Desaceleração global atinge indústria e investimento, piorando cenário para o Brasil, diz economista


Para Silvia Matos, o aprofundamento da crise na Argentina também pode afetar os resultados da indústria brasileira

Por Vinicius Neder

RIO - O risco de recessão global é preocupante para o Brasil porque pode atingir em cheio a indústria de transformação e os investimentos, afirmou a economista Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e coordenadora técnica do Boletim Macro Ibre.

No cenário de Silvia, um crescimento de 1,1% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2019, como projetado atualmente pelo Ibre/FGV, passa por uma recuperação da indústria de transformação daqui até o fim do ano, após os primeiros sinais de reação vistos no segundo trimestre.

Só que o aprofundamento da crise na Argentina pode abortar essa recuperação. E uma estagnação nas principais economias do mundo, como a Alemanha, por causa da disputa comercial entre Estados Unidos e China, que levou o pânico aos mercados financeiros na quarta-feira, poderá ser a pá de cal. A seguir, os principais trechos da entrevista com a economista.

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A economista Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro Ibre. Foto: Fabio Motta/Estadão - 21/5/2019

Qual a importância da economia internacional no cenário para a economia brasileira?

A gente tem um cenário de uma melhora da economia ao longo do segundo semestre. Como a gente observou já no segundo trimestre, haveria uma melhora da indústria de transformação. Está implícito em nosso cenário uma melhora da indústria manufatureira, que foi o setor que mais sofreu com a piora do cenário internacional em 2018, com destaque para a recessão da Argentina. Qualquer cenário que não contemple essa melhora da indústria de transformação faz com que o cenário de atividade (no Brasil) piore.

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A previsão era que a Argentina atrapalhasse menos neste ano?

O efeito do choque da Argentina seria amenizado neste segundo semestre, porque foi muito forte no segundo semestre do ano passado, então a produção industrial, em termos interanuais, não ia recuar tanto. Até julho, a indústria de transformação estava crescendo tanto no interanual quanto no mês a mês, conforme os indicadores coincidentes que temos até o momento. Ou seja, pelo menos até julho, mesmo com todas as dificuldades, a indústria de transformação tem mostrado ainda alguns resultados favoráveis.

Uma piora externa atinge esse processo de melhora?

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Sim, com certeza. Isso já contribuiu (para a frustração do crescimento) em 2018. A indústria de transformação rodava, antes da greve (dos caminhoneiros, em maio de 2018) e da (piora da crise econômica na) Argentina, a 5,0% em termos interanuais. Houve questões domésticas, mas estamos num contexto de fraqueza doméstica. Não tem como a situação doméstica evitar uma nova rodada de choque externo. Se estivéssemos muito bem internamente, poderíamos compensar, mas não tem nenhuma gordura para queimar.

E quais as consequências de uma piora no crescimento global, em vários países, não só na Argentina?

Quando era só a Argentina, o efeito é único, de quantidade (de exportações) no setor industrial. Agora, como é um choque agregado, o problema começa a ficar mais complexo. O Brasil é um país emergente, que precisa trazer recursospara cá. Então, um cenário de mau humor internacional, com aumento do prêmio de risco e desvalorização cambial (alta da cotação do dólar), é péssimo para o Brasil no sentido geral. O investimento, por exemplo, depende muito de importação de máquinas e equipamentos. O investimento já está neste ano numa situação complicada. Embora os dados do segundo trimestre sejam até positivos no investimento, já tínhamos uma visão negativa porque qualquer cenário nebuloso, como o que prevaleceu no primeiro semestre, prejudicaria o investimento. Numa rodada de piora do cenário externo, mesmo com juros baixos, a decisão de investir pode ser postergada.

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O quão grave pode ser uma desaceleração mais forte da economia global?

A natureza desse choque é muito difícil de entender. Ele é com os juros baixos (na maioria das economias), mas com muito menos crescimento. E pode se reverter de alguma forma. Não é um jogo (a disputa comercial) com perdedores e ganhadores. Todos perdemos, inclusive Estados Unidos e China. Já está reduzindo o investimento nos Estados Unidos.

E a China?

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É uma preocupação muito grande. O quanto está desacelerando a China? Será que conseguimos ter todos os dados de fato? Será que estão escondendo? Será que a desaceleração na China é mais forte, mais generalizada? Esse impacto para o Brasil é ruim. A China é um destino importante para as nossas exportações. Se a China desacelerar mais, para o Brasil é muito ruim. Tem um choque agregado, mas temos Argentina e China que são fatores que fazem com que, para o Brasil, fique mais complicado.

Uma desaceleração maior na China pode reduzir as cotações de matérias-primas brasileiras, não?

Sim, tem um canal de investimentos nos setores, se os preços caem muito. Petróleo, por exemplo. Isso acaba sendo um problema para a gente, porque é um setor que tem capacidade de crescimento muito forte, mas quedas muito expressivas de preço (das cotações internacionais de petróleo) podem inviabilizar alguns investimentos.

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Um choque mais forte pode levar o Brasil a uma nova recessão?

O risco sempre existe. Não é nosso cenário base, porque teria que ser algo bem forte mesmo. Teria que ser a indústria de transformação voltando para um terreno bem negativo e o setor de serviços crescendo muito pouco. Por enquanto, não é nosso cenário.

RIO - O risco de recessão global é preocupante para o Brasil porque pode atingir em cheio a indústria de transformação e os investimentos, afirmou a economista Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e coordenadora técnica do Boletim Macro Ibre.

No cenário de Silvia, um crescimento de 1,1% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2019, como projetado atualmente pelo Ibre/FGV, passa por uma recuperação da indústria de transformação daqui até o fim do ano, após os primeiros sinais de reação vistos no segundo trimestre.

Só que o aprofundamento da crise na Argentina pode abortar essa recuperação. E uma estagnação nas principais economias do mundo, como a Alemanha, por causa da disputa comercial entre Estados Unidos e China, que levou o pânico aos mercados financeiros na quarta-feira, poderá ser a pá de cal. A seguir, os principais trechos da entrevista com a economista.

A economista Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro Ibre. Foto: Fabio Motta/Estadão - 21/5/2019

Qual a importância da economia internacional no cenário para a economia brasileira?

A gente tem um cenário de uma melhora da economia ao longo do segundo semestre. Como a gente observou já no segundo trimestre, haveria uma melhora da indústria de transformação. Está implícito em nosso cenário uma melhora da indústria manufatureira, que foi o setor que mais sofreu com a piora do cenário internacional em 2018, com destaque para a recessão da Argentina. Qualquer cenário que não contemple essa melhora da indústria de transformação faz com que o cenário de atividade (no Brasil) piore.

A previsão era que a Argentina atrapalhasse menos neste ano?

O efeito do choque da Argentina seria amenizado neste segundo semestre, porque foi muito forte no segundo semestre do ano passado, então a produção industrial, em termos interanuais, não ia recuar tanto. Até julho, a indústria de transformação estava crescendo tanto no interanual quanto no mês a mês, conforme os indicadores coincidentes que temos até o momento. Ou seja, pelo menos até julho, mesmo com todas as dificuldades, a indústria de transformação tem mostrado ainda alguns resultados favoráveis.

Uma piora externa atinge esse processo de melhora?

Sim, com certeza. Isso já contribuiu (para a frustração do crescimento) em 2018. A indústria de transformação rodava, antes da greve (dos caminhoneiros, em maio de 2018) e da (piora da crise econômica na) Argentina, a 5,0% em termos interanuais. Houve questões domésticas, mas estamos num contexto de fraqueza doméstica. Não tem como a situação doméstica evitar uma nova rodada de choque externo. Se estivéssemos muito bem internamente, poderíamos compensar, mas não tem nenhuma gordura para queimar.

E quais as consequências de uma piora no crescimento global, em vários países, não só na Argentina?

Quando era só a Argentina, o efeito é único, de quantidade (de exportações) no setor industrial. Agora, como é um choque agregado, o problema começa a ficar mais complexo. O Brasil é um país emergente, que precisa trazer recursospara cá. Então, um cenário de mau humor internacional, com aumento do prêmio de risco e desvalorização cambial (alta da cotação do dólar), é péssimo para o Brasil no sentido geral. O investimento, por exemplo, depende muito de importação de máquinas e equipamentos. O investimento já está neste ano numa situação complicada. Embora os dados do segundo trimestre sejam até positivos no investimento, já tínhamos uma visão negativa porque qualquer cenário nebuloso, como o que prevaleceu no primeiro semestre, prejudicaria o investimento. Numa rodada de piora do cenário externo, mesmo com juros baixos, a decisão de investir pode ser postergada.

O quão grave pode ser uma desaceleração mais forte da economia global?

A natureza desse choque é muito difícil de entender. Ele é com os juros baixos (na maioria das economias), mas com muito menos crescimento. E pode se reverter de alguma forma. Não é um jogo (a disputa comercial) com perdedores e ganhadores. Todos perdemos, inclusive Estados Unidos e China. Já está reduzindo o investimento nos Estados Unidos.

E a China?

É uma preocupação muito grande. O quanto está desacelerando a China? Será que conseguimos ter todos os dados de fato? Será que estão escondendo? Será que a desaceleração na China é mais forte, mais generalizada? Esse impacto para o Brasil é ruim. A China é um destino importante para as nossas exportações. Se a China desacelerar mais, para o Brasil é muito ruim. Tem um choque agregado, mas temos Argentina e China que são fatores que fazem com que, para o Brasil, fique mais complicado.

Uma desaceleração maior na China pode reduzir as cotações de matérias-primas brasileiras, não?

Sim, tem um canal de investimentos nos setores, se os preços caem muito. Petróleo, por exemplo. Isso acaba sendo um problema para a gente, porque é um setor que tem capacidade de crescimento muito forte, mas quedas muito expressivas de preço (das cotações internacionais de petróleo) podem inviabilizar alguns investimentos.

Um choque mais forte pode levar o Brasil a uma nova recessão?

O risco sempre existe. Não é nosso cenário base, porque teria que ser algo bem forte mesmo. Teria que ser a indústria de transformação voltando para um terreno bem negativo e o setor de serviços crescendo muito pouco. Por enquanto, não é nosso cenário.

RIO - O risco de recessão global é preocupante para o Brasil porque pode atingir em cheio a indústria de transformação e os investimentos, afirmou a economista Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e coordenadora técnica do Boletim Macro Ibre.

No cenário de Silvia, um crescimento de 1,1% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2019, como projetado atualmente pelo Ibre/FGV, passa por uma recuperação da indústria de transformação daqui até o fim do ano, após os primeiros sinais de reação vistos no segundo trimestre.

Só que o aprofundamento da crise na Argentina pode abortar essa recuperação. E uma estagnação nas principais economias do mundo, como a Alemanha, por causa da disputa comercial entre Estados Unidos e China, que levou o pânico aos mercados financeiros na quarta-feira, poderá ser a pá de cal. A seguir, os principais trechos da entrevista com a economista.

A economista Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro Ibre. Foto: Fabio Motta/Estadão - 21/5/2019

Qual a importância da economia internacional no cenário para a economia brasileira?

A gente tem um cenário de uma melhora da economia ao longo do segundo semestre. Como a gente observou já no segundo trimestre, haveria uma melhora da indústria de transformação. Está implícito em nosso cenário uma melhora da indústria manufatureira, que foi o setor que mais sofreu com a piora do cenário internacional em 2018, com destaque para a recessão da Argentina. Qualquer cenário que não contemple essa melhora da indústria de transformação faz com que o cenário de atividade (no Brasil) piore.

A previsão era que a Argentina atrapalhasse menos neste ano?

O efeito do choque da Argentina seria amenizado neste segundo semestre, porque foi muito forte no segundo semestre do ano passado, então a produção industrial, em termos interanuais, não ia recuar tanto. Até julho, a indústria de transformação estava crescendo tanto no interanual quanto no mês a mês, conforme os indicadores coincidentes que temos até o momento. Ou seja, pelo menos até julho, mesmo com todas as dificuldades, a indústria de transformação tem mostrado ainda alguns resultados favoráveis.

Uma piora externa atinge esse processo de melhora?

Sim, com certeza. Isso já contribuiu (para a frustração do crescimento) em 2018. A indústria de transformação rodava, antes da greve (dos caminhoneiros, em maio de 2018) e da (piora da crise econômica na) Argentina, a 5,0% em termos interanuais. Houve questões domésticas, mas estamos num contexto de fraqueza doméstica. Não tem como a situação doméstica evitar uma nova rodada de choque externo. Se estivéssemos muito bem internamente, poderíamos compensar, mas não tem nenhuma gordura para queimar.

E quais as consequências de uma piora no crescimento global, em vários países, não só na Argentina?

Quando era só a Argentina, o efeito é único, de quantidade (de exportações) no setor industrial. Agora, como é um choque agregado, o problema começa a ficar mais complexo. O Brasil é um país emergente, que precisa trazer recursospara cá. Então, um cenário de mau humor internacional, com aumento do prêmio de risco e desvalorização cambial (alta da cotação do dólar), é péssimo para o Brasil no sentido geral. O investimento, por exemplo, depende muito de importação de máquinas e equipamentos. O investimento já está neste ano numa situação complicada. Embora os dados do segundo trimestre sejam até positivos no investimento, já tínhamos uma visão negativa porque qualquer cenário nebuloso, como o que prevaleceu no primeiro semestre, prejudicaria o investimento. Numa rodada de piora do cenário externo, mesmo com juros baixos, a decisão de investir pode ser postergada.

O quão grave pode ser uma desaceleração mais forte da economia global?

A natureza desse choque é muito difícil de entender. Ele é com os juros baixos (na maioria das economias), mas com muito menos crescimento. E pode se reverter de alguma forma. Não é um jogo (a disputa comercial) com perdedores e ganhadores. Todos perdemos, inclusive Estados Unidos e China. Já está reduzindo o investimento nos Estados Unidos.

E a China?

É uma preocupação muito grande. O quanto está desacelerando a China? Será que conseguimos ter todos os dados de fato? Será que estão escondendo? Será que a desaceleração na China é mais forte, mais generalizada? Esse impacto para o Brasil é ruim. A China é um destino importante para as nossas exportações. Se a China desacelerar mais, para o Brasil é muito ruim. Tem um choque agregado, mas temos Argentina e China que são fatores que fazem com que, para o Brasil, fique mais complicado.

Uma desaceleração maior na China pode reduzir as cotações de matérias-primas brasileiras, não?

Sim, tem um canal de investimentos nos setores, se os preços caem muito. Petróleo, por exemplo. Isso acaba sendo um problema para a gente, porque é um setor que tem capacidade de crescimento muito forte, mas quedas muito expressivas de preço (das cotações internacionais de petróleo) podem inviabilizar alguns investimentos.

Um choque mais forte pode levar o Brasil a uma nova recessão?

O risco sempre existe. Não é nosso cenário base, porque teria que ser algo bem forte mesmo. Teria que ser a indústria de transformação voltando para um terreno bem negativo e o setor de serviços crescendo muito pouco. Por enquanto, não é nosso cenário.

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