BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sete ações com impacto bilionário para a União que aguardam julgamento há mais de uma década. Ao todo, os seis processos tributários e um previdenciário listados na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 disputam R$ 601 bilhões. Para especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, a demora na solução de demandas de natureza fiscal favorece os órgãos públicos porque dá força ao argumento consequencialista. Ou seja, conforme o tempo passa, maior se torna o impacto econômico do julgamento.
O mais antigo da lista, que trata da incidência de PIS/Cofins sobre importação, tem impacto estimado em R$ 325 bilhões e foi ajuizado em 2007. Outro tema, sobre inclusão do ISS na base de cálculo do PIS/Cofins, disputa R$ 35,4 bilhões e está na pauta do dia 28 de agosto. O caso tramita na Corte desde 2008.
“Essa demora, muitas vezes, acaba sendo um elemento adicional para que você tenha um julgamento favorável à União ou aos órgãos públicos, porque, em alguma medida, o passar do tempo é um elemento que tem sido considerado pelos ministros para manter o status quo”, avalia a advogada Ariane Guimarães, sócia de tributário do Mattos Filho.
Guimarães acrescenta que a demora também aumenta a chance de os ministros aplicarem um limite temporal (a chamada modulação dos efeitos) às decisões favoráveis aos contribuintes, o que na prática diminui o tamanho da vitória.
Um exemplo de modulação favorável à União foi a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, a “tese do século”. Nesse caso, o Supremo decidiu que a tese favorável aos contribuintes teria efeito apenas a partir da data do julgamento, em março de 2017. Já a decisão que autoriza a “quebra da coisa julgada” em temas tributários, que deu vitória à União, foi criticada por tributaristas por não modular os efeitos, permitindo cobranças de CSLL desde 2007.
“Antes da pandemia, o índice de modulações era na casa de 15%. Após a pandemia, sobe para 36%”, diz Guimarães, citando levantamento realizado pelo Mattos Filho. “A maioria das modulações é realizada em prol dos interesses de arrecadação dos fiscos”, observa.
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A avaliação é corroborada pelo ministro Luís Roberto Barroso em artigo publicado em 2016, oito antes de ele assumir a presidência do Supremo. No texto, publicado em conjunto com Marcus Vinicius Cardoso Barbosa, procurador do Estado do Rio de Janeiro, Barroso diz que “a eternização de litígios que aguardam julgamento gera insegurança aos contribuintes”.
Os autores afirmam, ainda, que as demandas “se transformam em verdadeiros esqueletos” para a Fazenda Pública, obrigando o Supremo a “lidar com argumentos consequencialistas (adaptação das decisões às suas consequências na realidade para as quais são destinadas) de matriz econômica” e modular os efeitos das decisões.
“A demora na solução dessas demandas fiscais agrava o impacto econômico que o processo terá ao final para a parte que sair derrotada. No caso das empresas, muitas vezes os valores encontram-se depositados como forma de se precaver da demora e manter a regularidade fiscal, o que acarreta a indisponibilidade de altas quantias por longo período de tempo”, complementam.
A reportagem procurou Barroso por meio da assessoria do Supremo. Em nota, ele disse que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o STF têm desenvolvido ações para enfrentar a litigiosidade em algumas áreas e que já houve avanços para reduzir execuções fiscais. “Quanto aos processos que tramitam no STF há mais de 10 anos, são todos, intuitivamente, anteriores à minha gestão e a demora já se encontrava consumada”, afirmou o ministro.
Poder de pautar e não pautar
A responsabilidade de pautar os processos para o plenário físico do Supremo é do presidente da Corte. Esse poder, contudo, foi desidratado com o aumento expressivo do uso do plenário virtual, a partir da pandemia, em 2020. No ambiente virtual, onde não há debate presencial entre os ministros, o calendário é definido cronologicamente e basta o relator liberar a ação para julgamento.
“O relator pode liberar o processo quando ele entender relevante, pode priorizar avaliação de outros processos e, se for o caso, manejar o tempo considerando outros fatores, inclusive políticos”, analisa a pesquisadora Ana Laura Barbosa, da FGV-SP, que estuda a agenda do Supremo. O regimento interno da Corte não estabelece qualquer prazo para a liberação dos processos.
Há outros obstáculos que podem atrasar os julgamentos. Qualquer ministro pode interromper a análise com um pedido de destaque, o que transfere a discussão para o plenário físico. Quando isso acontece, fica a cargo do presidente definir uma nova data.
Outro instrumento que posterga a conclusão dos julgamentos é o pedido de vista. Até dezembro de 2022, era comum ministros usarem esse poder para segurar processos por anos. Na gestão da ministra Rosa Weber, a Corte aprovou uma regra que limita os pedidos de vista a 90 dias e o controle da pauta voltou às mãos do presidente.
Barbosa também observa elementos que influenciam na pauta e são menos controlados pelo relator. “Se tiver muitas petições de amici curiae, elas terão de ser apreciadas pelo gabinete para decidir se as partes serão ouvidas ou não. Se o relator tiver interesse em convocar audiência pública, o desenrolar vai levar a uma demora maior”, afirma a pesquisadora. Ela lembra, ainda, que em todos os processos a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR) precisam ser ouvidas e as manifestações podem demorar.