A forte queda da inflação nos últimos três meses, quando o Brasil teve o maior recuo de preços – ou seja, deflação – já registrado nas estatísticas, aliviou mais o bolso das famílias de classe média do que o dos brasileiros mais pobres. Enquanto a deflação nas camadas de renda média superou 1,5% entre julho e setembro, a queda nos preços dos produtos consumidos pelas famílias de renda considerada muito baixa – que recebem menos de R$ 1,73 mil por mês – foi de menos da metade: 0,67%.
Os números foram calculados, a pedido do Estadão/Broadcast, pelo grupo de estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
No terceiro trimestre, o índice oficial de inflação (IPCA) mostrou deflação de 1,33%, derrubando para 7,17% a inflação em 12 meses, que estava em dois dígitos ( 11,89% até junho). A descompressão veio, principalmente, da queda nos preços de combustíveis, após o governo conseguir aprovar no Congresso um limite ao ICMS.
A partir da medida, e com os repasses de recuos do petróleo no mercado internacional, a gasolina, que também conta com a zeragem de tributos federais, ficou 35% mais barata. Como o produto é mais consumido pela classe média do que pelas famílias de baixa renda, a intensidade da deflação foi menor para os que ganham menos.
O alívio em gastos com transportes, assim como energia e telecomunicação – também desonerados –, foi, em grande parte, anulado na baixa renda por produtos e serviços que, embora em desaceleração, ainda sobem. É o caso dos alimentos consumidos em domicílio, que ocupam grande espaço no orçamento dos mais pobres e tiveram alta de 0,62% no trimestre.
O preço dos alimentos segue preocupando. “Nossas coletas indicam que o movimento se reverteu e, em outubro, os preços da alimentação em domicílio voltam a subir 0,7%. Produtos como batata e tomate estão subindo muito no atacado”, diz João Savignon, economista da Kínitro Capital.
Comida deve subir menos do que combustível, diz analista
Daqui para frente, a alta dos alimentos, conforme analistas de mercado, tende a ser menor do que a dos combustíveis, já que a defasagem da gasolina frente ao exterior leva a uma necessidade de correção estimada em algo entre 5% e 10%.
A expectativa no mercado é de que os reajustes represados nas refinarias da Petrobras sejam anunciados após as eleições. Já do lado dos alimentos, condições climáticas e preços de insumos agrícolas, as duas variáveis que catapultaram os preços neste ano, devem se tornar mais favoráveis aos produtores agrícolas. Apesar disso, com a expansão dos programas sociais, é possível que o alívio no orçamento dos mais pobres seja contido pelo efeito demanda, tanto nas proteínas que não vinham sendo consumidas por falta de dinheiro, como a carne bovina, quanto em outras categorias de produtos, como vestuário. No conjunto, a inflação de roupas, calçados e acessórios continuou em aceleração – saindo de 16,61%, em junho, para 19,16% em 12 meses até setembro –, apesar da desinflação abrupta dos últimos três meses.
Nas previsões de Andrea Damico, sócia e economista-chefe da Armor Capital, depois de três anos de muita pressão, a inflação da alimentação em domicílio, em 3,5%, voltará a ficar no ano que vem abaixo do resultado agregado do IPCA: 4,7% no prognóstico da economista. “Pelo menos no curto prazo, a gente deve ver certa inversão, com possível aumento dos preços de combustíveis e uma trajetória melhor nos preços dos alimentos”, comenta Damico. Ela cita uma aguardada estabilidade nos preços internacionais por conta da desaceleração da economia global, com impacto no padrão de consumo de proteínas, e retomada das exportações de grãos da Ucrânia, permitida por um acordo com a Rússia.
A economista observa ainda que a melhora dos preços de alimentos no atacado a partir de abril ainda não foi completamente repassada pelos produtores aos consumidores finais. “O viés das nossas previsões é de baixa, sendo grande a chance de a inflação na alimentação nos domicílios terminar o ano mais perto de 12%”, diz Damico. Nos últimos doze meses, a inflação nesse grupo de produtos foi de 13,28%.