Governo poderia abater dívida em R$ 74 bi, mas quis ampliar crédito fora da meta, diz Marcos Mendes


Pesquisador do Insper diz que Executivo não pode ‘se dar ao luxo’ de afetar a trajetória da dívida pública em meio à crise de confiança que enfrenta

Por Bianca Lima e Daniel Weterman
Atualização:
Foto: Amanda Perobelli/Estadão
Entrevista comMarcos MendesEconomista e pesquisador do Insper

BRASÍLIA – O economista e pesquisador do Insper Marcos Mendes calcula que as “manobras” do governo Lula fora dos limites do Orçamento, com o objetivo de impulsionar o crédito, sobretudo via bancos públicos, poderiam diminuir a dívida da União em R$ 74 bilhões, caso o dinheiro fosse usado para esse fim.

O Poder Executivo tem recorrido a fundos públicos para turbinar a concessão de crédito barato e elevar os gastos sem esbarrar nas limitações impostas pelo arcabouço fiscal e pela meta de resultado primário (regra de equilíbrio entre receitas e despesas), conforme o Estadão revelou. A prática pode aumentar ainda mais o endividamento da União, alerta o especialista.

Nesta semana, o governo propôs a liberação de R$ 4 bilhões para empresas aéreas via Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac), por meio de projeto enviado ao Congresso. O valor será usado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para conceder empréstimos subsidiados às companhias, que enfrentam dificuldades desde a pandemia.

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“O que está na cabeça dos políticos é o seguinte: ‘esse dinheiro está parado no Fundo da Aviação Civil, não tem mais impacto fiscal, então vamos colocar para rodar’. Mas não, haveria um uso alternativo: abater a dívida pública”, afirma Mendes.

O economista diz que o governo vive uma crise de confiança e que, por isso, a destinação dos montantes deveria ser mais bem avaliada. “Se o governo não está sendo capaz de entregar o controle da despesa primária, ele não pode se dar ao luxo de fazer uma expansão fiscal que vai afetar a trajetória da dívida pública”, diz.

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O cálculo considera o dinheiro usado para crédito via fundos públicos, em medidas já aprovadas ou em tramitação, o qual poderia ser utilizado para reduzir o endividamento do País, se não fossem essas propostas.

No caso do Fundo Garantidor de Operações (FGO) e do Programa Emergencial de Acesso a Crédito (FGI-Peac), Mendes estimou que metade do patrimônio desses fundos garantidores (R$ 30 bilhões) poderia retornar aos caixas do Tesouro Nacional sem que houvesse prejuízos expressivos às linhas de crédito.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

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Como o sr. avalia o projeto de socorro de R$ 4 bilhões às companhias aéreas?

O que está na cabeça dos políticos é o seguinte: ‘Esse dinheiro está parado no Fundo da Aviação Civil, não tem mais impacto fiscal, então vamos colocar para rodar’. Mas não, haveria um uso alternativo: abater a dívida pública. O governo está em meio a uma crise de confiança, na qual não está sendo capaz de controlar as despesas primárias. Então, ele não pode se dar ao luxo de fazer uma expansão fiscal que vai afetar a trajetória da dívida pública.

Qual o tamanho dessa expansão fiscal?

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São R$ 74 bilhões, o equivalente a 0,65% do PIB (Produto Interno Bruto), em uma conta bastante conservadora. Se o governo desse essa demonstração (de usar esses valores para abater a dívida), o humor do mercado mudaria, as taxas de juros diminuiriam e a dinâmica da dívida melhoraria. Boa parte do dinheiro que está indo para o BNDES é para bancar operações com juro subsidiado. Há também as perdas potenciais dos fundos garantidores, quando eles tiverem de cobrir inadimplência. Então isso também é risco fiscal, que deixaria de existir se essas operações não fossem realizadas.

A expansão ajuda a explicar o fato de o PIB crescer mais que o esperado, mesmo com a taxa de juros considerada restritiva?

Certamente. Isso é impulso. Você está multiplicando o crédito com essas operações. Em outros casos, como gastos fora do Orçamento, como o programa Pé-de-Meia (bolsa para alunos do ensino médio, cuja engenharia financeira também envolve fundo público), isso não está aparecendo no Orçamento, mas são R$ 5 bilhões, R$ 6 bilhões que estão sendo colocados no mercado. Portanto, pressionando a demanda agregada e aumentando o consumo.

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O socorro financeiro às aéreas abre caminho para outros setores pedirem o mesmo?

Abre. Todas essas políticas têm sempre uma justificativa meritória. Nos fundos garantidores, falam que é importante porque tem muita empresa pequena que não tem garantia para dar. Por mais que tenha mérito, é preciso ter prioridade e fazer escolhas. Na pandemia, quando as empresas ou tomavam crédito ou quebravam, era muito importante. Agora, aquela situação passou e a prioridade, hoje, é não deixar a dívida pública disparar.

Quando o recurso é reembolsável, há o argumento de que o valor voltará ao caixa do banco e, portanto, não é uma concessão a fundo perdido...

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Tem vários problemas nesse argumento. Primeiro, tem um subsídio implícito. Segundo, tem um risco de inadimplência. E, terceiro e mais importante, tem uma coisa chamada custo de oportunidade. Na hora que você empresta esse dinheiro para a companhia aérea, você perde a oportunidade de usar o dinheiro para abater a dívida pública, que custa muito caro, com todas as consequência disso.

E qual é o impacto da proposta do governo para as estatais dependentes?

A ideia é tirar do Orçamento as despesas dessas empresas que são bancadas com receitas próprias e só deixar o que a União precisa complementar. Em meio a uma crise de confiança, o governo não pode se dar ao luxo de propor algo obscuro como isso sem detalhar. Pode até melhorar o desempenho das empresas, mas, no primeiro momento, vai ter uma flexibilização dos gastos. E fica uma pergunta: o governo vai dar mais liberdade para se endividarem? Ali estão, por exemplo, a Codevasf, a Ceitec e uma série de empresas super problemáticas, capturadas politicamente. As pessoas vão pensar que estão querendo usar também o canal das estatais para gastar mais por fora.

BRASÍLIA – O economista e pesquisador do Insper Marcos Mendes calcula que as “manobras” do governo Lula fora dos limites do Orçamento, com o objetivo de impulsionar o crédito, sobretudo via bancos públicos, poderiam diminuir a dívida da União em R$ 74 bilhões, caso o dinheiro fosse usado para esse fim.

O Poder Executivo tem recorrido a fundos públicos para turbinar a concessão de crédito barato e elevar os gastos sem esbarrar nas limitações impostas pelo arcabouço fiscal e pela meta de resultado primário (regra de equilíbrio entre receitas e despesas), conforme o Estadão revelou. A prática pode aumentar ainda mais o endividamento da União, alerta o especialista.

Nesta semana, o governo propôs a liberação de R$ 4 bilhões para empresas aéreas via Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac), por meio de projeto enviado ao Congresso. O valor será usado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para conceder empréstimos subsidiados às companhias, que enfrentam dificuldades desde a pandemia.

“O que está na cabeça dos políticos é o seguinte: ‘esse dinheiro está parado no Fundo da Aviação Civil, não tem mais impacto fiscal, então vamos colocar para rodar’. Mas não, haveria um uso alternativo: abater a dívida pública”, afirma Mendes.

O economista diz que o governo vive uma crise de confiança e que, por isso, a destinação dos montantes deveria ser mais bem avaliada. “Se o governo não está sendo capaz de entregar o controle da despesa primária, ele não pode se dar ao luxo de fazer uma expansão fiscal que vai afetar a trajetória da dívida pública”, diz.

O cálculo considera o dinheiro usado para crédito via fundos públicos, em medidas já aprovadas ou em tramitação, o qual poderia ser utilizado para reduzir o endividamento do País, se não fossem essas propostas.

No caso do Fundo Garantidor de Operações (FGO) e do Programa Emergencial de Acesso a Crédito (FGI-Peac), Mendes estimou que metade do patrimônio desses fundos garantidores (R$ 30 bilhões) poderia retornar aos caixas do Tesouro Nacional sem que houvesse prejuízos expressivos às linhas de crédito.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Como o sr. avalia o projeto de socorro de R$ 4 bilhões às companhias aéreas?

O que está na cabeça dos políticos é o seguinte: ‘Esse dinheiro está parado no Fundo da Aviação Civil, não tem mais impacto fiscal, então vamos colocar para rodar’. Mas não, haveria um uso alternativo: abater a dívida pública. O governo está em meio a uma crise de confiança, na qual não está sendo capaz de controlar as despesas primárias. Então, ele não pode se dar ao luxo de fazer uma expansão fiscal que vai afetar a trajetória da dívida pública.

Qual o tamanho dessa expansão fiscal?

São R$ 74 bilhões, o equivalente a 0,65% do PIB (Produto Interno Bruto), em uma conta bastante conservadora. Se o governo desse essa demonstração (de usar esses valores para abater a dívida), o humor do mercado mudaria, as taxas de juros diminuiriam e a dinâmica da dívida melhoraria. Boa parte do dinheiro que está indo para o BNDES é para bancar operações com juro subsidiado. Há também as perdas potenciais dos fundos garantidores, quando eles tiverem de cobrir inadimplência. Então isso também é risco fiscal, que deixaria de existir se essas operações não fossem realizadas.

A expansão ajuda a explicar o fato de o PIB crescer mais que o esperado, mesmo com a taxa de juros considerada restritiva?

Certamente. Isso é impulso. Você está multiplicando o crédito com essas operações. Em outros casos, como gastos fora do Orçamento, como o programa Pé-de-Meia (bolsa para alunos do ensino médio, cuja engenharia financeira também envolve fundo público), isso não está aparecendo no Orçamento, mas são R$ 5 bilhões, R$ 6 bilhões que estão sendo colocados no mercado. Portanto, pressionando a demanda agregada e aumentando o consumo.

O socorro financeiro às aéreas abre caminho para outros setores pedirem o mesmo?

Abre. Todas essas políticas têm sempre uma justificativa meritória. Nos fundos garantidores, falam que é importante porque tem muita empresa pequena que não tem garantia para dar. Por mais que tenha mérito, é preciso ter prioridade e fazer escolhas. Na pandemia, quando as empresas ou tomavam crédito ou quebravam, era muito importante. Agora, aquela situação passou e a prioridade, hoje, é não deixar a dívida pública disparar.

Quando o recurso é reembolsável, há o argumento de que o valor voltará ao caixa do banco e, portanto, não é uma concessão a fundo perdido...

Tem vários problemas nesse argumento. Primeiro, tem um subsídio implícito. Segundo, tem um risco de inadimplência. E, terceiro e mais importante, tem uma coisa chamada custo de oportunidade. Na hora que você empresta esse dinheiro para a companhia aérea, você perde a oportunidade de usar o dinheiro para abater a dívida pública, que custa muito caro, com todas as consequência disso.

E qual é o impacto da proposta do governo para as estatais dependentes?

A ideia é tirar do Orçamento as despesas dessas empresas que são bancadas com receitas próprias e só deixar o que a União precisa complementar. Em meio a uma crise de confiança, o governo não pode se dar ao luxo de propor algo obscuro como isso sem detalhar. Pode até melhorar o desempenho das empresas, mas, no primeiro momento, vai ter uma flexibilização dos gastos. E fica uma pergunta: o governo vai dar mais liberdade para se endividarem? Ali estão, por exemplo, a Codevasf, a Ceitec e uma série de empresas super problemáticas, capturadas politicamente. As pessoas vão pensar que estão querendo usar também o canal das estatais para gastar mais por fora.

BRASÍLIA – O economista e pesquisador do Insper Marcos Mendes calcula que as “manobras” do governo Lula fora dos limites do Orçamento, com o objetivo de impulsionar o crédito, sobretudo via bancos públicos, poderiam diminuir a dívida da União em R$ 74 bilhões, caso o dinheiro fosse usado para esse fim.

O Poder Executivo tem recorrido a fundos públicos para turbinar a concessão de crédito barato e elevar os gastos sem esbarrar nas limitações impostas pelo arcabouço fiscal e pela meta de resultado primário (regra de equilíbrio entre receitas e despesas), conforme o Estadão revelou. A prática pode aumentar ainda mais o endividamento da União, alerta o especialista.

Nesta semana, o governo propôs a liberação de R$ 4 bilhões para empresas aéreas via Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac), por meio de projeto enviado ao Congresso. O valor será usado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para conceder empréstimos subsidiados às companhias, que enfrentam dificuldades desde a pandemia.

“O que está na cabeça dos políticos é o seguinte: ‘esse dinheiro está parado no Fundo da Aviação Civil, não tem mais impacto fiscal, então vamos colocar para rodar’. Mas não, haveria um uso alternativo: abater a dívida pública”, afirma Mendes.

O economista diz que o governo vive uma crise de confiança e que, por isso, a destinação dos montantes deveria ser mais bem avaliada. “Se o governo não está sendo capaz de entregar o controle da despesa primária, ele não pode se dar ao luxo de fazer uma expansão fiscal que vai afetar a trajetória da dívida pública”, diz.

O cálculo considera o dinheiro usado para crédito via fundos públicos, em medidas já aprovadas ou em tramitação, o qual poderia ser utilizado para reduzir o endividamento do País, se não fossem essas propostas.

No caso do Fundo Garantidor de Operações (FGO) e do Programa Emergencial de Acesso a Crédito (FGI-Peac), Mendes estimou que metade do patrimônio desses fundos garantidores (R$ 30 bilhões) poderia retornar aos caixas do Tesouro Nacional sem que houvesse prejuízos expressivos às linhas de crédito.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Como o sr. avalia o projeto de socorro de R$ 4 bilhões às companhias aéreas?

O que está na cabeça dos políticos é o seguinte: ‘Esse dinheiro está parado no Fundo da Aviação Civil, não tem mais impacto fiscal, então vamos colocar para rodar’. Mas não, haveria um uso alternativo: abater a dívida pública. O governo está em meio a uma crise de confiança, na qual não está sendo capaz de controlar as despesas primárias. Então, ele não pode se dar ao luxo de fazer uma expansão fiscal que vai afetar a trajetória da dívida pública.

Qual o tamanho dessa expansão fiscal?

São R$ 74 bilhões, o equivalente a 0,65% do PIB (Produto Interno Bruto), em uma conta bastante conservadora. Se o governo desse essa demonstração (de usar esses valores para abater a dívida), o humor do mercado mudaria, as taxas de juros diminuiriam e a dinâmica da dívida melhoraria. Boa parte do dinheiro que está indo para o BNDES é para bancar operações com juro subsidiado. Há também as perdas potenciais dos fundos garantidores, quando eles tiverem de cobrir inadimplência. Então isso também é risco fiscal, que deixaria de existir se essas operações não fossem realizadas.

A expansão ajuda a explicar o fato de o PIB crescer mais que o esperado, mesmo com a taxa de juros considerada restritiva?

Certamente. Isso é impulso. Você está multiplicando o crédito com essas operações. Em outros casos, como gastos fora do Orçamento, como o programa Pé-de-Meia (bolsa para alunos do ensino médio, cuja engenharia financeira também envolve fundo público), isso não está aparecendo no Orçamento, mas são R$ 5 bilhões, R$ 6 bilhões que estão sendo colocados no mercado. Portanto, pressionando a demanda agregada e aumentando o consumo.

O socorro financeiro às aéreas abre caminho para outros setores pedirem o mesmo?

Abre. Todas essas políticas têm sempre uma justificativa meritória. Nos fundos garantidores, falam que é importante porque tem muita empresa pequena que não tem garantia para dar. Por mais que tenha mérito, é preciso ter prioridade e fazer escolhas. Na pandemia, quando as empresas ou tomavam crédito ou quebravam, era muito importante. Agora, aquela situação passou e a prioridade, hoje, é não deixar a dívida pública disparar.

Quando o recurso é reembolsável, há o argumento de que o valor voltará ao caixa do banco e, portanto, não é uma concessão a fundo perdido...

Tem vários problemas nesse argumento. Primeiro, tem um subsídio implícito. Segundo, tem um risco de inadimplência. E, terceiro e mais importante, tem uma coisa chamada custo de oportunidade. Na hora que você empresta esse dinheiro para a companhia aérea, você perde a oportunidade de usar o dinheiro para abater a dívida pública, que custa muito caro, com todas as consequência disso.

E qual é o impacto da proposta do governo para as estatais dependentes?

A ideia é tirar do Orçamento as despesas dessas empresas que são bancadas com receitas próprias e só deixar o que a União precisa complementar. Em meio a uma crise de confiança, o governo não pode se dar ao luxo de propor algo obscuro como isso sem detalhar. Pode até melhorar o desempenho das empresas, mas, no primeiro momento, vai ter uma flexibilização dos gastos. E fica uma pergunta: o governo vai dar mais liberdade para se endividarem? Ali estão, por exemplo, a Codevasf, a Ceitec e uma série de empresas super problemáticas, capturadas politicamente. As pessoas vão pensar que estão querendo usar também o canal das estatais para gastar mais por fora.

Entrevista por Bianca Lima

Repórter especial do Estadão em Brasília, com experiência em macroeconomia, contas públicas e tributação. Foi repórter da GloboNews e do g1 e bolsista do International Center for Journalists (ICFJ), com sede em Washington. Tem MBA em economia e mercado financeiro pela B3. Vencedora dos prêmios CNH, Abecip, FNP e Estadão.

Daniel Weterman

Repórter do Estadão em Brasília (DF), com experiência em economia, política e investigação. Participou das coberturas que desvendaram o orçamento secreto, a emenda Pix, as irregularidades cometidas pelo ministro das Comunicações, Juscelino Filho, e o descontrole no orçamento do Ministério da Saúde. Vencedor dos prêmios IREE, Ielusc e Estadão.

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