,3 milhões de benefícios na área rural, com um gasto de R$ 32,4 bilhões. A receita obtida foi de apenas R$ 3,8 bilhões - houve, portanto, um subsídio de R$ 28,6 bilhões. Se o déficit da Previdência for calculado apenas pela diferença entre as receitas e as despesas da área urbana e se o Tesouro ressarcir os cofres previdenciários pela renúncia de receita, a situação muda de figura. Em junho último, o déficit foi de apenas R$ 20 milhões e em fevereiro, houve um superávit de R$ 402 milhões. De janeiro a julho, o déficit da Previdência pelo novo critério ficou em R$ 7,07 bilhões. Se for utilizada a metodologia anterior, o buraco aumenta para R$ 23,99 bilhões. Em conversa com este colunista, o ministro da Previdência, Luiz Marinho, defendeu a nova contabilidade com o argumento de que a mudança é indispensável para que a sociedade saiba exatamente o tamanho do problema previdenciário que vai enfrentar e possa, desta forma, discutir a reforma em termos adequados. ''''É injusto querer estabelecer regras para que os trabalhadores da área urbana financiem a parcela dos trabalhadores da área rural'''', disse. Em outras palavras: a reforma da Previdência não será feita para resolver o problema fiscal causado pelas aposentadorias e pensões da área rural, que são, em todos os países do mundo, altamente subsidiadas. Para Marinho, o déficit da área urbana poderá ser resolvido com a maior contratação de trabalhadores com carteira assinada. ''''Não há porque falar em desequilíbrio da Previdência'''', afirmou. O ministro considera que é necessário alterar as regras de aposentadoria somente no longo prazo, por causa das mudanças demográficas da população brasileira, que está em processo de envelhecimento. O governo vai, agora, estimar o déficit do RGPS até 2049, calculado de acordo com a nova contabilidade. Esta projeção começou a ser feita pelo Ministério da Previdência, em parceria com outras entidades da sociedade civil, como é o caso do DIEESE, que é assessorado pelo economista Amir Khair. Depois de concluída, a nova estimativa será apresentada no Fórum e servirá de parâmetro para a discussão da reforma nas regras das aposentadorias e pensões. Com a nova contabilidade do RGPS, o problema passa a ser o crescimento dos gastos assistenciais, neles incluídos as despesas com benefícios previdenciários da área rural. Esses gastos estão crescendo em ritmo acelerado, por causa da universalização da cobertura e porque os valores dos benefícios estão vinculados ao salário mínimo.