‘A percepção de uma economia menos eficiente nos EUA fortalece o dólar’, diz Honorato, do Bradesco


Para o economista-chefe do banco, faz sentido o governo esperar a repercussão da vitória de Trump e até o Copom para anunciar o pacote de corte de gastos

Por Renata Pedini e Francisco Carlos de Assis
Foto: Jf Diorio/Estadão
Entrevista comFernando Honorato BarbosaEconomista-chefe do Bradesco

O economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa, diz que o senso de urgência em relação ao pacote do corte de gastos claramente aumentou em Brasília nos últimos dias e que acredita num anúncio em breve. Mas considera que faz sentido o governo esperar a repercussão do resultado da eleição presidencial nos Estados Unidos - e até o desfecho da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) nesta quarta-feira - para apresentar detalhes do plano, porque isso ajuda a separar os efeitos do pleito americano e da preocupação com as contas públicas na cotação do dólar. Ao mesmo tempo, a ideia é que o anúncio não passe muito desta semana ou da próxima, segundo Honorato.

“O pacote tem mais poder de influenciar o Copom de dezembro que o de novembro”, diz, com a expectativa de elevação de 0,50 ponto porcentual da Selic, de 10,75% ao ano para 11,25%, na reunião que termina nesta quarta-feira, 6, e de um juro de 12,25% ao final do ciclo de aperto monetário, com viés de alta por causa do avanço do dólar.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

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O governo está prestes a anunciar o pacote de cortes de gastos. Qual sua expectativa?

O senso de urgência claramente cresceu. O cancelamento da viagem que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, faria pela Europa para tratar desse assunto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a participação de ministros de áreas críticas do Orçamento em reuniões me faz pensar que a discussão mudou de patamar. Mas vou dizer algo que pode parecer ambíguo e até polêmico: faz sentido esperar os efeitos do resultado da eleição americana e, talvez, até mesmo o desfecho do Copom.

Por quê?

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Para separar os efeitos do exterior dos efeitos internos sobre os preços dos ativos. Assim, saberemos depois se os preços estão sendo afetados pela definição da eleição nos Estados Unidos ou pelo pacote de cortes de gastos. Para o nosso cenário fiscal, a eleição americana não muda nada. É claro que importa se o anúncio do pacote vai ser hoje, amanhã, sexta ou segunda-feira, mas se há um evento tão grande lá fora, com poder de balançar os preços, faz sentido esperar.

O dólar já andou bastante...

Desde meados de setembro, o chamado “Trump Trade”, ou seja, a ideia de alguns eventos com a vitória de Trump, ganhou força. É a percepção de uma economia mais fechada, com aumento de protecionismo, portanto, menos eficiente, com riscos de mais inflação nos EUA. Isso significa um dólar mais forte. Vimos o dólar, o índice DXY (de moedas globais) e os juros dos Treasuries (títulos do Tesouro americano) se fortalecendo. Boa parte do “Trump Trade” está precificada. Me parece que pode haver novas rodadas de fortalecimento do dólar conforme Trump anunciar medidas. Isso é mais diluído, mais dilatado, no tempo. Vamos ver se ele vai aumentar mesmo em 60% as tarifas sobre a China, se vai banir a imigração, como prometido. É algo que vamos descobrir ao longo de 2025. Mas, nas últimas duas semanas, a maior parcela da deterioração do real, nas nossas simulações, decorreu de fatores locais.

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Quanto ao pacote de corte de gastos no País, qual sua expectativa?

O que está sendo ventilado é que o ministro Fernando Haddad vai tentar colocar cada grupo de despesas sob as regras do arcabouço fiscal, ou seja, de certa forma forçar que as obrigatórias, individualmente, ou quase isso, sigam o marco. Isso é superpositivo. Dá força à sobrevivência do arcabouço. É o que eu chamo de estrutural. O pente-fino que havia sido anunciado, dos R$ 25,9 bilhões, vai compor o pacote, mas o estrutural é muito importante. Há críticas, como a de que, mesmo que consiga colocar as despesas individualmente debaixo das regras do arcabouço, ainda assim a projeção de dívida pública não vai mudar, porque ainda significará cumprir o arcabouço. O Bradesco trabalha com a hipótese de cumprimento do arcabouço. A minha projeção de dívida pública pode não mudar, mas discordo das críticas por dois aspectos superimportantes. O primeiro é que, ao dar sobrevida ao arcabouço, reduz a chance de prematuramente acabar com a regra fiscal, o que tem bastante valor do ponto de vista de credibilidade. O segundo, a ver depois da combinação de eleição nos EUA e pacote, é que pode haver um efeito na melhora de expectativas, que em algum ponto faz acreditar que o juro lá na frente vai ser menor.

A melhora do rating do Brasil pela Moody’s, deixando o País a um degrau do grau de investimento, ajuda o ministro Haddad a convencer a ala política sobre cortar gastos?

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A Moody’s ajuda, mas me parece que a força que Haddad ganhou vem muito mais das condições de contorno, como eu gosto de dizer, do ambiente de preços de ativos, como câmbio, e do risco de a inflação acelerar, que destrói a popularidade do presidente. Também do Banco Central ter voltado a elevar os juros.

O pacote fiscal influencia o Copom desta semana?

Há um tempo de debate político no Congresso, então, não deve mudar a decisão desta quarta-feira. Insisto: o Copom estará sob influência grande do resultado da eleição americana. O pacote é algo que tem mais poder de influenciar o próximo Copom, o de dezembro.

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Qual sua expectativa para o ciclo de alta da Selic?

Pelo modelo do BC, a preços de hoje - ou seja, pesquisa Focus, dólar, real -, caso queira levar a inflação para o centro da meta, de 3%, no segundo trimestre de 2026, que vai passar a ser o horizonte relevante, o BC deveria levar a Selic a 13,5% neste ciclo. É o que o modelo vai sugerir. Nós projetamos 12,25%, por enquanto, baseado em duas premissas superimportantes. A primeira é que o governo vai entregar um pacote fiscal que vai reforçar a ideia de que o gasto público em 2025 vai crescer menos que em 2024. Isso deve reduzir a demanda da economia e ajudar o BC a não levar a Selic a 13,5%.

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E a segunda premissa?

É que, nesse cenário, o câmbio apreciaria. Vejo indo para mais perto de R$ 5,40/R$ 5,50 nos próximos meses, o que tira um pouco da pressão sobre a inflação de curto prazo e resulta em Selic a 12,25%. Se o pacote fiscal frustrar ou eu estiver errado sobre o câmbio, o juro vai se aproximar dos 13,5% que estão no modelo do BC. Há um viés de alta na minha projeção, na verdade, pelo risco de o real não apreciar em relação ao visto hoje. Se não apreciar, é resultado dos riscos externos e, eventualmente, alguma frustração com o pacote fiscal.

E a surpresa positiva do PIB em 2024 continua em 2025?

O erro nas projeções de PIB responde, de um lado, a um PIB potencial mais alto, fruto de reformas econômicas desde 2015, e a um gasto público mais acelerado. Para 2025, vejo o juro subir e o gasto público mais contido. A economia vai esfriar em 2025. Projetamos 2,1%, ante 3,1% em 2024. Já para o IPCA, a projeção é 4,5% em 2024, com chance de estouro do teto da meta pelo peso de carnes. Vemos 3,8% em 2025.

No mercado, fala-se muito no seu nome para uma diretoria no BC? Recebeu convite?

Acho que isso é um sinal bacana de apreço, obviamente. Mas não houve qualquer conversa com o governo sobre esse tema.

Mas qual sua visão de um Copom formado, na maioria, por indicações de Lula a partir do ano que vem?

Foi Gabriel Galipolo (diretor de Política Monetária aprovado para a presidência do BC em 2025) quem puxou a discussão da alta de juros mais recente. Já ajudou a construir parte da reputação. Eu sempre achei que ele seria muito pragmático. Se há um incentivo político, é justamente para evitar a inflação nos próximos dois anos, tendo em vista processo eleitoral (de 2026). Dada a autonomia do Banco Central, e que o BC responde ao Congresso, simplificando, isso diminui muito os riscos de ruído pela frente.

Mas e quanto às substituições em três das nove cadeiras na virada do ano?

As mais técnicas devem ficar com diretores de carreira do Banco Central. Aqui o espaço para interferência política é muito baixo. A de Política Monetária é a que dá sinais de quanto o governo está disposto a ter alguém de mercado, de fora do circuito mais próximo, que seja capaz de tomar decisões duras, se necessárias. Deve ser um recado importante.

O economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa, diz que o senso de urgência em relação ao pacote do corte de gastos claramente aumentou em Brasília nos últimos dias e que acredita num anúncio em breve. Mas considera que faz sentido o governo esperar a repercussão do resultado da eleição presidencial nos Estados Unidos - e até o desfecho da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) nesta quarta-feira - para apresentar detalhes do plano, porque isso ajuda a separar os efeitos do pleito americano e da preocupação com as contas públicas na cotação do dólar. Ao mesmo tempo, a ideia é que o anúncio não passe muito desta semana ou da próxima, segundo Honorato.

“O pacote tem mais poder de influenciar o Copom de dezembro que o de novembro”, diz, com a expectativa de elevação de 0,50 ponto porcentual da Selic, de 10,75% ao ano para 11,25%, na reunião que termina nesta quarta-feira, 6, e de um juro de 12,25% ao final do ciclo de aperto monetário, com viés de alta por causa do avanço do dólar.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

O governo está prestes a anunciar o pacote de cortes de gastos. Qual sua expectativa?

O senso de urgência claramente cresceu. O cancelamento da viagem que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, faria pela Europa para tratar desse assunto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a participação de ministros de áreas críticas do Orçamento em reuniões me faz pensar que a discussão mudou de patamar. Mas vou dizer algo que pode parecer ambíguo e até polêmico: faz sentido esperar os efeitos do resultado da eleição americana e, talvez, até mesmo o desfecho do Copom.

Por quê?

Para separar os efeitos do exterior dos efeitos internos sobre os preços dos ativos. Assim, saberemos depois se os preços estão sendo afetados pela definição da eleição nos Estados Unidos ou pelo pacote de cortes de gastos. Para o nosso cenário fiscal, a eleição americana não muda nada. É claro que importa se o anúncio do pacote vai ser hoje, amanhã, sexta ou segunda-feira, mas se há um evento tão grande lá fora, com poder de balançar os preços, faz sentido esperar.

O dólar já andou bastante...

Desde meados de setembro, o chamado “Trump Trade”, ou seja, a ideia de alguns eventos com a vitória de Trump, ganhou força. É a percepção de uma economia mais fechada, com aumento de protecionismo, portanto, menos eficiente, com riscos de mais inflação nos EUA. Isso significa um dólar mais forte. Vimos o dólar, o índice DXY (de moedas globais) e os juros dos Treasuries (títulos do Tesouro americano) se fortalecendo. Boa parte do “Trump Trade” está precificada. Me parece que pode haver novas rodadas de fortalecimento do dólar conforme Trump anunciar medidas. Isso é mais diluído, mais dilatado, no tempo. Vamos ver se ele vai aumentar mesmo em 60% as tarifas sobre a China, se vai banir a imigração, como prometido. É algo que vamos descobrir ao longo de 2025. Mas, nas últimas duas semanas, a maior parcela da deterioração do real, nas nossas simulações, decorreu de fatores locais.

Quanto ao pacote de corte de gastos no País, qual sua expectativa?

O que está sendo ventilado é que o ministro Fernando Haddad vai tentar colocar cada grupo de despesas sob as regras do arcabouço fiscal, ou seja, de certa forma forçar que as obrigatórias, individualmente, ou quase isso, sigam o marco. Isso é superpositivo. Dá força à sobrevivência do arcabouço. É o que eu chamo de estrutural. O pente-fino que havia sido anunciado, dos R$ 25,9 bilhões, vai compor o pacote, mas o estrutural é muito importante. Há críticas, como a de que, mesmo que consiga colocar as despesas individualmente debaixo das regras do arcabouço, ainda assim a projeção de dívida pública não vai mudar, porque ainda significará cumprir o arcabouço. O Bradesco trabalha com a hipótese de cumprimento do arcabouço. A minha projeção de dívida pública pode não mudar, mas discordo das críticas por dois aspectos superimportantes. O primeiro é que, ao dar sobrevida ao arcabouço, reduz a chance de prematuramente acabar com a regra fiscal, o que tem bastante valor do ponto de vista de credibilidade. O segundo, a ver depois da combinação de eleição nos EUA e pacote, é que pode haver um efeito na melhora de expectativas, que em algum ponto faz acreditar que o juro lá na frente vai ser menor.

A melhora do rating do Brasil pela Moody’s, deixando o País a um degrau do grau de investimento, ajuda o ministro Haddad a convencer a ala política sobre cortar gastos?

A Moody’s ajuda, mas me parece que a força que Haddad ganhou vem muito mais das condições de contorno, como eu gosto de dizer, do ambiente de preços de ativos, como câmbio, e do risco de a inflação acelerar, que destrói a popularidade do presidente. Também do Banco Central ter voltado a elevar os juros.

O pacote fiscal influencia o Copom desta semana?

Há um tempo de debate político no Congresso, então, não deve mudar a decisão desta quarta-feira. Insisto: o Copom estará sob influência grande do resultado da eleição americana. O pacote é algo que tem mais poder de influenciar o próximo Copom, o de dezembro.

Qual sua expectativa para o ciclo de alta da Selic?

Pelo modelo do BC, a preços de hoje - ou seja, pesquisa Focus, dólar, real -, caso queira levar a inflação para o centro da meta, de 3%, no segundo trimestre de 2026, que vai passar a ser o horizonte relevante, o BC deveria levar a Selic a 13,5% neste ciclo. É o que o modelo vai sugerir. Nós projetamos 12,25%, por enquanto, baseado em duas premissas superimportantes. A primeira é que o governo vai entregar um pacote fiscal que vai reforçar a ideia de que o gasto público em 2025 vai crescer menos que em 2024. Isso deve reduzir a demanda da economia e ajudar o BC a não levar a Selic a 13,5%.

E a segunda premissa?

É que, nesse cenário, o câmbio apreciaria. Vejo indo para mais perto de R$ 5,40/R$ 5,50 nos próximos meses, o que tira um pouco da pressão sobre a inflação de curto prazo e resulta em Selic a 12,25%. Se o pacote fiscal frustrar ou eu estiver errado sobre o câmbio, o juro vai se aproximar dos 13,5% que estão no modelo do BC. Há um viés de alta na minha projeção, na verdade, pelo risco de o real não apreciar em relação ao visto hoje. Se não apreciar, é resultado dos riscos externos e, eventualmente, alguma frustração com o pacote fiscal.

E a surpresa positiva do PIB em 2024 continua em 2025?

O erro nas projeções de PIB responde, de um lado, a um PIB potencial mais alto, fruto de reformas econômicas desde 2015, e a um gasto público mais acelerado. Para 2025, vejo o juro subir e o gasto público mais contido. A economia vai esfriar em 2025. Projetamos 2,1%, ante 3,1% em 2024. Já para o IPCA, a projeção é 4,5% em 2024, com chance de estouro do teto da meta pelo peso de carnes. Vemos 3,8% em 2025.

No mercado, fala-se muito no seu nome para uma diretoria no BC? Recebeu convite?

Acho que isso é um sinal bacana de apreço, obviamente. Mas não houve qualquer conversa com o governo sobre esse tema.

Mas qual sua visão de um Copom formado, na maioria, por indicações de Lula a partir do ano que vem?

Foi Gabriel Galipolo (diretor de Política Monetária aprovado para a presidência do BC em 2025) quem puxou a discussão da alta de juros mais recente. Já ajudou a construir parte da reputação. Eu sempre achei que ele seria muito pragmático. Se há um incentivo político, é justamente para evitar a inflação nos próximos dois anos, tendo em vista processo eleitoral (de 2026). Dada a autonomia do Banco Central, e que o BC responde ao Congresso, simplificando, isso diminui muito os riscos de ruído pela frente.

Mas e quanto às substituições em três das nove cadeiras na virada do ano?

As mais técnicas devem ficar com diretores de carreira do Banco Central. Aqui o espaço para interferência política é muito baixo. A de Política Monetária é a que dá sinais de quanto o governo está disposto a ter alguém de mercado, de fora do circuito mais próximo, que seja capaz de tomar decisões duras, se necessárias. Deve ser um recado importante.

O economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa, diz que o senso de urgência em relação ao pacote do corte de gastos claramente aumentou em Brasília nos últimos dias e que acredita num anúncio em breve. Mas considera que faz sentido o governo esperar a repercussão do resultado da eleição presidencial nos Estados Unidos - e até o desfecho da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) nesta quarta-feira - para apresentar detalhes do plano, porque isso ajuda a separar os efeitos do pleito americano e da preocupação com as contas públicas na cotação do dólar. Ao mesmo tempo, a ideia é que o anúncio não passe muito desta semana ou da próxima, segundo Honorato.

“O pacote tem mais poder de influenciar o Copom de dezembro que o de novembro”, diz, com a expectativa de elevação de 0,50 ponto porcentual da Selic, de 10,75% ao ano para 11,25%, na reunião que termina nesta quarta-feira, 6, e de um juro de 12,25% ao final do ciclo de aperto monetário, com viés de alta por causa do avanço do dólar.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

O governo está prestes a anunciar o pacote de cortes de gastos. Qual sua expectativa?

O senso de urgência claramente cresceu. O cancelamento da viagem que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, faria pela Europa para tratar desse assunto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a participação de ministros de áreas críticas do Orçamento em reuniões me faz pensar que a discussão mudou de patamar. Mas vou dizer algo que pode parecer ambíguo e até polêmico: faz sentido esperar os efeitos do resultado da eleição americana e, talvez, até mesmo o desfecho do Copom.

Por quê?

Para separar os efeitos do exterior dos efeitos internos sobre os preços dos ativos. Assim, saberemos depois se os preços estão sendo afetados pela definição da eleição nos Estados Unidos ou pelo pacote de cortes de gastos. Para o nosso cenário fiscal, a eleição americana não muda nada. É claro que importa se o anúncio do pacote vai ser hoje, amanhã, sexta ou segunda-feira, mas se há um evento tão grande lá fora, com poder de balançar os preços, faz sentido esperar.

O dólar já andou bastante...

Desde meados de setembro, o chamado “Trump Trade”, ou seja, a ideia de alguns eventos com a vitória de Trump, ganhou força. É a percepção de uma economia mais fechada, com aumento de protecionismo, portanto, menos eficiente, com riscos de mais inflação nos EUA. Isso significa um dólar mais forte. Vimos o dólar, o índice DXY (de moedas globais) e os juros dos Treasuries (títulos do Tesouro americano) se fortalecendo. Boa parte do “Trump Trade” está precificada. Me parece que pode haver novas rodadas de fortalecimento do dólar conforme Trump anunciar medidas. Isso é mais diluído, mais dilatado, no tempo. Vamos ver se ele vai aumentar mesmo em 60% as tarifas sobre a China, se vai banir a imigração, como prometido. É algo que vamos descobrir ao longo de 2025. Mas, nas últimas duas semanas, a maior parcela da deterioração do real, nas nossas simulações, decorreu de fatores locais.

Quanto ao pacote de corte de gastos no País, qual sua expectativa?

O que está sendo ventilado é que o ministro Fernando Haddad vai tentar colocar cada grupo de despesas sob as regras do arcabouço fiscal, ou seja, de certa forma forçar que as obrigatórias, individualmente, ou quase isso, sigam o marco. Isso é superpositivo. Dá força à sobrevivência do arcabouço. É o que eu chamo de estrutural. O pente-fino que havia sido anunciado, dos R$ 25,9 bilhões, vai compor o pacote, mas o estrutural é muito importante. Há críticas, como a de que, mesmo que consiga colocar as despesas individualmente debaixo das regras do arcabouço, ainda assim a projeção de dívida pública não vai mudar, porque ainda significará cumprir o arcabouço. O Bradesco trabalha com a hipótese de cumprimento do arcabouço. A minha projeção de dívida pública pode não mudar, mas discordo das críticas por dois aspectos superimportantes. O primeiro é que, ao dar sobrevida ao arcabouço, reduz a chance de prematuramente acabar com a regra fiscal, o que tem bastante valor do ponto de vista de credibilidade. O segundo, a ver depois da combinação de eleição nos EUA e pacote, é que pode haver um efeito na melhora de expectativas, que em algum ponto faz acreditar que o juro lá na frente vai ser menor.

A melhora do rating do Brasil pela Moody’s, deixando o País a um degrau do grau de investimento, ajuda o ministro Haddad a convencer a ala política sobre cortar gastos?

A Moody’s ajuda, mas me parece que a força que Haddad ganhou vem muito mais das condições de contorno, como eu gosto de dizer, do ambiente de preços de ativos, como câmbio, e do risco de a inflação acelerar, que destrói a popularidade do presidente. Também do Banco Central ter voltado a elevar os juros.

O pacote fiscal influencia o Copom desta semana?

Há um tempo de debate político no Congresso, então, não deve mudar a decisão desta quarta-feira. Insisto: o Copom estará sob influência grande do resultado da eleição americana. O pacote é algo que tem mais poder de influenciar o próximo Copom, o de dezembro.

Qual sua expectativa para o ciclo de alta da Selic?

Pelo modelo do BC, a preços de hoje - ou seja, pesquisa Focus, dólar, real -, caso queira levar a inflação para o centro da meta, de 3%, no segundo trimestre de 2026, que vai passar a ser o horizonte relevante, o BC deveria levar a Selic a 13,5% neste ciclo. É o que o modelo vai sugerir. Nós projetamos 12,25%, por enquanto, baseado em duas premissas superimportantes. A primeira é que o governo vai entregar um pacote fiscal que vai reforçar a ideia de que o gasto público em 2025 vai crescer menos que em 2024. Isso deve reduzir a demanda da economia e ajudar o BC a não levar a Selic a 13,5%.

E a segunda premissa?

É que, nesse cenário, o câmbio apreciaria. Vejo indo para mais perto de R$ 5,40/R$ 5,50 nos próximos meses, o que tira um pouco da pressão sobre a inflação de curto prazo e resulta em Selic a 12,25%. Se o pacote fiscal frustrar ou eu estiver errado sobre o câmbio, o juro vai se aproximar dos 13,5% que estão no modelo do BC. Há um viés de alta na minha projeção, na verdade, pelo risco de o real não apreciar em relação ao visto hoje. Se não apreciar, é resultado dos riscos externos e, eventualmente, alguma frustração com o pacote fiscal.

E a surpresa positiva do PIB em 2024 continua em 2025?

O erro nas projeções de PIB responde, de um lado, a um PIB potencial mais alto, fruto de reformas econômicas desde 2015, e a um gasto público mais acelerado. Para 2025, vejo o juro subir e o gasto público mais contido. A economia vai esfriar em 2025. Projetamos 2,1%, ante 3,1% em 2024. Já para o IPCA, a projeção é 4,5% em 2024, com chance de estouro do teto da meta pelo peso de carnes. Vemos 3,8% em 2025.

No mercado, fala-se muito no seu nome para uma diretoria no BC? Recebeu convite?

Acho que isso é um sinal bacana de apreço, obviamente. Mas não houve qualquer conversa com o governo sobre esse tema.

Mas qual sua visão de um Copom formado, na maioria, por indicações de Lula a partir do ano que vem?

Foi Gabriel Galipolo (diretor de Política Monetária aprovado para a presidência do BC em 2025) quem puxou a discussão da alta de juros mais recente. Já ajudou a construir parte da reputação. Eu sempre achei que ele seria muito pragmático. Se há um incentivo político, é justamente para evitar a inflação nos próximos dois anos, tendo em vista processo eleitoral (de 2026). Dada a autonomia do Banco Central, e que o BC responde ao Congresso, simplificando, isso diminui muito os riscos de ruído pela frente.

Mas e quanto às substituições em três das nove cadeiras na virada do ano?

As mais técnicas devem ficar com diretores de carreira do Banco Central. Aqui o espaço para interferência política é muito baixo. A de Política Monetária é a que dá sinais de quanto o governo está disposto a ter alguém de mercado, de fora do circuito mais próximo, que seja capaz de tomar decisões duras, se necessárias. Deve ser um recado importante.

Entrevista por Renata Pedini

Renata Pedini é editora de Macroeconomia e Mercados do Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado, e colunista da Rádio Eldorado. Foi produtora e chefe de reportagem na Rádio CBN. Formada pela PUC-SP, cursou o MBA em Derivativos e informações econômico-financeiras da FIA e o Master em Jornalismo Econômico IICS.

Francisco Carlos de Assis

Francisco Carlos de Assis é repórter

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