Economista e advogada

Opinião|Maria, Jorge e Jair


Não adianta subestimar Bolsonaro, já está claro que ele tem método na loucura

Por Elena Landau
Atualização:

Tendo esgotado minha biblioteca de séries durante a quarentena, revi a 7.ª temporada de Homeland para engatar na 8.ª e última. Fiz as pazes com Carrie, a heroína. Seu transtorno bipolar comove e irrita ao mesmo tempo. Lembrei de meu pai. Eu estava acostumada com seu lado deprimido. Os episódios de euforia apareceram só mais tarde na sua vida. Com eles, a onipotência e o desperdício de dinheiro, dívidas e generosidade excessiva. E ele sem controle sobre isso.

É muito difícil para os filhos limitar o poder de decisão de seus próprios pais. Referências de nossas vidas, fortes, porto seguro de nossas aflições, se tornam frágeis. Mas, se na velhice perdem controle de seus atos, podendo causar danos a si mesmos, não há opção. Meu pai lutou muito contra todo tipo de vigilância sobre ele, os remédios e o dinheiro. Não foi fácil para ele, nem para nós. 

Jair Bolsonaro, presidente da República Foto: Gabriela Biló/Estadão
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Nessa temporada da série, a presidente dos EUA é afastada com base na 25.ª emenda. Adotada em 1967, ela trata de casos de inabilitação para o cumprimento de funções constitucionais e define regras para sua substituição. Em um episódio maníaco e tirânico, a ameaça aos seus colaboradores mais próximos dá base para que seu vice e a maioria do gabinete a retirem do comando do país.

Impossível não pensar no Brasil. Se bem que nosso ministério não é lá muito são. Há muito se alega que o caso de Bolsonaro talvez seja de interdição. No Brasil há regras para o processo de impedimento. Crimes de responsabilidade dão base ao pedido. Já vivemos dois deles na nossa, ainda curta, experiência democrática. Mas não há a previsão de afastamento por incapacidade, seja física ou psíquica. Questões do corpo, que tiraram Rodrigues Alves e Costa e Silva da presidência, são mais fáceis de lidar do que tormentas da alma.

A bipolaridade de Bolsonaro não parece involuntária. Ele segue no seu jogo de morde e assopra, idas e vindas, testando os limites institucionais. O STF tem barrado seus arroubos, enquanto o Congresso emite notas de repúdio. Ele não esconde seu inconformismo com o sistema de freios e contrapesos da democracia constitucional. A tese de autogolpe continua forte. A história mostra que não é preciso um levante da noite para o dia para estabelecer uma ditadura. Bastam microgolpes cotidianos, contra a liberdade de expressão e a mídia, atacando os demais poderes, militarizando o governo, fortalecendo milícias civis. 

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Não adianta subestimar Bolsonaro tratando-o como um menino maluquinho. Já está claro que ele tem método na loucura. Por isso, mudou a estratégia quando percebeu a perda de apoio de antigos eleitores e o crescimento de movimentos com #ForaBolsonaro. Abraçou o Centrão e resolveu apelar para o social. Uma guinada de 180 graus bem organizada. 

Não por acaso, Guedes começou a pensar nos pobres. Chegou até a falar em Estado Social, levando ao desespero seus fiéis seguidores libertários. Para quem achava que empregada não podia ir a Miami, que R$ 5 bilhões resolviam a gripezinha, que R$ 200 são suficientes como auxílio emergencial e que fazer quarentena é curtir a vida boa, a transformação é notável. Ele ainda nos promete um futuro brilhante para este novo Brasil que se iniciará em poucos meses. 

Tudo bem pensado para ganhar apoio da classe de renda mais baixa. Para isso é preciso alcançar os “invisíveis”. Essa grande parcela da população que ficou fora do auxílio emergencial. Segundo o ministro da Economia “eles são os taxistas, faxineiras e ambulantes. Os que nunca pediram nada, nunca precisaram do governo”. 

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Invisível para quem, cara pálida? Estão em todos os cantos, para quem quiser ver. Nas esquinas, nos sinais, dormindo nas calçadas. São muito mais que os trabalhadores informais. Nunca receberam nada do Estado. E não deveriam ter que pedir. E quem disse que não precisaram do governo?

A pandemia tornou impossível ignorá-los. A foto de um menino pobre, sem camisa, descalço pisando no esgoto, mas usando uma máscara amarela é a imagem do surrealismo de uma situação que a crise escancarou. 

O Estado deveria suprir, ou criar condições para o setor privado oferecer, saneamento, habitação popular e transporte público dignos, educação e saúde. Cansados de esperar, desistiram até de pedir. A indiferença de governantes em todos os níveis é que os torna invisíveis aos olhos do Estado. 

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Guedes nos pede para ajudar a informar ao invisível sobre o pagamento do auxílio, o governo quer ajudar. Basta baixar o aplicativo no smartphone, que ele talvez nem tenha. Qualquer dúvida, podem perguntar para Alexa, sugeriu seu secretário de desestatização. Seria cômico se não fosse trágico. 

Esse pessoal vive em uma realidade paralela. Em breve, vamos contabilizar um Maracanã de mortos pela covid-19. A sensação de impotência é grande. Queria uma 25.ª emenda no Brasil. Quem sabe um Dr. Willis pudesse ajudar a formar o diagnóstico. Ele foi o psiquiatra de Maria I e de Jorge III. 

Em tempo: A indicação de Weintraub para o Banco Mundial deve ser parte da estratégia do ministro Ernesto Araújo para desmoralizar as instituições globalistas. 

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*ECONOMISTA E ADVOGADA 

Tendo esgotado minha biblioteca de séries durante a quarentena, revi a 7.ª temporada de Homeland para engatar na 8.ª e última. Fiz as pazes com Carrie, a heroína. Seu transtorno bipolar comove e irrita ao mesmo tempo. Lembrei de meu pai. Eu estava acostumada com seu lado deprimido. Os episódios de euforia apareceram só mais tarde na sua vida. Com eles, a onipotência e o desperdício de dinheiro, dívidas e generosidade excessiva. E ele sem controle sobre isso.

É muito difícil para os filhos limitar o poder de decisão de seus próprios pais. Referências de nossas vidas, fortes, porto seguro de nossas aflições, se tornam frágeis. Mas, se na velhice perdem controle de seus atos, podendo causar danos a si mesmos, não há opção. Meu pai lutou muito contra todo tipo de vigilância sobre ele, os remédios e o dinheiro. Não foi fácil para ele, nem para nós. 

Jair Bolsonaro, presidente da República Foto: Gabriela Biló/Estadão

Nessa temporada da série, a presidente dos EUA é afastada com base na 25.ª emenda. Adotada em 1967, ela trata de casos de inabilitação para o cumprimento de funções constitucionais e define regras para sua substituição. Em um episódio maníaco e tirânico, a ameaça aos seus colaboradores mais próximos dá base para que seu vice e a maioria do gabinete a retirem do comando do país.

Impossível não pensar no Brasil. Se bem que nosso ministério não é lá muito são. Há muito se alega que o caso de Bolsonaro talvez seja de interdição. No Brasil há regras para o processo de impedimento. Crimes de responsabilidade dão base ao pedido. Já vivemos dois deles na nossa, ainda curta, experiência democrática. Mas não há a previsão de afastamento por incapacidade, seja física ou psíquica. Questões do corpo, que tiraram Rodrigues Alves e Costa e Silva da presidência, são mais fáceis de lidar do que tormentas da alma.

A bipolaridade de Bolsonaro não parece involuntária. Ele segue no seu jogo de morde e assopra, idas e vindas, testando os limites institucionais. O STF tem barrado seus arroubos, enquanto o Congresso emite notas de repúdio. Ele não esconde seu inconformismo com o sistema de freios e contrapesos da democracia constitucional. A tese de autogolpe continua forte. A história mostra que não é preciso um levante da noite para o dia para estabelecer uma ditadura. Bastam microgolpes cotidianos, contra a liberdade de expressão e a mídia, atacando os demais poderes, militarizando o governo, fortalecendo milícias civis. 

Não adianta subestimar Bolsonaro tratando-o como um menino maluquinho. Já está claro que ele tem método na loucura. Por isso, mudou a estratégia quando percebeu a perda de apoio de antigos eleitores e o crescimento de movimentos com #ForaBolsonaro. Abraçou o Centrão e resolveu apelar para o social. Uma guinada de 180 graus bem organizada. 

Não por acaso, Guedes começou a pensar nos pobres. Chegou até a falar em Estado Social, levando ao desespero seus fiéis seguidores libertários. Para quem achava que empregada não podia ir a Miami, que R$ 5 bilhões resolviam a gripezinha, que R$ 200 são suficientes como auxílio emergencial e que fazer quarentena é curtir a vida boa, a transformação é notável. Ele ainda nos promete um futuro brilhante para este novo Brasil que se iniciará em poucos meses. 

Tudo bem pensado para ganhar apoio da classe de renda mais baixa. Para isso é preciso alcançar os “invisíveis”. Essa grande parcela da população que ficou fora do auxílio emergencial. Segundo o ministro da Economia “eles são os taxistas, faxineiras e ambulantes. Os que nunca pediram nada, nunca precisaram do governo”. 

Invisível para quem, cara pálida? Estão em todos os cantos, para quem quiser ver. Nas esquinas, nos sinais, dormindo nas calçadas. São muito mais que os trabalhadores informais. Nunca receberam nada do Estado. E não deveriam ter que pedir. E quem disse que não precisaram do governo?

A pandemia tornou impossível ignorá-los. A foto de um menino pobre, sem camisa, descalço pisando no esgoto, mas usando uma máscara amarela é a imagem do surrealismo de uma situação que a crise escancarou. 

O Estado deveria suprir, ou criar condições para o setor privado oferecer, saneamento, habitação popular e transporte público dignos, educação e saúde. Cansados de esperar, desistiram até de pedir. A indiferença de governantes em todos os níveis é que os torna invisíveis aos olhos do Estado. 

Guedes nos pede para ajudar a informar ao invisível sobre o pagamento do auxílio, o governo quer ajudar. Basta baixar o aplicativo no smartphone, que ele talvez nem tenha. Qualquer dúvida, podem perguntar para Alexa, sugeriu seu secretário de desestatização. Seria cômico se não fosse trágico. 

Esse pessoal vive em uma realidade paralela. Em breve, vamos contabilizar um Maracanã de mortos pela covid-19. A sensação de impotência é grande. Queria uma 25.ª emenda no Brasil. Quem sabe um Dr. Willis pudesse ajudar a formar o diagnóstico. Ele foi o psiquiatra de Maria I e de Jorge III. 

Em tempo: A indicação de Weintraub para o Banco Mundial deve ser parte da estratégia do ministro Ernesto Araújo para desmoralizar as instituições globalistas. 

*ECONOMISTA E ADVOGADA 

Tendo esgotado minha biblioteca de séries durante a quarentena, revi a 7.ª temporada de Homeland para engatar na 8.ª e última. Fiz as pazes com Carrie, a heroína. Seu transtorno bipolar comove e irrita ao mesmo tempo. Lembrei de meu pai. Eu estava acostumada com seu lado deprimido. Os episódios de euforia apareceram só mais tarde na sua vida. Com eles, a onipotência e o desperdício de dinheiro, dívidas e generosidade excessiva. E ele sem controle sobre isso.

É muito difícil para os filhos limitar o poder de decisão de seus próprios pais. Referências de nossas vidas, fortes, porto seguro de nossas aflições, se tornam frágeis. Mas, se na velhice perdem controle de seus atos, podendo causar danos a si mesmos, não há opção. Meu pai lutou muito contra todo tipo de vigilância sobre ele, os remédios e o dinheiro. Não foi fácil para ele, nem para nós. 

Jair Bolsonaro, presidente da República Foto: Gabriela Biló/Estadão

Nessa temporada da série, a presidente dos EUA é afastada com base na 25.ª emenda. Adotada em 1967, ela trata de casos de inabilitação para o cumprimento de funções constitucionais e define regras para sua substituição. Em um episódio maníaco e tirânico, a ameaça aos seus colaboradores mais próximos dá base para que seu vice e a maioria do gabinete a retirem do comando do país.

Impossível não pensar no Brasil. Se bem que nosso ministério não é lá muito são. Há muito se alega que o caso de Bolsonaro talvez seja de interdição. No Brasil há regras para o processo de impedimento. Crimes de responsabilidade dão base ao pedido. Já vivemos dois deles na nossa, ainda curta, experiência democrática. Mas não há a previsão de afastamento por incapacidade, seja física ou psíquica. Questões do corpo, que tiraram Rodrigues Alves e Costa e Silva da presidência, são mais fáceis de lidar do que tormentas da alma.

A bipolaridade de Bolsonaro não parece involuntária. Ele segue no seu jogo de morde e assopra, idas e vindas, testando os limites institucionais. O STF tem barrado seus arroubos, enquanto o Congresso emite notas de repúdio. Ele não esconde seu inconformismo com o sistema de freios e contrapesos da democracia constitucional. A tese de autogolpe continua forte. A história mostra que não é preciso um levante da noite para o dia para estabelecer uma ditadura. Bastam microgolpes cotidianos, contra a liberdade de expressão e a mídia, atacando os demais poderes, militarizando o governo, fortalecendo milícias civis. 

Não adianta subestimar Bolsonaro tratando-o como um menino maluquinho. Já está claro que ele tem método na loucura. Por isso, mudou a estratégia quando percebeu a perda de apoio de antigos eleitores e o crescimento de movimentos com #ForaBolsonaro. Abraçou o Centrão e resolveu apelar para o social. Uma guinada de 180 graus bem organizada. 

Não por acaso, Guedes começou a pensar nos pobres. Chegou até a falar em Estado Social, levando ao desespero seus fiéis seguidores libertários. Para quem achava que empregada não podia ir a Miami, que R$ 5 bilhões resolviam a gripezinha, que R$ 200 são suficientes como auxílio emergencial e que fazer quarentena é curtir a vida boa, a transformação é notável. Ele ainda nos promete um futuro brilhante para este novo Brasil que se iniciará em poucos meses. 

Tudo bem pensado para ganhar apoio da classe de renda mais baixa. Para isso é preciso alcançar os “invisíveis”. Essa grande parcela da população que ficou fora do auxílio emergencial. Segundo o ministro da Economia “eles são os taxistas, faxineiras e ambulantes. Os que nunca pediram nada, nunca precisaram do governo”. 

Invisível para quem, cara pálida? Estão em todos os cantos, para quem quiser ver. Nas esquinas, nos sinais, dormindo nas calçadas. São muito mais que os trabalhadores informais. Nunca receberam nada do Estado. E não deveriam ter que pedir. E quem disse que não precisaram do governo?

A pandemia tornou impossível ignorá-los. A foto de um menino pobre, sem camisa, descalço pisando no esgoto, mas usando uma máscara amarela é a imagem do surrealismo de uma situação que a crise escancarou. 

O Estado deveria suprir, ou criar condições para o setor privado oferecer, saneamento, habitação popular e transporte público dignos, educação e saúde. Cansados de esperar, desistiram até de pedir. A indiferença de governantes em todos os níveis é que os torna invisíveis aos olhos do Estado. 

Guedes nos pede para ajudar a informar ao invisível sobre o pagamento do auxílio, o governo quer ajudar. Basta baixar o aplicativo no smartphone, que ele talvez nem tenha. Qualquer dúvida, podem perguntar para Alexa, sugeriu seu secretário de desestatização. Seria cômico se não fosse trágico. 

Esse pessoal vive em uma realidade paralela. Em breve, vamos contabilizar um Maracanã de mortos pela covid-19. A sensação de impotência é grande. Queria uma 25.ª emenda no Brasil. Quem sabe um Dr. Willis pudesse ajudar a formar o diagnóstico. Ele foi o psiquiatra de Maria I e de Jorge III. 

Em tempo: A indicação de Weintraub para o Banco Mundial deve ser parte da estratégia do ministro Ernesto Araújo para desmoralizar as instituições globalistas. 

*ECONOMISTA E ADVOGADA 

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