RIO - A taxa de desemprego do trimestre móvel encerrado em janeiro deste ano chegaria a 10,8% se a proporção de pessoas a partir de 14 anos trabalhando ou buscando emprego voltasse ao padrão de 2019, no período pré-pandemia, segundo cálculos da LCA Consultores. O resultado significaria 2,4 pontos porcentuais acima dos atuais 8,4% apurados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ao longo de 2023, a redução de pessoas na inatividade, ou seja, que não estão trabalhando nem buscando uma vaga, poderá contribuir para o aumento do desemprego no País. O aumento dos inativos, na prática, segurou a taxa de desemprego em níveis mais baixos desde que a covid-19 se abateu sobre a economia, três anos atrás. O fenômeno chama atenção inclusive nos dados mais recentes, na virada de 2022 para 2023.
O nível da ocupação – porcentual de pessoas trabalhando dentro da população em idade de trabalhar – caiu de 57,4% no trimestre até outubro de 2022 para 56,7% no trimestre até janeiro de 2023. O País registrou uma extinção de 1,025 milhão de vagas no período, mas o contingente em busca de emprego diminuiu em 27 mil pessoas em um trimestre. A taxa de desemprego não aumentou mais porque a população inativa atingiu 66,341 milhões de pessoas, 1,438 milhão a mais.
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Fenômeno mundial
Segundo Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores, o aumento do número de pessoas na inatividade, na comparação com o padrão anterior à pandemia, é um fenômeno mundial, observado em vários outros países, inclusive nos Estados Unidos e na Europa. Para o economista, parte desse fenômeno pode ser estrutural, que veio para ficar. Parte é conjuntural, temporária, o que significa que uma parcela das pessoas que estão na inatividade deverá voltar ao mercado de trabalho.
“Boa parte é estrutural, sim. O retorno que deve ocorrer dessas pessoas procurando emprego deve ser parcial. É um fenômeno registrado não só aqui no Brasil, mas no mundo todo”, afirmou Imaizumi.
Esse movimento de aumento da inatividade foi provocado tanto pela saída de idosos do mercado de trabalho durante a pandemia quanto pela desistência de pessoas contempladas por programas de transferências de renda, tanto no Brasil quanto em outros países do mundo, segundo Lucas Assis, analista da Tendências Consultoria.
“A gente identifica um possível desincentivo à busca por uma ocupação por parte das pessoas que recebem transferências governamentais, com destaque tanto para o Auxílio Brasil ao longo de 2022, que apresentou uma forte ampliação tanto no tíquete médio quanto em termos de famílias beneficiárias, e a partir de agora, em março de 2023, a gente também vê uma ampliação do Bolsa Família”, opinou Assis.
A baixa qualidade e o reduzido nível de renda oferecidos pelos empregos que puxaram a recuperação do mercado de trabalho após o choque inicial provocado pela covid-19 também desestimularam a busca por uma vaga, especialmente entre os menos escolarizados, que costumam ser os mais pobres e, por isso, os principais beneficiários de programas de complementação da renda, explicou Rodolpho Tobler, economista do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV).
“Essa busca por trabalho muitas vezes é difícil. As pessoas têm um custo para sair de casa e procurar emprego. Às vezes o emprego também paga uma renda muito baixa. A gente tem recortes sobre a região Nordeste mostrando que é uma região com uma taxa de participação mais baixa. E tem uma questão social muito forte, porque o rendimento é muito baixo. Então, às vezes, essa busca não faz tanto sentido para pessoas que estão realmente recebendo algum tipo de benefício, porque é muito difícil de conseguir emprego, e quando consegue é por uma renda muito baixa”, disse Tobler.
Covid
Um estudo feito pela LCA Consultores em junho do ano passado mostrou que a maioria das pessoas que saiu do mercado de trabalho, indo para a inatividade, tem mais de 60 anos, quadro mantido até o fim do ano. O padrão teria a ver com a pandemia de covid-19, já que as pessoas mais idosas são mais vulneráveis ao novo coronavírus.
“Os filhos, com medo que os pais pegassem a doença, tiraram os pais do trabalho. Houve filhos que pegaram os negócios dos pais. Tem as sequelas de longo prazo e as aposentadorias precoces”, afirmou Imaizumi, explicando que, no caso das aposentadorias precoces, trabalhadores que já tinham idade para se aposentar, mas estavam dispostos a seguir trabalhando, decidiram parar com receio de pegar covid-19.
Em 2023, o cenário é de reversão no processo de aumento da inatividade, embora parte do fenômeno seja estrutural, segundo Imaizumi. No caso das famílias mais pobres, alguns idosos podem tentar voltar a procurar trabalho. Além disso, o efeito dos programas de transferência de renda poderá ser moderado, após a expansão concentrada no fim do ano passado. O novo governo federal já anunciou que um pente-fino apontou cerca de 1,5 milhão de famílias recebendo benefícios indevidos.
De acordo com Imaizumi, pessoas que, eventualmente, tenham recebido benefícios sociais indevidamente, o que pode incluir mais de uma bolsa por família, podem ter deixado o mercado de trabalho por causa dessa renda extra. Se as novas regras do Bolsa Família levarem à exclusão dessas famílias do programa, esses trabalhadores podem se ver obrigados a voltar a procurar emprego, aumentando a fila do desemprego.
Aumento do desemprego
Independentemente disso, a expectativa já seria de aumento na taxa de desemprego a partir de 2023, como reflexo da desaceleração na atividade econômica, sob influência, entre outros fatores, da política monetária restritiva, ressaltou Tobler, do Ibre/FGV. “De fato se a gente tivesse esse grupo de pessoas que estão saindo (do mercado de trabalho), se elas buscassem emprego, a gente teria uma taxa de desocupação um pouco mais alta”, disse.
A FGV estima que a taxa de desemprego média suba dos 9,3% registrados em 2022 para 10,2% em 2023. Tobler acredita que a taxa trimestral acelere a aproximadamente 10% no meio do ano, com alguma melhora no segundo semestre, a depender dos rumos da política econômica do novo governo.
Já a Tendências Consultoria prevê uma taxa de desemprego média de 8,6% em 2023, sustentada ainda por um ligeiro aumento de 0,3% na população ocupada, mas subindo a 9,0% em 2024. “A expectativa de ampliação do contingente de desocupados é justamente por parte dessas pessoas que ainda não retornaram: tanto de pessoas mais velhas, que saíram durante a crise da covid, quanto de pessoas que não tinham o incentivo a buscar uma ocupação, por conta do aumento das transferências”, explicou Lucas Assis, da Tendências.
A taxa de desemprego de 8,4% no trimestre encerrado em janeiro de 2023 ficou acima dos 7,9% registrados no trimestre móvel até dezembro de 2022, interrompendo uma sequência de dez quedas seguidas, conforme os dados divulgados na semana passada pelo IBGE. Mesmo assim, o resultado foi o mais baixo para essa época do ano desde 2015, quando estava em 6,9%.
Devido à forma atípica como a pandemia afetou o mercado de trabalho, especialmente a dinâmica da inatividade, Bruno Imaizumi afirmou que “parou de olhar” para a taxa de desemprego, porque já não é o melhor indicador. Tanto que, no auge do isolamento social da pandemia, em 2020, a taxa de desemprego seguiu baixa – afinal, por causa das restrições ao contato social, a maior parte das pessoas que perdeu a ocupação ficou em casa, impedida de procurar outra colocação.
Outra opção é olhar para a taxa composta de subutilização, espécie de taxa de desemprego ampliada, que considera na conta parte das pessoas que estão na inatividade, porém, com potencial para trabalhar. No trimestre móvel até janeiro, a taxa composta ficou em 18,7%, contra os 8,4% da taxa de desemprego. Com a pandemia, a taxa composta de subutilização saltou de 24,4% no primeiro trimestre de 2020 para 29,3% no segundo trimestre do mesmo ano. No trimestre móvel encerrado em agosto de 2020, a subutilização atingiu o recorde de 30,7%.