NOVA YORK - A criação de vagas de trabalho nos Estados Unidos aquém das expectativas em julho e o aumento do desemprego reacenderam os temores de uma recessão à vista na maior economia do mundo. Nas quadras de Wall Street, as perguntas que operadores fazem é se o Federal Reserve (Fed) errou a mão novamente, agora, demorando demais para começar a cortar os juros, e o que deve fazer para evitar fissuras econômicas maiores. Eles também questionam qual economia o próximo presidente dos EUA terá de gerir após vencer o seu rival nas urnas, em novembro?
Na segunda-feira, 5, os temores de uma recessão desencadearam um movimento de aversão a risco global, levando as bolsas de Nova York a desabar na reabertura do pregão, após as fortes perdas da semana passada. O índice VIX, espécie de “termômetro do medo” em Wall Street, bateu o maior nível desde março de 2020, auge da pandemia da covid-19.
As chances de uma primeira alta de juros de 50 pontos-base (0,5 ponto porcentual), que chegaram a bater 98,5% pela manhã de segunda, baixaram para 87,5%, ainda assim acima do patamar da sexta-feira anterior, de 74%, mostra levantamento da plataforma CME Group.
“O Federal Reserve demorou muito para subir as taxas. Agora, está demorando muito para baixá-las”, disse o megainvestidor de Wall Street Bill Ackman, da gestora Pershing Square, em seu perfil no X, na noite de domingo, enquanto os mercados futuros colapsavam com o temor de recessão nos EUA.
Além de um Fed mais agressivo, operadores do mercado começaram a se questionar sobre o risco de o BC dos EUA ser obrigado a agir antes, em reunião extraordinária antes do encontro marcado para setembro. Na visão do Citi, uma reunião extraordinária é “possível” caso a liquidação de ativos de risco permaneça, mas não é o seu cenário-base. O gigante de Wall Street ajudou a puxar a fila por um aumento de 0,5 ponto porcentual em setembro, após o fraco payroll da semana passada.
“Independentemente de quem for eleito, 2025 começa com uma taxa de desemprego um pouco elevada (nos EUA), acima dos 5%”, diz a economista do Citi, Verona Clark, em entrevista ao Estadão/Broadcast. O banco americano acredita que esse patamar será quebrado ainda neste ano. Em julho, o índice de desemprego subiu a 4,3%, ante 4,1% em junho, o que contribuiu para assustar os mercados quanto a um esfriamento muito rápido do mercado de trabalho nos EUA.
Apesar dos temores nos mercados globais, economistas minimizam as chances de materialização de um cenário de “pouso forçado”. Para o economista-chefe do Santander para os EUA, Stephen Stanley, o país caminha para um segundo semestre de desaceleração e crescimento abaixo do seu potencial, mas não uma recessão. Ele vê o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA desacelerando de uma alta surpreendente de 2,8% no segundo trimestre para 2,3% no terceiro e algo na casa de 1% no trimestre seguinte. A economia americana recuperaria o patamar de crescimento ao redor dos 2% somente um ano depois, no quarto trimestre de 2025.
“O relatório de emprego de julho foi substancialmente mais fraco do que o esperado, mas dificilmente se qualifica como evidência de uma recessão”, avalia Stanley.
Economia esfriando
Para a Capital Economics, os dados do setor de serviços nos EUA mostram uma economia esfriando, mas não à beira do colapso. O risco de um pouso forçado aumentou, alerta a consultoria britânica, que não tem esse como o seu cenário-base.
“Um corte nas taxas em setembro agora é garantido, mas não achamos que a economia precise de cortes agressivos do tamanho de uma recessão”, diz o economista-chefe do Bank of America para os EUA, Michael Gapen. Antes, o banco americano previa um primeiro corte apenas em dezembro e aguardava dados de emprego para revisar a sua projeção. As recessões nos EUA, segundo Gapen, não acontecem sem demissões e elas permanecem extremamente baixas.
O banco suíço Lombard Odier estima uma probabilidade de 20% de os EUA entrarem em recessão. Mas a maior economia do mundo pode escapar de um pouso forçado caso o Fed não demore muito para começar a cortar os juros. Para o Lombard, os planos do ex-presidente Donald Trump de cortar impostos e adotar uma política de imigração mais dura nos Estados Unidos podem gerar pressões inflacionárias adicionais e também no mercado de trabalho americano. Esse cenário representa uma combinação desafiadora ao Fed, em um momento em que a nuvem da recessão volta a sobrevoar os EUA com mais força.
“E, como resultado, a economia (dos EUA) entra em uma recessão muito branda no segundo semestre de 2025″, projeta o economista da Moody’s Analytics, Brendan Lacerda. A maior economia do mundo voltaria à trajetória de crescimento no ano seguinte, prevê a consultoria.
Kamala x Trump
Em seu cenário-base, que prevê 45% de chances de vitória da vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, a Moody’s Analytics vê a economia dos EUA crescendo “muito consistentemente” com seu potencial em torno de 2%. A inflação, por sua vez, continua a moderar, rumo à meta do Fed de 2% ao ano.
A liquidação dos mercados também serviu de palanque político. Donald Trump culpou o que chamou de uma espécie de “risco Harris” na Casa Branca, indicando que o nervosismo estaria relacionado à possibilidade de a vice-presidente ser eleita. “Hoje é uma prévia dos mercados mundiais sem Donald J. Trump na Casa Branca”, escreveu, em seu perfil na Truth Social, sua própria rede social.
O noticiário econômico pode jogar contra a campanha democrata e pode colocar um fim na curta lua de mel que Harris viveu com o mercado, o que Trump quer usar a seu favor. “Notícias negativas sobre a economia vão pesar na campanha de Harris”, disse o pesquisador do partido republicano, Micah Roberts, ao The Wall Street Journal.
Harris voltou a usar a ameaça de Trump à democracia como resposta ao rival.