Em mais um dia de intervenção do Banco Central no mercado de câmbio, o dólar à vista registrou o segundo pregão consecutivo de baixa na sexta-feira, 20. A aprovação no Congresso das medidas de contenção de gastos do governo, mesmo com algum grau de desidratação, e a perda de força da moeda americana lá fora também contribuíram para a recuperação do real. O dólar terminou a sessão em baixa de 0,84%, a R$ 6,0721, um alívio em relação aos R$ 6,2657 visto no fechamento da quarta-feira, 18.
Mesmo assim, a moeda americana terminou a semana com ganhos de 0,68%, o que leva a valorização acumulada em dezembro a 1,18%, após alta de 3,81% em novembro e de 6,31% em outubro. No ano, a moeda brasileira ainda amarga as piores perdas entre as principais moedas globais.
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Desde que o governo apresentou seu pacote de contenção de gastos, em 27 de novembro, o mercado financeiro vive dias de turbulência. As medidas foram consideradas muito abaixo do necessário para corrigir o rumo das contas públicas, o que significa que o endividamento vai continuar a crescer.
Os juros também sentem os efeitos desse cenário delicado. Na semana passada, o BC endureceu o ciclo de alta, elevando a Selic em um ponto porcentual (de 11,25% para 12,25% ao ano), e já indicando mais dois aumentos de mesmo patamar nas reuniões seguintes. Depois disso, os juros futuros escalaram para patamares superiores a 15%.
A seguir, economistas dizem avaliam o que essas mudanças podem significar para os rumos da economia brasileira.
Luís Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners:
O problema está nos juros e não no câmbio. Por quê? Porque, ao câmbio, a economia se ajusta. Sim, teremos uma mudança de nível de preços, isso gera inflação, o País fica mais pobre em termos relativos, viagens ao exterior ficam mais caras, mas, vida que segue, principalmente porque a situação das nossas contas externas é bem confortável. Ao contrário do passado, quando uma desvalorização levava a uma crise quase automática de dívida, agora pode até levar a uma redução da dívida líquida do País.
Além disso, a esses níveis, tanto o custo da dívida das empresas quanto do País se torna proibitivo, gerando inadimplência e recessão no primeiro caso e dominância fiscal (quando a política monetária perde a capacidade de reduzir a inflação) no segundo. Portanto, se o mercado demorar muito para voltar ao normal, só nos resta fazer como na música de Raul Seixas e “Alugar o Brasil”.
Silvio Campos Neto, economista e sócio da consultoria Tendências:
Ainda que os resultados passados e correntes se mostrem positivos, o sentimento de analistas e agentes de mercado, bem como os preços dos ativos, miram o futuro. E neste caso, o cenário para 2025 — e para 2026 — se mostra bastante preocupante. A crescente percepção de insustentabilidade fiscal está cobrando seu preço.
Como resultado, chegamos ao final do ano de maneira nada alvissareira. As taxas de juros estão em níveis extremamente elevados. A taxa de juros real de 10 anos está em patamar compatível com períodos de crise, como observado entre 2015 e 2016. O dólar superou R$ 6 quebrando sucessivos recordes nominais desde a adoção do real. A inflação deve fechar 2024 próxima de 5%, acima do teto da meta (4,5%), enquanto as expectativas para o próximo ano estão em franca elevação, já acima deste mesmo teto. Este panorama fatalmente terá implicações importantes ao menos nos próximos dois anos.
O mercado de trabalho, que tradicionalmente reage por último, também deverá sentir os efeitos mais adiante. E neste ponto reside um questionamento importante: como o governo lidará com essa tendência de piora econômica nos últimos dois anos de mandato? O estresse dos mercados não é por acaso.
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Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter:
Vamos iniciar a segunda metade do governo com uma enorme desconfiança no novo arcabouço fiscal, o que levou à recente desvalorização do dólar, aceleração da inflação e um novo ciclo de aperto monetário, que promete ser um dos mais restritivos dos últimos 20 anos.
Por outro lado, o real desvalorizado pode beneficiar a balança comercial e levar a um aumento do superávit, resultado de uma esperada redução das importações, que cresceram 8% em dólar em 2024, com a demanda interna mais aquecida.
O principal impacto na economia, no entanto, será a significativa alta dos juros. O nível restritivo do aperto monetário deve desacelerar a concessão de crédito e encarecer seu custo, e podemos ver uma elevação da inadimplência tanto entre empresas como entre famílias. A combinação de câmbio depreciado e juros elevados deve manter a aversão a risco em alta e, com a possibilidade de uma desaceleração mais rápida do crescimento, não descartamos o risco de uma recessão ao final de 2025 e 2026.
Uma reversão do cenário, no entanto, pode acontecer com a correção de rumo da política fiscal, principal fator gerador de insegurança. O ajuste fiscal via corte de gastos pode contribuir não somente com o desaquecimento da demanda e queda mais rápida da inflação, mas também com a redução do prêmio de risco no mercado.
Caminhamos para uma taxa de juros real ainda mais restritiva, e ainda assim sem visibilidade de convergência da inflação para a meta. Fica claro que o processo de desinflação somente será concluído com a retomada da credibilidade no ajuste fiscal. Até lá, iremos arcar com um elevado custo da política monetária e um efeito reduzido.
Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados:
A política monetária tem tentado minimizar os estragos feitos pelo magro pacote fiscal do governo, mas sem sucesso. Em outros tempos, o choque de um anúncio de juros que vai chegar a 14,25% na segunda reunião do Copom em 2025, e mais as intervenções no mercado cambial que o BC fez, levaria a uma leve diminuição, que fosse, da taxa de câmbio.
Entretanto, quase uma semana depois do Copom, o câmbio se estabilizou acima de R$ 6. O BC tem tomado as decisões corretas e possíveis no contexto de crise criada pela política fiscal. Não há muito mais a se fazer. O que precisava era um redirecionamento radical do pacote fiscal para algo muito mais contundente.
A pressão do governo para entregar resultados melhores em 2026 lembrará em muito os últimos dois anos do primeiro mandato da ex-presidente, quando o governo se esforçou para indicar que estava tudo bem, quando, na verdade, a conta de um ajuste atrasado foi cair nas costas de Joaquim Levy, ministro da Fazenda, que nada teve a ver com a crise construída nos anos anteriores.
Esse fantasma do passado, que volta agora, não deixa dúvidas onde podemos chegar. Como o dólar que era R$ 5 virou R$ 6, o mercado começa a se perguntar se desconexão do governo com a realidade poderá levar a um câmbio ainda maior. A chance disso é bastante grande, infelizmente.
Com a inflação com dificuldade para se manter no teto da meta, o BC terá um trabalho mais que solitário, quase impossível. Para se atingir a Selic de 6,5% que tivemos em 2019, o governo teria de dar um choque fiscal nos moldes da regra do teto no final de 2016. Como não vai fazer isso, temos de nos preparar para dois anos difíceis na economia.
Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos:
O governo Lula 3 se assemelha em larga medida ao governo Dilma, cujos erros de condução da política econômica, materializados na então Nova Matriz Econômica (NME), pavimentaram o caminho para uma crise de cerca de 18 a 24 meses à frente.
Caminho semelhante vem sendo seguido pelo atual governo. O pacote fiscal recém-anunciado, que deveria corrigir os excessos de origem, foi tímido e insuficiente. A renovação de promessas não entregues de economia com o “pente-fino” voltaram no pacote fiscal, que contém ainda muitas medidas que buscam ampliar a flexibilidade orçamentária, mas que não significam economia fiscal efetiva.
Arnaldo Lima, economista e RI da Polo Capital:
A falta de resultados primários recorrentes que estabilizem a trajetória da dívida, aliada ao crescimento econômico acima da capacidade produtiva, tem levado o Copom a ajustar suas projeções de inflação e a trajetória da taxa Selic. Nesse contexto, a última decisão do Comitê foi mais dura do que o esperado, e a ata reforçou a continuidade da visão restritiva da nova diretoria do Banco Central.
O que deveria ter sido lido como fortalecimento da autonomia do Banco Central e ajudado a reduzir a desancoragem das expectativas de inflação no horizonte relevante de política monetária acabou sendo interpretado como um indicativo de que o cenário era pior do que o mercado estava precificando, especialmente diante das incertezas sobre o que será aprovado do pacote fiscal e em que prazo.
Não há fundamentos concretos que justifiquem, neste momento, um cenário de dominância fiscal (quando os instrumentos do Banco Central perdem a capacidade de controlar a inflação), pois nunca é demais lembrar que somos credores líquidos em dólar, temos câmbio flutuante e um nível significativo de reservas internacionais.
Contudo, os ruídos entre a comunicação do governo e a percepção do mercado têm piorado a composição da dívida no curto prazo, fazendo com que o Tesouro emita, de forma relevante, LFTs em detrimento de títulos prefixados e indexados à inflação, mas nada muito distante, neste ano, dos limites de referência do Plano Anual de Financiamento (PAF).
Ressalta-se que a dívida pública brasileira, atualmente em patamares superiores aos de outros países emergentes, contrasta com a trajetória de estabilização observada em países desenvolvidos do G7 e na América Latina, conforme aponta o FMI. Para reverter esse quadro, o governo federal precisa atacar o crescimento das despesas obrigatórias e demonstrar compromisso com a ancoragem das expectativas de inflação. A credibilidade fiscal, sustentada por superávits primários, é crucial para reduzir o custo de financiamento da dívida, restaurar a confiança do mercado e estabilizar as contas públicas, que são os pilares para o crescimento sustentado.