'Economia do bico' preocupa EUA


Terceirização ganhou força nos últimos anos por meio de empresas como Uber e deve ser pauta importante na eleição presidencial

Por Noam Scheiber
Na Califórnia, motoristas associados ao Uber protestaram no ano passado contra as condições de trabalho Foto: Lucy Nicholson/Reuters

Quando o Escritório do Comissário do Trabalho da Califórnia decidiu, no mês passado, que um motorista do Uber era um empregado que devia ter uma série de proteções no lugar de trabalho - e não, como a companhia sustentava, um fornecedor autônomo -, ele ressaltou os sentimentos ambíguos de muitos americanos sobre o que está sendo chamado, cada vez mais, de "economia do bico". De um lado, startups como o Uber, que está apelando da decisão, e Lyft tornaram possível contratar corridas via um smartphone em alguns segundos. De outro, o Uber - que emprega diretamente menos de 4 mil das mais de 160 mil pessoas nos EUA que dependem dele para ao menos parte de seu ganha-pão - e companhias afins representam um desafio para ideias estabelecidas do que significa ter um emprego. Nas circunstâncias, porém, o Uber não é tanto uma inovação do mercado de trabalho como a culminação de uma tendência que já dura uma geração. Antes mesmo da fundação da empresa, em 2009, a economia americana estava visivelmente se tornando uma "economia Uber", com dezenas de milhões de americanos envolvidos em alguma forma de trabalho freelance, autônomo, temporário ou terceirizado. A mudança que durou décadas para estes arranjos mais flexíveis de local de trabalho, conforme argumentam o capitalista de risco Nick Hanauer e o líder trabalhista David Rolf no último número de Democracy Journal, é uma "transformação que promete novas eficiências e maior flexibilidade tanto para 'empregadores' como para 'empregados', mas que ameaça solapar as bases mesmas sobre as quais a classe média americana foi construída". Junto com outras mudanças, como o declínio da sindicalização e o avanço da globalização, a natureza cada vez mais remota do emprego ajuda a explicar por que as rendas estagnaram e por que a maioria dos americanos continua profundamente angustiada sobre suas perspectivas econômicas seis anos após o fim da Grande Recessão. No ano passado, 23% dos americanos disseram ao Gallup que estavam preocupados com a possibilidade de redução de suas horas de trabalho, ante porcentagens de 10% a 15% nos anos que precederam a recessão. Em relação aos 15% a 19% antes da recessão, 24% se disseram preocupados com a redução de seus salários. Mesmo que a economia continue a melhorar, o mal-estar persistente quase certamente será a principal questão na próxima eleição presidencial. Na segunda-feira, Hillary Clinton fez um discurso delineando sua visão para melhorar a sorte econômica da classe média. Republicanos de peso como Jeb Bush e Marco Rubio resumiram suas ideias políticas como uma tentativa de resolver a insegurança econômica e a erosão das rendas da classe média.Crescimento. Embora seja difícil quantificar o fenômeno mais difundido que consiste em aceitar trabalhadores não registrados, os dados relativos aos temporários sugerem um rápido crescimento nos últimos dez anos. O número relativo à categoria de empregos exercidos na maior parte por autônomos em tempo parcial ou contratados independentes em tempo parcial, segundo a Economic Modeling Specialists Intl., empresa de análise do mercado de trabalho, cresceu de pouco mais de 20 milhões para 32 milhões entre 2004 e 2014, para quase 18% de todos os empregos. As pesquisas, inclusive uma realizada pela empresa de assessoria Staffing Industry Analysts com cerca de 200 grandes companhias, aponta para mudanças semelhantes. A Apple é um exemplo vivo da tendência de as empresas contratarem predominantemente gente de fora, empregando diretamente menos de 10% do mais de um milhão de funcionários em todo o mundo para as áreas de design, produção e venda dos iMacs e iPhones. O local de trabalho mais reduzido e mais flexível é inquestionavelmente uma bênção para muitos trabalhadores. Uma companhia chamada Hourly Nerd, sediada em Boston, põe em contato ex-alunos das mais importantes escolas de administração e outros programas especializados com companhias que têm projetos que precisam ser concluídos, como análise de mercados ou exames de estratégia de preços. Os especialistas mais procurados têm um fluxo constante de trabalho e ganham polpudas remunerações de seis dígitos. Não são apenas as pessoas que têm uma especialização avançada que podem se beneficiar. Corey Becker trabalhou por alguns anos como autônomo para uma empresa chamada Cascom, que por sua vez fora contratada pela Time Warner Cable para instalar serviços de TV a cabo, internet e telefonia. Becker recebia por tarefa, e não por hora trabalhada. Chegou a ganhar US$ 1.000 a US$ 1.500 numa semana de 60 horas. "Era um excelente negócio", diz Becker. Mas muitos dos seus colegas não se saíram tão bem. Becker calculou que, em alguns casos, a remuneração dos técnicos caía abaixo do salário mínimo. Em 2009, o Departamento do Trabalho multou a Cascom por não classificar os trabalhadores como autônomos. Em 2011, um juiz decidiu contra a companhia e posteriormente concedeu a cerca de 250 pessoas que trabalhavam com instalações de equipamentos aproximadamente US$ 1,5 milhão em salários atrasados e indenização por danos. /Tradução de Anna Capovilla e Celso Paciornik

Na Califórnia, motoristas associados ao Uber protestaram no ano passado contra as condições de trabalho Foto: Lucy Nicholson/Reuters

Quando o Escritório do Comissário do Trabalho da Califórnia decidiu, no mês passado, que um motorista do Uber era um empregado que devia ter uma série de proteções no lugar de trabalho - e não, como a companhia sustentava, um fornecedor autônomo -, ele ressaltou os sentimentos ambíguos de muitos americanos sobre o que está sendo chamado, cada vez mais, de "economia do bico". De um lado, startups como o Uber, que está apelando da decisão, e Lyft tornaram possível contratar corridas via um smartphone em alguns segundos. De outro, o Uber - que emprega diretamente menos de 4 mil das mais de 160 mil pessoas nos EUA que dependem dele para ao menos parte de seu ganha-pão - e companhias afins representam um desafio para ideias estabelecidas do que significa ter um emprego. Nas circunstâncias, porém, o Uber não é tanto uma inovação do mercado de trabalho como a culminação de uma tendência que já dura uma geração. Antes mesmo da fundação da empresa, em 2009, a economia americana estava visivelmente se tornando uma "economia Uber", com dezenas de milhões de americanos envolvidos em alguma forma de trabalho freelance, autônomo, temporário ou terceirizado. A mudança que durou décadas para estes arranjos mais flexíveis de local de trabalho, conforme argumentam o capitalista de risco Nick Hanauer e o líder trabalhista David Rolf no último número de Democracy Journal, é uma "transformação que promete novas eficiências e maior flexibilidade tanto para 'empregadores' como para 'empregados', mas que ameaça solapar as bases mesmas sobre as quais a classe média americana foi construída". Junto com outras mudanças, como o declínio da sindicalização e o avanço da globalização, a natureza cada vez mais remota do emprego ajuda a explicar por que as rendas estagnaram e por que a maioria dos americanos continua profundamente angustiada sobre suas perspectivas econômicas seis anos após o fim da Grande Recessão. No ano passado, 23% dos americanos disseram ao Gallup que estavam preocupados com a possibilidade de redução de suas horas de trabalho, ante porcentagens de 10% a 15% nos anos que precederam a recessão. Em relação aos 15% a 19% antes da recessão, 24% se disseram preocupados com a redução de seus salários. Mesmo que a economia continue a melhorar, o mal-estar persistente quase certamente será a principal questão na próxima eleição presidencial. Na segunda-feira, Hillary Clinton fez um discurso delineando sua visão para melhorar a sorte econômica da classe média. Republicanos de peso como Jeb Bush e Marco Rubio resumiram suas ideias políticas como uma tentativa de resolver a insegurança econômica e a erosão das rendas da classe média.Crescimento. Embora seja difícil quantificar o fenômeno mais difundido que consiste em aceitar trabalhadores não registrados, os dados relativos aos temporários sugerem um rápido crescimento nos últimos dez anos. O número relativo à categoria de empregos exercidos na maior parte por autônomos em tempo parcial ou contratados independentes em tempo parcial, segundo a Economic Modeling Specialists Intl., empresa de análise do mercado de trabalho, cresceu de pouco mais de 20 milhões para 32 milhões entre 2004 e 2014, para quase 18% de todos os empregos. As pesquisas, inclusive uma realizada pela empresa de assessoria Staffing Industry Analysts com cerca de 200 grandes companhias, aponta para mudanças semelhantes. A Apple é um exemplo vivo da tendência de as empresas contratarem predominantemente gente de fora, empregando diretamente menos de 10% do mais de um milhão de funcionários em todo o mundo para as áreas de design, produção e venda dos iMacs e iPhones. O local de trabalho mais reduzido e mais flexível é inquestionavelmente uma bênção para muitos trabalhadores. Uma companhia chamada Hourly Nerd, sediada em Boston, põe em contato ex-alunos das mais importantes escolas de administração e outros programas especializados com companhias que têm projetos que precisam ser concluídos, como análise de mercados ou exames de estratégia de preços. Os especialistas mais procurados têm um fluxo constante de trabalho e ganham polpudas remunerações de seis dígitos. Não são apenas as pessoas que têm uma especialização avançada que podem se beneficiar. Corey Becker trabalhou por alguns anos como autônomo para uma empresa chamada Cascom, que por sua vez fora contratada pela Time Warner Cable para instalar serviços de TV a cabo, internet e telefonia. Becker recebia por tarefa, e não por hora trabalhada. Chegou a ganhar US$ 1.000 a US$ 1.500 numa semana de 60 horas. "Era um excelente negócio", diz Becker. Mas muitos dos seus colegas não se saíram tão bem. Becker calculou que, em alguns casos, a remuneração dos técnicos caía abaixo do salário mínimo. Em 2009, o Departamento do Trabalho multou a Cascom por não classificar os trabalhadores como autônomos. Em 2011, um juiz decidiu contra a companhia e posteriormente concedeu a cerca de 250 pessoas que trabalhavam com instalações de equipamentos aproximadamente US$ 1,5 milhão em salários atrasados e indenização por danos. /Tradução de Anna Capovilla e Celso Paciornik

Na Califórnia, motoristas associados ao Uber protestaram no ano passado contra as condições de trabalho Foto: Lucy Nicholson/Reuters

Quando o Escritório do Comissário do Trabalho da Califórnia decidiu, no mês passado, que um motorista do Uber era um empregado que devia ter uma série de proteções no lugar de trabalho - e não, como a companhia sustentava, um fornecedor autônomo -, ele ressaltou os sentimentos ambíguos de muitos americanos sobre o que está sendo chamado, cada vez mais, de "economia do bico". De um lado, startups como o Uber, que está apelando da decisão, e Lyft tornaram possível contratar corridas via um smartphone em alguns segundos. De outro, o Uber - que emprega diretamente menos de 4 mil das mais de 160 mil pessoas nos EUA que dependem dele para ao menos parte de seu ganha-pão - e companhias afins representam um desafio para ideias estabelecidas do que significa ter um emprego. Nas circunstâncias, porém, o Uber não é tanto uma inovação do mercado de trabalho como a culminação de uma tendência que já dura uma geração. Antes mesmo da fundação da empresa, em 2009, a economia americana estava visivelmente se tornando uma "economia Uber", com dezenas de milhões de americanos envolvidos em alguma forma de trabalho freelance, autônomo, temporário ou terceirizado. A mudança que durou décadas para estes arranjos mais flexíveis de local de trabalho, conforme argumentam o capitalista de risco Nick Hanauer e o líder trabalhista David Rolf no último número de Democracy Journal, é uma "transformação que promete novas eficiências e maior flexibilidade tanto para 'empregadores' como para 'empregados', mas que ameaça solapar as bases mesmas sobre as quais a classe média americana foi construída". Junto com outras mudanças, como o declínio da sindicalização e o avanço da globalização, a natureza cada vez mais remota do emprego ajuda a explicar por que as rendas estagnaram e por que a maioria dos americanos continua profundamente angustiada sobre suas perspectivas econômicas seis anos após o fim da Grande Recessão. No ano passado, 23% dos americanos disseram ao Gallup que estavam preocupados com a possibilidade de redução de suas horas de trabalho, ante porcentagens de 10% a 15% nos anos que precederam a recessão. Em relação aos 15% a 19% antes da recessão, 24% se disseram preocupados com a redução de seus salários. Mesmo que a economia continue a melhorar, o mal-estar persistente quase certamente será a principal questão na próxima eleição presidencial. Na segunda-feira, Hillary Clinton fez um discurso delineando sua visão para melhorar a sorte econômica da classe média. Republicanos de peso como Jeb Bush e Marco Rubio resumiram suas ideias políticas como uma tentativa de resolver a insegurança econômica e a erosão das rendas da classe média.Crescimento. Embora seja difícil quantificar o fenômeno mais difundido que consiste em aceitar trabalhadores não registrados, os dados relativos aos temporários sugerem um rápido crescimento nos últimos dez anos. O número relativo à categoria de empregos exercidos na maior parte por autônomos em tempo parcial ou contratados independentes em tempo parcial, segundo a Economic Modeling Specialists Intl., empresa de análise do mercado de trabalho, cresceu de pouco mais de 20 milhões para 32 milhões entre 2004 e 2014, para quase 18% de todos os empregos. As pesquisas, inclusive uma realizada pela empresa de assessoria Staffing Industry Analysts com cerca de 200 grandes companhias, aponta para mudanças semelhantes. A Apple é um exemplo vivo da tendência de as empresas contratarem predominantemente gente de fora, empregando diretamente menos de 10% do mais de um milhão de funcionários em todo o mundo para as áreas de design, produção e venda dos iMacs e iPhones. O local de trabalho mais reduzido e mais flexível é inquestionavelmente uma bênção para muitos trabalhadores. Uma companhia chamada Hourly Nerd, sediada em Boston, põe em contato ex-alunos das mais importantes escolas de administração e outros programas especializados com companhias que têm projetos que precisam ser concluídos, como análise de mercados ou exames de estratégia de preços. Os especialistas mais procurados têm um fluxo constante de trabalho e ganham polpudas remunerações de seis dígitos. Não são apenas as pessoas que têm uma especialização avançada que podem se beneficiar. Corey Becker trabalhou por alguns anos como autônomo para uma empresa chamada Cascom, que por sua vez fora contratada pela Time Warner Cable para instalar serviços de TV a cabo, internet e telefonia. Becker recebia por tarefa, e não por hora trabalhada. Chegou a ganhar US$ 1.000 a US$ 1.500 numa semana de 60 horas. "Era um excelente negócio", diz Becker. Mas muitos dos seus colegas não se saíram tão bem. Becker calculou que, em alguns casos, a remuneração dos técnicos caía abaixo do salário mínimo. Em 2009, o Departamento do Trabalho multou a Cascom por não classificar os trabalhadores como autônomos. Em 2011, um juiz decidiu contra a companhia e posteriormente concedeu a cerca de 250 pessoas que trabalhavam com instalações de equipamentos aproximadamente US$ 1,5 milhão em salários atrasados e indenização por danos. /Tradução de Anna Capovilla e Celso Paciornik

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