Ema, ema, ema


Problemas do ministro são diferentes dos do presidente. Cada um fica com o seu. E nós ficamos com todos eles

Por Luis Eduardo Assis

O impacto da pandemia no mercado de trabalho foi devastador. O número de pessoas ocupadas caiu de 94,5 milhões, no fim do ano passado, para 81,7 milhões, no trimestre terminado em agosto. Este é o menor valor de toda a série do IBGE. O contingente de desocupados fez o trajeto inverso. Passou neste mesmo período de 11,6 milhões para 13,8 milhões. A soma destes dois grupos – que vem a ser o total de pessoas na força de trabalho – recuou de 106,2 milhões para apenas 95,5 milhões.

Essa queda abrupta é histórica. Desde 2012, quando se passou a usar esta metodologia, o número de pessoas na força de trabalho vem subindo gradativamente a uma taxa que varia entre 0,8% e 2% ao ano. Com a crise de 2020, este contingente perdeu, de repente, 10,7 milhões de pessoas. Em oito meses, voltamos ao nível em que estávamos há oito anos. Por convenção, a taxa de desocupação é dada pela proporção entre pessoas desocupadas e pessoas na força de trabalho. O último dado é de 14,4%, marca recorde. Essa taxa seria maior que 20%, se o número de pessoas em busca por um emprego não tivesse caído. Foi a pandemia que causou o aumento do desemprego, mas foi o isolamento social que fez com que a estatística não subisse tanto, já que quem não procura ativamente um posto de trabalho não conta como desocupado.

Neste quadro lúgubre, quem segurou a onda foi o auxílio emergencial. Em setembro, a renda domiciliar foi 4% maior que o rendimento habitual. Para as famílias de renda menor do que R$ 1.675,00, este incremento alcançou 33%. Nada mal. A partir de agora, a tendência é claramente negativa. A taxa de desocupação vai aumentar com o corte do auxílio emergencial, já que mais pessoas vão procurar trabalho. Em setembro, o IBGE registrou 26,1 milhões de pessoas não ocupadas que gostariam de trabalhar. A capacidade do governo de enfrentar as dificuldades que surgirão no mercado de trabalho é limitadíssima. Em parte porque se rendeu ao apelo do mercado financeiro, que ameaça ter espasmos convulsivos todas as vezes que se discute uma alternativa para a lei de teto dos gastos – como se essa regra pudesse resolver nossos impasses. Mas também pela sua própria incompetência na gestão de sua agenda liberal.

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Assumamos que o leque de propostas defendido pelo ministro Paulo Guedes em 2018 pudesse funcionar. O fato é que o governo não conseguiu fazer deslanchar um programa de privatizações, não encaminhou a reforma tributária (nem sequer assumiu as boas propostas que tramitam no Congresso Nacional) e não ousa apresentar uma reforma administrativa que envolva os atuais funcionários públicos. Uma forma de entender este torpor contraproducente é recordar que os problemas do ministro são diferentes dos problemas do presidente da República. Para o primeiro, importa discursar aos borbotões a respeito de ideias vagas, promessas inverossímeis e apelos ocos para manter a impressão de que a economia tem rumo. Vale tudo para adubar a biografia. “A vaidade é meu pecado favorito”, já disse Al Pacino na cena final de O Advogado do Diabo.

O problema do presidente é outro. A ele não cabe definir o rumo da economia, perdido que está num labirinto de contradições, tropeçando aqui e ali em dogmas e minudências que lhe tomam toda sua capacidade de raciocínio. Seu intuito é garantir algum apoio político capaz de fazer a espinhosa travessia até o fim do seu mandato e, quiçá, ser um candidato viável à reeleição – algo ameaçado pela tépida retomada econômica que nos aguarda após o fim do auxílio emergencial. Sem a recuperação do emprego, tudo será duvidoso, improvável e incerto. Mas esta não parece ser a prioridade do ministro da Economia. Cada um com seu problema. E nós com todos eles.

*Luis Eduardo Assis é economista, foi diretor de política monetária do Banco Central e professor de economia da PUC-SP e da FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com

O impacto da pandemia no mercado de trabalho foi devastador. O número de pessoas ocupadas caiu de 94,5 milhões, no fim do ano passado, para 81,7 milhões, no trimestre terminado em agosto. Este é o menor valor de toda a série do IBGE. O contingente de desocupados fez o trajeto inverso. Passou neste mesmo período de 11,6 milhões para 13,8 milhões. A soma destes dois grupos – que vem a ser o total de pessoas na força de trabalho – recuou de 106,2 milhões para apenas 95,5 milhões.

Essa queda abrupta é histórica. Desde 2012, quando se passou a usar esta metodologia, o número de pessoas na força de trabalho vem subindo gradativamente a uma taxa que varia entre 0,8% e 2% ao ano. Com a crise de 2020, este contingente perdeu, de repente, 10,7 milhões de pessoas. Em oito meses, voltamos ao nível em que estávamos há oito anos. Por convenção, a taxa de desocupação é dada pela proporção entre pessoas desocupadas e pessoas na força de trabalho. O último dado é de 14,4%, marca recorde. Essa taxa seria maior que 20%, se o número de pessoas em busca por um emprego não tivesse caído. Foi a pandemia que causou o aumento do desemprego, mas foi o isolamento social que fez com que a estatística não subisse tanto, já que quem não procura ativamente um posto de trabalho não conta como desocupado.

Neste quadro lúgubre, quem segurou a onda foi o auxílio emergencial. Em setembro, a renda domiciliar foi 4% maior que o rendimento habitual. Para as famílias de renda menor do que R$ 1.675,00, este incremento alcançou 33%. Nada mal. A partir de agora, a tendência é claramente negativa. A taxa de desocupação vai aumentar com o corte do auxílio emergencial, já que mais pessoas vão procurar trabalho. Em setembro, o IBGE registrou 26,1 milhões de pessoas não ocupadas que gostariam de trabalhar. A capacidade do governo de enfrentar as dificuldades que surgirão no mercado de trabalho é limitadíssima. Em parte porque se rendeu ao apelo do mercado financeiro, que ameaça ter espasmos convulsivos todas as vezes que se discute uma alternativa para a lei de teto dos gastos – como se essa regra pudesse resolver nossos impasses. Mas também pela sua própria incompetência na gestão de sua agenda liberal.

Assumamos que o leque de propostas defendido pelo ministro Paulo Guedes em 2018 pudesse funcionar. O fato é que o governo não conseguiu fazer deslanchar um programa de privatizações, não encaminhou a reforma tributária (nem sequer assumiu as boas propostas que tramitam no Congresso Nacional) e não ousa apresentar uma reforma administrativa que envolva os atuais funcionários públicos. Uma forma de entender este torpor contraproducente é recordar que os problemas do ministro são diferentes dos problemas do presidente da República. Para o primeiro, importa discursar aos borbotões a respeito de ideias vagas, promessas inverossímeis e apelos ocos para manter a impressão de que a economia tem rumo. Vale tudo para adubar a biografia. “A vaidade é meu pecado favorito”, já disse Al Pacino na cena final de O Advogado do Diabo.

O problema do presidente é outro. A ele não cabe definir o rumo da economia, perdido que está num labirinto de contradições, tropeçando aqui e ali em dogmas e minudências que lhe tomam toda sua capacidade de raciocínio. Seu intuito é garantir algum apoio político capaz de fazer a espinhosa travessia até o fim do seu mandato e, quiçá, ser um candidato viável à reeleição – algo ameaçado pela tépida retomada econômica que nos aguarda após o fim do auxílio emergencial. Sem a recuperação do emprego, tudo será duvidoso, improvável e incerto. Mas esta não parece ser a prioridade do ministro da Economia. Cada um com seu problema. E nós com todos eles.

*Luis Eduardo Assis é economista, foi diretor de política monetária do Banco Central e professor de economia da PUC-SP e da FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com

O impacto da pandemia no mercado de trabalho foi devastador. O número de pessoas ocupadas caiu de 94,5 milhões, no fim do ano passado, para 81,7 milhões, no trimestre terminado em agosto. Este é o menor valor de toda a série do IBGE. O contingente de desocupados fez o trajeto inverso. Passou neste mesmo período de 11,6 milhões para 13,8 milhões. A soma destes dois grupos – que vem a ser o total de pessoas na força de trabalho – recuou de 106,2 milhões para apenas 95,5 milhões.

Essa queda abrupta é histórica. Desde 2012, quando se passou a usar esta metodologia, o número de pessoas na força de trabalho vem subindo gradativamente a uma taxa que varia entre 0,8% e 2% ao ano. Com a crise de 2020, este contingente perdeu, de repente, 10,7 milhões de pessoas. Em oito meses, voltamos ao nível em que estávamos há oito anos. Por convenção, a taxa de desocupação é dada pela proporção entre pessoas desocupadas e pessoas na força de trabalho. O último dado é de 14,4%, marca recorde. Essa taxa seria maior que 20%, se o número de pessoas em busca por um emprego não tivesse caído. Foi a pandemia que causou o aumento do desemprego, mas foi o isolamento social que fez com que a estatística não subisse tanto, já que quem não procura ativamente um posto de trabalho não conta como desocupado.

Neste quadro lúgubre, quem segurou a onda foi o auxílio emergencial. Em setembro, a renda domiciliar foi 4% maior que o rendimento habitual. Para as famílias de renda menor do que R$ 1.675,00, este incremento alcançou 33%. Nada mal. A partir de agora, a tendência é claramente negativa. A taxa de desocupação vai aumentar com o corte do auxílio emergencial, já que mais pessoas vão procurar trabalho. Em setembro, o IBGE registrou 26,1 milhões de pessoas não ocupadas que gostariam de trabalhar. A capacidade do governo de enfrentar as dificuldades que surgirão no mercado de trabalho é limitadíssima. Em parte porque se rendeu ao apelo do mercado financeiro, que ameaça ter espasmos convulsivos todas as vezes que se discute uma alternativa para a lei de teto dos gastos – como se essa regra pudesse resolver nossos impasses. Mas também pela sua própria incompetência na gestão de sua agenda liberal.

Assumamos que o leque de propostas defendido pelo ministro Paulo Guedes em 2018 pudesse funcionar. O fato é que o governo não conseguiu fazer deslanchar um programa de privatizações, não encaminhou a reforma tributária (nem sequer assumiu as boas propostas que tramitam no Congresso Nacional) e não ousa apresentar uma reforma administrativa que envolva os atuais funcionários públicos. Uma forma de entender este torpor contraproducente é recordar que os problemas do ministro são diferentes dos problemas do presidente da República. Para o primeiro, importa discursar aos borbotões a respeito de ideias vagas, promessas inverossímeis e apelos ocos para manter a impressão de que a economia tem rumo. Vale tudo para adubar a biografia. “A vaidade é meu pecado favorito”, já disse Al Pacino na cena final de O Advogado do Diabo.

O problema do presidente é outro. A ele não cabe definir o rumo da economia, perdido que está num labirinto de contradições, tropeçando aqui e ali em dogmas e minudências que lhe tomam toda sua capacidade de raciocínio. Seu intuito é garantir algum apoio político capaz de fazer a espinhosa travessia até o fim do seu mandato e, quiçá, ser um candidato viável à reeleição – algo ameaçado pela tépida retomada econômica que nos aguarda após o fim do auxílio emergencial. Sem a recuperação do emprego, tudo será duvidoso, improvável e incerto. Mas esta não parece ser a prioridade do ministro da Economia. Cada um com seu problema. E nós com todos eles.

*Luis Eduardo Assis é economista, foi diretor de política monetária do Banco Central e professor de economia da PUC-SP e da FGV-SP. Email: luiseduardoassis@gmail.com

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