Ao final de 2020, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) publicou a Resolução n.º 13, que cria um grupo de trabalho para deliberar sobre novos biocombustíveis ciclo diesel na Política Energética Nacional. Entre eles está o diesel verde, resultado da hidrogenação do óleo vegetal e proveniente de uma rota tecnológica que possibilitará a continuidade da substituição direta do diesel fóssil.
Sabe-se, infelizmente, que a mais importante empresa brasileira do setor de petróleo tenta viabilizar a baixíssima parcela renovável do seu produto como substituta do biodiesel. Afirma que seu produto é verde, sem explicar que contém 95% de diesel fóssil. Para sustentar sua tese, declara, ainda, que consumidores enfrentam problemas em motores em razão da baixa qualidade do biodiesel, ignorando problemas de qualidade que o próprio diesel mineral produz e aqueles advindos do seu transporte e armazenamento. Além disso, traz informações inverídicas sobre a capacidade do biodiesel de atender aos novos padrões de emissões.
Essa empresa não percebeu que deve se alinhar às tendências brasileiras e mundiais de substituição de fósseis e age em sentido contrário ao propor, na melhor das hipóteses, a substituição de um produto renovável por outro, portanto, sem nenhuma adicionalidade. Também não nota que sua proposta prejudica as metas brasileiras de aumento de conteúdo renovável nos combustíveis e de redução das suas emissões.
Por sua relevância para a economia, tal atitude põe em dúvida sua visão e verdadeiro compromisso com a segurança e sustentabilidade da nossa matriz energética. Uma companhia que ajudou a construir o programa de biodiesel não deveria encabeçar a iniciativa para destruí-lo. Ao contrário, o sucesso deste programa e seu futuro promissor deveriam motivá-la a almejar a utilização crescente e gradual do diesel verde em lugar da parcela não renovável do diesel comercial.
De fato, os trabalhos voltados para a revisão do sistema de comercialização diante dos desinvestimentos em refinarias da Petrobrás geraram uma concreta ameaça ao biodiesel. As usinas não somente terão de se adaptar a um novo sistema de comercialização, como também poderão ver seu mercado encolher se essa empresa tiver sucesso na mudança do entendimento consolidado na legislação.
Resta saber o tamanho do impacto negativo para o consumidor, que verá a concentração de mercado aumentar à medida que suas opções de aquisição forem reduzidas das dezenas de usinas de biodiesel por todo o Brasil para algumas poucas refinarias localizadas na costa brasileira.
A cadeia do biodiesel está sob ataque e com ela os milhares de famílias de agricultores que vendem produtos agropecuários e consomem farelo proteico estimulado pelo próprio biocombustível. Um setor que se manteve em pé fornecendo energia limpa, mesmo durante as graves crises causadas pelos reajustes do diesel mineral, como ocorreu em 2018.
É preciso continuar a política brasileira de longo prazo de substituição de energia fóssil por renovável e sustentável. O biodiesel, previsto para compor 15% da mistura de diesel comercial até 2023, tem muito a evoluir e chegar aos 20% até 2028. Os demais 80%, boa parte deles importada, certamente devem ser objeto de políticas públicas que coloquem o Brasil na liderança do diesel verde, este sim plenamente renovável. Em suma, um futuro com maior segurança energética e menor intensidade de carbono.
Não devemos ir na contramão mundial. Se isso acontecer, o Brasil terá retrocedido ao trocar um produto com externalidades positivas por outro sem nenhuma rastreabilidade, possivelmente de óleo vegetal de países com alta pegada de carbono. O futuro do Brasil não pode ficar refém dos interesses particulares de uma empresa do petróleo.
*SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE EXECUTIVO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS DE ÓLEOS VEGETAIS (ABIOVE) E ECONOMISTA-CHEFE DA ABIOVE