A disparada do dólar nesta semana após a decepção do mercado com o pacote de medidas fiscais do governo pode causar um novo estouro da meta de inflação em 2025. Economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast avaliam que, caso a moeda americana siga ao redor dos R$ 6, como chegou a ser cotada nesta quinta-feira, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechado do ano que vem muito provavelmente vai ficar acima de 4,5%. A meta é de 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto, para mais ou para menos, mas em 2025 ela passa a ser uma meta contínua, e será considerada descumprida se ficar seis meses fora desse intervalo.
O aumento da inflação deve ocorrer por causa do repasse aos preços finais do câmbio mais elevado, incluindo aí bens industriais e alimentação, principalmente. Essa transmissão, de acordo com especialistas, tem acontecido de maneira mais veloz do que anteriormente.
O economista da Quantitas João Fernandes trabalha com um cenário de IPCA de 4,9% ao final deste ano, acelerando para 5,2% no ano que vem. As estimativas, porém, partem de um cenário em que o dólar fica ao redor de R$ 5,80. Incorporando à conta um dólar na casa de R$ 6, Fernandes avalia que a projeção da inflação de 2025 poderia chegar a 5,4%.
Além de refletir bens industriais mais caros, Fernandes destaca que um dólar mais apreciado reflete em uma cotação do boi gordo também mais pressionada, elevando, consequentemente, o preço das carnes ao consumidor. “Com esse dólar fica atrativo para o produtor exportar”, explica.
Este é um fenômeno que já tem sido observado neste ano, com fortes pressões aparecendo nos índices de preços no atacado e chegando aos consumidores nesta virada de ano.
Também com um cenário de taxa de câmbio mais moderada que a atual, a R$ 5,50, a estrategista de inflação da Warren Investimentos, Andrea Angelo, já considera o IPCA superando o teto da meta tanto em 2024 quanto em 2025, a 4,9% e 4,85%, respectivamente. Nas contas dela, caso o dólar se mantenha no nível de R$ 6, o efeito seria de 0,3 ponto porcentual na estimativa para o próximo ano, levando a inflação a 5,15%.
A estrategista lembra que o IPCA do início do ano já tende a ser “salgado” por questões sazonais, como os reajustes em salário mínimo e IPCA, o que se espalha para outras categorias da inflação. Ocorre que, agora, o repasse do câmbio para os preços finais tem acontecido de forma mais rápida que o esperado.
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“Em um estudo que fizemos na Warren, vimos que antes esse repasse cambial era mais lento e costumava acontecer em quatro trimestres. Hoje, o que estamos vendo, é que esse câmbio depreciado está sendo repassado praticamente inteiramente em um trimestre”, detalha. Angelo prevê, em 2025, alta de 4% para bens industriais e 6,6% para serviços.
O economista da Terra Investimentos Homero Guizzo aponta na mesma direção. Ele destaca que o fato de o crescimento econômico estar acima do potencial tende a facilitar a transmissão da depreciação cambial para o preço dos produtos.
“Se o hiato do produto (o espaço que o PIB tem para se expandir sem que estimule uma inflação de demanda) efetivo estivesse um pouco acima, e não expressivamente acima (como está hoje), a depreciação seria absorvida nas cadeias de distribuição mais facilmente. Contudo, no ambiente no qual nos encontramos, a transmissão do câmbio no varejo para o consumidor final será bastante azeitada”, afirma Guizzo.
A estimativa atual da Terra Investimentos é de IPCA de 4,3% ao fim de 2025, mas Guizzo avalia que a projeção pode ir a 4,6% em breve, a depender da consolidação do câmbio ao redor de R$ 6. Além do dólar, devem pressionar também os seus cálculos a continuidade do mercado de trabalho em nível apertado e a manutenção da desancoragem das expectativas futuras de inflação.
Para o sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro, Carlos Kawall, um IPCA de 2025 ao redor de 5% é uma probabilidade “muito grande”. “Uma inflação nesse nível parece bastante razoável, a depender da postura do BC”, diz ele, que também vê riscos de impacto do câmbio excessivamente depreciado para a inflação ao consumidor à frente.
Além disso, Kawall cita que, apesar do mercado de trabalho demonstrar alguns sinais iniciais de arrefecimento, a dinâmica de repasse disso para a inflação de serviços é muito lenta. Assim, para ele, é provável que o preço desses componentes mais ligados ao ciclo econômico também sigam pressionando o IPCA em 2025.