SÃO PAULO E BRASÍLIA – A economia brasileira vai encerrar 2023 melhor do que se previa. Ao longo do ano, as expectativas mais negativas para diversos indicadores, como crescimento econômico, inflação e juros, foram sendo abandonadas e um cenário mais benigno se desenhou.
Mas isso não indica que os problemas do País estejam solucionados. Ao contrário: a atividade dá claros sinais de desaceleração neste fim de ano e os desafios fiscais permanecem no radar.
O desempenho positivo fica evidente nas frequentes revisões para o Produto Interno Bruto (PIB). No início do ano, o relatório Focus, divulgado semanalmente pelo Banco Central com base na previsão de cerca de uma centena de analistas, indicava um crescimento inferior a 1%. As últimas previsões, no entanto, apontam para uma alta bem mais expressiva, de 3%.
“Quando a gente olha para as principais variáveis da economia, o ano termina com números bem melhores do que o inicialmente projetado”, afirma Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultoria Tendências.
Há razões estruturais e conjunturais que explicam a previsão de um crescimento maior em 2023. Para parte dos economistas, há uma leitura de que as reformas realizadas nos últimos anos aumentaram o chamado PIB potencial do País – a capacidade de crescer sem criar desequilíbrios.
Já entre os fatores pontuais, é preciso destacar o impulso fiscal. Isso porque, de largada, o governo Lula conseguiu um espaço adicional para gastar quase R$ 170 bilhões com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. Com esse valor, foram concedidos, por exemplo, reajustes de salários para os servidores e houve a retomada da correção real (acima da inflação) do mínimo nacional.
O País também se beneficiou de uma economia global mais resiliente – havia a expectativa de uma recessão nos EUA – e de uma supersafra de grãos, num cenário de preços ainda bons para as commodities. Em 2023, o saldo da balança comercial deve superar US$ 90 bilhões, um recorde.
“Se observar o resultado do PIB, o consumo das famílias está indo bem, mas os investimentos estão indo muito mal”, afirma Marcio Holland, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
No terceiro trimestre, o consumo das famílias cresceu 1,1% e os investimentos recuaram 2,5%. No período, a economia brasileira cresceu apenas 0,1%, confirmando a desaceleração esperada. A leitura dos economistas é de que esse ritmo mais fraco prosseguiu nos últimos meses de 2023 e deve seguir no início do próximo ano.
“Os estímulos de consumo estão indo embora. Não são duradouros. O cenário do crescimento econômico do ano que vem vai ser a metade deste ano”, afirma Holland.
Na semana passada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, classificou o investimento privado de “variável-chave” da economia, determinante para definir o ritmo de crescimento do País.
Segundo o ministro, esse foi o único indicador macroeconômico que apresentou resultado negativo, aquém do esperado, em 2023 – o que foi atribuído à política de juros do Banco Central (BC), atualmente comandado por Roberto Campos Neto.
“Obviamente, tem a ver com a política monetária, que quis trazer a inflação para dentro da banda rapidamente. Só que, a partir de determinado ponto, o remédio vira veneno”, alfinetou o ministro, que defende uma queda mais acentuada da Selic, na contramão das sinalizações recentes do BC.
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Inflação na meta e Selic em queda
Na inflação, o governo também vai colher números melhores que o esperado. A previsão para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é de 4,46% – portanto, dentro do intervalo da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que é de 3,25%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.
Durante boa parte do ano, os economistas chegaram a projetar que a inflação iria estourar o teto da meta. Em março e maio, as previsões para o IPCA rondavam a casa dos 6%.
“A inflação também foi uma surpresa positiva. Houve um impacto da queda de preços de commodities lá fora. E isso é repassado na forma de redução de preço de alimentos e de bens industriais”, diz Claudia Moreno, economista do C6 Bank. “Esses dois componentes contribuíram para essa situação melhor do que o esperado.”
Em 2023, a inflação seguiu como uma preocupação global. Nos últimos anos, os principais bancos centrais deram início a um aperto monetário. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Federal Reserve (BC norte-americano) promoveu a sua última alta de juros em julho, quando aumentou as taxas para um intervalo de 5,25% a 5,50% ao ano, o nível mais alto em 22 anos.
No Brasil, a política monetária seguiu restritiva, embora o Comitê de Política Monetária (Copom) tenha dado início ao ciclo de corte da Selic em agosto. O juro básico do País iniciou o ano em 13,75% ao ano e terminou em 11,75%. A expectativa é de que encerre 2024 em 9,25%. “Em relação ao começo do ano, houve mais cortes do que era projetado”, diz Claudia.
De fato, em 2023, houve muita incerteza em relação ao que se esperava para a Selic, diante dos vários ruídos provocados pelo governo Lula na condução da economia.
Foram vários os episódios: logo no início do ano, o governo abriu um confronto público contra Campos Neto; mais à frente, houve discussão para mudar a meta de inflação e das contas públicas – que prevê um resultado primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida) zero em 2024; e há pressão constante da ala política para ampliar os gastos, num cenário fiscal ainda delicado e com eleições municipais à vista.
Em todos esses momentos de maior incerteza, os economistas viram um aumento de risco e passaram a projetar um juro mais alto para o País. Entre os meses de fevereiro e abril, a previsão que vigorava era de que a Selic encerraria o ano em 12,75%.
O que foi dando mais conforto para os economistas reduzirem a previsão para os juros foram as sinalizações de que a equipe econômica sairia vencedora nas principais batalhas dentro do governo. O time de Fernando Haddad também conseguiu colocar de pé – e aprovar no Congresso – um novo arcabouço fiscal.
A nova regra não é considerada perfeita, mas os analistas indicam que o novo marco conseguiu, ao menos, apontar um rumo para o tamanho do endividamento do País nos próximos anos.
“O que a gente vê desse ambiente político e da agenda econômica é que este ano caminhou bem. O balanço é positivo. O Haddad foi uma boa surpresa. Ele encampou agendas positivas, como a do arcabouço fiscal e a manutenção da meta pelo CMN. E o ano está terminando com a aprovação de uma reforma tributária, que não estava no radar de ninguém”, diz Alessandra, da Tendências. “Isso ajudou a reduzir a percepção de risco.”
Dólar abaixo de R$ 5
Os momentos de maior tensão com o rumo do País e a recente melhora nessa percepção de risco também ficaram evidentes no comportamento do dólar. A moeda norte-americana sentiu, claro, os efeitos das políticas monetárias ao redor do globo, mas também refletiu o humor dos investidores com a economia brasileira.
No fim de 2022, o dólar encerrou cotado a R$ 5,28. Na máxima de 2023, logo no início do ano, bateu em R$ 5,45. Em dezembro, ficou na faixa entre R$ 4,80 e R$ 4,90.
E o fiscal?
A grande dúvida que fica para o próximo ano é se a equipe econômica vai conseguir entregar a meta fiscal de déficit zero. O mercado não acredita no cumprimento, mas analisa de perto o esforço da equipe liderada por Haddad para entregar um bom resultado das contas públicas.
Neste ano, os analistas estimam que o déficit primário deva ficar em 1,4% do PIB, recuando para 0,8% do PIB em 2024. Já o secretário do Tesouro afirmou que déficit deste ano deve ficar em 1,2% do PIB.
No processo de ajuste fiscal encampado pelo governo, há uma grande aposta no aumento das receitas e pouca sinalização de corte de despesas. “De janeiro a outubro, as despesas cresceram quase 6% em termos reais na comparação com 2022”, afirma Holland. “É muito difícil o País conviver com esse crescimento, até porque as receitas estão decepcionando. A conta não está fechando.”
Na reta final de 2023, após muitas negociações e concessões, o governo conseguiu aprovar no Congresso o pacote arrecadatório proposto pela Fazenda, que inclui medidas como mudanças nas chamadas subvenções do ICMS; taxação de apostas esportivas e cassinos online; de fundos dos “super-ricos” dentro e fora do País; alterações nos Juros sobre Capital Próprio (JCP); e a volta do chamado voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
O objetivo de Haddad era arrecadar R$ 168 bilhões com o pacote para garantir a meta de zerar o déficit em 2024, mas algumas medidas foram desidratadas para que houvesse consenso e apoio político de deputados e senadores. As negociações também envolveram a liberação de emendas parlamentares e a derrubada de uma série de vetos presidenciais.
O Ministério da Fazenda ainda não atualizou as projeções fiscais com base nos textos aprovados, e Haddad evitar cravar que as medidas serão suficientes para garantir o déficit zero em 2024. Mas garante que a meta continuará sendo perseguida.
Na quinta-feira, 28, a equipe econômica apresentou novas propostas para as contas públicas em mais uma tentativa de ampliar as receitas. O ministro anunciou uma medida provisória para revogar a prorrogação da desoneração da folha de pagamento, extinguir o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), e criar um teto para abatimento de impostos.
“A agenda para 2024 é mais difícil. Não é tão consensual, como era o regime fiscal. O negócio é mais embaixo: passa, novamente, por uma agenda de arrecadação”, afirma Alessandra. “Também vai se discutir Imposto sobre Renda, que não é uma agenda alinhada com a maioria do Congresso”, diz ela, em referência à reforma dos impostos sobre a renda, que precisa ser enviada pelo governo até março.