‘Eleição de Trump é um risco econômico e político para o mundo’, afirma Eduardo Giannetti


Com eventual vitória do republicano nas eleições dos Estados Unidos, economista avalia que extrema direita populista vai se sentir autorizada a ‘buscar agressivamente o poder’

Por Luiz Guilherme Gerbelli e Ricardo Grinbaum
Atualização:
Entrevista comEduardo GiannettiEconomista e filósofo. É integrante da Academia Brasileira de Letras

O economista Eduardo Giannetti avalia que uma eventual eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos vai representar um risco econômico e político para o mundo. Ele avalia que a vitória do republicano - hoje líder nas pesquisa - deve significar um “alento” para a direita populista.

“Essa extrema direita populista vai de novo se sentir autorizada e impulsionada a buscar agressivamente o poder”, afirma.

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No Brasil, Giannetti diz esperar que, depois de uma “experiência sombria” com a presidência de Jair Bolsonaro, tenha havido um “amadurecimento”.

“E que o Brasil caminhe para uma democracia em que há espaço para uma direita, mas que não é uma aventura como essa que tragicamente nós tivemos de sofrer durante uma pandemia, de um presidente que acredita em pílula do câncer - e o pior é que ele acredita”, diz.

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A seguir trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Olhando para o cenário externo, o que a eleição nos Estados Unidos pode implicar para o Brasil?

A eleição do Trump é um risco para o mundo, geopolítico, econômico e político. Vai dar alento para essa extrema direita populista que vai de novo se sentir autorizada e impulsionada a buscar agressivamente o poder. É talvez o maior risco que paira hoje em relação ao futuro não só dos Estados Unidos, mas do mundo.

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A revista ‘The Economist’ trouxe uma reportagem de capa sobre o risco do desmanche da ordem liberal e das democracias. Como vê esse risco?

Que as democracias estão combalidas, para mim é um fato incontornável e muito surpreendente. Eu não imaginava voltar a ver isso durante o meu ciclo de vida. Agora, não é à toa que a extrema direita populista e a polarização afloraram simultaneamente em tantos países, em tantos continentes. Você tem o fenômeno americano, tem o fenômeno brasileiro, tem o turco, o húngaro, o italiano, o francês, o Brexit. Você pode citar inúmeros exemplos. Isso é sinal de que há fatores subjacentes que se manifestam, com um colorido local, em diferentes regiões e nações. Eu vejo três fatores subjacentes presentes por trás dessa regressão política. O primeiro e mais fundamental é a hiper globalização de meados dos anos 80 até a epidemia.

'Vejo espaço em qualquer democracia para uma direita civilizada', diz Giannetti Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO
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O que ela significou?

Ela significou a incorporação em poucas décadas de centenas de milhões de trabalhadores asiáticos ao mercado global de trabalho. O abalo sísmico que isso representou para o trabalhador ocidental é incalculável. De repente, ele se viu competindo com trabalhadores extremamente eficientes e que se dispõem a trabalhar muito mais horas, por uma fração do que eles recebem. Houve um brutal deslocamento de investimentos, de fábricas e de atividade econômica para essas regiões que estavam incorporando centenas de milhões de trabalhadores ao mercado global de trabalho. O ressentimento que isso trouxe, a perda de poder de barganha, a insegurança, a incerteza em relação ao futuro era tudo o que a extrema direita precisava e da qual ela se beneficia. Não é à toa que o slogan do Trump é vamos fazer a América grande outra vez. É voltar para o mundo ao qual eles estavam acostumados. E que não vai voltar.

E quais são as outras duas?

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Uma segunda coisa que aconteceu nesse caminho foi a crise financeira 2008 e 2009. Enquanto o sistema financeiro estava ganhando centenas de bilhões de dólares, ai de quem ousasse dizer que aquilo deveria ser minimamente compartilhado e socializado. Era um ganho sacrossanto do mercado livre, ninguém questionava. Na hora em que o jogo acabou e aquele castelo de cartas especulativo ruiu, o que aconteceu? A perda foi socializada, virou dívida pública. Se você quer minar a credibilidade do sistema econômico, é difícil imaginar uma regra mais poderosa e nociva do que essa. Quer dizer, na hora que está ganhando é privado, na hora em que perde tudo vira dívida pública e as gerações futuras vão pagar. E vocês arquem com o desemprego e a segurança e tudo mais. Minou a credibilidade das elites econômicas, da elite intelectual, de todos aqueles que estavam muito felizes com o mundo aparentemente sólido, de valores que não existiam no mercado financeiro.

E, por fim, o fator também muito perturbador e que está pouco entendido ainda, as novas tecnologias, que mudaram completamente a dinâmica da formação de crenças por parte do cidadão. Sumiu aquele espaço compartilhado de debate no qual se formava o mínimo de consenso e de compartilhamento pelo menos em relação aos fatos fundamentais. Eu não consigo imaginar fenômenos políticos vertiginosos como Trump e Bolsonaro sem mídia social. Não há como imaginar outsiders desse tipo invadindo a política institucionalizada com a contundência que fizeram se não fosse essa fragmentação e essa quebra de um espaço razoavelmente compartilhado de informações. Essa tecnologia também tem um efeito de deixar as pessoas muito inseguras e muito temerosas em relação ao futuro. E o sentimento que a extrema direita mais gosta é o medo. Porque eles oferecem ordem, segurança, o mundo de costumes vitorianos.

Essas três forças muito poderosas subjacentes estão atuando e levam cada país à sua caracterização e ao seu colorido local. No Brasil, teria de incluir a Lava Jato, a derrocada econômica e a incompetência épica da Dilma em política econômica que deram colorido.

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E agora como vê o futuro da oposição no Brasil com o cenário de inelegibilidade do Bolsonaro?

Eu espero que a gente vire essa página rapidamente. Eu vejo espaço em qualquer democracia para uma direita civilizada. Mas que respeita ordenamento democrático, não abusa da credulidade de uma população de baixa formação educacional, com propostas e com ideias completamente desconectadas da realidade. Eu espero que, tendo passado essa experiência muito sombria, haja um amadurecimento. E que o Brasil caminhe para uma democracia em que há espaço para uma direita, mas que não é uma aventura como essa que tragicamente nós tivemos de sofrer durante uma pandemia, de um presidente que acredita em pílula do câncer - e o pior é que ele acredita.

O economista Eduardo Giannetti avalia que uma eventual eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos vai representar um risco econômico e político para o mundo. Ele avalia que a vitória do republicano - hoje líder nas pesquisa - deve significar um “alento” para a direita populista.

“Essa extrema direita populista vai de novo se sentir autorizada e impulsionada a buscar agressivamente o poder”, afirma.

No Brasil, Giannetti diz esperar que, depois de uma “experiência sombria” com a presidência de Jair Bolsonaro, tenha havido um “amadurecimento”.

“E que o Brasil caminhe para uma democracia em que há espaço para uma direita, mas que não é uma aventura como essa que tragicamente nós tivemos de sofrer durante uma pandemia, de um presidente que acredita em pílula do câncer - e o pior é que ele acredita”, diz.

A seguir trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Olhando para o cenário externo, o que a eleição nos Estados Unidos pode implicar para o Brasil?

A eleição do Trump é um risco para o mundo, geopolítico, econômico e político. Vai dar alento para essa extrema direita populista que vai de novo se sentir autorizada e impulsionada a buscar agressivamente o poder. É talvez o maior risco que paira hoje em relação ao futuro não só dos Estados Unidos, mas do mundo.

A revista ‘The Economist’ trouxe uma reportagem de capa sobre o risco do desmanche da ordem liberal e das democracias. Como vê esse risco?

Que as democracias estão combalidas, para mim é um fato incontornável e muito surpreendente. Eu não imaginava voltar a ver isso durante o meu ciclo de vida. Agora, não é à toa que a extrema direita populista e a polarização afloraram simultaneamente em tantos países, em tantos continentes. Você tem o fenômeno americano, tem o fenômeno brasileiro, tem o turco, o húngaro, o italiano, o francês, o Brexit. Você pode citar inúmeros exemplos. Isso é sinal de que há fatores subjacentes que se manifestam, com um colorido local, em diferentes regiões e nações. Eu vejo três fatores subjacentes presentes por trás dessa regressão política. O primeiro e mais fundamental é a hiper globalização de meados dos anos 80 até a epidemia.

'Vejo espaço em qualquer democracia para uma direita civilizada', diz Giannetti Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

O que ela significou?

Ela significou a incorporação em poucas décadas de centenas de milhões de trabalhadores asiáticos ao mercado global de trabalho. O abalo sísmico que isso representou para o trabalhador ocidental é incalculável. De repente, ele se viu competindo com trabalhadores extremamente eficientes e que se dispõem a trabalhar muito mais horas, por uma fração do que eles recebem. Houve um brutal deslocamento de investimentos, de fábricas e de atividade econômica para essas regiões que estavam incorporando centenas de milhões de trabalhadores ao mercado global de trabalho. O ressentimento que isso trouxe, a perda de poder de barganha, a insegurança, a incerteza em relação ao futuro era tudo o que a extrema direita precisava e da qual ela se beneficia. Não é à toa que o slogan do Trump é vamos fazer a América grande outra vez. É voltar para o mundo ao qual eles estavam acostumados. E que não vai voltar.

E quais são as outras duas?

Uma segunda coisa que aconteceu nesse caminho foi a crise financeira 2008 e 2009. Enquanto o sistema financeiro estava ganhando centenas de bilhões de dólares, ai de quem ousasse dizer que aquilo deveria ser minimamente compartilhado e socializado. Era um ganho sacrossanto do mercado livre, ninguém questionava. Na hora em que o jogo acabou e aquele castelo de cartas especulativo ruiu, o que aconteceu? A perda foi socializada, virou dívida pública. Se você quer minar a credibilidade do sistema econômico, é difícil imaginar uma regra mais poderosa e nociva do que essa. Quer dizer, na hora que está ganhando é privado, na hora em que perde tudo vira dívida pública e as gerações futuras vão pagar. E vocês arquem com o desemprego e a segurança e tudo mais. Minou a credibilidade das elites econômicas, da elite intelectual, de todos aqueles que estavam muito felizes com o mundo aparentemente sólido, de valores que não existiam no mercado financeiro.

E, por fim, o fator também muito perturbador e que está pouco entendido ainda, as novas tecnologias, que mudaram completamente a dinâmica da formação de crenças por parte do cidadão. Sumiu aquele espaço compartilhado de debate no qual se formava o mínimo de consenso e de compartilhamento pelo menos em relação aos fatos fundamentais. Eu não consigo imaginar fenômenos políticos vertiginosos como Trump e Bolsonaro sem mídia social. Não há como imaginar outsiders desse tipo invadindo a política institucionalizada com a contundência que fizeram se não fosse essa fragmentação e essa quebra de um espaço razoavelmente compartilhado de informações. Essa tecnologia também tem um efeito de deixar as pessoas muito inseguras e muito temerosas em relação ao futuro. E o sentimento que a extrema direita mais gosta é o medo. Porque eles oferecem ordem, segurança, o mundo de costumes vitorianos.

Essas três forças muito poderosas subjacentes estão atuando e levam cada país à sua caracterização e ao seu colorido local. No Brasil, teria de incluir a Lava Jato, a derrocada econômica e a incompetência épica da Dilma em política econômica que deram colorido.

E agora como vê o futuro da oposição no Brasil com o cenário de inelegibilidade do Bolsonaro?

Eu espero que a gente vire essa página rapidamente. Eu vejo espaço em qualquer democracia para uma direita civilizada. Mas que respeita ordenamento democrático, não abusa da credulidade de uma população de baixa formação educacional, com propostas e com ideias completamente desconectadas da realidade. Eu espero que, tendo passado essa experiência muito sombria, haja um amadurecimento. E que o Brasil caminhe para uma democracia em que há espaço para uma direita, mas que não é uma aventura como essa que tragicamente nós tivemos de sofrer durante uma pandemia, de um presidente que acredita em pílula do câncer - e o pior é que ele acredita.

O economista Eduardo Giannetti avalia que uma eventual eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos vai representar um risco econômico e político para o mundo. Ele avalia que a vitória do republicano - hoje líder nas pesquisa - deve significar um “alento” para a direita populista.

“Essa extrema direita populista vai de novo se sentir autorizada e impulsionada a buscar agressivamente o poder”, afirma.

No Brasil, Giannetti diz esperar que, depois de uma “experiência sombria” com a presidência de Jair Bolsonaro, tenha havido um “amadurecimento”.

“E que o Brasil caminhe para uma democracia em que há espaço para uma direita, mas que não é uma aventura como essa que tragicamente nós tivemos de sofrer durante uma pandemia, de um presidente que acredita em pílula do câncer - e o pior é que ele acredita”, diz.

A seguir trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Olhando para o cenário externo, o que a eleição nos Estados Unidos pode implicar para o Brasil?

A eleição do Trump é um risco para o mundo, geopolítico, econômico e político. Vai dar alento para essa extrema direita populista que vai de novo se sentir autorizada e impulsionada a buscar agressivamente o poder. É talvez o maior risco que paira hoje em relação ao futuro não só dos Estados Unidos, mas do mundo.

A revista ‘The Economist’ trouxe uma reportagem de capa sobre o risco do desmanche da ordem liberal e das democracias. Como vê esse risco?

Que as democracias estão combalidas, para mim é um fato incontornável e muito surpreendente. Eu não imaginava voltar a ver isso durante o meu ciclo de vida. Agora, não é à toa que a extrema direita populista e a polarização afloraram simultaneamente em tantos países, em tantos continentes. Você tem o fenômeno americano, tem o fenômeno brasileiro, tem o turco, o húngaro, o italiano, o francês, o Brexit. Você pode citar inúmeros exemplos. Isso é sinal de que há fatores subjacentes que se manifestam, com um colorido local, em diferentes regiões e nações. Eu vejo três fatores subjacentes presentes por trás dessa regressão política. O primeiro e mais fundamental é a hiper globalização de meados dos anos 80 até a epidemia.

'Vejo espaço em qualquer democracia para uma direita civilizada', diz Giannetti Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO

O que ela significou?

Ela significou a incorporação em poucas décadas de centenas de milhões de trabalhadores asiáticos ao mercado global de trabalho. O abalo sísmico que isso representou para o trabalhador ocidental é incalculável. De repente, ele se viu competindo com trabalhadores extremamente eficientes e que se dispõem a trabalhar muito mais horas, por uma fração do que eles recebem. Houve um brutal deslocamento de investimentos, de fábricas e de atividade econômica para essas regiões que estavam incorporando centenas de milhões de trabalhadores ao mercado global de trabalho. O ressentimento que isso trouxe, a perda de poder de barganha, a insegurança, a incerteza em relação ao futuro era tudo o que a extrema direita precisava e da qual ela se beneficia. Não é à toa que o slogan do Trump é vamos fazer a América grande outra vez. É voltar para o mundo ao qual eles estavam acostumados. E que não vai voltar.

E quais são as outras duas?

Uma segunda coisa que aconteceu nesse caminho foi a crise financeira 2008 e 2009. Enquanto o sistema financeiro estava ganhando centenas de bilhões de dólares, ai de quem ousasse dizer que aquilo deveria ser minimamente compartilhado e socializado. Era um ganho sacrossanto do mercado livre, ninguém questionava. Na hora em que o jogo acabou e aquele castelo de cartas especulativo ruiu, o que aconteceu? A perda foi socializada, virou dívida pública. Se você quer minar a credibilidade do sistema econômico, é difícil imaginar uma regra mais poderosa e nociva do que essa. Quer dizer, na hora que está ganhando é privado, na hora em que perde tudo vira dívida pública e as gerações futuras vão pagar. E vocês arquem com o desemprego e a segurança e tudo mais. Minou a credibilidade das elites econômicas, da elite intelectual, de todos aqueles que estavam muito felizes com o mundo aparentemente sólido, de valores que não existiam no mercado financeiro.

E, por fim, o fator também muito perturbador e que está pouco entendido ainda, as novas tecnologias, que mudaram completamente a dinâmica da formação de crenças por parte do cidadão. Sumiu aquele espaço compartilhado de debate no qual se formava o mínimo de consenso e de compartilhamento pelo menos em relação aos fatos fundamentais. Eu não consigo imaginar fenômenos políticos vertiginosos como Trump e Bolsonaro sem mídia social. Não há como imaginar outsiders desse tipo invadindo a política institucionalizada com a contundência que fizeram se não fosse essa fragmentação e essa quebra de um espaço razoavelmente compartilhado de informações. Essa tecnologia também tem um efeito de deixar as pessoas muito inseguras e muito temerosas em relação ao futuro. E o sentimento que a extrema direita mais gosta é o medo. Porque eles oferecem ordem, segurança, o mundo de costumes vitorianos.

Essas três forças muito poderosas subjacentes estão atuando e levam cada país à sua caracterização e ao seu colorido local. No Brasil, teria de incluir a Lava Jato, a derrocada econômica e a incompetência épica da Dilma em política econômica que deram colorido.

E agora como vê o futuro da oposição no Brasil com o cenário de inelegibilidade do Bolsonaro?

Eu espero que a gente vire essa página rapidamente. Eu vejo espaço em qualquer democracia para uma direita civilizada. Mas que respeita ordenamento democrático, não abusa da credulidade de uma população de baixa formação educacional, com propostas e com ideias completamente desconectadas da realidade. Eu espero que, tendo passado essa experiência muito sombria, haja um amadurecimento. E que o Brasil caminhe para uma democracia em que há espaço para uma direita, mas que não é uma aventura como essa que tragicamente nós tivemos de sofrer durante uma pandemia, de um presidente que acredita em pílula do câncer - e o pior é que ele acredita.

Entrevista por Luiz Guilherme Gerbelli
Ricardo Grinbaum

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