BRASÍLIA - Foi no meio de uma madrugada de outubro de 2013 que o arquiteto Leonardo Finamor, hoje com 32 anos, acordou com a seguinte ideia na cabeça: fundar uma ONG com a missão de reformar, de graça, casas sem condições de habitação. Ali nascia a Reparação, grupo de voluntários que já transformou a vida de 18 famílias em Bragança Paulista, município a 90 quilômetros de São Paulo.
“Todo mundo tem um dia difícil no trabalho, termina um relacionamento e quer chegar em casa para tomar banho e dormir. É um reset. A casa é uma coisa fundamental na vida da gente”, afirma Finamor. Ele diz ter fundado a ONG para retribuir à sociedade um pouco do que conquistou. “Meus pais não fizeram faculdade, e eu, à época, estava feliz por ter concluído a minha. Eu tinha gratidão por tudo o que estava acontecendo na minha vida.”
Organização não governamental sem fins lucrativos, a Reparação recebe casas em estrutura precária, muitas vezes sem energia elétrica ou água encanada, e entrega verdadeiros lares a famílias bragantinas.
A escolha dos beneficiados é criteriosa e liderada por uma assistente social. Feitas as obras estruturantes por profissionais, cerca de 100 voluntários dedicam um final de semana para finalizar a reforma, com pinturas, decoração, instalação de móveis e ajustes finais. Há ainda a equipe da cozinha, responsável pela alimentação dos “pedreiros por um dia”. “O grosso da estrutura é feito antes, com pedreiros profissionais remunerados. É uma questão de segurança”, explica o presidente da ONG, Daudt Vitorio. “E, nesse período pós-pandemia, a mão de obra ficou cara e escassa. Foi uma dificuldade bastante grande, porque não temos os recursos dos programas de televisão.”
Equipe enxuta
A Reparação sobrevive de doações e trabalho voluntário. Não há ajuda formal de grupos políticos; somente a concessão, pela prefeitura de Bragança Paulista, de espaço para a sede. Há um único funcionário remunerado e uma estagiária responsável por atender a telefones e monitorar as redes sociais. A ONG conta ainda com a ajuda de lojas de material de construção, que doam produtos ou os vendem a preço e custo.
A dona de casa Margarete de Souza, de 63 anos, diz que o trabalho da ONG bragantina foi uma “bênção” na vida de seu marido, o operador de máquinas Cícero de Souza, a quem chama de “paixão”. “Feliz é aquela pessoa que a Reparação bate na porta. Mudou a minha vida e a de ‘paixão’, porque não é brincadeira morar em uma casa de telhas, que não tinha piso, água encanada, um lugar para tomar um banho. Eu só não estava triste porque estava com paixão”, relata ao Estadão, em uma fala leve e desprovida de marcas de tristeza. “E não foi só a casa. O povo me deixou cama, guarda-roupa, televisão. Um fogão de quatro bocas, menino. Uma geladeira nova com comida dentro e até um bolo para eu comemorar meus 30 anos de casados”, conta, aos risos.
O caso do violão
Vitorio tem o caso do violão como um dos marcos de sua passagem na Reparação. Ao entrar em uma casa que seria reparada, notou que o instrumento pendurado na parede estava envolto em um saco plástico. “Está assim porque, quando chove, tudo molha. A gente precisa de um plástico por cima da cama para dormir”, contou aquele senhor ao presidente da ONG. A casa foi reformada, e o telhado, devidamente vedado.
Dias depois, o contador-voluntário recebeu um vídeo daquele senhor tocando violão – e sem mais precisar guardá-lo em saco plástico. “Naquele momento percebi que o trabalho é difícil; a gente se desdobra e divide o dia com nossas rotinas, mas vale a pena. Foi ali, naquela filmagem, que eu tive a certeza: vale a pena, sim”, relata Vitorio, com a voz embargada.
O presidente da Reparação destaca que o espírito do projeto é cada um ajudar da maneira que pode: seja o voluntariado, seja uma doação, seja o simples fato de compartilhar as notícias da ONG nas redes sociais. “Para quem não tem tempo ou dinheiro, o pedido é de que nos ajude na divulgação e a fazer o nosso trabalho chegar a quem precisa”, diz o líder da ONG.