Economistas consultados pelo Estadão avaliaram que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, se mostrou distante das ideias econômicas do governo Lula com base nas declarações que fez durante o programa Roda Viva, da TV Cultura, nesta segunda-feira, 13.
Na entrevista, o presidente do Banco Central defendeu a condução da política monetária, indicou que gostaria de aproximar o BC do governo e se posicionou contra a mudança da meta de inflação.
“Campos Neto cumpriu seu papel com maestria, mostrando que quem define as metas é o governo, mas que sua autonomia é operacional é justamente para fazê-las cumprir. É isso que é essencial. Ele sai gigante e reforça o peso que terá na política econômica daqui em diante”, disse Felipe Salto, economista-chefe e sócio da Warren Rena.
Nas últimas semanas, o debate sobre o rumo da política monetária subiu de patamar depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a criticar o nível da taxa básica de juros (Selic) - atualmente em 13,75% ao ano. A crítica de Lula já foi endossada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e por aliados. A cúpula petista petista quer convocar Campos Neto para explicar a política de juros.
“O Roberto Campos conseguiu passar bem pela entrevista, sem escorregar muito na questão política e colocando os pontos relevantes da questão sobre os juros, que passa pelo fiscal”, disse Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
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“Uma canetada para diminuir a Selic na marra produziria o efeito simétrico oposto do desejado: crédito mais caro e juros futuros na lua. Essa é a dura verdade que ele expôs com clareza”, afirmou Salto, ex-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo.
Para Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada, Campos Neto o discurso de Campos Neto foi contrário à mudança na meta de inflação, mas em reconhecimento ao esforço fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pode trazer até trazer tréguas junto ao governo federal, mas a animosidade por parte do PT deve se manter
“Você tem hoje claramente uma visão hostil se formando no PT, particularmente da presidente [Gleisi Hoffmann, que fala diariamente sobre esse assunto. É inacreditável que a essa altura do campeonato muita gente do PT não se deu conta de que a autonomia operacional do Banco Central é uma visão consolidada há pelo menos 30 anos”, disse Mailson ao Estadão/Broadcast. “Acho que essa animosidade vai continuar, pode ter pequenas tréguas, mas essa é a visão do PT”, emendou.
De acordo com Mailson, o discurso de Campos Neto foi equilibrado e sinalizou na direção correta. “Ele defendeu bem a ideia de que não é favorável ao País falar em mudar a meta da inflação. É quase um consenso hoje entre analistas, porque o efeito seria oposto do que o governo quer”, explicou. Na avaliação do ex-ministro, “muita gente no PT está vivendo uma ilusão” de que aumentar a meta de inflação levaria o Banco Central a reduzir a taxa de juros.
O especialista compartilha a ideia de que as reiteradas críticas por parte do governo federal à condução da política monetária, especialmente em relação ao presidente da instituição, é uma forma do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se livrar do efeito negativo de uma promessa de campanha não cumprida.
“Foram feitas promessas sem ter se assenhoreado de que as condições macroeconômicas justificariam essas promessas. Então tem que achar um culpado”, avaliou.
Para Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional e sócio-fundador da Oriz Partners, Campos Neto estendeu a mão ao governo em gesto de boa vontade. “Precisamos ver se o governo vai caminhar para distensão com o BC ou manter ataques”, afirmou.
O economista destacou os comentários de Campos Neto sobre o efeito limitado que uma redução da taxa Selic sem credibilidade teria sobre os juros. No Roda Viva, o presidente do BC lembrou que uma redução brusca da Selic poderia levar a um aumento dos juros longos, com efeito contrário ao que quer o governo.
Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro
“Quando eu trabalhava no governo, tentava convencer o meu chefe, o ministro (Guido) Mantega, que não é a Selic o principal definidor da política monetária, que você precisa olhar a estrutura a termo da taxa de juros. Infelizmente, minha tentativa fracassou”, disse. “Há sempre a ideia de que você governa a estrutura a termo com a taxa Selic, e isso tem sido reforçado (para o governo) pelas ideias do André Lara Resende, mas a gente sabe que isso não funciona.”
Metas de inflação
O governo também passou a discutir uma mudança para cima das metas de inflação, o que, na avaliação de aliados, poderia abrir um espaço para o corte da taxa básica de juros. O Conselho Monetário Nacional (CMN) se reúne na quinta-feira. Além de Campos Neto e Haddad, o encontro também terá a presença da ministra do Planejamento, Simone Tebet. A meta de inflação para 2023 é de 3,25%.
“A vida do Roberto Campos seguirá difícil com o governo depois disso, mas ao menos deixa claro que o BC não está adepto de nenhuma das teorias exóticas que tem surgido”, afirmou Vale. / LUIZ GUILHERME GERBELLI, CÍCERO COTRIM, GIORDANNA NEVES