É uma quantidade de energia suficiente para abastecer mais de 66 milhões de casas por ano, segundo Souza. Além da biomassa de cana, empresas estão aproveitando seus resíduos orgânicos para aumentar a eficiência energética e oferecer projetos de geração de energia limpa ao mercado.
A produção atual de excedente de energia de biomassa de cana está aquém do potencial da fonte. Em 2015, o montante foi de 20 mil MWh, ou 4,4% do consumo de eletricidade do Brasil. Apesar disso, o impacto ambiental foi significativo, atesta Souza. "Esse volume gerou uma economia de mais de oito milhões de toneladas de emissão de gases poluentes na atmosfera."
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), há 370 usinas sucroenergéticas no Brasil e pouco mais da metade (175) exporta excedente de bioeletricidade para o sistema elétrico. "Todas as usinas produzem energia para autoconsumo. Mas há 195 usinas que podem passar por um processo de retrofit (reforma) e aproveitar ainda mais o bagaço e outros subprodutos, como a palha e o biogás da vinhaça, para alimentar a geração de bioeletricidade da rede."
Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) revelam que a biomassa é a terceira maior fonte de energia elétrica nacional. Com 14,6 mil MW da potência instalada da matriz elétrica do Brasil, a participação da biomassa é pouco mais de 9% do total de 161 mil MW do sistema. Somente a biomassa de cana-de-açúcar contribui com 11 mil MW. As demais fontes são compostas por insumos florestais, principalmente a lenha de eucalipto, resíduos sólidos urbanos e restos vegetais.
A geração de biomassa é mais intensa durante a época de colheita da cana. Mas, apesar das características sazonais da produção, Souza afirma que há tecnologia disponível para gerar eletricidade o ano inteiro. "Existem turbinas de condensação que permitem operar até 365 dias ininterruptos e independente da safra. Para isso, é necessário estocar biomassa por períodos maiores e aumentar o uso da tecnologia em mais usinas." Segundo Souza, quase 20% das turbinas instaladas no setor sucroenergético hoje já são de condensação.
De olho no aproveitamento de resíduos, a Raízen aumentou sua produção de etanol com base no reaproveitamento de resíduos. O etanol de segunda geração (ou etanol 2G) é um combustível igual ao produzido no modelo tradicional, porém feito a partir da celulose do subproduto.
O bagaço que antes era destinado para proteção do solo e cogeração de energia elétrica foi convertido em celulose, o que possibilitou um aumento de 40% da produção sem crescer a área plantada, de acordo com a companhia. O projeto deu à Raízen o Prêmio Eco de 2014, na modalidade Práticas de Sustentabilidade - Produtos ou Serviços.
No Rio Grande do Sul, a PepsiCo, dona da marca Quaker, queima casca da aveia para gerar o vapor que move a caldeira de produção. Ao usar a biomassa, a Quaker deixou de emitir cerca de 1 mil toneladas de gases poluentes originados da queima de gás natural. O projeto ganhou o Prêmio Eco 2013 na modalidade Práticas de Sustentabilidade.
Em Uberlândia, a startup Alsol Energia, do Grupo Algar, desenvolve um projeto combinado de geração de energia a partir do biogás produzido pelo dejeto de suínos e captação de energia fotovoltaica. "Aqui temos condições favoráveis para aproveitar os resíduos do rebanho suíno, um dos maiores do Brasil, e a alta incidência de luz solar", detalha Gustavo Buiatti, diretor de operações e diretor técnico da Alsol Energia. O projeto foi inscrito no Prêmio Eco deste ano.
O projeto piloto está em andamento em uma propriedade rural de Patos de Minas, no interior de Minas Gerais. Durante o dia a energia é gerada por painéis fotovoltaicos, e um biodigestor que processa os dejetos dos cinco mil suínos da fazenda garante o fornecimento de eletricidade no final da tarde. A economia mensal com energia chega a 160 mil reais, segundo Buiatti.
O potencial de negócios que a venda ou locação de geradores de energia pode gerar na região é de 180 milhões de reais, estima o executivo. "Se considerarmos que Uberlândia tem um rebanho de 1,5 milhão de suínos e os equipamentos podem ser usados em propriedades de até 5 mil animais, estamos falando de pelo menos 300 unidades geradoras a serem usadas nos próximos quinze anos."
Em Tarabaí, interior de São Paulo, a Amidos do Oeste Paulista (Amidoeste) encontrou no uso do biogás uma alternativa de redução de custos de produção. A matéria orgânica que sobrava da produção de amido de mandioca passou a ser aproveitada para gerar energia de biomassa.
"Usando biogás, deixamos de usar energia térmica e reduzimos os custos de energia de 10% para 5%", afirma Sebastião Sílvio Panobianco, gerente industrial da Amidoeste. O aproveitamento do resíduo também diminuiu o impacto ambiental da produção, uma vez que os restos da produção não são mais descartados nos rios.
O uso de biomassa como fonte energética é uma tendência consolidada, afirma Souza. Mas para acelerar o seu desenvolvimento, o especialista defende a criação de políticas públicas favoráveis, como acesso ao crédito, benefícios fiscais e novos leilões de energia. "Mais do que tudo, precisamos de uma política setorial favorável que traga estabilidade e favoreça novos investimentos."