BRASÍLIA – Pivô do mais recente racha no governo, a distribuição de dividendos extraordinários da Petrobras, caso se confirme, trará alívio fiscal à equipe econômica no curto prazo. O valor servirá para tapar o “buraco” deixado pela desoneração da folha dos pequenos municípios, uma derrota imposta pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad. E, ao fazer isso, aumentará as chances de o governo abrir espaço para gastos extras de até R$ 15,7 bilhões neste ano.
Nas conversas internas da Fazenda, como mostrou o Estadão, o clima é de torcida: tanto para que a distribuição se confirme como para que ocorra o mais rapidamente possível. Se o pagamento for integral, isso significará R$ 43,9 bilhões, sendo R$ 12,6 bilhões devidos à União, que é a principal acionista da estatal.
Na última quinta-feira, os ministros Haddad, Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Silveira (Minas e Energia) acertaram, em reunião fechada, a distribuição desses valores extraordinários. A proposta, porém, ainda precisa do aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do conselho de administração da companhia.
A principal exigência do governo é de que não haja prejuízo ao plano de investimento da empresa – com o qual o Planalto espera gerar empregos e turbinar a economia.
Na reunião de março, o conselho da estatal decidiu pela retenção dos valores, deixando evidentes as divergências dentro da gestão petista. Enquanto Silveira e Costa opinaram, à época, por não fazer a distribuição, Prates defendeu o pagamento de 50%. Em meio ao crescente fogo amigo, Prates agora aguarda uma decisão de Lula sobre sua permanência ou saída do cargo – a expectativa é de um desfecho nos próximos dias.
Por que os dividendos ajudam a Fazenda?
O novo arcabouço fiscal autoriza o governo a abrir um crédito suplementar de até R$ 15,7 bilhões, no mês de maio, caso a estimativa de arrecadação para 2024 seja maior do que a prevista inicialmente. Mas esse não é o único pré-requisito. Como antecipou ao Estadão o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, o espaço para gastos extras só será aberto se não colocar em risco a meta de déficit zero.
Como há uma margem de tolerância para a meta – de 0,25 ponto porcentual do PIB para mais ou para menos –, a União poderá ter um rombo de até R$ 28,8 bilhões sem que isso signifique descumprimento do alvo fiscal.
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A conta, portanto, é a seguinte: a equipe econômica precisará chegar em maio com uma estimativa máxima de déficit de R$ 13 bilhões (no momento, a projeção de déficit está em R$ 9,3 bilhões). Caso contrário, os novos R$ 15,7 bilhões, que se somarão a esse número, levarão ao estouro da meta fiscal.
Ficar dentro dessa margem, porém, tornou-se ainda mais desafiador nos últimos dias, sobretudo depois da decisão de Pacheco de anular a reoneração da folha previdenciária dos pequenos municípios.
Só essa derrota vai significar cerca de R$ 10 bilhões a menos no caixa da União em 2024 – “buraco” que seria coberto pelos dividendos extraordinários da Petrobras, caso a distribuição se confirme. Assim, os proventos reforçariam o caixa do governo a tempo de contribuir para a abertura do crédito extra.
“O que importa é o timing. Se o governo chegar em maio, no relatório bimestral, e ainda conseguir sustentar projeções em linha com a meta, considerada a banda inferior (déficit de até R$ 28,8 bilhões), então ele poderá acionar o aumento do limite de gastos”, afirma o economista-chefe e sócio da Warren Rena, Felipe Salto. “Nesse sentido, a receita de dividendos ajudaria, mesmo que apenas naquele momento, a sustentar uma projeção mais otimista.”
Há, ainda, outras propostas no Congresso com alto risco de derrota para o governo. Entre elas está o futuro da medida provisória que trata do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e do limite às compensações tributárias das grandes empresas, além da análise do veto do presidente Lula a R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão – que deve voltar ao radar dos parlamentares nesta semana.
O economista da XP Tiago Sbardelotto alerta que, além da questão dos municípios e das incertezas no Legislativo, o governo terá de lidar com um segundo “buraco”: a arrecadação menor que a prevista em março. “A abertura desse crédito vai depender muito da arrecadação de março e abril. O início de março (pelos dados preliminares) foi bom, mas abaixo do que o governo estimava”, afirma Sbardelotto, que é auditor licenciado do Tesouro Nacional.
Para contornar esse cenário e garantir a abertura do crédito extra, o economista Gabriel Leal de Barros prevê que o governo deverá lançar mão de uma revisão para cima na projeção de PIB, o que elevaria as estimativas de receita para o ano.
Barros, que é sócio da Ryo Asset, avalia que a distribuição dos dividendos da Petrobras evitaria uma degradação maior das contas públicas, mas, ainda assim, seria insuficiente para viabilizar o déficit zero em 2024. “Acho muito difícil que o governo não mude a meta no segundo semestre”, diz.
A equipe de Haddad torce por um desfecho rápido, de olho no relatório de maio, mas também faz contas para os dois próximos anos. Isso porque o eventual aumento de gastos em 2024 terá potencial de afetar o patamar das despesas daqui para frente.
“Projetando até 2026, isso significa que o limite de gasto ficará mais gordo, todo ano. Algo como R$ 16,4 bilhões em 2025 e R$ 16,8 bilhões em 2026″, afirma Salto. Ou seja: em três anos, o governo teria um espaço extra de até R$ 50 bilhões.
A Petrobras teria condições de distribuir esses dividendos?
No mercado financeiro, a percepção é de que a Petrobras tem mantido resultados sólidos, com lucros expressivos, aumento de investimentos e manutenção da dívida em patamares baixos.
A relação entre a dívida líquida da empresa e a geração de caixa em um ano (Ebitda ajustado em dólares) fechou 2023 em 0,85. A grosso modo, se a empresa utilizasse todo o caixa gerado para pagar a dívida, conseguiria quitar o passivo em menos de um ano.
Um analista de óleo e gás de um grande banco internacional explica que esse número é maior do que o de 2022 (0,63), ou seja, o endividamento aumentou, mas permanece sob controle. Para efeito de comparação, esse patamar é menor do que o do último ano do segundo mandato de Lula, que ficou em 1,09 em 2010. E muito menor do que o pior momento vivido pela empresa, em 2015, no governo Dilma Rousseff, quando atingiu 4,27 e a Petrobras quase precisou receber aportes do Tesouro.
Em 2023, os investimentos da Petrobras somaram US$ 12,67 bilhões, segundo o balanço da empresa, um aumento de 29% em relação aos US$ 9,84 bilhões de 2022. Ao mesmo tempo, o lucro líquido em dólares atingiu US$ 25,73 bilhões, segundo Einar Rivero, da Elos Ayta Consultoria.
Na comparação internacional, o lucro da empresa nesse ano ficou atrás apenas da americana Exxon Mobil, entre as maiores petrolíferas do mundo, e à frente da Chevron, Shell e BP.
O ministro Haddad tem dito que é preciso tomar uma decisão técnica sobre os dividendos extraordinários. Com esses números, no entanto, o entendimento entre investidores é de que a decisão de reter os recursos foi estritamente política, já que a empresa teria capacidade de investir, gerar lucro e remunerar os acionistas ao mesmo tempo, em um círculo virtuoso.
Em comunicado ao mercado, relativo ao balanço da empresa de 2023, Prates lembrou que a União foi a principal beneficiária do pagamento de R$ 72,4 bilhões em dividendos, já que é detentora de 37% das ações da companhia. Além disso, outros R$ 240 bilhões foram pagos em tributos para as três esferas de governo.
“Em 2023, o retorno total das nossas ações preferenciais na bolsa de Nova York alcançou 112%, um valor muito superior ao maior dos retornos das majors (grandes empresas globais de petróleo), evidenciando quão acertada foi a decisão de manter os dividendos em patamares adequados, ao mesmo tempo em que aumentamos os investimentos para entregar crescimento rentável, o que se reflete em maiores valores de mercado”, pontuou Prates.
A expectativa é de que esses argumentos sejam levados ao presidente Lula em meio às discussões sobre Petrobras. Outro ponto que pode ser decisivo é que o caixa do Tesouro reforçado pelos dividendos da Petrobras diminuirá a chance de bloqueio de recursos voltados para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), umas das principais vitrines do governo.