Corte de gastos: Deputados resistem a mexer no BPC e pacote fiscal corre risco de desidratação


Parlamentares dizem que eventual endurecimento de propostas não virá do Congresso sem que governo proponha ajuste maior

Por Daniel Weterman e Mariana Carneiro
Atualização:

BRASÍLIA – Em meio a cobranças no mercado financeiro por um corte de gastos estrutural, que garanta a sustentabilidade do arcabouço fiscal, deputados dizem que um eventual endurecimento das propostas apresentadas pelo governo Lula não virá do Congresso sem que o Poder Executivo proponha um ajuste maior. Em um movimento contrário, parlamentares resistem a mexer no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, e o pacote corre risco de desidratação.

O governo enviou três propostas do pacote fiscal para a Câmara. Os deputados aprovaram ontem a urgência de dois projetos relacionados aos novos gatilhos do arcabouço, ao ganho do salário mínimo e à revisão em programas sociais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Um deles foi aprovado com apenas três votos além do necessário.

Câmara aprovou urgência para dois projetos do pacote de corte de gastos proposto pelo governo Lula. Na foto, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) e o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
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Há ainda uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que também mexe no BPC, nos supersalários do funcionalismo público e no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Os parlamentares, contudo, ainda não se comprometeram em aprovar o conteúdo dos projetos. Líderes da Câmara e articuladores do Palácio do Planalto afirmam que o pacote será aprovado ainda neste ano; a dúvida, no entanto, é sobre o tamanho do ajuste. Além disso, há ainda alguns obstáculos, como o impasse envolvendo o pagamento de emendas parlamentares após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Economistas e integrantes do mercado financeiro avaliam que o pacote é insuficiente para garantir o equilíbrio das contas públicas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, manifestou confiança nas propostas, mas admitiu a necessidade de novas medidas no futuro e não descartou voltar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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No Congresso, integrantes da esquerda e da direita concordam o diagnóstico de que é impossível manter o arcabouço fiscal intacto e as regras atuais dos benefícios da Previdência Social, vinculados ao salário mínimo, e dos pisos de saúde e educação, que crescem conforme a arrecadação do governo. O remédio proposto é que é diferente. Uma ala pressiona por cortes mais duros e outra por mudanças no arcabouço.

Uma das principais resistências na Câmara é em relação às mudanças no BPC. O benefício é pago para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, no valor de um salário mínimo. O pacote aumenta os critérios para calcular a renda das famílias e proíbe a retirada de rendas não previstas em lei. Na prática, isso pode fazer com que pessoas não tenham mais direito ao benefício por ultrapassar a renda de um quarto do salário mínimo.

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Conforme o Estadão mostrou, quase um terço dos benefícios do BPC para pessoas com deficiência foi concedido por decisões judiciais, que triplicaram em três anos. O ministro Fernando Haddad afirmou que o governo precisa combater o que ele chamou de “indústria de liminares”. Uma das questões é que a Justiça dá a uma pessoa o direito de receber o pagamento quando o governo não possui o registro da deficiência ou não concorda com os critérios para aferir essa deficiência.

‘Munição para a direita’

A resistência a mexer no BPC começa no partido de Lula. “Tem coisa para ser modificada. A esquerda não topa mexer no BPC. É um contrassenso mexer com os mais carentes e isso está dando inclusive munição para a direita nos criticar e criticar o governo”, disse o deputado Zé Neto (PT-BA).

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“Eu espero que a equipe econômica do governo do presidente Lula possa rever essa posição, porque nós não podemos cortar ou dificultar o acesso das pessoas com deficiência e dos idosos ao benefício de prestação continuada”, afirmou Valmir Assunção (PT-BA).

Em entrevista ao Estadão, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), autor de uma PEC que propõe medidas mais drásticas para o governo para controlar as contas, como desindexação de benefícios ao salário mínimo e mudanças nos pisos de saúde e educação, afirmou que não há disposição atualmente no governo e no Congresso para endurecer o pacote.

“(A proposta do) BPC do jeito que está não está gerando muita economia e está gerando muita resistência”, afirmou Pedro Paulo, para quem as propostas são tímidas diante do desajuste nas contas do governo.

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“Tem o discurso ‘o governo não botou a cara, não teve coragem e quer que o Parlamento tenha esse desgaste, vamos deixar esse desgaste para o governo’. É uma racionalidade óbvia que funciona com alguns líderes. Falta uma coordenação das lideranças em favor da responsabilidade fiscal”, disse ele.

A crítica também vem de políticos de centro e da direita, principalmente do Nordeste, que querem distância do projeto que altera as regras do BPC, e de parlamentares ligados à saúde e aos direitos da pessoa com deficiência. “Esta proposta não é apenas desumana, mas também um retrato da completa insensibilidade e incompetência com que a saúde pública está sendo tratada”, disse o deputado Zacharias Calil (União-GO).

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Na quarta-feira, 4, ao orientar a favor da urgência dos projetos, o líder do bloco da Maioria na Câmara, que reúne a base do governo e o Centrão, André Figueiredo (PDT-CE), deixou clara a insatisfação. “É evidente que nós queremos rediscutir o posicionamento relativo ao BPC e tantos outros pontos que precisam ser discutidos”, disse.

A reação também já ocorre no Senado, que analisará as propostas após eventual provação na Câmara. “O que está sendo proposto é desumano e ameaça milhões de brasileiros que dependem desse benefício para sobreviver”, afirmou a senadora Mara Gabrilli (PSD-SP). “Ajustar as contas públicas é necessário, mas é inadmissível que isso seja feito atacando aqueles que já estão à margem da sociedade.”

O governo espera economizar R$ 2 bilhões por ano com a revisão no BPC, gerando uma economia de R$ 12 bilhões ao longo de seis anos. No total, a economia projetada com o pacote é de R$ 71,9 bilhões entre 2025 e 2026 e de R$ 327 bilhões entre 2025 e 2030.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi lembrado recentemente por deputados que a disparada do dólar arrefeceu no mercado financeiro após falas dele e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se comprometendo com o pacote de gastos e adiando a discussão sobre o Imposto de Renda. Mas, de acordo com interlocutores, Lira não se comprometeu a liderar sozinho um endurecimento do pacote sem iniciativa do governo. A oposição, que já pretende votar contra o pacote, também se mobiliza para desidratar as propostas retirando as mudanças no BPC.

“É claro que nós vamos discutir, na hora certa, o mérito das matérias”, disse o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), durante a votação da urgência dos projetos, ao fazer um apelo pela tramitação e prometer enfrentar o conteúdo das medidas mais tarde.

“Muitos dos senhores nos colocam, com razão, restrições com relação ao PL, àquilo que está contido no BPC, às mudanças que o governo está sugerindo, muitos levantam ponderações sobre o Bolsa Família. Nós estamos inteiramente abertos para a discussão do mérito, para a discussão daquilo que é fundamental para o País, sem vetar qualquer proposta ou qualquer discussão que seja necessária”, afirmou.

Os nomes dos deputados que vão assumir a relatoria dos projetos na Câmara ainda não foram oficialmente anunciados, mas estão cotados o líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), para o projeto de lei que cria restrições de acesso ao BPC, e Cláudio Cajado (PP-BA), para o projeto de lei complementar que limita o reajuste do salário mínimo ao teto do arcabouço fiscal.

Já a PEC que trata de temas como a imposição do limite a supersalários no funcionalismo, a relatoria deve ser entregue a Rubens Pereira Júnior (PT-MA).

BRASÍLIA – Em meio a cobranças no mercado financeiro por um corte de gastos estrutural, que garanta a sustentabilidade do arcabouço fiscal, deputados dizem que um eventual endurecimento das propostas apresentadas pelo governo Lula não virá do Congresso sem que o Poder Executivo proponha um ajuste maior. Em um movimento contrário, parlamentares resistem a mexer no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, e o pacote corre risco de desidratação.

O governo enviou três propostas do pacote fiscal para a Câmara. Os deputados aprovaram ontem a urgência de dois projetos relacionados aos novos gatilhos do arcabouço, ao ganho do salário mínimo e à revisão em programas sociais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Um deles foi aprovado com apenas três votos além do necessário.

Câmara aprovou urgência para dois projetos do pacote de corte de gastos proposto pelo governo Lula. Na foto, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) e o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Há ainda uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que também mexe no BPC, nos supersalários do funcionalismo público e no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Os parlamentares, contudo, ainda não se comprometeram em aprovar o conteúdo dos projetos. Líderes da Câmara e articuladores do Palácio do Planalto afirmam que o pacote será aprovado ainda neste ano; a dúvida, no entanto, é sobre o tamanho do ajuste. Além disso, há ainda alguns obstáculos, como o impasse envolvendo o pagamento de emendas parlamentares após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Economistas e integrantes do mercado financeiro avaliam que o pacote é insuficiente para garantir o equilíbrio das contas públicas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, manifestou confiança nas propostas, mas admitiu a necessidade de novas medidas no futuro e não descartou voltar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No Congresso, integrantes da esquerda e da direita concordam o diagnóstico de que é impossível manter o arcabouço fiscal intacto e as regras atuais dos benefícios da Previdência Social, vinculados ao salário mínimo, e dos pisos de saúde e educação, que crescem conforme a arrecadação do governo. O remédio proposto é que é diferente. Uma ala pressiona por cortes mais duros e outra por mudanças no arcabouço.

Uma das principais resistências na Câmara é em relação às mudanças no BPC. O benefício é pago para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, no valor de um salário mínimo. O pacote aumenta os critérios para calcular a renda das famílias e proíbe a retirada de rendas não previstas em lei. Na prática, isso pode fazer com que pessoas não tenham mais direito ao benefício por ultrapassar a renda de um quarto do salário mínimo.

Conforme o Estadão mostrou, quase um terço dos benefícios do BPC para pessoas com deficiência foi concedido por decisões judiciais, que triplicaram em três anos. O ministro Fernando Haddad afirmou que o governo precisa combater o que ele chamou de “indústria de liminares”. Uma das questões é que a Justiça dá a uma pessoa o direito de receber o pagamento quando o governo não possui o registro da deficiência ou não concorda com os critérios para aferir essa deficiência.

‘Munição para a direita’

A resistência a mexer no BPC começa no partido de Lula. “Tem coisa para ser modificada. A esquerda não topa mexer no BPC. É um contrassenso mexer com os mais carentes e isso está dando inclusive munição para a direita nos criticar e criticar o governo”, disse o deputado Zé Neto (PT-BA).

“Eu espero que a equipe econômica do governo do presidente Lula possa rever essa posição, porque nós não podemos cortar ou dificultar o acesso das pessoas com deficiência e dos idosos ao benefício de prestação continuada”, afirmou Valmir Assunção (PT-BA).

Em entrevista ao Estadão, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), autor de uma PEC que propõe medidas mais drásticas para o governo para controlar as contas, como desindexação de benefícios ao salário mínimo e mudanças nos pisos de saúde e educação, afirmou que não há disposição atualmente no governo e no Congresso para endurecer o pacote.

“(A proposta do) BPC do jeito que está não está gerando muita economia e está gerando muita resistência”, afirmou Pedro Paulo, para quem as propostas são tímidas diante do desajuste nas contas do governo.

“Tem o discurso ‘o governo não botou a cara, não teve coragem e quer que o Parlamento tenha esse desgaste, vamos deixar esse desgaste para o governo’. É uma racionalidade óbvia que funciona com alguns líderes. Falta uma coordenação das lideranças em favor da responsabilidade fiscal”, disse ele.

A crítica também vem de políticos de centro e da direita, principalmente do Nordeste, que querem distância do projeto que altera as regras do BPC, e de parlamentares ligados à saúde e aos direitos da pessoa com deficiência. “Esta proposta não é apenas desumana, mas também um retrato da completa insensibilidade e incompetência com que a saúde pública está sendo tratada”, disse o deputado Zacharias Calil (União-GO).

Na quarta-feira, 4, ao orientar a favor da urgência dos projetos, o líder do bloco da Maioria na Câmara, que reúne a base do governo e o Centrão, André Figueiredo (PDT-CE), deixou clara a insatisfação. “É evidente que nós queremos rediscutir o posicionamento relativo ao BPC e tantos outros pontos que precisam ser discutidos”, disse.

A reação também já ocorre no Senado, que analisará as propostas após eventual provação na Câmara. “O que está sendo proposto é desumano e ameaça milhões de brasileiros que dependem desse benefício para sobreviver”, afirmou a senadora Mara Gabrilli (PSD-SP). “Ajustar as contas públicas é necessário, mas é inadmissível que isso seja feito atacando aqueles que já estão à margem da sociedade.”

O governo espera economizar R$ 2 bilhões por ano com a revisão no BPC, gerando uma economia de R$ 12 bilhões ao longo de seis anos. No total, a economia projetada com o pacote é de R$ 71,9 bilhões entre 2025 e 2026 e de R$ 327 bilhões entre 2025 e 2030.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi lembrado recentemente por deputados que a disparada do dólar arrefeceu no mercado financeiro após falas dele e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se comprometendo com o pacote de gastos e adiando a discussão sobre o Imposto de Renda. Mas, de acordo com interlocutores, Lira não se comprometeu a liderar sozinho um endurecimento do pacote sem iniciativa do governo. A oposição, que já pretende votar contra o pacote, também se mobiliza para desidratar as propostas retirando as mudanças no BPC.

“É claro que nós vamos discutir, na hora certa, o mérito das matérias”, disse o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), durante a votação da urgência dos projetos, ao fazer um apelo pela tramitação e prometer enfrentar o conteúdo das medidas mais tarde.

“Muitos dos senhores nos colocam, com razão, restrições com relação ao PL, àquilo que está contido no BPC, às mudanças que o governo está sugerindo, muitos levantam ponderações sobre o Bolsa Família. Nós estamos inteiramente abertos para a discussão do mérito, para a discussão daquilo que é fundamental para o País, sem vetar qualquer proposta ou qualquer discussão que seja necessária”, afirmou.

Os nomes dos deputados que vão assumir a relatoria dos projetos na Câmara ainda não foram oficialmente anunciados, mas estão cotados o líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), para o projeto de lei que cria restrições de acesso ao BPC, e Cláudio Cajado (PP-BA), para o projeto de lei complementar que limita o reajuste do salário mínimo ao teto do arcabouço fiscal.

Já a PEC que trata de temas como a imposição do limite a supersalários no funcionalismo, a relatoria deve ser entregue a Rubens Pereira Júnior (PT-MA).

BRASÍLIA – Em meio a cobranças no mercado financeiro por um corte de gastos estrutural, que garanta a sustentabilidade do arcabouço fiscal, deputados dizem que um eventual endurecimento das propostas apresentadas pelo governo Lula não virá do Congresso sem que o Poder Executivo proponha um ajuste maior. Em um movimento contrário, parlamentares resistem a mexer no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, e o pacote corre risco de desidratação.

O governo enviou três propostas do pacote fiscal para a Câmara. Os deputados aprovaram ontem a urgência de dois projetos relacionados aos novos gatilhos do arcabouço, ao ganho do salário mínimo e à revisão em programas sociais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Um deles foi aprovado com apenas três votos além do necessário.

Câmara aprovou urgência para dois projetos do pacote de corte de gastos proposto pelo governo Lula. Na foto, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) e o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Há ainda uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que também mexe no BPC, nos supersalários do funcionalismo público e no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Os parlamentares, contudo, ainda não se comprometeram em aprovar o conteúdo dos projetos. Líderes da Câmara e articuladores do Palácio do Planalto afirmam que o pacote será aprovado ainda neste ano; a dúvida, no entanto, é sobre o tamanho do ajuste. Além disso, há ainda alguns obstáculos, como o impasse envolvendo o pagamento de emendas parlamentares após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Economistas e integrantes do mercado financeiro avaliam que o pacote é insuficiente para garantir o equilíbrio das contas públicas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, manifestou confiança nas propostas, mas admitiu a necessidade de novas medidas no futuro e não descartou voltar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No Congresso, integrantes da esquerda e da direita concordam o diagnóstico de que é impossível manter o arcabouço fiscal intacto e as regras atuais dos benefícios da Previdência Social, vinculados ao salário mínimo, e dos pisos de saúde e educação, que crescem conforme a arrecadação do governo. O remédio proposto é que é diferente. Uma ala pressiona por cortes mais duros e outra por mudanças no arcabouço.

Uma das principais resistências na Câmara é em relação às mudanças no BPC. O benefício é pago para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, no valor de um salário mínimo. O pacote aumenta os critérios para calcular a renda das famílias e proíbe a retirada de rendas não previstas em lei. Na prática, isso pode fazer com que pessoas não tenham mais direito ao benefício por ultrapassar a renda de um quarto do salário mínimo.

Conforme o Estadão mostrou, quase um terço dos benefícios do BPC para pessoas com deficiência foi concedido por decisões judiciais, que triplicaram em três anos. O ministro Fernando Haddad afirmou que o governo precisa combater o que ele chamou de “indústria de liminares”. Uma das questões é que a Justiça dá a uma pessoa o direito de receber o pagamento quando o governo não possui o registro da deficiência ou não concorda com os critérios para aferir essa deficiência.

‘Munição para a direita’

A resistência a mexer no BPC começa no partido de Lula. “Tem coisa para ser modificada. A esquerda não topa mexer no BPC. É um contrassenso mexer com os mais carentes e isso está dando inclusive munição para a direita nos criticar e criticar o governo”, disse o deputado Zé Neto (PT-BA).

“Eu espero que a equipe econômica do governo do presidente Lula possa rever essa posição, porque nós não podemos cortar ou dificultar o acesso das pessoas com deficiência e dos idosos ao benefício de prestação continuada”, afirmou Valmir Assunção (PT-BA).

Em entrevista ao Estadão, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), autor de uma PEC que propõe medidas mais drásticas para o governo para controlar as contas, como desindexação de benefícios ao salário mínimo e mudanças nos pisos de saúde e educação, afirmou que não há disposição atualmente no governo e no Congresso para endurecer o pacote.

“(A proposta do) BPC do jeito que está não está gerando muita economia e está gerando muita resistência”, afirmou Pedro Paulo, para quem as propostas são tímidas diante do desajuste nas contas do governo.

“Tem o discurso ‘o governo não botou a cara, não teve coragem e quer que o Parlamento tenha esse desgaste, vamos deixar esse desgaste para o governo’. É uma racionalidade óbvia que funciona com alguns líderes. Falta uma coordenação das lideranças em favor da responsabilidade fiscal”, disse ele.

A crítica também vem de políticos de centro e da direita, principalmente do Nordeste, que querem distância do projeto que altera as regras do BPC, e de parlamentares ligados à saúde e aos direitos da pessoa com deficiência. “Esta proposta não é apenas desumana, mas também um retrato da completa insensibilidade e incompetência com que a saúde pública está sendo tratada”, disse o deputado Zacharias Calil (União-GO).

Na quarta-feira, 4, ao orientar a favor da urgência dos projetos, o líder do bloco da Maioria na Câmara, que reúne a base do governo e o Centrão, André Figueiredo (PDT-CE), deixou clara a insatisfação. “É evidente que nós queremos rediscutir o posicionamento relativo ao BPC e tantos outros pontos que precisam ser discutidos”, disse.

A reação também já ocorre no Senado, que analisará as propostas após eventual provação na Câmara. “O que está sendo proposto é desumano e ameaça milhões de brasileiros que dependem desse benefício para sobreviver”, afirmou a senadora Mara Gabrilli (PSD-SP). “Ajustar as contas públicas é necessário, mas é inadmissível que isso seja feito atacando aqueles que já estão à margem da sociedade.”

O governo espera economizar R$ 2 bilhões por ano com a revisão no BPC, gerando uma economia de R$ 12 bilhões ao longo de seis anos. No total, a economia projetada com o pacote é de R$ 71,9 bilhões entre 2025 e 2026 e de R$ 327 bilhões entre 2025 e 2030.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi lembrado recentemente por deputados que a disparada do dólar arrefeceu no mercado financeiro após falas dele e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se comprometendo com o pacote de gastos e adiando a discussão sobre o Imposto de Renda. Mas, de acordo com interlocutores, Lira não se comprometeu a liderar sozinho um endurecimento do pacote sem iniciativa do governo. A oposição, que já pretende votar contra o pacote, também se mobiliza para desidratar as propostas retirando as mudanças no BPC.

“É claro que nós vamos discutir, na hora certa, o mérito das matérias”, disse o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), durante a votação da urgência dos projetos, ao fazer um apelo pela tramitação e prometer enfrentar o conteúdo das medidas mais tarde.

“Muitos dos senhores nos colocam, com razão, restrições com relação ao PL, àquilo que está contido no BPC, às mudanças que o governo está sugerindo, muitos levantam ponderações sobre o Bolsa Família. Nós estamos inteiramente abertos para a discussão do mérito, para a discussão daquilo que é fundamental para o País, sem vetar qualquer proposta ou qualquer discussão que seja necessária”, afirmou.

Os nomes dos deputados que vão assumir a relatoria dos projetos na Câmara ainda não foram oficialmente anunciados, mas estão cotados o líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), para o projeto de lei que cria restrições de acesso ao BPC, e Cláudio Cajado (PP-BA), para o projeto de lei complementar que limita o reajuste do salário mínimo ao teto do arcabouço fiscal.

Já a PEC que trata de temas como a imposição do limite a supersalários no funcionalismo, a relatoria deve ser entregue a Rubens Pereira Júnior (PT-MA).

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