Desde que o governo apresentou seu pacote de contenção de gastos, em 27 de novembro, o mercado financeiro vem vivendo dias de extrema turbulência. Isso porque as medidas foram consideradas muito abaixo do necessário para corrigir o rumo das contas públicas - o que significa que o endividamento vai continuar a crescer.
Essa desconfiança fica muito explícita no comportamento do dólar. Vinte dias atrás, estava na casa dos R$ 5,80. Passou dos R$ 6 pela primeira vez logo depois do anúncio do projeto, e veio escalando desde então - chegou a passar dos R$ 6,20 nesta terça-feira, 17 -, obrigando o Banco Central a fazer intervenções frequentes no mercado para tentar reduzir a cotação (com resultados no mínimo discretos).
Os juros também sentem os efeitos desse cenário delicado. Na última quarta-feira, 11, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central resolveu endurecer o ciclo de alta dos juros, elevando a Selic em um ponto porcentual (de 11,25% para 12,25% ao ano), e já indicando mais dois aumentos de mesmo patamar nas reuniões seguintes. Depois disso, os juros futuros escalaram para patamares superiores a 15%.
O que essas mudanças podem significar para os rumos da economia brasileira? Veja abaixo o que os economistas dizem.
Luís Otávio Leal: Economia pode se ajustar ao câmbio, mas não sobrevive a um juro tão alto
Começamos com uma afirmação peremptória - o mercado está disfuncional. E não porque o dólar está ao redor de R$ 6,15, mas porque boa parte da curva de juros nominal está acima de 15% ao ano e a de juros reais está acima de 7% ao ano.
Por que o problema está nos juros e não no câmbio? Porque, ao câmbio, a economia se ajusta. Sim, teremos uma mudança de nível de preços, isso gera inflação, o país fica mais pobre em termos relativos, viagens ao exterior ficam mais caras, mas, vida que segue, principalmente porque a situação das nossas contas externas é bem confortável. Temos mais de US$ 350 bilhões em reservas - algo próximo de US$ 250 bilhões líquidos - que pagariam com folga toda a nossa dívida externa.
Portanto, ao contrário do passado, quando uma desvalorização levava a uma crise, quase automática, de dívida, agora pode até levar a uma redução da dívida liquida do País.
Já no caso dos juros altos, não há investimento produtivo que supere uma taxa nominal acima de 15% ao ano e, principalmente, uma taxa real acima de 7% ao ano. Dessa forma, ao empresário resta colocar o seu dinheiro para render, postergando o investimento e, com isso, o encontro do Brasil com o crescimento sustentável. Além disso, a esses níveis, tanto o custo da dívida das empresas quanto do País se torna proibitivo, gerando inadimplência e recessão no primeiro caso e dominância fiscal (quando a política monetária perde a capacidade de reduzir a inflação) no segundo.
Portanto, se o mercado demorar muito para voltar ao normal, só nos resta fazer como na música de Raul Seixas e “Alugar o Brasil”.
Economista-chefe da G5 Partners
Silvio Campos Neto: Cenário atual fatalmente terá implicações importantes nos próximos dois anos
Embora possa parecer paradoxal, um ano ainda marcado por uma boa performance econômica, com crescimento acima de 3% pelo quarto ano consecutivo e desemprego baixo, terminará sob crescente pessimismo e desconfiança por parte dos agentes econômicos. De fato, este paradoxo é apenas aparente. Ainda que os resultados passados e correntes se mostrem positivos, o sentimento de analistas e agentes de mercado, bem como os preços dos ativos miram o futuro. E neste caso, o cenário para 2025 – e para 2026 – se mostra bastante preocupante.
O avanço da inflação na margem é apenas um dos sintomas de que a economia está crescendo acima do potencial, turbinada por um vigoroso aumento de gastos públicos a partir de 2023. É fato que parte do bom desempenho tem razões estruturais, refletindo reformas econômicas e regulatórias promovidas nos últimos anos e que forneceu maior robustez à economia. No entanto, a crescente percepção de insustentabilidade fiscal está cobrando seu preço, com a avaliação de que o novo arcabouço não será suficiente para conter a dinâmica ascendente da dívida pública e os sinais reforçados de que o governo – e o mundo político de forma geral – não tem uma agenda capaz de reverter o quadro.
Isso ficou evidenciado no recente e tardio anúncio do pacote de contenção de gastos, que chegou apenas ao final de novembro. Além de medidas consideradas insuficientes, mesmo que algumas na direção correta, o anúncio envolveu uma proposta fora de contexto de isenção de imposto de renda para salários de até R$ 5 mil. Ou seja, uma divulgação que visava sinalizar uma melhora fiscal teve, como protagonista, uma proposta que ameaça piorar a situação fiscal.
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Nas últimas semanas, a percepção de que as propostas ainda podem ser desidratadas na tramitação no Congresso amplificou o mau humor entre os agentes econômicos, afetando de forma acentuada a precificação dos ativos brasileiros, com pressões intensas sobre a taxa de câmbio e as taxas de juros futuras. A forte alta do dólar foi mais um aspecto a piorar um quadro inflacionário já em deterioração, seja em termos da inflação corrente e das expectativas, levando o Banco Central a ser ainda mais agressivo em sua última decisão de política monetária.
Como resultado, chegamos ao final do ano de maneira nada alvissareira. As taxas de juros estão em níveis extremamente elevados, não apenas a Selic, que deverá se aproximar de 15% nos próximos meses, mas também as taxas futuras negociadas em mercado. A taxa de juros real de 10 anos está acima de 7%, patamar compatível com períodos de crise, como observado entre 2015 e 2016. O dólar superou R$ 6,00 quebrando sucessivos recordes nominais desde a adoção do real. A inflação deve fechar 2024 próxima de 5%, acima do teto da meta (4,5%), enquanto as expectativas para o próximo ano estão em franca elevação, já acima deste mesmo teto.
Este panorama fatalmente terá implicações importantes ao menos nos próximos dois anos. Decisões de empresas serão tomadas em meio a este cenário mais desafiador, com um custo de capital muito mais elevado e incertezas crescentes. Os juros elevados também devem conter o ímpeto do crédito e gerar elevações na inadimplência. Com isso, é natural que a economia passe por uma desaceleração mais pronunciada, especialmente a partir do segundo semestre, dinâmica que deverá pesar mais em 2026.
O mercado de trabalho, que tradicionalmente reage por último, também deverá sentir os efeitos mais à frente. E neste ponto reside um questionamento importante: como o governo lidará com essa tendência de piora econômica nos últimos dois anos de mandato? O estresse dos mercados não é por acaso.
Economista e sócio da consultoria Tendências
Rafaela Vitória: Processo de desinflação somente será concluído com a retomada da credibilidade no ajuste fiscal
Os desafios para 2025 serão muitos. Vamos iniciar a segunda metade do governo com uma enorme desconfiança no novo arcabouço fiscal, o que levou à recente desvalorização do dólar, aceleração da inflação e um novo ciclo de aperto monetário, que promete ser um dos mais restritivos dos últimos 20 anos.
O impacto do novo patamar de câmbio será uma aceleração da inflação, que já se encontra acima da meta, em 4,9%, puxada pela forte alta de alimentos. A maior inflação tende a reduzir o poder de compra das famílias, principalmente as de baixa renda, e podemos ver um novo aumento do comprometimento de renda e deterioração da inadimplência. Por outro lado, o real desvalorizado pode beneficiar a balança comercial e levar a um aumento do superávit, resultado de uma esperada redução das importações, que cresceram 8% em dólar em 2024, com a demanda interna mais aquecida.
O principal impacto na economia, no entanto, será a significativa alta dos juros, tanto nominais, com a Selic indo a 14,25%, como a taxa de juros real, próxima de 8%. O nível restritivo do aperto monetário deve desacelerar a concessão de crédito e encarecer seu custo, e podemos ver uma elevação da inadimplência tanto entre empresas como entre famílias. A combinação de câmbio depreciado e juros elevados deve manter a aversão a risco em alta e, com a possibilidade de uma desaceleração mais rápida do crescimento, não descartamos o risco de uma recessão ao final de 2025 e 2026.
Uma reversão do cenário, no entanto, pode acontecer com a correção de rumo da política fiscal, principal fator gerador de insegurança. O ajuste fiscal via corte de gastos pode contribuir não somente com o desaquecimento da demanda e queda mais rápida da inflação, mas também com a redução do prêmio de risco no mercado. De fato, o efeito contracionista da política monetária vem sendo imunizado pela expansão fiscal, tanto pelo seu impacto na demanda aquecida como nos prêmios de risco de mercado.
Caminhamos para uma taxa de juros real ainda mais restritiva, e ainda assim sem visibilidade de convergência da inflação para a meta. Fica claro que o processo de desinflação somente será concluído com a retomada da credibilidade no ajuste fiscal. Até lá, iremos arcar com um elevado custo da política monetária e um efeito reduzido.
Economista-chefe do Inter
Sérgio Vale: Governo Lula caminha para repetir Dilma por causa da questão fiscal
A política monetária tem tentado minimizar os estragos feitos pelo magro pacote fiscal do governo, mas sem sucesso. Em outros tempos, o choque de um anúncio de juros que vai chegar a 14,25% na segunda reunião do Copom em 2025, e mais as intervenções no mercado cambial que o BC fez, levaria a uma leve diminuição, que fosse, da taxa de câmbio.
Entretanto, quase uma semana depois do Copom, o câmbio se estabilizou acima de R$ 6. O BC tem tomado as decisões corretas e possíveis no contexto de crise criada pela política fiscal. Não há muito mais a se fazer. O que precisava era um redirecionamento radical do pacote fiscal para algo muito mais contundente.
Para começar, o pacote apresentado pelo governo, se der integralmente certo, ajuda apenas a mitigar o resultado primário, que já vai ser muito negativo. Além dos R$ 45 bilhões dos precatórios, o plano apresentado pode ajudar o governo a chegar ao mínimo de 0,25% do PIB de déficit ano que vem. Ou seja, ainda teríamos um déficit na casa de R$ 75 bilhões mesmo com o que foi apresentado.
Estamos em situação muito pior do que se tinha no primeiro mandato de Lula, quando a herança bendita de FHC ajudou o governo a manter uma trajetória sustentável naquele momento. E chega a ser pior do que a do primeiro mandato de Dilma, que, mesmo com dificuldades, ainda tinha um superávit primário pequeno, com uma dívida cerca de 20 pontos porcentuais menor do que a de hoje.
A pressão do governo para entregar resultados melhores em 2026 lembrará em muito os últimos dois anos do primeiro mandato da ex-presidente, quando o governo se esforçou para indicar que estava tudo bem, quando na verdade a conta de um ajuste atrasado foi cair nas costas de Joaquim Levy, ministro da Fazenda, que nada teve a ver com a crise construída nos anos anteriores.
Esse fantasma do passado, que volta agora, não deixa dúvidas onde podemos chegar. Como o dólar que era R$ 5 virou R$ 6, o mercado começa a se perguntar se desconexão do governo com a realidade poderá levar a um câmbio ainda maior. A chance disso é bastante grande, infelizmente.
Com a inflação com dificuldade para se manter no teto da meta, o BC terá um trabalho mais que solitário, quase impossível. Para se atingir a Selic de 6,5% que tivemos em 2019, o governo teria de dar um choque fiscal nos moldes da regra do teto no final de 2016. Como não vai fazer isso, temos de nos preparar para dois anos difíceis na economia.
Economista-chefe da MB Associados
Gabriel Leal de Barros: Deterioração reflete o desarranjo político, econômico e institucional do País
Em nossa análise, o governo Lula 3 se assemelha em larga medida ao governo Dilma, cujos erros de condução da política econômica, materializados na então Nova Matriz Econômica (NME), pavimentaram o caminho para uma crise de cerca de 18 a 24 meses à frente.
Caminho semelhante vem sendo seguido pelo atual governo, cujos erros de condução da política econômica remontam ao seu início, quando foi engendrada a aprovação da PEC da transição ainda em 2022, que elevou o nível do gasto público em 2% do PIB, ou R$ 168 bilhões, em 2023. Apesar do consenso de que o orçamento de 2023 precisava ser recomposto, o tamanho da expansão do gasto foi muito superior ao necessário e razoável, distante inclusive dos R$ 70 bilhões propostos pela equipe de transição, assim como de propostas no Parlamento como do ex-senador Tasso Jereissati, de R$ 80 bilhões.
O pacote fiscal recém-anunciado, que deveria corrigir os excessos de origem, foi tímido e insuficiente. A renovação de promessas não entregues de economia com o “pente-fino” voltaram no pacote fiscal, que contém ainda muitas medidas que buscam ampliar a flexibilidade orçamentária, mas que não significam economia fiscal efetiva. Ainda assim, o pacote deve ser desidratado durante a tramitação, agudizando a percepção de risco sobre as contas públicas.
A falta de senso de urgência e estratégia unilateral de consolidação fiscal pelo lado da receita fadigaram os agentes políticos e econômicos, criando um impasse sobre o futuro do País, que agoniza em meio ao redesenho dos limites institucionais de atuação dos Três Poderes. A profunda deterioração dos preços de ativos reflete a magnitude desse desarranjo político, econômico e institucional que vive o País. Acreditamos que o resultado não será bom.
Economista-chefe da ARX Investimentos
Arnaldo Lima: Credibilidade fiscal é crucial para reduzir o custo da dívida e restaurar a confiança do mercado
A falta de resultados primários recorrentes que estabilizem a trajetória da dívida, aliada ao crescimento econômico acima da capacidade produtiva, tem levado o Copom a ajustar suas projeções de inflação e a trajetória da taxa Selic. Nesse contexto, a última decisão do Comitê foi mais dura do que o esperado, e a ata divulgada nesta terça-feira, 17, reforçou a continuidade da visão restritiva da nova diretoria do Banco Central.
O que deveria ter sido lido como fortalecimento da autonomia do Banco Central e ajudado a reduzir a desancoragem das expectativas de inflação no horizonte relevante de política monetária acabou sendo interpretado como um indicativo de que o cenário era pior do que o mercado estava precificando, especialmente diante das incertezas sobre o que será aprovado do pacote fiscal e em que prazo.
Porém, o anúncio do presidente Lira de que o PLP 210 deve ser votado ainda nesta terça e a PEC e o PL na quarta-feira, conjugado com o teor dos pareceres dos relatores Isnaldo Bulhões e Atila Lira, em linha com o proposto pelo Ministério da Fazenda, deve ajudar a desanuviar, ainda que momentaneamente, o cenário fiscal.
Não há fundamentos concretos que justifiquem, neste momento, um cenário de dominância fiscal (quando os instrumentos do Banco Central perdem a capacidade de controlar a inflação), pois nunca é demais lembrar que somos credores líquidos em dólar, temos câmbio flutuante e um nível significativo de reservas internacionais.
Contudo, os ruídos entre a comunicação do governo e a percepção do mercado têm piorado a composição da dívida no curto prazo, fazendo com que o Tesouro emita, de forma relevante, LFTs em detrimento de títulos prefixados e indexados à inflação, mas nada muito distante, neste ano, dos limites de referência do Plano Anual de Financiamento (PAF).
Com efeito, ajudaria muito se o Governo Federal tivesse uma comunicação mais efetiva, pois, enquanto o Ministério da Fazenda foca no cumprimento do arcabouço fiscal, o mercado observa a trajetória da dívida bruta do governo geral (DBGG), que tem crescido continuamente desde janeiro de 2023. As medidas de controle de despesas anunciadas representam avanços, mas não são suficientes para interromper a trajetória crescente da dívida até 2030, que deve superar o pico registrado durante a pandemia, o mais alto da série histórica.
Ressalta-se que a dívida pública brasileira, atualmente em patamares superiores aos de outros países emergentes, contrasta com a trajetória de estabilização observada em países desenvolvidos do G7 e na América Latina, conforme aponta o FMI. Para reverter esse quadro, o governo federal precisa atacar o crescimento das despesas obrigatórias e demonstrar compromisso com a ancoragem das expectativas de inflação. A credibilidade fiscal, sustentada por superávits primários, é crucial para reduzir o custo de financiamento da dívida, restaurar a confiança do mercado e estabilizar as contas públicas, que são os pilares para o crescimento sustentado.
Economista e RI da Polo Capital