ECONOMIST: Trump é um desastre para os EUA e para o mundo


Nunca, desde que começou, ao fim da 2ª Guerra Mundial, o sistema global de comércio vive tão grande perigo

Por Redação
Atualização:

Donald Trump não é de modo algum o primeiro presidente americano a estabelecer tarifas unilaterais sobre importações. Todo ocupante do Salão Oval desde Jimmy Carter impôs algum tipo de barreira protecionista ao comércio, frequentemente, sobre o aço. Tampouco a promessa de Trump de taxar a importação de aço em 25% e a de alumínio em 10% vai abalar, por si, a economia americana: os dois itens responderam apenas por 2% dos US$ 2,4 trilhões de bens importados pelos Estados Unidos no ano passado, ou0,2% do PIB. Se o protecionismo de Trump se limitasse a isso, seria apenas um ato sem sentido de autoflagelação. Na verdade, trata-se de um desastre potencial- tanto para os Estados Unidos quanto para a economia mundial.

O presidente dos EUA, Donald Trump Foto: Michael Reynolds/EFE

Ainda não ficou exatamente claro o que Trump vai fazer, mas os presságios não são bons. Diferentemente de seus predecessores, Trump é um conhecido cético quanto ao livre comércio. Ele debocha do sistema multilateral, que vê como mau negócio para os EUA. Seu governo é caótico, e a assustadora decisão de Gary Cohn de renunciar, no dia 6, ao cargo de principal assessor econômico do presidente priva a Casa Branca de um raro adepto do livre comércio, significando que a função passará para mãos protecionistas. Nunca, desde que começou, ao fim da 2ª Guerra Mundial, o sistema global de comércio vive tão grande perigo.

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Esse perigo tem várias dimensões. Uma é o risco de uma escalada "olho por olho" de retaliações. Depois de a União Europeia dizer que vai retaliar com sanções sobre bens americanos, incluindo bourbon e motocicletas Harley-Davidson, Trump ameaçou investir contra a importação de carros europeus.

O segundo perigo deriva da lógica de Trump. As tarifas são baseadas em uma lei pouco usada que permite ao presidente proteger a indústria a pretexto de zelar pela segurança nacional. Essa desculpa é evidentemente falsa. A maior parte do aço importado pelos EUA vem do Canadá, União Europeia, México e Coreia do Sul, aliados dos americanos. Canadá e México parece que estão temporariamente excluídos - mas apenas porque Trump quer alavancar sua renegociação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o Nafta, o que não tem nada a ver com segurança nacional. Trump está criando um precedente que outros países podem explorar para proteger seus próprios produtores, de forma igualmente falsa.

Não está claro se outros países podem responder com medidas legais quando a segurança nacional é invocada dessa maneira. Isso leva a Organização Mundial do Comércio (OMC) a uma armadilha. Tanto Trump pode provocar uma enxurrada de queixas e retaliações que o tribunal da OMC não conseguirá julgar como o tribunal pode condenar as alegações de segurança nacional dos EUA, levandoassim Trump a abandonar a organização. 

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A OMC já está sob pressão. O fracasso da rodada Doha de conversações comerciais, em 2015, após 14 infrutíferos anos, pôs indefinidamente em banho-maria a necessidade de reformas. Disputas que poderiam ter ido para uma nova rodada de negociações empacaram nos mecanismos de resolução da OMC, que são lentos e frágeis demais para suportar a sobrecarga. A OMC não tem acompanhado o avanço das mudanças econômicas. Os investimentos estão cada vez mais ligados a fatores intangíveis, como patentes e direitos autorais, do que a bens físicos, como usinas de aço. Regras traçadas por economias ricas e voltadas para o mercado nem sempre servem para policiar o capitalismo de Estado. Os subsídios implícitos que a China dá a seus produtores causam uma saturação global de metais industriais. Não é de se estranhar que a segunda maior economia do mundo venha sendo alvo de tanta fúria.

Sejam quais forem os problemas da OMC, enfraquecê-la seria uma tragédia. Se os Estados Unidos buscam uma política mercantilistaque desafie o sistema global de comércio, outros países podem decidir segui-los. Isso não levaria a um colapso imediato da OMC, mas correria um dos fundamentos da economia globalizada. 

Todos sofreriam. Trump parece acreditar que comércio é uma prática de soma zero, na qual déficit é sinal de mau negócio. Mas a imensa melhora nos padrões de vida depois da 2ª Guerra ocorreu junto com uma rápida expansão do comércio mundial através de oito rodadas de negociações, cada uma delas levando a barreiras mais baixas. Importações são de fato bem-vindas, porque beneficiam consumidores e incentivam produtores a se especializar no que fazem de melhor. 

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Sem a OMC, o comércio através das fronteiras vai continuar - não há como detê-lo -, mas a falta de normas e procedimentos levaria a uma escalada nas disputas. Quanto menos regras, maior o campo para problemas mercantilistas e retrocessos. A política comercial pode ser capturada por interesses especiais. O poder militar teria maior peso em disputas comerciais que o jogo econômico honesto. Investimentos transnacionais podem secar. Como a enorme economia continental que são, os EUA perderiam menos nisso que outros países. Mas sua perda seria de qualquer forma muito grande, incluindo o fim de um pilar do sistema que consolidou sua influência política no pós-guerra.

Como o mundo pode sair dessa saia-justa? Embora Trump se comporte com uma assustadora irresponsabilidade, outros devem manter a cabeça no lugar. Alguns podem impor retaliações limitadas - afinal, é assim que se lida com bullies -, e a ameaça de industriais americanos dará força aos republicanos para pressionarem Trump a recuar. Mas tais ações têm de ser proporcionais e limitadas. Uma guerra olho por olho com os Estados Unidos seria desastrosa. 

O mais importante no momento é proteger o comércio. É confortador pensar que existe apoio global para se consertar a OMC, mas não existe. Os únicos acordos comerciais em oferta são regionais, como a Parceria Transpacífica, um pacto assinado nesta semana por 11 países que serve de modelo para a modernização do comércio. Embora Trump tenha abandonado a Parceria, ele deu a entender que pode reconsiderar, o que será um começo. 

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O melhor modo de ajudar a OMC é seus outros membros coordenarem qualquer iniciativa, inclusive uma queixa na OMC contra as tarifas de Trump. Mesmo que possa ser uma carga para o tribunal da organização, seria um voto de confiança na ideia de que a economia global pode ser conduzida segundo regras. 

O mundo está muito distante dos anos 1930, graças a Deus. Mas a ignorância e a complacência deixaram o sistema comercial em grave perigo. Defensores do livre comércio têm de reconhecer que a OMC pode ajudar a manter os mercados abertos frente ao lobby protecionista, em casa e no exterior. É fundamental que eles invistam no comércio baseado em regras. Isso não será fácil. Pela primeira vez em décadas, o maior adversário do livre comércio é o homem no Salão Oval. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ 

Donald Trump não é de modo algum o primeiro presidente americano a estabelecer tarifas unilaterais sobre importações. Todo ocupante do Salão Oval desde Jimmy Carter impôs algum tipo de barreira protecionista ao comércio, frequentemente, sobre o aço. Tampouco a promessa de Trump de taxar a importação de aço em 25% e a de alumínio em 10% vai abalar, por si, a economia americana: os dois itens responderam apenas por 2% dos US$ 2,4 trilhões de bens importados pelos Estados Unidos no ano passado, ou0,2% do PIB. Se o protecionismo de Trump se limitasse a isso, seria apenas um ato sem sentido de autoflagelação. Na verdade, trata-se de um desastre potencial- tanto para os Estados Unidos quanto para a economia mundial.

O presidente dos EUA, Donald Trump Foto: Michael Reynolds/EFE

Ainda não ficou exatamente claro o que Trump vai fazer, mas os presságios não são bons. Diferentemente de seus predecessores, Trump é um conhecido cético quanto ao livre comércio. Ele debocha do sistema multilateral, que vê como mau negócio para os EUA. Seu governo é caótico, e a assustadora decisão de Gary Cohn de renunciar, no dia 6, ao cargo de principal assessor econômico do presidente priva a Casa Branca de um raro adepto do livre comércio, significando que a função passará para mãos protecionistas. Nunca, desde que começou, ao fim da 2ª Guerra Mundial, o sistema global de comércio vive tão grande perigo.

Esse perigo tem várias dimensões. Uma é o risco de uma escalada "olho por olho" de retaliações. Depois de a União Europeia dizer que vai retaliar com sanções sobre bens americanos, incluindo bourbon e motocicletas Harley-Davidson, Trump ameaçou investir contra a importação de carros europeus.

O segundo perigo deriva da lógica de Trump. As tarifas são baseadas em uma lei pouco usada que permite ao presidente proteger a indústria a pretexto de zelar pela segurança nacional. Essa desculpa é evidentemente falsa. A maior parte do aço importado pelos EUA vem do Canadá, União Europeia, México e Coreia do Sul, aliados dos americanos. Canadá e México parece que estão temporariamente excluídos - mas apenas porque Trump quer alavancar sua renegociação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o Nafta, o que não tem nada a ver com segurança nacional. Trump está criando um precedente que outros países podem explorar para proteger seus próprios produtores, de forma igualmente falsa.

Não está claro se outros países podem responder com medidas legais quando a segurança nacional é invocada dessa maneira. Isso leva a Organização Mundial do Comércio (OMC) a uma armadilha. Tanto Trump pode provocar uma enxurrada de queixas e retaliações que o tribunal da OMC não conseguirá julgar como o tribunal pode condenar as alegações de segurança nacional dos EUA, levandoassim Trump a abandonar a organização. 

A OMC já está sob pressão. O fracasso da rodada Doha de conversações comerciais, em 2015, após 14 infrutíferos anos, pôs indefinidamente em banho-maria a necessidade de reformas. Disputas que poderiam ter ido para uma nova rodada de negociações empacaram nos mecanismos de resolução da OMC, que são lentos e frágeis demais para suportar a sobrecarga. A OMC não tem acompanhado o avanço das mudanças econômicas. Os investimentos estão cada vez mais ligados a fatores intangíveis, como patentes e direitos autorais, do que a bens físicos, como usinas de aço. Regras traçadas por economias ricas e voltadas para o mercado nem sempre servem para policiar o capitalismo de Estado. Os subsídios implícitos que a China dá a seus produtores causam uma saturação global de metais industriais. Não é de se estranhar que a segunda maior economia do mundo venha sendo alvo de tanta fúria.

Sejam quais forem os problemas da OMC, enfraquecê-la seria uma tragédia. Se os Estados Unidos buscam uma política mercantilistaque desafie o sistema global de comércio, outros países podem decidir segui-los. Isso não levaria a um colapso imediato da OMC, mas correria um dos fundamentos da economia globalizada. 

Todos sofreriam. Trump parece acreditar que comércio é uma prática de soma zero, na qual déficit é sinal de mau negócio. Mas a imensa melhora nos padrões de vida depois da 2ª Guerra ocorreu junto com uma rápida expansão do comércio mundial através de oito rodadas de negociações, cada uma delas levando a barreiras mais baixas. Importações são de fato bem-vindas, porque beneficiam consumidores e incentivam produtores a se especializar no que fazem de melhor. 

Sem a OMC, o comércio através das fronteiras vai continuar - não há como detê-lo -, mas a falta de normas e procedimentos levaria a uma escalada nas disputas. Quanto menos regras, maior o campo para problemas mercantilistas e retrocessos. A política comercial pode ser capturada por interesses especiais. O poder militar teria maior peso em disputas comerciais que o jogo econômico honesto. Investimentos transnacionais podem secar. Como a enorme economia continental que são, os EUA perderiam menos nisso que outros países. Mas sua perda seria de qualquer forma muito grande, incluindo o fim de um pilar do sistema que consolidou sua influência política no pós-guerra.

Como o mundo pode sair dessa saia-justa? Embora Trump se comporte com uma assustadora irresponsabilidade, outros devem manter a cabeça no lugar. Alguns podem impor retaliações limitadas - afinal, é assim que se lida com bullies -, e a ameaça de industriais americanos dará força aos republicanos para pressionarem Trump a recuar. Mas tais ações têm de ser proporcionais e limitadas. Uma guerra olho por olho com os Estados Unidos seria desastrosa. 

O mais importante no momento é proteger o comércio. É confortador pensar que existe apoio global para se consertar a OMC, mas não existe. Os únicos acordos comerciais em oferta são regionais, como a Parceria Transpacífica, um pacto assinado nesta semana por 11 países que serve de modelo para a modernização do comércio. Embora Trump tenha abandonado a Parceria, ele deu a entender que pode reconsiderar, o que será um começo. 

O melhor modo de ajudar a OMC é seus outros membros coordenarem qualquer iniciativa, inclusive uma queixa na OMC contra as tarifas de Trump. Mesmo que possa ser uma carga para o tribunal da organização, seria um voto de confiança na ideia de que a economia global pode ser conduzida segundo regras. 

O mundo está muito distante dos anos 1930, graças a Deus. Mas a ignorância e a complacência deixaram o sistema comercial em grave perigo. Defensores do livre comércio têm de reconhecer que a OMC pode ajudar a manter os mercados abertos frente ao lobby protecionista, em casa e no exterior. É fundamental que eles invistam no comércio baseado em regras. Isso não será fácil. Pela primeira vez em décadas, o maior adversário do livre comércio é o homem no Salão Oval. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ 

Donald Trump não é de modo algum o primeiro presidente americano a estabelecer tarifas unilaterais sobre importações. Todo ocupante do Salão Oval desde Jimmy Carter impôs algum tipo de barreira protecionista ao comércio, frequentemente, sobre o aço. Tampouco a promessa de Trump de taxar a importação de aço em 25% e a de alumínio em 10% vai abalar, por si, a economia americana: os dois itens responderam apenas por 2% dos US$ 2,4 trilhões de bens importados pelos Estados Unidos no ano passado, ou0,2% do PIB. Se o protecionismo de Trump se limitasse a isso, seria apenas um ato sem sentido de autoflagelação. Na verdade, trata-se de um desastre potencial- tanto para os Estados Unidos quanto para a economia mundial.

O presidente dos EUA, Donald Trump Foto: Michael Reynolds/EFE

Ainda não ficou exatamente claro o que Trump vai fazer, mas os presságios não são bons. Diferentemente de seus predecessores, Trump é um conhecido cético quanto ao livre comércio. Ele debocha do sistema multilateral, que vê como mau negócio para os EUA. Seu governo é caótico, e a assustadora decisão de Gary Cohn de renunciar, no dia 6, ao cargo de principal assessor econômico do presidente priva a Casa Branca de um raro adepto do livre comércio, significando que a função passará para mãos protecionistas. Nunca, desde que começou, ao fim da 2ª Guerra Mundial, o sistema global de comércio vive tão grande perigo.

Esse perigo tem várias dimensões. Uma é o risco de uma escalada "olho por olho" de retaliações. Depois de a União Europeia dizer que vai retaliar com sanções sobre bens americanos, incluindo bourbon e motocicletas Harley-Davidson, Trump ameaçou investir contra a importação de carros europeus.

O segundo perigo deriva da lógica de Trump. As tarifas são baseadas em uma lei pouco usada que permite ao presidente proteger a indústria a pretexto de zelar pela segurança nacional. Essa desculpa é evidentemente falsa. A maior parte do aço importado pelos EUA vem do Canadá, União Europeia, México e Coreia do Sul, aliados dos americanos. Canadá e México parece que estão temporariamente excluídos - mas apenas porque Trump quer alavancar sua renegociação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o Nafta, o que não tem nada a ver com segurança nacional. Trump está criando um precedente que outros países podem explorar para proteger seus próprios produtores, de forma igualmente falsa.

Não está claro se outros países podem responder com medidas legais quando a segurança nacional é invocada dessa maneira. Isso leva a Organização Mundial do Comércio (OMC) a uma armadilha. Tanto Trump pode provocar uma enxurrada de queixas e retaliações que o tribunal da OMC não conseguirá julgar como o tribunal pode condenar as alegações de segurança nacional dos EUA, levandoassim Trump a abandonar a organização. 

A OMC já está sob pressão. O fracasso da rodada Doha de conversações comerciais, em 2015, após 14 infrutíferos anos, pôs indefinidamente em banho-maria a necessidade de reformas. Disputas que poderiam ter ido para uma nova rodada de negociações empacaram nos mecanismos de resolução da OMC, que são lentos e frágeis demais para suportar a sobrecarga. A OMC não tem acompanhado o avanço das mudanças econômicas. Os investimentos estão cada vez mais ligados a fatores intangíveis, como patentes e direitos autorais, do que a bens físicos, como usinas de aço. Regras traçadas por economias ricas e voltadas para o mercado nem sempre servem para policiar o capitalismo de Estado. Os subsídios implícitos que a China dá a seus produtores causam uma saturação global de metais industriais. Não é de se estranhar que a segunda maior economia do mundo venha sendo alvo de tanta fúria.

Sejam quais forem os problemas da OMC, enfraquecê-la seria uma tragédia. Se os Estados Unidos buscam uma política mercantilistaque desafie o sistema global de comércio, outros países podem decidir segui-los. Isso não levaria a um colapso imediato da OMC, mas correria um dos fundamentos da economia globalizada. 

Todos sofreriam. Trump parece acreditar que comércio é uma prática de soma zero, na qual déficit é sinal de mau negócio. Mas a imensa melhora nos padrões de vida depois da 2ª Guerra ocorreu junto com uma rápida expansão do comércio mundial através de oito rodadas de negociações, cada uma delas levando a barreiras mais baixas. Importações são de fato bem-vindas, porque beneficiam consumidores e incentivam produtores a se especializar no que fazem de melhor. 

Sem a OMC, o comércio através das fronteiras vai continuar - não há como detê-lo -, mas a falta de normas e procedimentos levaria a uma escalada nas disputas. Quanto menos regras, maior o campo para problemas mercantilistas e retrocessos. A política comercial pode ser capturada por interesses especiais. O poder militar teria maior peso em disputas comerciais que o jogo econômico honesto. Investimentos transnacionais podem secar. Como a enorme economia continental que são, os EUA perderiam menos nisso que outros países. Mas sua perda seria de qualquer forma muito grande, incluindo o fim de um pilar do sistema que consolidou sua influência política no pós-guerra.

Como o mundo pode sair dessa saia-justa? Embora Trump se comporte com uma assustadora irresponsabilidade, outros devem manter a cabeça no lugar. Alguns podem impor retaliações limitadas - afinal, é assim que se lida com bullies -, e a ameaça de industriais americanos dará força aos republicanos para pressionarem Trump a recuar. Mas tais ações têm de ser proporcionais e limitadas. Uma guerra olho por olho com os Estados Unidos seria desastrosa. 

O mais importante no momento é proteger o comércio. É confortador pensar que existe apoio global para se consertar a OMC, mas não existe. Os únicos acordos comerciais em oferta são regionais, como a Parceria Transpacífica, um pacto assinado nesta semana por 11 países que serve de modelo para a modernização do comércio. Embora Trump tenha abandonado a Parceria, ele deu a entender que pode reconsiderar, o que será um começo. 

O melhor modo de ajudar a OMC é seus outros membros coordenarem qualquer iniciativa, inclusive uma queixa na OMC contra as tarifas de Trump. Mesmo que possa ser uma carga para o tribunal da organização, seria um voto de confiança na ideia de que a economia global pode ser conduzida segundo regras. 

O mundo está muito distante dos anos 1930, graças a Deus. Mas a ignorância e a complacência deixaram o sistema comercial em grave perigo. Defensores do livre comércio têm de reconhecer que a OMC pode ajudar a manter os mercados abertos frente ao lobby protecionista, em casa e no exterior. É fundamental que eles invistam no comércio baseado em regras. Isso não será fácil. Pela primeira vez em décadas, o maior adversário do livre comércio é o homem no Salão Oval. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ 

Donald Trump não é de modo algum o primeiro presidente americano a estabelecer tarifas unilaterais sobre importações. Todo ocupante do Salão Oval desde Jimmy Carter impôs algum tipo de barreira protecionista ao comércio, frequentemente, sobre o aço. Tampouco a promessa de Trump de taxar a importação de aço em 25% e a de alumínio em 10% vai abalar, por si, a economia americana: os dois itens responderam apenas por 2% dos US$ 2,4 trilhões de bens importados pelos Estados Unidos no ano passado, ou0,2% do PIB. Se o protecionismo de Trump se limitasse a isso, seria apenas um ato sem sentido de autoflagelação. Na verdade, trata-se de um desastre potencial- tanto para os Estados Unidos quanto para a economia mundial.

O presidente dos EUA, Donald Trump Foto: Michael Reynolds/EFE

Ainda não ficou exatamente claro o que Trump vai fazer, mas os presságios não são bons. Diferentemente de seus predecessores, Trump é um conhecido cético quanto ao livre comércio. Ele debocha do sistema multilateral, que vê como mau negócio para os EUA. Seu governo é caótico, e a assustadora decisão de Gary Cohn de renunciar, no dia 6, ao cargo de principal assessor econômico do presidente priva a Casa Branca de um raro adepto do livre comércio, significando que a função passará para mãos protecionistas. Nunca, desde que começou, ao fim da 2ª Guerra Mundial, o sistema global de comércio vive tão grande perigo.

Esse perigo tem várias dimensões. Uma é o risco de uma escalada "olho por olho" de retaliações. Depois de a União Europeia dizer que vai retaliar com sanções sobre bens americanos, incluindo bourbon e motocicletas Harley-Davidson, Trump ameaçou investir contra a importação de carros europeus.

O segundo perigo deriva da lógica de Trump. As tarifas são baseadas em uma lei pouco usada que permite ao presidente proteger a indústria a pretexto de zelar pela segurança nacional. Essa desculpa é evidentemente falsa. A maior parte do aço importado pelos EUA vem do Canadá, União Europeia, México e Coreia do Sul, aliados dos americanos. Canadá e México parece que estão temporariamente excluídos - mas apenas porque Trump quer alavancar sua renegociação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o Nafta, o que não tem nada a ver com segurança nacional. Trump está criando um precedente que outros países podem explorar para proteger seus próprios produtores, de forma igualmente falsa.

Não está claro se outros países podem responder com medidas legais quando a segurança nacional é invocada dessa maneira. Isso leva a Organização Mundial do Comércio (OMC) a uma armadilha. Tanto Trump pode provocar uma enxurrada de queixas e retaliações que o tribunal da OMC não conseguirá julgar como o tribunal pode condenar as alegações de segurança nacional dos EUA, levandoassim Trump a abandonar a organização. 

A OMC já está sob pressão. O fracasso da rodada Doha de conversações comerciais, em 2015, após 14 infrutíferos anos, pôs indefinidamente em banho-maria a necessidade de reformas. Disputas que poderiam ter ido para uma nova rodada de negociações empacaram nos mecanismos de resolução da OMC, que são lentos e frágeis demais para suportar a sobrecarga. A OMC não tem acompanhado o avanço das mudanças econômicas. Os investimentos estão cada vez mais ligados a fatores intangíveis, como patentes e direitos autorais, do que a bens físicos, como usinas de aço. Regras traçadas por economias ricas e voltadas para o mercado nem sempre servem para policiar o capitalismo de Estado. Os subsídios implícitos que a China dá a seus produtores causam uma saturação global de metais industriais. Não é de se estranhar que a segunda maior economia do mundo venha sendo alvo de tanta fúria.

Sejam quais forem os problemas da OMC, enfraquecê-la seria uma tragédia. Se os Estados Unidos buscam uma política mercantilistaque desafie o sistema global de comércio, outros países podem decidir segui-los. Isso não levaria a um colapso imediato da OMC, mas correria um dos fundamentos da economia globalizada. 

Todos sofreriam. Trump parece acreditar que comércio é uma prática de soma zero, na qual déficit é sinal de mau negócio. Mas a imensa melhora nos padrões de vida depois da 2ª Guerra ocorreu junto com uma rápida expansão do comércio mundial através de oito rodadas de negociações, cada uma delas levando a barreiras mais baixas. Importações são de fato bem-vindas, porque beneficiam consumidores e incentivam produtores a se especializar no que fazem de melhor. 

Sem a OMC, o comércio através das fronteiras vai continuar - não há como detê-lo -, mas a falta de normas e procedimentos levaria a uma escalada nas disputas. Quanto menos regras, maior o campo para problemas mercantilistas e retrocessos. A política comercial pode ser capturada por interesses especiais. O poder militar teria maior peso em disputas comerciais que o jogo econômico honesto. Investimentos transnacionais podem secar. Como a enorme economia continental que são, os EUA perderiam menos nisso que outros países. Mas sua perda seria de qualquer forma muito grande, incluindo o fim de um pilar do sistema que consolidou sua influência política no pós-guerra.

Como o mundo pode sair dessa saia-justa? Embora Trump se comporte com uma assustadora irresponsabilidade, outros devem manter a cabeça no lugar. Alguns podem impor retaliações limitadas - afinal, é assim que se lida com bullies -, e a ameaça de industriais americanos dará força aos republicanos para pressionarem Trump a recuar. Mas tais ações têm de ser proporcionais e limitadas. Uma guerra olho por olho com os Estados Unidos seria desastrosa. 

O mais importante no momento é proteger o comércio. É confortador pensar que existe apoio global para se consertar a OMC, mas não existe. Os únicos acordos comerciais em oferta são regionais, como a Parceria Transpacífica, um pacto assinado nesta semana por 11 países que serve de modelo para a modernização do comércio. Embora Trump tenha abandonado a Parceria, ele deu a entender que pode reconsiderar, o que será um começo. 

O melhor modo de ajudar a OMC é seus outros membros coordenarem qualquer iniciativa, inclusive uma queixa na OMC contra as tarifas de Trump. Mesmo que possa ser uma carga para o tribunal da organização, seria um voto de confiança na ideia de que a economia global pode ser conduzida segundo regras. 

O mundo está muito distante dos anos 1930, graças a Deus. Mas a ignorância e a complacência deixaram o sistema comercial em grave perigo. Defensores do livre comércio têm de reconhecer que a OMC pode ajudar a manter os mercados abertos frente ao lobby protecionista, em casa e no exterior. É fundamental que eles invistam no comércio baseado em regras. Isso não será fácil. Pela primeira vez em décadas, o maior adversário do livre comércio é o homem no Salão Oval. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ 

Donald Trump não é de modo algum o primeiro presidente americano a estabelecer tarifas unilaterais sobre importações. Todo ocupante do Salão Oval desde Jimmy Carter impôs algum tipo de barreira protecionista ao comércio, frequentemente, sobre o aço. Tampouco a promessa de Trump de taxar a importação de aço em 25% e a de alumínio em 10% vai abalar, por si, a economia americana: os dois itens responderam apenas por 2% dos US$ 2,4 trilhões de bens importados pelos Estados Unidos no ano passado, ou0,2% do PIB. Se o protecionismo de Trump se limitasse a isso, seria apenas um ato sem sentido de autoflagelação. Na verdade, trata-se de um desastre potencial- tanto para os Estados Unidos quanto para a economia mundial.

O presidente dos EUA, Donald Trump Foto: Michael Reynolds/EFE

Ainda não ficou exatamente claro o que Trump vai fazer, mas os presságios não são bons. Diferentemente de seus predecessores, Trump é um conhecido cético quanto ao livre comércio. Ele debocha do sistema multilateral, que vê como mau negócio para os EUA. Seu governo é caótico, e a assustadora decisão de Gary Cohn de renunciar, no dia 6, ao cargo de principal assessor econômico do presidente priva a Casa Branca de um raro adepto do livre comércio, significando que a função passará para mãos protecionistas. Nunca, desde que começou, ao fim da 2ª Guerra Mundial, o sistema global de comércio vive tão grande perigo.

Esse perigo tem várias dimensões. Uma é o risco de uma escalada "olho por olho" de retaliações. Depois de a União Europeia dizer que vai retaliar com sanções sobre bens americanos, incluindo bourbon e motocicletas Harley-Davidson, Trump ameaçou investir contra a importação de carros europeus.

O segundo perigo deriva da lógica de Trump. As tarifas são baseadas em uma lei pouco usada que permite ao presidente proteger a indústria a pretexto de zelar pela segurança nacional. Essa desculpa é evidentemente falsa. A maior parte do aço importado pelos EUA vem do Canadá, União Europeia, México e Coreia do Sul, aliados dos americanos. Canadá e México parece que estão temporariamente excluídos - mas apenas porque Trump quer alavancar sua renegociação do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o Nafta, o que não tem nada a ver com segurança nacional. Trump está criando um precedente que outros países podem explorar para proteger seus próprios produtores, de forma igualmente falsa.

Não está claro se outros países podem responder com medidas legais quando a segurança nacional é invocada dessa maneira. Isso leva a Organização Mundial do Comércio (OMC) a uma armadilha. Tanto Trump pode provocar uma enxurrada de queixas e retaliações que o tribunal da OMC não conseguirá julgar como o tribunal pode condenar as alegações de segurança nacional dos EUA, levandoassim Trump a abandonar a organização. 

A OMC já está sob pressão. O fracasso da rodada Doha de conversações comerciais, em 2015, após 14 infrutíferos anos, pôs indefinidamente em banho-maria a necessidade de reformas. Disputas que poderiam ter ido para uma nova rodada de negociações empacaram nos mecanismos de resolução da OMC, que são lentos e frágeis demais para suportar a sobrecarga. A OMC não tem acompanhado o avanço das mudanças econômicas. Os investimentos estão cada vez mais ligados a fatores intangíveis, como patentes e direitos autorais, do que a bens físicos, como usinas de aço. Regras traçadas por economias ricas e voltadas para o mercado nem sempre servem para policiar o capitalismo de Estado. Os subsídios implícitos que a China dá a seus produtores causam uma saturação global de metais industriais. Não é de se estranhar que a segunda maior economia do mundo venha sendo alvo de tanta fúria.

Sejam quais forem os problemas da OMC, enfraquecê-la seria uma tragédia. Se os Estados Unidos buscam uma política mercantilistaque desafie o sistema global de comércio, outros países podem decidir segui-los. Isso não levaria a um colapso imediato da OMC, mas correria um dos fundamentos da economia globalizada. 

Todos sofreriam. Trump parece acreditar que comércio é uma prática de soma zero, na qual déficit é sinal de mau negócio. Mas a imensa melhora nos padrões de vida depois da 2ª Guerra ocorreu junto com uma rápida expansão do comércio mundial através de oito rodadas de negociações, cada uma delas levando a barreiras mais baixas. Importações são de fato bem-vindas, porque beneficiam consumidores e incentivam produtores a se especializar no que fazem de melhor. 

Sem a OMC, o comércio através das fronteiras vai continuar - não há como detê-lo -, mas a falta de normas e procedimentos levaria a uma escalada nas disputas. Quanto menos regras, maior o campo para problemas mercantilistas e retrocessos. A política comercial pode ser capturada por interesses especiais. O poder militar teria maior peso em disputas comerciais que o jogo econômico honesto. Investimentos transnacionais podem secar. Como a enorme economia continental que são, os EUA perderiam menos nisso que outros países. Mas sua perda seria de qualquer forma muito grande, incluindo o fim de um pilar do sistema que consolidou sua influência política no pós-guerra.

Como o mundo pode sair dessa saia-justa? Embora Trump se comporte com uma assustadora irresponsabilidade, outros devem manter a cabeça no lugar. Alguns podem impor retaliações limitadas - afinal, é assim que se lida com bullies -, e a ameaça de industriais americanos dará força aos republicanos para pressionarem Trump a recuar. Mas tais ações têm de ser proporcionais e limitadas. Uma guerra olho por olho com os Estados Unidos seria desastrosa. 

O mais importante no momento é proteger o comércio. É confortador pensar que existe apoio global para se consertar a OMC, mas não existe. Os únicos acordos comerciais em oferta são regionais, como a Parceria Transpacífica, um pacto assinado nesta semana por 11 países que serve de modelo para a modernização do comércio. Embora Trump tenha abandonado a Parceria, ele deu a entender que pode reconsiderar, o que será um começo. 

O melhor modo de ajudar a OMC é seus outros membros coordenarem qualquer iniciativa, inclusive uma queixa na OMC contra as tarifas de Trump. Mesmo que possa ser uma carga para o tribunal da organização, seria um voto de confiança na ideia de que a economia global pode ser conduzida segundo regras. 

O mundo está muito distante dos anos 1930, graças a Deus. Mas a ignorância e a complacência deixaram o sistema comercial em grave perigo. Defensores do livre comércio têm de reconhecer que a OMC pode ajudar a manter os mercados abertos frente ao lobby protecionista, em casa e no exterior. É fundamental que eles invistam no comércio baseado em regras. Isso não será fácil. Pela primeira vez em décadas, o maior adversário do livre comércio é o homem no Salão Oval. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ 

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