Empresa controla massa falida da Itapemirim há mais de um ano contra vontade de credores e da ANTT


Suzantur arrendou a empresa após decisão da administradora da recuperação judicial, mas o governo diz que as licenças para operar as linhas não constituem bens da falida

Por Gustavo Côrtes
Atualização:

Com falência decretada em julho de 2022, a Viação Itapemirim, que chegou a ser a maior transportadora terrestre de passageiros da América Latina, está no centro de uma disputa judicial pelo controle de seus espólios. Há mais de um ano, a empresa Suzantur, comandada pelo empresário Claudinei Brogliato, opera as linhas de ônibus deixadas pelo grupo falido mediante contrato de arrendamento.

A transferência ocorreu em setembro daquele ano por decisão da Justiça a pedido da administradora da recuperação judicial, a empresa EXM Partners, sob protesto de parte dos credores e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Em recurso, o órgão aponta para o que entende ser a apropriação indevida por parte da empresa arrendatária das autorizações para operar trechos em rodovias. Trata-se de licenças expedidas pelo governo e que, na visão da agência, não poderiam ser incluídas no negócio, pois não constituem bens da Itapemirim.

Procurada, a Suzantur afirmou, por meio de seu advogado, que segue todas as regras da ANTT e que a Justiça de São Paulo reconheceu, em segunda instância, a legitimidade do arrendamento, incluindo as linhas de ônibus da antiga Viação Itapemirim. O acordo, chancelado pelo juiz João de Oliveira Rodrigues Filho, da 1.ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, prevê que a empresa pague 1,5% do lucro líquido obtido na operação e se comprometa a desembolsar pelo menos R$ 2,4 milhões por ano em benefício da massa falida.

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Viação Itapemirim entrou em recuperação judicial 2016 Foto: Marcopolo/ Reprodução

“A ANTT, respeitosamente, entende que a referida sentença, na parte em que autoriza e homologa a celebração de contrato entre Massa Falida e Transportadora Turística Suzano Ltda., visando ao arrendamento das linhas de operação em caráter liminar e emergencial representa uma interferência indevida do Poder Judiciário no exercício das atribuições legalmente conferidas a esta agência reguladora federal”, disse o procurador federal Eduardo de Almeida Ferrari em recurso anexado aos autos do processo. Atualmente, o órgão tenta levar o caso para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.

Após a publicação da reportagem, a EXM disse, por meio de sua assessoria, que tanto a opção pelo arrendamento quanto as ofertas apresentadas foram submetidas previamente aos autos da falência com absoluta publicidade e transparência e chanceladas pela Justiça. “A proposta da Suzantur foi vencedora exatamente por ser a única cuja remuneração é baseada em um percentual de faturamento, mas condicionado a um pagamento mínimo. As demais propostas não contemplavam essa possibilidade.”

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O imbróglio jurídico marca uma nova etapa do conturbado processo de falência da Itapemirim, iniciado em 2016 com o pedido de recuperação judicial por causa de dívidas que ultrapassavam os R$ 3 bilhões. A empresa, fundada em 1953 pelo empresário Camilo Cola, foi uma gigante do setor e, ainda em 2022, antes da falência, chegou a ter faturamento diário de R$ 150 mil. Foi a primeira a construir uma rede de ônibus em todas as regiões do País e a levar seus serviços para locais onde a população tinha como única opção o transporte clandestino.

A crise da companhia começou na década de 2010, quando mudanças regulatórias, a redução do número de passageiros e aumento do preço de itens que respondem por custos fixos, como combustível, pneus e pedágios, afetaram o faturamento da empresa. Nesta época, a empresa já estava sob controle dos netos de Camilo Cola.

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No início do processo, o controle da companhia foi transferido para o empresário Sidnei Piva em um plano aceito pelos credores. Conhecido por assumir controle de empresas em situação falimentar, ele coleciona litígios contra os seus donos originais. O acordo previa que 80% do valor da venda dos ativos da companhia fossem utilizados para quitar débitos e os outros 20% seriam direcionados ao custeio da operação.

Em 2020, com a pandemia da covid-19, Piva requereu a inversão desses porcentuais, sob a alegação de que a paralisação do transporte rodoviário tornou os termos iniciais do negócio insustentáveis economicamente. O juiz Rodrigues Filho acatou o pedido, o que dificultou o pagamento dos credores.

Sidnei Piva comprou o grupo de transporte rodoviário Itapemirim por R$ 1 em 2016 Foto: Werther Santana/Estadão
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Após a decisão, Piva criou uma companhia aérea com a marca da falida, a Itapemirim Transportes Aéreos. A empresa operou até dezembro de 2021, quando encerrou as atividades e deixou milhares de passageiros que haviam comprado viagens de Natal e ano novo sem o serviço e à espera dos aviões nos saguões dos aeroportos.

No ano seguinte, Piva foi afastado. A EXM então decretou falência da companhia e aceitou a proposta da Suzantur, abrindo uma nova disputa que envolve a ANTT, empresas adversárias e credores insatisfeitos.

De acordo com a EXM, a convolação em falência foi necessária devido à “inviabilidade financeira após desvios de mais de R$ 40 milhões do caixa pela gestão de Sidnei Piva, a demissão em massa de funcionários e atrasos na folha de pagamento, o abandono de ônibus, imóveis, guichês de venda de passagens e paralisação quase total das operações”. Cita ainda a sonegação das informações contábeis e operacionais no processo de recuperação judicial por mais de 2 anos.

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A Suzantur é uma empresa de transporte urbano fundada em 1982 por três empresários do ABC Paulista. Um ano depois, seu atual controlador, Claudinei Brogliato, passou a figurar no quadro societário por meio da aquisição da participação de Ângelo Roque Garcia.

Ângelo deixou a empresa em 2011 e transferiu as cotas que mantinha a Brogliato, que passou a responder como principal controlador.

Propostas

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Uma outra empresa, a Viação Garcia, fez proposta similar à da Suzantur pelo direito de explorar comercialmente as 125 linhas da massa falida e já detinha as autorizações necessárias e 80 anos de expertise em transporte rodoviário. Ofereceu 1,65% do lucro líquido da operação, mas sem um valor mínimo. A EXM, no entanto, preferiu a firma de Brogliato, que até a celebração do contrato de arrendamento, atuava apenas no transporte urbano no ABC Paulista e no interior de São Paulo.

A Suzantur prestou o serviço em menos de 30% das linhas que arrendou e deixou 96 trajetos paralisados. As informações constam em ofício da ANTT enviado ao juízo da recuperação judicial em outubro do ano passado em que a agência atesta que a empresa não demonstrou condições de operar todo o acervo de linhas da Itapemirim e, assim, estaria causando prejuízos a usuários e a credores da massa falida.

Em uma petição juntada ao processo, a empresa apresentou a ata de uma reunião de seus executivos com servidores do órgão. De acordo com as informações do documento, ambas as partes teriam concordado com o início paulatino da operação das linhas. Segundo a defesa da Suzantur, essa é a razão pela qual parte dos trechos ainda não estão em funcionamento.

Outras empresas fizeram propostas após a constatação de que a Suzantur não cobria todo o conjunto arrendado. A Viação Águia Branca propôs pagar R$ 3 milhões por ano pelo controle de 28 dos 125 trechos. O valor é superior aos cerca de R$ 2,4 milhões pagos pela Suzantur por todas as linhas. A Viação Rio Doce ofereceu R$ 540 mil anuais para explorar 11 dos 125 trechos. O montante representa quase R$ 50 mil por trecho, enquanto o contrato em vigência rende R$ 19,2 mil. Ambas as ofertas foram recusadas pela EXM.

Com relação às ofertas, a defesa da Suzantur lembra que foram feitas depois que o contrato de arrendamento em vigor já havia sido assinado. Afirma também que as propostas das concorrentes estão limitadas a percursos economicamente mais vantajosos e ignoram trechos de menor demanda que foram abarcados pela proposta da empresa.

Em setembro de 2022, a Associação de Ex-funcionários e Credores do Grupo Viação Itapemirim protocolou um embargo de declaração no qual se opôs à decisão da administradora da recuperação judicial de decretar a falência da empresa e aceitar a proposta de arrendamento feita pela Suzantur.

A entidade disse que esta medida passou por cima de decisão da Assembleia Geral de Credores, realizada em maio daquele ano, que havia rechaçado a convolação em falência e aprovado transferir a administração da massa falida para a empresa Transconsult. Colocou em questão, ainda, a imparcialidade da EXM, que não teria analisado propostas de arrendamento feitas por outras empresas.

“Verifica-se a obscuridade da referida sentença embargada com relação à escolha da empresa arrendante. Não existe qualquer comparativo entre as propostas apresentadas nos autos da recuperação judicial e de longe, foi ‘premiada’ a pior proposta, em prejuízo à coletividade de credores”, diz o processo da associação.

Com falência decretada em julho de 2022, a Viação Itapemirim, que chegou a ser a maior transportadora terrestre de passageiros da América Latina, está no centro de uma disputa judicial pelo controle de seus espólios. Há mais de um ano, a empresa Suzantur, comandada pelo empresário Claudinei Brogliato, opera as linhas de ônibus deixadas pelo grupo falido mediante contrato de arrendamento.

A transferência ocorreu em setembro daquele ano por decisão da Justiça a pedido da administradora da recuperação judicial, a empresa EXM Partners, sob protesto de parte dos credores e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Em recurso, o órgão aponta para o que entende ser a apropriação indevida por parte da empresa arrendatária das autorizações para operar trechos em rodovias. Trata-se de licenças expedidas pelo governo e que, na visão da agência, não poderiam ser incluídas no negócio, pois não constituem bens da Itapemirim.

Procurada, a Suzantur afirmou, por meio de seu advogado, que segue todas as regras da ANTT e que a Justiça de São Paulo reconheceu, em segunda instância, a legitimidade do arrendamento, incluindo as linhas de ônibus da antiga Viação Itapemirim. O acordo, chancelado pelo juiz João de Oliveira Rodrigues Filho, da 1.ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, prevê que a empresa pague 1,5% do lucro líquido obtido na operação e se comprometa a desembolsar pelo menos R$ 2,4 milhões por ano em benefício da massa falida.

Viação Itapemirim entrou em recuperação judicial 2016 Foto: Marcopolo/ Reprodução

“A ANTT, respeitosamente, entende que a referida sentença, na parte em que autoriza e homologa a celebração de contrato entre Massa Falida e Transportadora Turística Suzano Ltda., visando ao arrendamento das linhas de operação em caráter liminar e emergencial representa uma interferência indevida do Poder Judiciário no exercício das atribuições legalmente conferidas a esta agência reguladora federal”, disse o procurador federal Eduardo de Almeida Ferrari em recurso anexado aos autos do processo. Atualmente, o órgão tenta levar o caso para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.

Após a publicação da reportagem, a EXM disse, por meio de sua assessoria, que tanto a opção pelo arrendamento quanto as ofertas apresentadas foram submetidas previamente aos autos da falência com absoluta publicidade e transparência e chanceladas pela Justiça. “A proposta da Suzantur foi vencedora exatamente por ser a única cuja remuneração é baseada em um percentual de faturamento, mas condicionado a um pagamento mínimo. As demais propostas não contemplavam essa possibilidade.”

O imbróglio jurídico marca uma nova etapa do conturbado processo de falência da Itapemirim, iniciado em 2016 com o pedido de recuperação judicial por causa de dívidas que ultrapassavam os R$ 3 bilhões. A empresa, fundada em 1953 pelo empresário Camilo Cola, foi uma gigante do setor e, ainda em 2022, antes da falência, chegou a ter faturamento diário de R$ 150 mil. Foi a primeira a construir uma rede de ônibus em todas as regiões do País e a levar seus serviços para locais onde a população tinha como única opção o transporte clandestino.

A crise da companhia começou na década de 2010, quando mudanças regulatórias, a redução do número de passageiros e aumento do preço de itens que respondem por custos fixos, como combustível, pneus e pedágios, afetaram o faturamento da empresa. Nesta época, a empresa já estava sob controle dos netos de Camilo Cola.

No início do processo, o controle da companhia foi transferido para o empresário Sidnei Piva em um plano aceito pelos credores. Conhecido por assumir controle de empresas em situação falimentar, ele coleciona litígios contra os seus donos originais. O acordo previa que 80% do valor da venda dos ativos da companhia fossem utilizados para quitar débitos e os outros 20% seriam direcionados ao custeio da operação.

Em 2020, com a pandemia da covid-19, Piva requereu a inversão desses porcentuais, sob a alegação de que a paralisação do transporte rodoviário tornou os termos iniciais do negócio insustentáveis economicamente. O juiz Rodrigues Filho acatou o pedido, o que dificultou o pagamento dos credores.

Sidnei Piva comprou o grupo de transporte rodoviário Itapemirim por R$ 1 em 2016 Foto: Werther Santana/Estadão

Após a decisão, Piva criou uma companhia aérea com a marca da falida, a Itapemirim Transportes Aéreos. A empresa operou até dezembro de 2021, quando encerrou as atividades e deixou milhares de passageiros que haviam comprado viagens de Natal e ano novo sem o serviço e à espera dos aviões nos saguões dos aeroportos.

No ano seguinte, Piva foi afastado. A EXM então decretou falência da companhia e aceitou a proposta da Suzantur, abrindo uma nova disputa que envolve a ANTT, empresas adversárias e credores insatisfeitos.

De acordo com a EXM, a convolação em falência foi necessária devido à “inviabilidade financeira após desvios de mais de R$ 40 milhões do caixa pela gestão de Sidnei Piva, a demissão em massa de funcionários e atrasos na folha de pagamento, o abandono de ônibus, imóveis, guichês de venda de passagens e paralisação quase total das operações”. Cita ainda a sonegação das informações contábeis e operacionais no processo de recuperação judicial por mais de 2 anos.

A Suzantur é uma empresa de transporte urbano fundada em 1982 por três empresários do ABC Paulista. Um ano depois, seu atual controlador, Claudinei Brogliato, passou a figurar no quadro societário por meio da aquisição da participação de Ângelo Roque Garcia.

Ângelo deixou a empresa em 2011 e transferiu as cotas que mantinha a Brogliato, que passou a responder como principal controlador.

Propostas

Uma outra empresa, a Viação Garcia, fez proposta similar à da Suzantur pelo direito de explorar comercialmente as 125 linhas da massa falida e já detinha as autorizações necessárias e 80 anos de expertise em transporte rodoviário. Ofereceu 1,65% do lucro líquido da operação, mas sem um valor mínimo. A EXM, no entanto, preferiu a firma de Brogliato, que até a celebração do contrato de arrendamento, atuava apenas no transporte urbano no ABC Paulista e no interior de São Paulo.

A Suzantur prestou o serviço em menos de 30% das linhas que arrendou e deixou 96 trajetos paralisados. As informações constam em ofício da ANTT enviado ao juízo da recuperação judicial em outubro do ano passado em que a agência atesta que a empresa não demonstrou condições de operar todo o acervo de linhas da Itapemirim e, assim, estaria causando prejuízos a usuários e a credores da massa falida.

Em uma petição juntada ao processo, a empresa apresentou a ata de uma reunião de seus executivos com servidores do órgão. De acordo com as informações do documento, ambas as partes teriam concordado com o início paulatino da operação das linhas. Segundo a defesa da Suzantur, essa é a razão pela qual parte dos trechos ainda não estão em funcionamento.

Outras empresas fizeram propostas após a constatação de que a Suzantur não cobria todo o conjunto arrendado. A Viação Águia Branca propôs pagar R$ 3 milhões por ano pelo controle de 28 dos 125 trechos. O valor é superior aos cerca de R$ 2,4 milhões pagos pela Suzantur por todas as linhas. A Viação Rio Doce ofereceu R$ 540 mil anuais para explorar 11 dos 125 trechos. O montante representa quase R$ 50 mil por trecho, enquanto o contrato em vigência rende R$ 19,2 mil. Ambas as ofertas foram recusadas pela EXM.

Com relação às ofertas, a defesa da Suzantur lembra que foram feitas depois que o contrato de arrendamento em vigor já havia sido assinado. Afirma também que as propostas das concorrentes estão limitadas a percursos economicamente mais vantajosos e ignoram trechos de menor demanda que foram abarcados pela proposta da empresa.

Em setembro de 2022, a Associação de Ex-funcionários e Credores do Grupo Viação Itapemirim protocolou um embargo de declaração no qual se opôs à decisão da administradora da recuperação judicial de decretar a falência da empresa e aceitar a proposta de arrendamento feita pela Suzantur.

A entidade disse que esta medida passou por cima de decisão da Assembleia Geral de Credores, realizada em maio daquele ano, que havia rechaçado a convolação em falência e aprovado transferir a administração da massa falida para a empresa Transconsult. Colocou em questão, ainda, a imparcialidade da EXM, que não teria analisado propostas de arrendamento feitas por outras empresas.

“Verifica-se a obscuridade da referida sentença embargada com relação à escolha da empresa arrendante. Não existe qualquer comparativo entre as propostas apresentadas nos autos da recuperação judicial e de longe, foi ‘premiada’ a pior proposta, em prejuízo à coletividade de credores”, diz o processo da associação.

Com falência decretada em julho de 2022, a Viação Itapemirim, que chegou a ser a maior transportadora terrestre de passageiros da América Latina, está no centro de uma disputa judicial pelo controle de seus espólios. Há mais de um ano, a empresa Suzantur, comandada pelo empresário Claudinei Brogliato, opera as linhas de ônibus deixadas pelo grupo falido mediante contrato de arrendamento.

A transferência ocorreu em setembro daquele ano por decisão da Justiça a pedido da administradora da recuperação judicial, a empresa EXM Partners, sob protesto de parte dos credores e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Em recurso, o órgão aponta para o que entende ser a apropriação indevida por parte da empresa arrendatária das autorizações para operar trechos em rodovias. Trata-se de licenças expedidas pelo governo e que, na visão da agência, não poderiam ser incluídas no negócio, pois não constituem bens da Itapemirim.

Procurada, a Suzantur afirmou, por meio de seu advogado, que segue todas as regras da ANTT e que a Justiça de São Paulo reconheceu, em segunda instância, a legitimidade do arrendamento, incluindo as linhas de ônibus da antiga Viação Itapemirim. O acordo, chancelado pelo juiz João de Oliveira Rodrigues Filho, da 1.ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, prevê que a empresa pague 1,5% do lucro líquido obtido na operação e se comprometa a desembolsar pelo menos R$ 2,4 milhões por ano em benefício da massa falida.

Viação Itapemirim entrou em recuperação judicial 2016 Foto: Marcopolo/ Reprodução

“A ANTT, respeitosamente, entende que a referida sentença, na parte em que autoriza e homologa a celebração de contrato entre Massa Falida e Transportadora Turística Suzano Ltda., visando ao arrendamento das linhas de operação em caráter liminar e emergencial representa uma interferência indevida do Poder Judiciário no exercício das atribuições legalmente conferidas a esta agência reguladora federal”, disse o procurador federal Eduardo de Almeida Ferrari em recurso anexado aos autos do processo. Atualmente, o órgão tenta levar o caso para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.

Após a publicação da reportagem, a EXM disse, por meio de sua assessoria, que tanto a opção pelo arrendamento quanto as ofertas apresentadas foram submetidas previamente aos autos da falência com absoluta publicidade e transparência e chanceladas pela Justiça. “A proposta da Suzantur foi vencedora exatamente por ser a única cuja remuneração é baseada em um percentual de faturamento, mas condicionado a um pagamento mínimo. As demais propostas não contemplavam essa possibilidade.”

O imbróglio jurídico marca uma nova etapa do conturbado processo de falência da Itapemirim, iniciado em 2016 com o pedido de recuperação judicial por causa de dívidas que ultrapassavam os R$ 3 bilhões. A empresa, fundada em 1953 pelo empresário Camilo Cola, foi uma gigante do setor e, ainda em 2022, antes da falência, chegou a ter faturamento diário de R$ 150 mil. Foi a primeira a construir uma rede de ônibus em todas as regiões do País e a levar seus serviços para locais onde a população tinha como única opção o transporte clandestino.

A crise da companhia começou na década de 2010, quando mudanças regulatórias, a redução do número de passageiros e aumento do preço de itens que respondem por custos fixos, como combustível, pneus e pedágios, afetaram o faturamento da empresa. Nesta época, a empresa já estava sob controle dos netos de Camilo Cola.

No início do processo, o controle da companhia foi transferido para o empresário Sidnei Piva em um plano aceito pelos credores. Conhecido por assumir controle de empresas em situação falimentar, ele coleciona litígios contra os seus donos originais. O acordo previa que 80% do valor da venda dos ativos da companhia fossem utilizados para quitar débitos e os outros 20% seriam direcionados ao custeio da operação.

Em 2020, com a pandemia da covid-19, Piva requereu a inversão desses porcentuais, sob a alegação de que a paralisação do transporte rodoviário tornou os termos iniciais do negócio insustentáveis economicamente. O juiz Rodrigues Filho acatou o pedido, o que dificultou o pagamento dos credores.

Sidnei Piva comprou o grupo de transporte rodoviário Itapemirim por R$ 1 em 2016 Foto: Werther Santana/Estadão

Após a decisão, Piva criou uma companhia aérea com a marca da falida, a Itapemirim Transportes Aéreos. A empresa operou até dezembro de 2021, quando encerrou as atividades e deixou milhares de passageiros que haviam comprado viagens de Natal e ano novo sem o serviço e à espera dos aviões nos saguões dos aeroportos.

No ano seguinte, Piva foi afastado. A EXM então decretou falência da companhia e aceitou a proposta da Suzantur, abrindo uma nova disputa que envolve a ANTT, empresas adversárias e credores insatisfeitos.

De acordo com a EXM, a convolação em falência foi necessária devido à “inviabilidade financeira após desvios de mais de R$ 40 milhões do caixa pela gestão de Sidnei Piva, a demissão em massa de funcionários e atrasos na folha de pagamento, o abandono de ônibus, imóveis, guichês de venda de passagens e paralisação quase total das operações”. Cita ainda a sonegação das informações contábeis e operacionais no processo de recuperação judicial por mais de 2 anos.

A Suzantur é uma empresa de transporte urbano fundada em 1982 por três empresários do ABC Paulista. Um ano depois, seu atual controlador, Claudinei Brogliato, passou a figurar no quadro societário por meio da aquisição da participação de Ângelo Roque Garcia.

Ângelo deixou a empresa em 2011 e transferiu as cotas que mantinha a Brogliato, que passou a responder como principal controlador.

Propostas

Uma outra empresa, a Viação Garcia, fez proposta similar à da Suzantur pelo direito de explorar comercialmente as 125 linhas da massa falida e já detinha as autorizações necessárias e 80 anos de expertise em transporte rodoviário. Ofereceu 1,65% do lucro líquido da operação, mas sem um valor mínimo. A EXM, no entanto, preferiu a firma de Brogliato, que até a celebração do contrato de arrendamento, atuava apenas no transporte urbano no ABC Paulista e no interior de São Paulo.

A Suzantur prestou o serviço em menos de 30% das linhas que arrendou e deixou 96 trajetos paralisados. As informações constam em ofício da ANTT enviado ao juízo da recuperação judicial em outubro do ano passado em que a agência atesta que a empresa não demonstrou condições de operar todo o acervo de linhas da Itapemirim e, assim, estaria causando prejuízos a usuários e a credores da massa falida.

Em uma petição juntada ao processo, a empresa apresentou a ata de uma reunião de seus executivos com servidores do órgão. De acordo com as informações do documento, ambas as partes teriam concordado com o início paulatino da operação das linhas. Segundo a defesa da Suzantur, essa é a razão pela qual parte dos trechos ainda não estão em funcionamento.

Outras empresas fizeram propostas após a constatação de que a Suzantur não cobria todo o conjunto arrendado. A Viação Águia Branca propôs pagar R$ 3 milhões por ano pelo controle de 28 dos 125 trechos. O valor é superior aos cerca de R$ 2,4 milhões pagos pela Suzantur por todas as linhas. A Viação Rio Doce ofereceu R$ 540 mil anuais para explorar 11 dos 125 trechos. O montante representa quase R$ 50 mil por trecho, enquanto o contrato em vigência rende R$ 19,2 mil. Ambas as ofertas foram recusadas pela EXM.

Com relação às ofertas, a defesa da Suzantur lembra que foram feitas depois que o contrato de arrendamento em vigor já havia sido assinado. Afirma também que as propostas das concorrentes estão limitadas a percursos economicamente mais vantajosos e ignoram trechos de menor demanda que foram abarcados pela proposta da empresa.

Em setembro de 2022, a Associação de Ex-funcionários e Credores do Grupo Viação Itapemirim protocolou um embargo de declaração no qual se opôs à decisão da administradora da recuperação judicial de decretar a falência da empresa e aceitar a proposta de arrendamento feita pela Suzantur.

A entidade disse que esta medida passou por cima de decisão da Assembleia Geral de Credores, realizada em maio daquele ano, que havia rechaçado a convolação em falência e aprovado transferir a administração da massa falida para a empresa Transconsult. Colocou em questão, ainda, a imparcialidade da EXM, que não teria analisado propostas de arrendamento feitas por outras empresas.

“Verifica-se a obscuridade da referida sentença embargada com relação à escolha da empresa arrendante. Não existe qualquer comparativo entre as propostas apresentadas nos autos da recuperação judicial e de longe, foi ‘premiada’ a pior proposta, em prejuízo à coletividade de credores”, diz o processo da associação.

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