Pressionado pela sociedade, o mundo corporativo ampliou, nos últimos anos, os esforços para contratar mulheres para posições de liderança. Práticas como ter obrigatoriamente mulheres na lista final de candidatos a uma vaga sênior se tornaram comuns nas grandes empresas. As iniciativas para reduzir a desigualdade de gênero no trabalho, porém, não vão muito além. Em geral, elas não têm garantido um ambiente inclusivo, segundo estudos de consultorias. O resultado disso é que as empresas estão vendo uma grande rotatividade de mulheres nos cargos mais elevados.
Nos Estados Unidos, para cada diretora que é promovida para o próximo nível, duas mulheres no mesmo patamar hierárquico estão optando por deixar a empresa, segundo estudo da consultoria McKinsey feito em parceria com a Lean In (organização que promove a liderança e a inclusão feminina no mercado de trabalho). “As mulheres estão exigindo mais do trabalho e estão deixando suas empresas em números sem precedentes. As mulheres líderes estão trocando de emprego na taxa mais alta que já vimos – e em uma taxa mais alta do que a dos homens na liderança”, diz o relatório da McKinsey e da Lean In.
Degrau quebrado
Não há levantamento semelhante no Brasil, mas especialistas na área apontam que o mesmo ocorre no País. “Esse é um fenômeno global. Estamos enxugando o chão com a torneira aberta”, diz Margareth Goldenberg, gestora executiva do Mulher 360 (movimento empresarial que trabalha por empoderamento feminino e equidade de gênero).
Entre os fatores que explicam esse fenômeno – batizado de “porta-giratória” – é, por um lado, o aumento da demanda por líderes mulheres (justamente devido à pressão da sociedade) e, por outro, a falta de medidas de retenção dos talentos femininos por parte das organizações, o que inclui políticas de inclusão na rotina das empresas.
“Mulheres executivas estão sendo muito seduzidas por novos cargos. Tem um rouba monte no mercado. Se a mulher está em uma empresa com condições para se desenvolver, entende que o ambiente é justo, mesmo que receba proposta com salário melhor, ela pode não sair. Caso contrário, a retenção não é efetiva”, diz Goldenberg.
Pesquisa da Korn Ferry com 823 entrevistados na América Latina aponta que o recrutamento de talentos subrepresentados é visto como um desafio por 72% das organizações, enquanto a retenção desses talentos está em último lugar da lista, com 56%. Segundo relatório da consultoria, a ênfase excessiva ao recrutamento, mas não à retenção, indica que as empresas ainda não trabalham com maturidade as questões de diversidade e inclusão.
O levantamento também questionou quais medidas as empresas planejam adotar para aumentar a diversidade. Dos entrevistados, 81% afirmaram não ter planos ou não saberem se vão introduzir práticas para diminuir os pedidos de demissões dos talentos subrepresentados.
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Reduzir os pedidos de demissões, porém, talvez não seja tão simples, pois pode demandar uma transformação cultural na companhia e na mentalidade de todos os funcionários. Isso porque as líderes mulheres ainda não se sentem respeitadas no ambiente de trabalho.
“As empresas estão mais abertas à diversidade, mas elas falham na inclusão. Uma mulher que chega a um conselho ou a uma posição de CEO não necessariamente é recebida da mesma forma que um homem. Muitas vezes, elas não são escutadas e se sentem excluídas”, afirma Glaucy Bocci, sócia da consultoria Korn Ferry.
A pesquisa da McKinsey, da qual participaram 333 companhias e 40 mil funcionários, afirma que as líderes mulheres são muito mais propensas a terem suas decisões e qualificações julgadas pelos colegas. O levantamento também mostra que 26% delas já foram confundidas com alguma profissional de nível hierárquico inferior. O número é ainda mais alto entre líderes mulheres negras (38%), mas, entre homens, é de apenas 13%. De acordo com especialistas, as medidas de retenção precisam incluir uma mudança nessa cultura.
Também segundo profissionais de RH, as mulheres estão, agora, mais atentas se as companhias realmente adotam políticas de diversidade ou apenas o fazem no discurso. Goldenberg, do Mulher 360, destaca que muitas empresas têm anunciado medidas de promoção de igualdade de gênero, mas ainda não denunciam casos de assédio ou discriminação.
Uma executiva que deixou uma posição de diretora de diversidade neste ano e prefere não se identificar afirma ter sentido falta de medidas de inclusão na última organização em que trabalhou. “Fui contratada com mil promessas de que diversidade estava na agenda da empresa, mas logo comecei a entender que o jeito da companhia lidar com a questão era raso”, diz.
Segundo ela, a diversidade traz olhares diferentes sobre resultados, ideias e desenvolvimento. Quando você leva mulheres ou negras para um ambiente homogêneo, completa a executiva, elas questionam o modo que as coisas precisam ser entregues. A presença de uma mulher negra em níveis muito altos incomoda, porque ela traz um olhar com o qual não se estava acostumado, acrescenta.
A executiva também afirma que, apesar de as empresas terem feito um enorme movimento para contratar pessoas diversas, sobretudo depois do assassinato de George Floyd, elas têm lidado com a questão sem fazer uma transformação organizacional. “As mulheres estão se espremendo para ocupar os cargos. Eu me sentia limitada e subestimada. Estava passando a questionar minha performance. Começaram a cobrar muito, mas, na outra ponta, não me deram recursos para entregar. Tenho visto várias mulheres passando por isso.”
Demanda por flexibilidade
Outra medida apontada como importante para reduzir os pedidos de demissão das executivas é a adoção de maior flexibilidade. Isso porque, como costumam ser sobrecarregadas com os cuidados da casa, as mulheres acabam precisando de uma rotina mais maleável no trabalho para conseguir conciliar as rotinas.
De acordo com o levantamento da McKinsey e da Lean In, 49% das mulheres líderes dizem que a flexibilidade é uma das três principais coisas que consideram ao decidir entrar ou permanecer em uma empresa. Entre os homens, são 34%.
Um estudo da Deloitte também aponta que a falta de flexibilidade no trabalho é o principal motivo para as mulheres quererem deixar uma organização, com 30%. A falta de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal aparece em segundo lugar, com 19%.
“Mulheres líderes querem uma cultura de trabalho melhor. As mulheres líderes têm uma probabilidade significativamente maior do que os homens de deixar seus empregos ou porque desejam mais flexibilidade ou porque desejam trabalhar para uma empresa mais comprometida com bem-estar, diversidade, equidade e inclusão dos funcionários”, diz o relatório da McKinsey e da Lean In.
O documento aponta também que, se as empresas não mudarem sua postura, podem ter problemas no futuro. Isso porque as mulheres da próxima geração tendem a ser mais exigentes.