ENVIADA ESPECIAL A DOHA - As interrupções das cadeias produtivas decorrentes da pandemia e a dificuldade enfrentada por empresas no exterior para contratar funcionários se tornaram a maior preocupação hoje das fabricantes de aviões. Com a retomada do setor aéreo e as crescentes encomendas por aeronaves – também impulsionadas pela necessidade das companhias aéreas de terem jatos novos, que economizam combustível –, as fabricantes passaram a temer atrasos na entrega de seus produtos.
No fim de junho, o presidente da Airbus, Guillaume Faury, afirmou que, em maio, a empresa chegou a ter 20 aviões prontos aguardando apenas os motores para poderem ser entregues aos clientes. Já o presidente da Boeing, Dave Calhoun, disse que o problema de falta de peças e de mão de obra não vai se resolver antes do fim do próximo ano.
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Calhoun classificou a rede de fornecimento do setor como “muito grande, sofisticada e um tanto frágil”. Acrescentou que uma desaceleração da economia poderia ajudar a indústria, sobretudo se segmentos como os de desenvolvimento de softwares e de análise de dados reduzissem a demanda. Isso, disse o executivo, permitiria que a fabricante de aviões conseguisse reter e recrutar funcionários mais facilmente para poder crescer.
Em conversa com o Estadão, o presidente da Airbus para a América Latina, Arturo Barreira, afirmou que a escassez de matéria-prima e de peças vai desde assentos para aeronaves até motores. “Há momentos em que temos problemas com um determinado insumo. Depois com outro. O que acontece conosco está acontecendo com todas as indústrias. Se amanhã você quiser comprar uma TV, com certeza não terá o modelo que você quer e a entrega vai demorar um mês a mais do que te dizem. Não somos diferentes dos outros segmentos da indústria.”
Barreira destacou, porém, que, ao contrário do que vem ocorrendo com o segmento automotivo, a indústria aeronáutica não sofre com a escassez de semicondutores. “Nossos semicondutores são muito diferentes, de altíssimo valor agregado. O produtor pode acabar protegendo esse fornecimento.”
Fornecedores em ‘torre de observação’
A Airbus criou o que chama de torre de observação para monitorar todos os seus provedores e entender quais são os problemas. Com essa ferramenta, percebeu que alguns dos fornecedores têm tido dificuldade para recrutar trabalhadores e, portanto, produzir as peças. “Eles reduziram o pessoal na pandemia, agora estão tentando contratar, mas não estão conseguindo.”
A Boeing também tem trabalhado com seus 11 mil fornecedores para tentar minimizar o problema, disse ao Estadão o presidente da empresa no Brasil, Landon Loomis. O executivo admitiu que é difícil encontrar algumas matérias-primas, mas não detalhou quais. “O problema está afetando todos. Um avião tem três milhões de peças. Cada uma tem de estar na hora certa e no local certo para tudo funcionar.”
Arturo Barreira, presidente da Airbus para a América Latina
Landon afirmou que, além da dificuldade para contratar funcionários, os fornecedores têm sofrido para ter acesso a financiamentos. Para ele, esse cenário pode se refletir em atrasos na entrega de aeronaves e na redução da taxa de produção. “Parte da resposta para isso é um comprometimento de longo prazo. Estamos fazendo investimentos em inovação e redesenhando o processo de manufatura para torná-lo mais simples e resiliente.”
Cliente da Boeing, a Gol ainda não recebeu aeronaves fora do prazo. O presidente da empresa, Celso Ferrer, no entanto, destacou que os aviões que foram entregues neste ano já estavam prontos e só precisaram ser inspecionados. Isso porque a Boeing havia produzido uma série de aeronaves 737 Max que ficaram esperando liberação do órgão americano de regulação do setor aéreo depois de dois acidentes com o modelo matarem 346 pessoas. “Pode ser que, daqui para frente, a gente encontre pequenos atrasos nas entregas”, disse Ferrer.
Atrasos em entregas
No Brasil, a Embraer também tem relatado dificuldades com fornecimento. Questionado sobre o maior desafio da empresa hoje, o presidente de aviação comercial da companhia, Arjan Meijer, destacou os entraves na cadeia de suprimentos e afirmou que eles já prejudicaram o total de entregas de aeronaves no primeiro trimestre do ano.
Meijer lembrou que reduzir a produção rapidamente é mais fácil do que ampliá-la. “Para aumentar, todas as partes envolvidas na produção precisam estar alinhadas. Se falta algo, o avião não voa. E hoje tem tanto a questão de falta de material como a de trabalhadores. Esse é um desafio gigante da indústria que precisamos superar nos próximos anos”, afirmou, sem querer arriscar um prazo para se conseguir uma solução.
A repórter viajou a convite da Associação Internacional de Transportes Aéreos (Iata)