Já passava dos 40 quando resolvi estudar Direito na PUC-Rio. Comecei na transição de FHC para Lula. Não foi fácil frequentar uma escola dominada por professores de esquerda em plena eleição, especialmente, tendo estudado e dado aulas de economia nos anos 80 na mesma universidade.
Os debates em sala foram se tornando mais divertidos após Lula assumir e ter dado continuidade ao tal “neoliberalismo” do governo anterior. A decepção era evidente. Foi ficando cada vez mais claro que o discurso da herança maldita era apenas um espantalho, o início da narrativa do “nós contra eles”.
Já naquela época, debatia-se o patamar de juros no País. Ouvi de mais de um professor que só quem se salvava naquele governo traíra era o vice José Alencar, que não poupava críticas à política monetária.
Os meus colegas não gostavam de economia. Por isso, toda vez que pintava um tema econômico, a turma empurrava para mim. Chegou, então, o dia de debater na aula de Direito Constitucional III o artigo 192, que no § 3.º limitava os juros em 12% ao ano. O professor quis saber a razão de o pessoal delegar para mim a resposta. Respondi que eu era economista. Esperançoso, ele emendou: “Mas não dessas do segundo andar, eu espero” (o prestigiado departamento de Economia fica no segundo piso do mesmo prédio do departamento de Direito). Entre horrorizado e decepcionado, ouviu minha resposta: “Dessas mesmo”.
Não era a primeira vez que a discussão sobre tabelamento de juros aparecia. E, sempre que provocada, eu tentava explicar de forma simples por que era uma péssima ideia. Até que, já sem paciência, adotei uma resposta simples: “Coloca logo em zero e vê o que acontece”.
Por ironia, foi Lula quem revogou o limite constitucional aos juros, com a PEC 40 logo em 2003. Muitos professores abandonaram o PT, antes mesmo do escândalo do mensalão.
Passados 20 anos, o assunto voltou pela voz do mesmo Lula. Juros estariam inexplicavelmente altos. E me vem à cabeça a mesma resposta. Derruba e vê no que dá. Dê responsabilidade aos que pregam ideias irresponsáveis.
O próprio Lula estimula as divergências dentro do seu governo. É Mercadante versus Haddad e André Lara versus Roberto Campos. Sem trégua.
Lembrei de episódio de Asterix – A Cizânia, um dos meus favoritos. Nele, um romano é infiltrado na aldeia com o objetivo de gerar a discórdia entre os gauleses e enfraquecer sua impenetrável defesa. Consegue tirar do sério as pessoas mais doces. Seu maior talento é provocar tensão.
Lula é nosso Tulius Detritus. Só falta descobrir qual a estratégia.