A proposta de tributação pelo ITCMD sobre a distribuição desproporcional de dividendos, contida no Projeto de Lei Complementar (PLP) n.° 108/2024, é especialmente preocupante porque determina que a distribuição excedente ao porcentual efetivo do capital social será tratada como transmissão não onerosa, sempre que o critério utilizado não for “plausível”. A primeira pergunta que se faz é: o que é plausível? Ou, por outra, a quem cabe dizer o que é plausível ou não? Cremos que não se pode atribuir ao Estado, ou seus agentes, tamanho poder de interferência na esfera de autonomia privada sem ir de encontro aos artigos 170 e 174 da Constituição Federal, que protegem a liberdade de iniciativa e determinam que a intervenção estatal na atividade econômica deve ser sempre subsidiária e realizada estritamente na medida do necessário.
Impossível não lembrar também que o Direito Tributário não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado para criar novas hipóteses de incidência, chamando de transmissão não onerosa algo que evidentemente não é. Ora, se o Código Civil brasileiro, em seu artigo 1.007, confere aos sócios de sociedades limitadas ampla liberdade para definir os critérios de distribuição de lucros, inclusive de forma desproporcional ao capital social, como ocorre há mais de cem anos, mais exatamente desde o Decreto nº 3.708/1919, não cabe ao legislador tributário modificar por via transversa a legislação societária existente, criando desincentivos que, na prática, inviabilizaria a distribuição desproporcional de lucros, invadindo a esfera de liberdade individual daqueles que desejam, por qualquer que seja a razão, distribuir lucros de determinada sociedade de forma desproporcional.
Diante disso, é evidente que o PLP n.° 108/2024 é incompatível com o Código Tributário Nacional, com o Código Civil e os princípios constitucionais da liberdade de iniciativa e da intervenção mínima do Estado. A medida desconsidera a autonomia privada, desrespeita a liberdade de iniciativa e promove uma intervenção estatal inadequada, desproporcional e irresponsável na economia. Em virtude dessas incompatibilidades, o PLP n.° 108/2024 deve ser considerado ilegal e inconstitucional, já que sua aprovação pode resultar em graves distorções, comprometendo a segurança jurídica e a estabilidade econômica. É essencial que o legislador reavalie essa proposta, assegurando que a política tributária seja formulada de forma coerente, eficiente e com respeito aos princípios fundamentais que regem o Estado Democrático de Direito no Brasil.