O governo Luiz Inácio Lula da Silva deve enfrentar uma encruzilhada na próxima disputa presidencial. Com o cenário de juros em alta e a desconfiança elevada quanto ao rumo das contas públicas, o consenso entre os analistas é de que a economia brasileira caminha para desacelerar a partir da metade deste ano e colher um ritmo fraco de crescimento em 2026, ano da próxima eleição presidencial.
A dúvida que paira entre os especialistas é se o governo vai aceitar a desaceleração prevista sem a adoção de novas medidas fiscais para tentar estimular a economia numa eleição que tende a ser difícil para o governo, dada a polarização do País. O caminho a ser seguido, no entanto, não é trivial. Isso porque não há mais margem de manobra para ampliar os gastos sem contratar uma nova rodada de piora dos ativos brasileiros.
“O cenário vai se desenrolar entre dois extremos. Um deles é o governo colocar a mão na cabeça e pensar que tudo o que foi feito até agora chegou a levar o câmbio para o patamar de R$ 6,15 e R$ 6,20, o que vai dar uma inflação alta em 2025 e 2026. Isso também vai custar a popularidade e, portanto, algo seria feito para acalmar o mercado”, diz Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos.
“Um outro extremo é o pessoal que defende uma ruptura dizer que, até agora, o governo tentou agradar o mercado, mas não adiantou nada. E o projeto eleitoral será tocado com o que for possível de aumento de gastos. Essa ala entende que o mercado piora, mas o saldo seria positivo para a popularidade. Por enquanto, o governo não tem feito nem uma coisa nem outra. Parece relutante em seguir um desses caminhos”, acrescenta.
Neste terceiro mandato, o presidente Lula adotou uma postura diferente do que se observa tradicionalmente. Em geral, nos primeiros anos de governo, se promove algum tipo de ajuste para fazer a economia chegar melhor na metade final e, assim, garantir um caminho mais fácil para a reeleição ou para a vitória de um sucessor.
Mas não foi esse o roteiro escolhido. Com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, o governo já abriu uma margem bilionária para gastar mais logo na largada da gestão. Ao longo do atual mandato de Lula, as despesas obrigatórias também cresceram de forma acelerada, comprimindo o espaço para os gastos discricionários (não obrigatórios, como investimentos), colocando em dúvida a sobrevivência do arcabouço fiscal.
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“Houve um aumento de gastos bastante elevado, que teve como consequência um crescimento acima do potencial e uma taxa de desemprego muito baixa, mas levou a uma pressão na inflação. O Focus (relatório elaborado pelo BC com projeções do mercado) mostrou a expectativa de inflação subindo para 5% este ano e também aumentando para 2026 e 2027”, afirma Armando Castelar, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre). “O governo chega na segunda metade precisando frear, o que é inconsistente com a lógica político-eleitoral.”
Em 2023, no primeiro ano do terceiro mandato de Lula, a economia brasileira cresceu 3,2%. No ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) deve ter avançando um pouco mais de 3,5% - o dado será conhecido em março - e as projeções para 2025 e 2026 indicam uma alta próxima de 2%.
Desde o início do governo, existia uma grande desconfiança com relação ao futuro das contas públicas do Brasil. No fim do ano passado, a equipe econômica apresentou um projeto de contenção dos gastos públicos com o objetivo de garantir a sobrevivência do arcabouço fiscal e tentar recuperar a credibilidade fiscal do País. O pacote, no entanto, foi mal recebido. Ele foi considerado aquém do necessário para uma economia que precisa controlar o seu endividamento - que deve ser crescente ao longo dos próximos anos.
O mau humor cresceu ainda mais porque a equipe econômica apresentou uma proposta de isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Embora o governo tenha proposto a taxação de quem recebe mais de R$ 50 mil mensais para compensar a medida para o IR, há uma grande preocupação com uma possível perda de arrecadação bilionária. A medida também foi vista como uma derrota da ala econômica.
“O que nos preocupa é que não estamos enxergando condições políticas para o presidente Lula encaminhar uma nova rodada de ajuste fiscal capaz de apaziguar a crise de confiança que estamos vendo nas contas públicas”, afirma Christopher Garman, diretor da Eurasia Group para as Américas. “O que não significa que não haverá respostas. Eu acredito que a equipe econômica terá condições de encaminhar medidas de contenção de gastos discricionários para tentar cumprir a meta de 2025 e adotar novas medidas de receita para tentar reforçar o primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida).”
A equipe econômica também promete entregar uma meta de resultado primário zero em 2025 e um superávit de 0,25% do PIB no ano que vem. Os alvos já foram mais ambiciosos, mas foram alterados em abril do ano passado.
“É muito imprevisível não apenas o que vai acontecer quando essa desaceleração chegar, mas até depois. Não é dado como certo que, após uma desaceleração, vai haver uma mudança de política econômica”, diz Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management. “Existe uma incerteza muito grande sobre como vamos viver os próximos dois anos.”
Não houve um alívio nos preços dos ativos desde que o pacote de contenção de gastos foi apresentado. O combo de medidas fez com que o dólar ultrapasse e se consolidasse acima do patamar de R$ 6. Os juros futuros dispararam. No relatório Focus, os analistas esperam que o Banco Central suba a taxa básica de juros (Selic) - atualmente em 12,25% ao ano - para 15% - patamar que seguirá até o fim do ano.
“Quando você olha as projeções do relatório Focus, por exemplo, elas são de um pouso suave. O gasto vai subir menos em 2025 e a taxa de juros vai estar extremamente alta. É menos aumento de gastos e mais juros para tentar segurar um pouco a economia e a inflação e, talvez, esse cenário crie algum espaço para a inflação estar mais baixa em 2026”, diz Castelar.
“O problema é que esses pousos nem sempre são tão tranquilos assim”, acrescenta. “Quando desacelerar, o mercado de trabalho vai sentir, a folha salarial vai sentir. Como se evita um aumento mais forte de inadimplência, de problema de crédito? Esse é um risco. Um outro risco é a economia desacelerar, e o governo dizer que não quer isso, porque tem eleição no ano que vem.”
Força para 2026
Na avaliação de Garman, da Eurasia, a combinação de juros altos e inflação mais pressionada tende a afetar a popularidade do presidente Lula, mas ele acredita que ela “não vai cair muito”.
“Vai ser uma queda lenta. Houve um aumento da renda de dois dígitos nos primeiros anos de mandato. Boa parte da população acredita que a situação melhorou. Isso ajuda a carregar a aprovação em 2025”, diz.
No fim de 2024, as últimas pesquisas mostraram uma estabilidade na aprovação do presidente Lula. Em dezembro, o levantamento do Datafolha mostrou que 35% dos entrevistados consideravam o governo ótimo ou bom e 34% classificavam como ruim ou péssimo. No levantamento de outubro, os números eram de 36% e 32%, respectivamente.
O levantamento realizado pela Quaest também mostrou um cenário sem alterações. A aprovação ao trabalho do petista era de 52% dos brasileiros e 47% desaprovavam. Na rodada de outubro, essa relação era de 51% e 45%, respectivamente.
“Eu acho que existe um equívoco nas análises que dizem que o governo está numa posição frágil, que não está se beneficiando de um ciclo econômico favorável. Temos de lembrar de que temos 43% da população que não vota com o Lula de jeito nenhum. É um eleitorado mais alinhado com o Bolsonaro e com a a oposição”, afirma Garman. “Qual é o teto de aprovação popular que o Lula pode ter? É de 57% a 58%. No fundo, ele tem um patamar elevado para um País dividido e polarizado.”