RIO - Os decretos que reduziram a alíquota do ICMS dos combustíveis e da energia elétrica resultaram numa queda de preços de magnitude inédita na economia brasileira. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou recuo de 0,68% no mês de julho, a deflação mais intensa da série histórica iniciada em janeiro de 1980, informou nesta terça-feira, 9, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Alguns economistas preveem nova deflação em agosto, ainda decorrente da queda nos preços administrados pelo governo, porém de forma menos intensa.
PARA ENTENDER
A deflação foi puxada principalmente pelas quedas nos preços dos combustíveis. O preço da gasolina caiu 15,48% e o do etanol, 11,38%. Além disso, também foi registrada queda no preço do gás veicular (-5,67%). O único combustível com alta em julho foi o óleo diesel (4,59%), cujo resultado ficou acima do mês anterior (3,82%).
Também contribuiu para deflação de julho a redução do preço da energia elétrica residencial (-5,78%) após vários Estados reduziram a alíquota de ICMS cobrada sobre esses serviços. Além disso, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou as Revisões Tarifárias Extraordinárias de 10 distribuidoras espalhadas pelo País, reduzindo as tarifas a partir de 13 de julho.
A taxa acumulada pelo IPCA em 12 meses desceu a 10,07% em julho, mas permanece no patamar de dois dígitos há 11 meses consecutivos. O resultado segue muito acima da meta de inflação perseguida pelo Banco Central este ano, que é de 3,5%, com teto de tolerância de 5%.
Nova deflação em agosto
O economista da Garde Asset Luis Menon avalia que, após uma nova deflação projetada para agosto, o IPCA deve voltar ao patamar positivo em setembro, mas com uma inflação mais tranquila do que a vista no primeiro semestre. ”Uma inflação mais próxima de 0,5% e não acima de 1%, como no primeiro semestre”, diz o economista, que projeta, por ora, alta de 0,4% em setembro.
Para agosto, a projeção é de queda de 0,2%. “Teremos alguns efeitos defasados do corte de ICMS, porque alguns Estados aderiram ao longo de julho, e efeitos dos cortes da Petrobras, que devem impactar majoritariamente em agosto.”
“Pela nossa projeção, a inflação acumulada em 12 meses volta para o patamar de um dígito em agosto, quando o IPCA deve ter mais uma deflação, de 0,32%. No entanto, esta redução é pontual”, avaliou Claudia Moreno, economista do C6 Bank, em nota, referindo-se à queda dos combustíveis e da energia. “Ou seja, se excluirmos os fatores pontuais, a inflação segue alta.”
Segundo ela, sem a gasolina, o etanol e a energia elétrica, que retiraram 1,38 ponto porcentual da inflação, o IPCA de julho teria uma alta de 0,70%.
“De fato a redução do ICMS contribuiu bastante para essa deflação que foi observada no IPCA de julho”, confirmou Pedro Kislanov, gerente do Sistema Nacional de Índices de Preços do IBGE. “O fato é que esse efeito deve ficar mais concentrado no IPCA de julho”, disse.
Embora os decretos também tenham reduzido a alíquota do ICMS sobre os serviços de comunicação, o IPCA não captou corte de preços nesse tipo de serviço. “Se a empresa não fizer de fato a redução de preço no pacote oferecido, o IPCA não vai captar”, explicou Kislanov.
Segundo o pesquisador do IBGE, empresas de telecomunicações podem optar por melhorar o pacote de dados oferecido ao cliente, sem reduzir o preço, ou uma redução futura de valores decorrente dos decretos ainda pode ser efetuada nos próximos meses.
Alimentos seguem em alta
Apesar da melhora da inflação em julho, 63% dos itens pesquisados ainda mostraram altas de preços. O vilão do mês foi o leite longa vida, que aumentou 25,46% em julho, depois de já ter subido 10,72% em junho. Os preços de alguns derivados do leite também subiram, como o queijo (5,28%), manteiga (5,75%) e leite condensado (6,66%).
“A entressafra (do leite) foi mais forte do que temos visto nos últimos anos aliada a um aumento de custos ao produtor”, justificou Kislanov.
A inflação de serviços - usada como termômetro de pressões de demanda sobre os preços - teve uma elevação de 0,80% em julho. Já os preços de itens monitorados pelo governo registraram um tombo de 4,35%.
Nos serviços, houve pressão em julho das passagens aéreas (8,02%) e alimentação fora de casa (0,82%), além outros de segmentos ligados ao turismo, disse Pedro Kislanov.
“O aumento nas passagens aéreas tem a ver com o querosene de aviação, com a questão cambial, teve valorização do dólar frente ao real, e o próprio aumento da demanda”, disse Kislanov, acrescentando que houve uma retomada do setor de serviços com a melhora da pandemia. “Especialmente no mês de julho, (aumentou a demanda por) serviços ligados ao turismo.”
A gestora de recursos Kínitro Capital espera uma deflação de 0,25% no mês de agosto, com uma nova queda de preços administrados e arrefecimento de bens industriais, mas vê pressões “relevantes e disseminadas” nos serviços.
“Olhando um pouco mais à frente, a principal questão a monitorar é o ritmo de arrefecimento da inflação no país passados esses efeitos de curto prazo, pois mesmo que o pior momento (pico da inflação) tenha ficado para trás, temos um cenário desafiador”, observou João Savignon, economista da Kínitro Capital, em nota. Ele lembra que as expectativas para a inflação futura seguem acima da meta num ambiente de “riscos fiscais domésticos amplificados e o Banco Central dando claros sinais de encerramento do ciclo de elevação dos juros”.
No acumulado em 12 meses, a inflação de serviços passou de 8,73% em junho para 8,87% em julho, a mais elevada desde junho de 2014. Já a inflação de monitorados em 12 meses desacelerou de 11,73% em junho para 5,11% em julho.
“A variação acumulada em 12 meses dos serviços vem aumentando mês a mês”, observou Kislanov. “A demanda tem pressionado principalmente a parte dos serviços.” (Colaborou Marianna Gualter)