Economia global dá sinais de que ciclo de alta nos juros no mundo se aproxima do fim


Dados de inflação e medidas tomadas por autoridades monetárias indicam que os principais bancos centrais encerraram ou estão próximos de terminar o aperto monetário

Por Luiz Guilherme Gerbelli e Anna Carolina Papp
Atualização:

SÃO PAULO E BRASÍLIA – A economia global começa a dar sinais de que o capítulo de alta de juros pode estar chegando ao fim. Os últimos dados de inflação e as sinalizações das autoridades monetárias indicam que os principais bancos centrais do mundo encerraram ou estão próximos de terminar o chamado aperto monetário.

Os riscos ainda existem, sobretudo quando se olha para o comportamento de preços relacionados a serviços, ainda resilientes. Mas a inflação de bens duráveis – provocada pela desorganização das cadeias produtivas no auge da pandemia – começou a perder fôlego. Hoje, a leitura é a de que a inflação se dá mais por questões particulares de cada país do que por um efeito global.

“Olhando tanto para países avançados como para emergentes, estamos no fim desse processo (de alta de juros)”, diz Andréa Damico, sócia e economista-chefe da Armor Capital. “Quando a gente olha para inflação, a gente vê uma desaceleração mais relevante de bens.”

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Nas últimas semanas, algumas economias começaram a apresentar dados de inflação melhores do que o esperado. Nos Estados Unidos, os números divulgados pelo Departamento de Trabalho mostraram que a inflação no acumulado de 12 meses recuou de 6%, em fevereiro, para 5% em março. O presidente Joe Biden falou em “progresso continuado”. Na China, a taxa anual da inflação ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) subiu 0,7% em março, abaixo da previsão de analistas, de alta de 0,9%. E no Brasil, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 0,71%, chegando a 4,65% em 12 meses, resultado mais baixo desde janeiro de 2021.

“Era esperado que a inflação desse esses sinais de melhora, mas, claro, que ainda é um processo gradual. A batalha não está totalmente vencida”, afirma Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências.

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A percepção de que o mundo começa a virar a página na condução da política monetária também abre um horizonte mais positivo para a economia global, de que ela pode não sofrer tanto como se esperava no próximo ano – o que, consequentemente, pode beneficiar o Brasil.

Por ora, as projeções de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2024 são bem ruins. Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou uma previsão de crescimento de 3%, pouco acima da esperada para 2023, de 2,8%. Nesse biênio, a expansão esperada para o Brasil é de 0,9% e 1,5%, respectivamente.

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“São dois anos de crescimento baixo, mas a percepção de um fim de ciclo no curto, de que, provavelmente, não haverá alta de juros no segundo semestre, já traz um certo alívio, tira do cenário a possibilidade de situações mais extremas”, diz Campos Neto, da Tendências.

“Os efeitos (da política monetária) são defasados, e a economia mundial deve ter um período de maior dificuldade neste segundo semestre de 2023 e na virada do ano, mas, a partir do segundo trimestre do próximo ano, já pode haver um espaço para uma retomada, não acelerada, um pouco mais consistente”, acrescenta.

Efeito da crise bancária

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Há outro componente que passou a influenciar as decisões dos bancos centrais: o risco de uma crise bancária. A quebra de bancos médios dos Estados Unidos e o resgate do Credit Suisse levaram a uma mudança de rota na política de juros.

Credit Suisse foi vendido para o UBS por US$ 3,25 bilhões Foto: Michael Buholzer/Keystone via AP

A ata do último encontro do Fed (Federal Reserve), por exemplo, mostrou que integrantes do BC dos EUA cogitaram um aumento nos juros de 0,50 ponto porcentual, mas desistiram e optaram por um aumento de 0,25 ponto por causa da crise bancária.

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“A turbulência financeira, a quebra dos bancos, vai acarretar retração do crédito bancário, que, por sua vez, vai prejudicar as condições financeiras, o que vai afetar a atividade econômica – que mais adiante vai derrubar a demanda, o que derruba a inflação”, explica José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). “Mas o Fed ainda não sabe a intensidade desse movimento.”

Na próxima reunião, os economistas avaliam que o Fed deve promover uma nova alta de 0,25 ponto porcentual, levando os juros para a faixa de 5% a 5,25% ao ano e encerrando o ciclo de aperto monetária. “A gente chegou a vislumbrar os juros indo acima de 5,5%, mas migramos de cenário com a questão dos bancos pequenos”, diz Andréa, da Armor.

Um aumento menos expressivo dos juros nos EUA também contribui para um dólar mais fraco no mundo, facilitando a vida dos bancos centrais.

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Cenário perverso de inflação

Ao longo dos últimos anos, a economia global enfrentou um cenário perverso de inflação. A pandemia provocou uma desorganização na cadeia de produção de vários setores e levou a uma escassez de produtos, o que pressionou custos globais.

“A pandemia dificultou o consumo pelas famílias de determinados serviços. Houve uma substituição de consumo de serviços para bens, especialmente bens duráveis – movimento acentuado pelo home office. E a produção e distribuição de bens pelo mundo ficaram prejudicadas. Juntou uma expansão de demanda forte com um constrangimento de oferta muito significativo”, explica Senna, da FGV. “Além disso, os impulsos fiscais e monetários dados pelos mais diferentes governos dos países ajudaram a turbinar a demanda.”

A retomada da economia, após superada a fase mais aguda da crise sanitária, provocou uma alta de preços de commodities, o que tornou ainda mais complicado debelar a inflação. Se o cenário era difícil, a guerra entre Ucrânia e Rússia provocou uma nova escalada de preços.

“Os bancos centrais relutaram muito, no começo, em aceitar que a alta de preços seria um fenômeno persistente. Essa dificuldade de perceber a natureza do processo inflacionário acabou dando asas para a própria inflação, que adquiriu raízes mais profundas”, diz Senna.

“Uma parte do processo já está sendo corrigida. A inflação de bens, que subiu muito fortemente, também desceu muito fortemente, com o recuo da pandemia e a normalização das cadeias de suprimento. Só que agora restam desequilíbrios importantes e a política monetária tem de persistir justamente para combater o que se chama a inflação nuclear, como a inflação de serviços, que ainda está muito carregada.”

É possível dividir o movimento de aperto global de aperto de juros em três grandes grupos. O primeiro foi liderado em grande parte pelos países emergentes, incluindo o Brasil – a Selic está em 13,75% ao ano. Foram essas economias que subiram os juros, já atingiram o pico da inflação e podem ser os primeiros a iniciar o ciclo de cortes.

“Uma vez que o país pausa (o aperto), o BC leva ao redor de um ano para cortar os juros”, diz Kaian Oliveira, economista internacional da Parcitas Investimentos. “As curvas globais já refletem um pouco essa ideia de corte para vários países.”

No Brasil, os analistas esperam um corte nos próximos encontros do Comitê de Política Monetária (Copom). O relatório Focus, divulgado semanalmente pelo Banco Central, mostra que as previsões para a Selic são de 12,75% ao fim de 2023 e de 10% para 2024.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, vem sendo alvo de uma ofensiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ala política do governo, que criticam o patamar dos juros no País. O Comitê de Política Monetária (Copom), por sua vez, tem indicado como razão para a manutenção da taxa uma inflação persistente e sinais de incerteza em relação ao rumo das contas públicas.

No final do mês passado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou a proposta do novo arcabouço fiscal, para substituir o teto de gastos. Campos Neto avaliou a proposta, que estabelece um piso e um teto para as despesas, além de metas de resultado primário (diferença entre o que o governo arrecada e gasta) como “superpositiva”. A expectativa do governo é que a aprovação da regra, que será enviada nesta semana ao Congresso, ajude no processo de redução dos juros.

Campos Neto avaliou a proposta do arcabouço fiscal como 'superpostiva'  Foto: REUTERS/Adriano Machado/

“Pelo andar da carruagem, os participantes do mercado estão dando um crédito de confiança (para o novo arcabouço). Agora, a gente precisa ver como é que esse programa vai ficar no Congresso, o que efetivamente vai ser aprovado”, destaca Senna.

O segundo bloco foi formado pelos países desenvolvidos, que demoraram mais para começar o aperto e ainda tem uma inflação resiliente, como é o caso de Estados Unidos e Europa, embora o Banco Central Europeu (BCE) esteja um passo atrás do Fed. E, por fim, há o conjunto dos países asiáticos, que não sofreram tanto com a inflação.

“A gente tinha um cenário na Europa dos juros indo para 4% (estão em 3,50%), mas hoje temos dúvida, porque o ciclo monetário não é só mais fundamento. Há, agora, o risco financeiro”, afirma Oliveira. “A gente até tem um cenário de que os juros podem ir para 4%, mas ele é mais arriscado.”

SÃO PAULO E BRASÍLIA – A economia global começa a dar sinais de que o capítulo de alta de juros pode estar chegando ao fim. Os últimos dados de inflação e as sinalizações das autoridades monetárias indicam que os principais bancos centrais do mundo encerraram ou estão próximos de terminar o chamado aperto monetário.

Os riscos ainda existem, sobretudo quando se olha para o comportamento de preços relacionados a serviços, ainda resilientes. Mas a inflação de bens duráveis – provocada pela desorganização das cadeias produtivas no auge da pandemia – começou a perder fôlego. Hoje, a leitura é a de que a inflação se dá mais por questões particulares de cada país do que por um efeito global.

“Olhando tanto para países avançados como para emergentes, estamos no fim desse processo (de alta de juros)”, diz Andréa Damico, sócia e economista-chefe da Armor Capital. “Quando a gente olha para inflação, a gente vê uma desaceleração mais relevante de bens.”

Nas últimas semanas, algumas economias começaram a apresentar dados de inflação melhores do que o esperado. Nos Estados Unidos, os números divulgados pelo Departamento de Trabalho mostraram que a inflação no acumulado de 12 meses recuou de 6%, em fevereiro, para 5% em março. O presidente Joe Biden falou em “progresso continuado”. Na China, a taxa anual da inflação ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) subiu 0,7% em março, abaixo da previsão de analistas, de alta de 0,9%. E no Brasil, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 0,71%, chegando a 4,65% em 12 meses, resultado mais baixo desde janeiro de 2021.

“Era esperado que a inflação desse esses sinais de melhora, mas, claro, que ainda é um processo gradual. A batalha não está totalmente vencida”, afirma Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências.

A percepção de que o mundo começa a virar a página na condução da política monetária também abre um horizonte mais positivo para a economia global, de que ela pode não sofrer tanto como se esperava no próximo ano – o que, consequentemente, pode beneficiar o Brasil.

Por ora, as projeções de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2024 são bem ruins. Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou uma previsão de crescimento de 3%, pouco acima da esperada para 2023, de 2,8%. Nesse biênio, a expansão esperada para o Brasil é de 0,9% e 1,5%, respectivamente.

“São dois anos de crescimento baixo, mas a percepção de um fim de ciclo no curto, de que, provavelmente, não haverá alta de juros no segundo semestre, já traz um certo alívio, tira do cenário a possibilidade de situações mais extremas”, diz Campos Neto, da Tendências.

“Os efeitos (da política monetária) são defasados, e a economia mundial deve ter um período de maior dificuldade neste segundo semestre de 2023 e na virada do ano, mas, a partir do segundo trimestre do próximo ano, já pode haver um espaço para uma retomada, não acelerada, um pouco mais consistente”, acrescenta.

Efeito da crise bancária

Há outro componente que passou a influenciar as decisões dos bancos centrais: o risco de uma crise bancária. A quebra de bancos médios dos Estados Unidos e o resgate do Credit Suisse levaram a uma mudança de rota na política de juros.

Credit Suisse foi vendido para o UBS por US$ 3,25 bilhões Foto: Michael Buholzer/Keystone via AP

A ata do último encontro do Fed (Federal Reserve), por exemplo, mostrou que integrantes do BC dos EUA cogitaram um aumento nos juros de 0,50 ponto porcentual, mas desistiram e optaram por um aumento de 0,25 ponto por causa da crise bancária.

“A turbulência financeira, a quebra dos bancos, vai acarretar retração do crédito bancário, que, por sua vez, vai prejudicar as condições financeiras, o que vai afetar a atividade econômica – que mais adiante vai derrubar a demanda, o que derruba a inflação”, explica José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). “Mas o Fed ainda não sabe a intensidade desse movimento.”

Na próxima reunião, os economistas avaliam que o Fed deve promover uma nova alta de 0,25 ponto porcentual, levando os juros para a faixa de 5% a 5,25% ao ano e encerrando o ciclo de aperto monetária. “A gente chegou a vislumbrar os juros indo acima de 5,5%, mas migramos de cenário com a questão dos bancos pequenos”, diz Andréa, da Armor.

Um aumento menos expressivo dos juros nos EUA também contribui para um dólar mais fraco no mundo, facilitando a vida dos bancos centrais.

Cenário perverso de inflação

Ao longo dos últimos anos, a economia global enfrentou um cenário perverso de inflação. A pandemia provocou uma desorganização na cadeia de produção de vários setores e levou a uma escassez de produtos, o que pressionou custos globais.

“A pandemia dificultou o consumo pelas famílias de determinados serviços. Houve uma substituição de consumo de serviços para bens, especialmente bens duráveis – movimento acentuado pelo home office. E a produção e distribuição de bens pelo mundo ficaram prejudicadas. Juntou uma expansão de demanda forte com um constrangimento de oferta muito significativo”, explica Senna, da FGV. “Além disso, os impulsos fiscais e monetários dados pelos mais diferentes governos dos países ajudaram a turbinar a demanda.”

A retomada da economia, após superada a fase mais aguda da crise sanitária, provocou uma alta de preços de commodities, o que tornou ainda mais complicado debelar a inflação. Se o cenário era difícil, a guerra entre Ucrânia e Rússia provocou uma nova escalada de preços.

“Os bancos centrais relutaram muito, no começo, em aceitar que a alta de preços seria um fenômeno persistente. Essa dificuldade de perceber a natureza do processo inflacionário acabou dando asas para a própria inflação, que adquiriu raízes mais profundas”, diz Senna.

“Uma parte do processo já está sendo corrigida. A inflação de bens, que subiu muito fortemente, também desceu muito fortemente, com o recuo da pandemia e a normalização das cadeias de suprimento. Só que agora restam desequilíbrios importantes e a política monetária tem de persistir justamente para combater o que se chama a inflação nuclear, como a inflação de serviços, que ainda está muito carregada.”

É possível dividir o movimento de aperto global de aperto de juros em três grandes grupos. O primeiro foi liderado em grande parte pelos países emergentes, incluindo o Brasil – a Selic está em 13,75% ao ano. Foram essas economias que subiram os juros, já atingiram o pico da inflação e podem ser os primeiros a iniciar o ciclo de cortes.

“Uma vez que o país pausa (o aperto), o BC leva ao redor de um ano para cortar os juros”, diz Kaian Oliveira, economista internacional da Parcitas Investimentos. “As curvas globais já refletem um pouco essa ideia de corte para vários países.”

No Brasil, os analistas esperam um corte nos próximos encontros do Comitê de Política Monetária (Copom). O relatório Focus, divulgado semanalmente pelo Banco Central, mostra que as previsões para a Selic são de 12,75% ao fim de 2023 e de 10% para 2024.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, vem sendo alvo de uma ofensiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ala política do governo, que criticam o patamar dos juros no País. O Comitê de Política Monetária (Copom), por sua vez, tem indicado como razão para a manutenção da taxa uma inflação persistente e sinais de incerteza em relação ao rumo das contas públicas.

No final do mês passado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou a proposta do novo arcabouço fiscal, para substituir o teto de gastos. Campos Neto avaliou a proposta, que estabelece um piso e um teto para as despesas, além de metas de resultado primário (diferença entre o que o governo arrecada e gasta) como “superpositiva”. A expectativa do governo é que a aprovação da regra, que será enviada nesta semana ao Congresso, ajude no processo de redução dos juros.

Campos Neto avaliou a proposta do arcabouço fiscal como 'superpostiva'  Foto: REUTERS/Adriano Machado/

“Pelo andar da carruagem, os participantes do mercado estão dando um crédito de confiança (para o novo arcabouço). Agora, a gente precisa ver como é que esse programa vai ficar no Congresso, o que efetivamente vai ser aprovado”, destaca Senna.

O segundo bloco foi formado pelos países desenvolvidos, que demoraram mais para começar o aperto e ainda tem uma inflação resiliente, como é o caso de Estados Unidos e Europa, embora o Banco Central Europeu (BCE) esteja um passo atrás do Fed. E, por fim, há o conjunto dos países asiáticos, que não sofreram tanto com a inflação.

“A gente tinha um cenário na Europa dos juros indo para 4% (estão em 3,50%), mas hoje temos dúvida, porque o ciclo monetário não é só mais fundamento. Há, agora, o risco financeiro”, afirma Oliveira. “A gente até tem um cenário de que os juros podem ir para 4%, mas ele é mais arriscado.”

SÃO PAULO E BRASÍLIA – A economia global começa a dar sinais de que o capítulo de alta de juros pode estar chegando ao fim. Os últimos dados de inflação e as sinalizações das autoridades monetárias indicam que os principais bancos centrais do mundo encerraram ou estão próximos de terminar o chamado aperto monetário.

Os riscos ainda existem, sobretudo quando se olha para o comportamento de preços relacionados a serviços, ainda resilientes. Mas a inflação de bens duráveis – provocada pela desorganização das cadeias produtivas no auge da pandemia – começou a perder fôlego. Hoje, a leitura é a de que a inflação se dá mais por questões particulares de cada país do que por um efeito global.

“Olhando tanto para países avançados como para emergentes, estamos no fim desse processo (de alta de juros)”, diz Andréa Damico, sócia e economista-chefe da Armor Capital. “Quando a gente olha para inflação, a gente vê uma desaceleração mais relevante de bens.”

Nas últimas semanas, algumas economias começaram a apresentar dados de inflação melhores do que o esperado. Nos Estados Unidos, os números divulgados pelo Departamento de Trabalho mostraram que a inflação no acumulado de 12 meses recuou de 6%, em fevereiro, para 5% em março. O presidente Joe Biden falou em “progresso continuado”. Na China, a taxa anual da inflação ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) subiu 0,7% em março, abaixo da previsão de analistas, de alta de 0,9%. E no Brasil, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 0,71%, chegando a 4,65% em 12 meses, resultado mais baixo desde janeiro de 2021.

“Era esperado que a inflação desse esses sinais de melhora, mas, claro, que ainda é um processo gradual. A batalha não está totalmente vencida”, afirma Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências.

A percepção de que o mundo começa a virar a página na condução da política monetária também abre um horizonte mais positivo para a economia global, de que ela pode não sofrer tanto como se esperava no próximo ano – o que, consequentemente, pode beneficiar o Brasil.

Por ora, as projeções de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2024 são bem ruins. Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou uma previsão de crescimento de 3%, pouco acima da esperada para 2023, de 2,8%. Nesse biênio, a expansão esperada para o Brasil é de 0,9% e 1,5%, respectivamente.

“São dois anos de crescimento baixo, mas a percepção de um fim de ciclo no curto, de que, provavelmente, não haverá alta de juros no segundo semestre, já traz um certo alívio, tira do cenário a possibilidade de situações mais extremas”, diz Campos Neto, da Tendências.

“Os efeitos (da política monetária) são defasados, e a economia mundial deve ter um período de maior dificuldade neste segundo semestre de 2023 e na virada do ano, mas, a partir do segundo trimestre do próximo ano, já pode haver um espaço para uma retomada, não acelerada, um pouco mais consistente”, acrescenta.

Efeito da crise bancária

Há outro componente que passou a influenciar as decisões dos bancos centrais: o risco de uma crise bancária. A quebra de bancos médios dos Estados Unidos e o resgate do Credit Suisse levaram a uma mudança de rota na política de juros.

Credit Suisse foi vendido para o UBS por US$ 3,25 bilhões Foto: Michael Buholzer/Keystone via AP

A ata do último encontro do Fed (Federal Reserve), por exemplo, mostrou que integrantes do BC dos EUA cogitaram um aumento nos juros de 0,50 ponto porcentual, mas desistiram e optaram por um aumento de 0,25 ponto por causa da crise bancária.

“A turbulência financeira, a quebra dos bancos, vai acarretar retração do crédito bancário, que, por sua vez, vai prejudicar as condições financeiras, o que vai afetar a atividade econômica – que mais adiante vai derrubar a demanda, o que derruba a inflação”, explica José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). “Mas o Fed ainda não sabe a intensidade desse movimento.”

Na próxima reunião, os economistas avaliam que o Fed deve promover uma nova alta de 0,25 ponto porcentual, levando os juros para a faixa de 5% a 5,25% ao ano e encerrando o ciclo de aperto monetária. “A gente chegou a vislumbrar os juros indo acima de 5,5%, mas migramos de cenário com a questão dos bancos pequenos”, diz Andréa, da Armor.

Um aumento menos expressivo dos juros nos EUA também contribui para um dólar mais fraco no mundo, facilitando a vida dos bancos centrais.

Cenário perverso de inflação

Ao longo dos últimos anos, a economia global enfrentou um cenário perverso de inflação. A pandemia provocou uma desorganização na cadeia de produção de vários setores e levou a uma escassez de produtos, o que pressionou custos globais.

“A pandemia dificultou o consumo pelas famílias de determinados serviços. Houve uma substituição de consumo de serviços para bens, especialmente bens duráveis – movimento acentuado pelo home office. E a produção e distribuição de bens pelo mundo ficaram prejudicadas. Juntou uma expansão de demanda forte com um constrangimento de oferta muito significativo”, explica Senna, da FGV. “Além disso, os impulsos fiscais e monetários dados pelos mais diferentes governos dos países ajudaram a turbinar a demanda.”

A retomada da economia, após superada a fase mais aguda da crise sanitária, provocou uma alta de preços de commodities, o que tornou ainda mais complicado debelar a inflação. Se o cenário era difícil, a guerra entre Ucrânia e Rússia provocou uma nova escalada de preços.

“Os bancos centrais relutaram muito, no começo, em aceitar que a alta de preços seria um fenômeno persistente. Essa dificuldade de perceber a natureza do processo inflacionário acabou dando asas para a própria inflação, que adquiriu raízes mais profundas”, diz Senna.

“Uma parte do processo já está sendo corrigida. A inflação de bens, que subiu muito fortemente, também desceu muito fortemente, com o recuo da pandemia e a normalização das cadeias de suprimento. Só que agora restam desequilíbrios importantes e a política monetária tem de persistir justamente para combater o que se chama a inflação nuclear, como a inflação de serviços, que ainda está muito carregada.”

É possível dividir o movimento de aperto global de aperto de juros em três grandes grupos. O primeiro foi liderado em grande parte pelos países emergentes, incluindo o Brasil – a Selic está em 13,75% ao ano. Foram essas economias que subiram os juros, já atingiram o pico da inflação e podem ser os primeiros a iniciar o ciclo de cortes.

“Uma vez que o país pausa (o aperto), o BC leva ao redor de um ano para cortar os juros”, diz Kaian Oliveira, economista internacional da Parcitas Investimentos. “As curvas globais já refletem um pouco essa ideia de corte para vários países.”

No Brasil, os analistas esperam um corte nos próximos encontros do Comitê de Política Monetária (Copom). O relatório Focus, divulgado semanalmente pelo Banco Central, mostra que as previsões para a Selic são de 12,75% ao fim de 2023 e de 10% para 2024.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, vem sendo alvo de uma ofensiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ala política do governo, que criticam o patamar dos juros no País. O Comitê de Política Monetária (Copom), por sua vez, tem indicado como razão para a manutenção da taxa uma inflação persistente e sinais de incerteza em relação ao rumo das contas públicas.

No final do mês passado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou a proposta do novo arcabouço fiscal, para substituir o teto de gastos. Campos Neto avaliou a proposta, que estabelece um piso e um teto para as despesas, além de metas de resultado primário (diferença entre o que o governo arrecada e gasta) como “superpositiva”. A expectativa do governo é que a aprovação da regra, que será enviada nesta semana ao Congresso, ajude no processo de redução dos juros.

Campos Neto avaliou a proposta do arcabouço fiscal como 'superpostiva'  Foto: REUTERS/Adriano Machado/

“Pelo andar da carruagem, os participantes do mercado estão dando um crédito de confiança (para o novo arcabouço). Agora, a gente precisa ver como é que esse programa vai ficar no Congresso, o que efetivamente vai ser aprovado”, destaca Senna.

O segundo bloco foi formado pelos países desenvolvidos, que demoraram mais para começar o aperto e ainda tem uma inflação resiliente, como é o caso de Estados Unidos e Europa, embora o Banco Central Europeu (BCE) esteja um passo atrás do Fed. E, por fim, há o conjunto dos países asiáticos, que não sofreram tanto com a inflação.

“A gente tinha um cenário na Europa dos juros indo para 4% (estão em 3,50%), mas hoje temos dúvida, porque o ciclo monetário não é só mais fundamento. Há, agora, o risco financeiro”, afirma Oliveira. “A gente até tem um cenário de que os juros podem ir para 4%, mas ele é mais arriscado.”

SÃO PAULO E BRASÍLIA – A economia global começa a dar sinais de que o capítulo de alta de juros pode estar chegando ao fim. Os últimos dados de inflação e as sinalizações das autoridades monetárias indicam que os principais bancos centrais do mundo encerraram ou estão próximos de terminar o chamado aperto monetário.

Os riscos ainda existem, sobretudo quando se olha para o comportamento de preços relacionados a serviços, ainda resilientes. Mas a inflação de bens duráveis – provocada pela desorganização das cadeias produtivas no auge da pandemia – começou a perder fôlego. Hoje, a leitura é a de que a inflação se dá mais por questões particulares de cada país do que por um efeito global.

“Olhando tanto para países avançados como para emergentes, estamos no fim desse processo (de alta de juros)”, diz Andréa Damico, sócia e economista-chefe da Armor Capital. “Quando a gente olha para inflação, a gente vê uma desaceleração mais relevante de bens.”

Nas últimas semanas, algumas economias começaram a apresentar dados de inflação melhores do que o esperado. Nos Estados Unidos, os números divulgados pelo Departamento de Trabalho mostraram que a inflação no acumulado de 12 meses recuou de 6%, em fevereiro, para 5% em março. O presidente Joe Biden falou em “progresso continuado”. Na China, a taxa anual da inflação ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) subiu 0,7% em março, abaixo da previsão de analistas, de alta de 0,9%. E no Brasil, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 0,71%, chegando a 4,65% em 12 meses, resultado mais baixo desde janeiro de 2021.

“Era esperado que a inflação desse esses sinais de melhora, mas, claro, que ainda é um processo gradual. A batalha não está totalmente vencida”, afirma Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências.

A percepção de que o mundo começa a virar a página na condução da política monetária também abre um horizonte mais positivo para a economia global, de que ela pode não sofrer tanto como se esperava no próximo ano – o que, consequentemente, pode beneficiar o Brasil.

Por ora, as projeções de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2024 são bem ruins. Na semana passada, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou uma previsão de crescimento de 3%, pouco acima da esperada para 2023, de 2,8%. Nesse biênio, a expansão esperada para o Brasil é de 0,9% e 1,5%, respectivamente.

“São dois anos de crescimento baixo, mas a percepção de um fim de ciclo no curto, de que, provavelmente, não haverá alta de juros no segundo semestre, já traz um certo alívio, tira do cenário a possibilidade de situações mais extremas”, diz Campos Neto, da Tendências.

“Os efeitos (da política monetária) são defasados, e a economia mundial deve ter um período de maior dificuldade neste segundo semestre de 2023 e na virada do ano, mas, a partir do segundo trimestre do próximo ano, já pode haver um espaço para uma retomada, não acelerada, um pouco mais consistente”, acrescenta.

Efeito da crise bancária

Há outro componente que passou a influenciar as decisões dos bancos centrais: o risco de uma crise bancária. A quebra de bancos médios dos Estados Unidos e o resgate do Credit Suisse levaram a uma mudança de rota na política de juros.

Credit Suisse foi vendido para o UBS por US$ 3,25 bilhões Foto: Michael Buholzer/Keystone via AP

A ata do último encontro do Fed (Federal Reserve), por exemplo, mostrou que integrantes do BC dos EUA cogitaram um aumento nos juros de 0,50 ponto porcentual, mas desistiram e optaram por um aumento de 0,25 ponto por causa da crise bancária.

“A turbulência financeira, a quebra dos bancos, vai acarretar retração do crédito bancário, que, por sua vez, vai prejudicar as condições financeiras, o que vai afetar a atividade econômica – que mais adiante vai derrubar a demanda, o que derruba a inflação”, explica José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). “Mas o Fed ainda não sabe a intensidade desse movimento.”

Na próxima reunião, os economistas avaliam que o Fed deve promover uma nova alta de 0,25 ponto porcentual, levando os juros para a faixa de 5% a 5,25% ao ano e encerrando o ciclo de aperto monetária. “A gente chegou a vislumbrar os juros indo acima de 5,5%, mas migramos de cenário com a questão dos bancos pequenos”, diz Andréa, da Armor.

Um aumento menos expressivo dos juros nos EUA também contribui para um dólar mais fraco no mundo, facilitando a vida dos bancos centrais.

Cenário perverso de inflação

Ao longo dos últimos anos, a economia global enfrentou um cenário perverso de inflação. A pandemia provocou uma desorganização na cadeia de produção de vários setores e levou a uma escassez de produtos, o que pressionou custos globais.

“A pandemia dificultou o consumo pelas famílias de determinados serviços. Houve uma substituição de consumo de serviços para bens, especialmente bens duráveis – movimento acentuado pelo home office. E a produção e distribuição de bens pelo mundo ficaram prejudicadas. Juntou uma expansão de demanda forte com um constrangimento de oferta muito significativo”, explica Senna, da FGV. “Além disso, os impulsos fiscais e monetários dados pelos mais diferentes governos dos países ajudaram a turbinar a demanda.”

A retomada da economia, após superada a fase mais aguda da crise sanitária, provocou uma alta de preços de commodities, o que tornou ainda mais complicado debelar a inflação. Se o cenário era difícil, a guerra entre Ucrânia e Rússia provocou uma nova escalada de preços.

“Os bancos centrais relutaram muito, no começo, em aceitar que a alta de preços seria um fenômeno persistente. Essa dificuldade de perceber a natureza do processo inflacionário acabou dando asas para a própria inflação, que adquiriu raízes mais profundas”, diz Senna.

“Uma parte do processo já está sendo corrigida. A inflação de bens, que subiu muito fortemente, também desceu muito fortemente, com o recuo da pandemia e a normalização das cadeias de suprimento. Só que agora restam desequilíbrios importantes e a política monetária tem de persistir justamente para combater o que se chama a inflação nuclear, como a inflação de serviços, que ainda está muito carregada.”

É possível dividir o movimento de aperto global de aperto de juros em três grandes grupos. O primeiro foi liderado em grande parte pelos países emergentes, incluindo o Brasil – a Selic está em 13,75% ao ano. Foram essas economias que subiram os juros, já atingiram o pico da inflação e podem ser os primeiros a iniciar o ciclo de cortes.

“Uma vez que o país pausa (o aperto), o BC leva ao redor de um ano para cortar os juros”, diz Kaian Oliveira, economista internacional da Parcitas Investimentos. “As curvas globais já refletem um pouco essa ideia de corte para vários países.”

No Brasil, os analistas esperam um corte nos próximos encontros do Comitê de Política Monetária (Copom). O relatório Focus, divulgado semanalmente pelo Banco Central, mostra que as previsões para a Selic são de 12,75% ao fim de 2023 e de 10% para 2024.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, vem sendo alvo de uma ofensiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ala política do governo, que criticam o patamar dos juros no País. O Comitê de Política Monetária (Copom), por sua vez, tem indicado como razão para a manutenção da taxa uma inflação persistente e sinais de incerteza em relação ao rumo das contas públicas.

No final do mês passado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou a proposta do novo arcabouço fiscal, para substituir o teto de gastos. Campos Neto avaliou a proposta, que estabelece um piso e um teto para as despesas, além de metas de resultado primário (diferença entre o que o governo arrecada e gasta) como “superpositiva”. A expectativa do governo é que a aprovação da regra, que será enviada nesta semana ao Congresso, ajude no processo de redução dos juros.

Campos Neto avaliou a proposta do arcabouço fiscal como 'superpostiva'  Foto: REUTERS/Adriano Machado/

“Pelo andar da carruagem, os participantes do mercado estão dando um crédito de confiança (para o novo arcabouço). Agora, a gente precisa ver como é que esse programa vai ficar no Congresso, o que efetivamente vai ser aprovado”, destaca Senna.

O segundo bloco foi formado pelos países desenvolvidos, que demoraram mais para começar o aperto e ainda tem uma inflação resiliente, como é o caso de Estados Unidos e Europa, embora o Banco Central Europeu (BCE) esteja um passo atrás do Fed. E, por fim, há o conjunto dos países asiáticos, que não sofreram tanto com a inflação.

“A gente tinha um cenário na Europa dos juros indo para 4% (estão em 3,50%), mas hoje temos dúvida, porque o ciclo monetário não é só mais fundamento. Há, agora, o risco financeiro”, afirma Oliveira. “A gente até tem um cenário de que os juros podem ir para 4%, mas ele é mais arriscado.”

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