Empresas terão de comprar ‘direito de poluir’, afirma coordenador da agenda verde da Fazenda


Rafael Dubeux vê cenário favorável para a implementação do mercado regulado de carbono no País, contando até com o apoio da indústria, que será o setor mais afetado

Por Adriana Fernandes e Bianca Lima
Atualização:
Foto: WILTON JUNIOR
Entrevista comRafael Dubeux Assessor do ministro da Fazenda, Fernando Haddad

Brasília - Rafael Dubeux ocupa o cargo de assessor do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e coordena a parte econômica do Plano de Transformação Ecológica, que tem o mercado regulado de carbono como um dos pilares. A iniciativa prevê a criação de um limite para a emissão de gases do efeito estufa e prevê que as empresas terão de comprar o “direito de poluir”.

“Pode parecer meio absurdo você vender o direito de poluir, mas, hoje, as empresas têm esse direito sem qualquer limite”, afirma Dubeux. Em entrevista ao Estadão, ele explica em detalhes como funcionará esse mercado após a regulamentação - um tema ainda pouco conhecido dos brasileiros em geral.

Essa licença para “poluir” ficará mais cara com o passar dos anos, já que o limite de emissão será decrescente. “Ou as empresas vão se adaptando ou terão de pagar cada vez mais caro pela cota”, alerta o assessor. Dubeux frisa que a indústria que antecipar a modernização do seu parque terá de comprar cotas menores no futuro e, portanto, será mais competitiva.

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'É a chance de a indústria vender o aço verde do Brasil, a amônia verde, o alumínio verde', diz Dubeux sobre o Plano de Transformação Ecológica.  Foto: WILTON JUNIOR

Questionado sobre uma eventual resistência do setor industrial às regras que serão debatidas no Congresso, ele diz que vê um ambiente muito favorável, inclusive com o apoio do segmento. Isso porque as empresas brasileiras vêm sendo pressionadas por legislações internacionais mais rígidas, como a da União Europeia, que prevê sobretaxar produtos com alta pegada de carbono.

“As companhias estão vendo que é bom ter um selo de sustentabilidade, uma marca que a gente perdeu no governo anterior, mas que estamos recuperando. É a chance de a indústria vender o aço verde do Brasil, a amônia verde, o alumínio verde”, afirma.

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Na entrevista, Dubeux também comenta como a proposta da reforma tributária em tramitação no Senado trata a questão ambiental via a criação do Imposto Seletivo.

“Nós estamos criando um mercado regulado e, ao mesmo tempo, colocando um imposto sobre o carbono, que vai poder incidir sobre sobre atividades que prejudicam o meio ambiente e a saúde”, afirma.

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O desenho exato ainda não está definido, mas o tributo deve incidir sobre a queima de combustível fóssil por carros e caminhões. “E aí pode colocar a tributação na produção (dos veículos) ou no refino (do combustível), por exemplo. Ou seja, se for abastecer com gasolina, paga um adicional em relação ao etanol”.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão:

Qual é o cerne do Plano de Transformação Ecológica?

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É um plano de desenvolvimento econômico, com um componente ambiental forte e uma agenda abrangente, que envolve praticamente todos os setores da economia brasileira. São cerca de cem ações e o objetivo é conseguir ganhos de produtividade e, ao mesmo tempo, reduzir a nossa pegada ambiental.

Onde o mercado regulado de carbono entra nessa agenda?

Esse mercado é uma das agendas principais do plano, mas não é a única. Ele é inspirado em práticas internacionais adotadas em outras jurisdições, a mais conhecida é a da União Europeia. E não se trata, apenas, de um mercado de crédito. Na verdade, o mercado é, fundamentalmente, a colocação de um limite de emissões, esse, sim, é o ponto central. Hoje, a gente não tem limite de emissão. A gente vai colocar um teto, que é o que a União Europeia fez.

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Pode exemplificar como isso funcionaria?

Digamos, usando números hipotéticos, que o Brasil emita 100 toneladas de carbono por ano. A gente estabeleceria um teto de 100, no primeiro ano. No ano seguinte, cairia para 95, depois 90, 85, até, idealmente, a gente chegar à emissão zero em 2050. E, dentro desse teto, para a empresa poder emitir carbono, ela terá de comprar uma licença.

Então a empresa compraria o direito de poluir, é isso?

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Isso. Pode parecer meio absurdo você vender o direito de poluir, mas, hoje, as empresas têm esse direito sem qualquer limite. Uma das possibilidades é a seguinte: imaginando que o país tenha 100 toneladas de cota de emissão por ano, para a economia toda. O governo faz, então, um leilão de cada tonelada. Quem dá mais, leva a cota. Por exemplo: a empresa estima que vai precisar de 15 toneladas, aí entra no leilão para comprar essa quantidade. Se, por acaso, ela só usar 10 durante o ano, ela pode vender esse excedente para outra empresa. A tendência é de que, nos primeiros anos, parte das cotas ou até a totalidade seja alocada gratuitamente. E a ideia é ir migrando, aos poucos, para um modelo com cada vez mais alocações via leilão.

Há previsão de um mercado secundário, como existe hoje no setor de energia? Uma espécie de Bolsa Verde?

Sim, haverá algo similar. A ideia é que o governo faça o primeiro leilão, da emissão primária das cotas, e depois haverá uma negociação no mercado secundário.

E a cota tende a ficar cara com o tempo, certo?

Exato, porque o limite vai diminuindo. Então, ou as empresas vão se adaptando, ou terão de pagar cada vez mais caro pela cota. A indústria que se antecipar a esse processo, e já começar a modernizar o seu parque, vai precisar comprar cotas menores, então será mais competitiva.

'Queremos garantir que a oportunidade seja bem aproveitada, que não seja só mais um ciclo de commodities do Brasil', diz Dubeux. Foto: WILTON JUNIOR

Quantas empresas devem ser afetadas?

O mercado de carbono não pega médias e pequenas empresas, apenas as grandes. Uma padaria, por exemplo, está fora do mercado regulado. Esse mercado será para quem tem grandes parques industriais e emite mais de 25 mil toneladas de CO2 (ou gases equivalentes, de efeito estufa) por ano. São entre 4 e 5 mil estabelecimentos no Brasil que se enquadram nesse recorte, o que corresponde a 0,1% das unidades produtivas do País. Essas companhias respondem por praticamente metade das emissões brasileiras não florestais, ou seja, excluindo o desmatamento da floresta.

E qual vai ser o teto para as emissões?

O teto não está definido, justamente porque a gente, hoje, não tem um sistema de mensuração preciso das emissões brasileiras. Por isso que, quando for aprovada a lei do mercado de carbono, nos primeiros dois anos, as empresas só terão a obrigatoriedade de medir a emissão. Não vai ter teto pra ninguém, nesse período, porque a gente nem consegue colocar um teto. Se formos colocar um teto agora, há risco de ter um impacto econômico enorme. A verdade é que a gente não sabe o quanto se emite, com exatidão. A gente tem apenas uma ordem de grandeza.

Quem são, atualmente, os maiores emissores?

São as indústrias ligadas ao setores de cimento, siderurgia, alumínio, área química, petróleo e gás e talvez alguns grandes frigoríficos.

O Brasil, hoje, não tem uma certificadora para esse setor...

A gente usa, em geral, certificadoras internacionais. Hoje, há três grandes certificadoras no mundo, mas é um mercado aberto. A gente gostaria, inclusive, que houvesse uma certificadora brasileira. Mas é necessário, também, ter um órgão que diga que essa certificadora é confiável. Pode ser um órgão já existente, como o Ibama, uma agência reguladora ou o Ministério da Fazenda, ou então criar uma agência nova. Isso ainda não está definido.

O sr. acredita que há um ambiente favorável para implementar esse novo mercado no Brasil? Já houve tentativas anteriores que não foram para frente.

Vejo um ambiente bastante favorável. Até alguns anos atrás, grande parte do setor industrial era contra o mercado de carbono. A própria CNI (Confederação Nacional da Indústria) era contra, embora já existisse um grupo relevante de empresários que era favorável. A situação mudou e hoje a CNI também é favorável.

A que fatores o sr. atribui essa mudança?

Muito provavelmente isso foi puxado pela aprovação, por parte da União Europeia, do CBAM (Carbon Border Adjustment Mechanism). Esse mecanismo prevê, a partir de 2026, uma espécie de tarifa de importação - mas não é uma alíquota de importação, e sim de emissão de carbono. Vai funcionar assim: eles vão olhar se o país tem um mecanismo de precificação de carbono na origem. Se tiver, o produto não paga nada. Se não tiver, vai pagar. Então, as empresas brasileiras que exportam para a Europa, terão de pagar de todo modo: aqui ou lá. Acho que foi uma soma dessa regulamentação da União Europeia com um movimento global de descarbonização. As companhias estão vendo que é bom ter um selo de sustentabilidade, uma marca que a gente perdeu no governo anterior, mas que estamos recuperando. É a chance de a indústria vender o aço verde do Brasil, ou a amônia, o alumínio verde.

Na avaliação do sr., qual o potencial desse mercado, para além da questão ambiental?

Tem dois caminhos fundamentais. Um é o esforço de descarbonização que a própria indústria terá de fazer para cumprir o teto, então isso já induz investimento. E outro é que os recursos levantados nos leilões das cotas não vão para o Tesouro. Esse dinheiro vai ser alocado, principalmente, em pesquisa e desenvolvimento de técnicas de descarbonização desses próprios setores. Ou seja, há uma incorporação de tecnologia, o que a gente chama de adensamento tecnológico do setor produtivo brasileiro, que pode, inclusive, virar um exportador de soluções de baixo carbono. Isso impacta o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e a geração de emprego.

Há risco de a gente perder essa oportunidade, essa onda de investimentos ambientais?

A nossa preocupação é garantir que a oportunidade seja bem aproveitada, que não seja só mais um ciclo de commodities do Brasil, como foi cana-de-açúcar, ouro, café e minério de ferro. Que, dessa vez, seja diferente. Primeiro, porque tem esse componente renovável. Segundo, porque tem um componente distributivo, que a gente não tinha no passado. E, terceiro, é que, em todos esses processos, a gente está buscando incorporar tecnologia no Brasil.

Há uma crítica de que a reforma tributária na Câmara não teve foco na questão ambiental…

A reforma tem um elemento ambiental muito importante, que é o Imposto Seletivo. Nós estamos criando um mercado regulado e, ao mesmo tempo, colocando um imposto sobre o carbono, que vai poder incidir sobre sobre atividades que prejudicam o meio ambiente e a saúde. O desenho exato ainda não está definido, mas esse tributo deve incidir sobre algumas atividades específicas, a principal é a queima de combustível fóssil nos carros e caminhões. E aí pode colocar a tributação na produção (dos veículos) ou no refino (do combustível), por exemplo. Ou seja, se for abastecer com gasolina, paga um adicional em relação ao etanol.

Brasília - Rafael Dubeux ocupa o cargo de assessor do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e coordena a parte econômica do Plano de Transformação Ecológica, que tem o mercado regulado de carbono como um dos pilares. A iniciativa prevê a criação de um limite para a emissão de gases do efeito estufa e prevê que as empresas terão de comprar o “direito de poluir”.

“Pode parecer meio absurdo você vender o direito de poluir, mas, hoje, as empresas têm esse direito sem qualquer limite”, afirma Dubeux. Em entrevista ao Estadão, ele explica em detalhes como funcionará esse mercado após a regulamentação - um tema ainda pouco conhecido dos brasileiros em geral.

Essa licença para “poluir” ficará mais cara com o passar dos anos, já que o limite de emissão será decrescente. “Ou as empresas vão se adaptando ou terão de pagar cada vez mais caro pela cota”, alerta o assessor. Dubeux frisa que a indústria que antecipar a modernização do seu parque terá de comprar cotas menores no futuro e, portanto, será mais competitiva.

'É a chance de a indústria vender o aço verde do Brasil, a amônia verde, o alumínio verde', diz Dubeux sobre o Plano de Transformação Ecológica.  Foto: WILTON JUNIOR

Questionado sobre uma eventual resistência do setor industrial às regras que serão debatidas no Congresso, ele diz que vê um ambiente muito favorável, inclusive com o apoio do segmento. Isso porque as empresas brasileiras vêm sendo pressionadas por legislações internacionais mais rígidas, como a da União Europeia, que prevê sobretaxar produtos com alta pegada de carbono.

“As companhias estão vendo que é bom ter um selo de sustentabilidade, uma marca que a gente perdeu no governo anterior, mas que estamos recuperando. É a chance de a indústria vender o aço verde do Brasil, a amônia verde, o alumínio verde”, afirma.

Na entrevista, Dubeux também comenta como a proposta da reforma tributária em tramitação no Senado trata a questão ambiental via a criação do Imposto Seletivo.

“Nós estamos criando um mercado regulado e, ao mesmo tempo, colocando um imposto sobre o carbono, que vai poder incidir sobre sobre atividades que prejudicam o meio ambiente e a saúde”, afirma.

O desenho exato ainda não está definido, mas o tributo deve incidir sobre a queima de combustível fóssil por carros e caminhões. “E aí pode colocar a tributação na produção (dos veículos) ou no refino (do combustível), por exemplo. Ou seja, se for abastecer com gasolina, paga um adicional em relação ao etanol”.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão:

Qual é o cerne do Plano de Transformação Ecológica?

É um plano de desenvolvimento econômico, com um componente ambiental forte e uma agenda abrangente, que envolve praticamente todos os setores da economia brasileira. São cerca de cem ações e o objetivo é conseguir ganhos de produtividade e, ao mesmo tempo, reduzir a nossa pegada ambiental.

Onde o mercado regulado de carbono entra nessa agenda?

Esse mercado é uma das agendas principais do plano, mas não é a única. Ele é inspirado em práticas internacionais adotadas em outras jurisdições, a mais conhecida é a da União Europeia. E não se trata, apenas, de um mercado de crédito. Na verdade, o mercado é, fundamentalmente, a colocação de um limite de emissões, esse, sim, é o ponto central. Hoje, a gente não tem limite de emissão. A gente vai colocar um teto, que é o que a União Europeia fez.

Pode exemplificar como isso funcionaria?

Digamos, usando números hipotéticos, que o Brasil emita 100 toneladas de carbono por ano. A gente estabeleceria um teto de 100, no primeiro ano. No ano seguinte, cairia para 95, depois 90, 85, até, idealmente, a gente chegar à emissão zero em 2050. E, dentro desse teto, para a empresa poder emitir carbono, ela terá de comprar uma licença.

Então a empresa compraria o direito de poluir, é isso?

Isso. Pode parecer meio absurdo você vender o direito de poluir, mas, hoje, as empresas têm esse direito sem qualquer limite. Uma das possibilidades é a seguinte: imaginando que o país tenha 100 toneladas de cota de emissão por ano, para a economia toda. O governo faz, então, um leilão de cada tonelada. Quem dá mais, leva a cota. Por exemplo: a empresa estima que vai precisar de 15 toneladas, aí entra no leilão para comprar essa quantidade. Se, por acaso, ela só usar 10 durante o ano, ela pode vender esse excedente para outra empresa. A tendência é de que, nos primeiros anos, parte das cotas ou até a totalidade seja alocada gratuitamente. E a ideia é ir migrando, aos poucos, para um modelo com cada vez mais alocações via leilão.

Há previsão de um mercado secundário, como existe hoje no setor de energia? Uma espécie de Bolsa Verde?

Sim, haverá algo similar. A ideia é que o governo faça o primeiro leilão, da emissão primária das cotas, e depois haverá uma negociação no mercado secundário.

E a cota tende a ficar cara com o tempo, certo?

Exato, porque o limite vai diminuindo. Então, ou as empresas vão se adaptando, ou terão de pagar cada vez mais caro pela cota. A indústria que se antecipar a esse processo, e já começar a modernizar o seu parque, vai precisar comprar cotas menores, então será mais competitiva.

'Queremos garantir que a oportunidade seja bem aproveitada, que não seja só mais um ciclo de commodities do Brasil', diz Dubeux. Foto: WILTON JUNIOR

Quantas empresas devem ser afetadas?

O mercado de carbono não pega médias e pequenas empresas, apenas as grandes. Uma padaria, por exemplo, está fora do mercado regulado. Esse mercado será para quem tem grandes parques industriais e emite mais de 25 mil toneladas de CO2 (ou gases equivalentes, de efeito estufa) por ano. São entre 4 e 5 mil estabelecimentos no Brasil que se enquadram nesse recorte, o que corresponde a 0,1% das unidades produtivas do País. Essas companhias respondem por praticamente metade das emissões brasileiras não florestais, ou seja, excluindo o desmatamento da floresta.

E qual vai ser o teto para as emissões?

O teto não está definido, justamente porque a gente, hoje, não tem um sistema de mensuração preciso das emissões brasileiras. Por isso que, quando for aprovada a lei do mercado de carbono, nos primeiros dois anos, as empresas só terão a obrigatoriedade de medir a emissão. Não vai ter teto pra ninguém, nesse período, porque a gente nem consegue colocar um teto. Se formos colocar um teto agora, há risco de ter um impacto econômico enorme. A verdade é que a gente não sabe o quanto se emite, com exatidão. A gente tem apenas uma ordem de grandeza.

Quem são, atualmente, os maiores emissores?

São as indústrias ligadas ao setores de cimento, siderurgia, alumínio, área química, petróleo e gás e talvez alguns grandes frigoríficos.

O Brasil, hoje, não tem uma certificadora para esse setor...

A gente usa, em geral, certificadoras internacionais. Hoje, há três grandes certificadoras no mundo, mas é um mercado aberto. A gente gostaria, inclusive, que houvesse uma certificadora brasileira. Mas é necessário, também, ter um órgão que diga que essa certificadora é confiável. Pode ser um órgão já existente, como o Ibama, uma agência reguladora ou o Ministério da Fazenda, ou então criar uma agência nova. Isso ainda não está definido.

O sr. acredita que há um ambiente favorável para implementar esse novo mercado no Brasil? Já houve tentativas anteriores que não foram para frente.

Vejo um ambiente bastante favorável. Até alguns anos atrás, grande parte do setor industrial era contra o mercado de carbono. A própria CNI (Confederação Nacional da Indústria) era contra, embora já existisse um grupo relevante de empresários que era favorável. A situação mudou e hoje a CNI também é favorável.

A que fatores o sr. atribui essa mudança?

Muito provavelmente isso foi puxado pela aprovação, por parte da União Europeia, do CBAM (Carbon Border Adjustment Mechanism). Esse mecanismo prevê, a partir de 2026, uma espécie de tarifa de importação - mas não é uma alíquota de importação, e sim de emissão de carbono. Vai funcionar assim: eles vão olhar se o país tem um mecanismo de precificação de carbono na origem. Se tiver, o produto não paga nada. Se não tiver, vai pagar. Então, as empresas brasileiras que exportam para a Europa, terão de pagar de todo modo: aqui ou lá. Acho que foi uma soma dessa regulamentação da União Europeia com um movimento global de descarbonização. As companhias estão vendo que é bom ter um selo de sustentabilidade, uma marca que a gente perdeu no governo anterior, mas que estamos recuperando. É a chance de a indústria vender o aço verde do Brasil, ou a amônia, o alumínio verde.

Na avaliação do sr., qual o potencial desse mercado, para além da questão ambiental?

Tem dois caminhos fundamentais. Um é o esforço de descarbonização que a própria indústria terá de fazer para cumprir o teto, então isso já induz investimento. E outro é que os recursos levantados nos leilões das cotas não vão para o Tesouro. Esse dinheiro vai ser alocado, principalmente, em pesquisa e desenvolvimento de técnicas de descarbonização desses próprios setores. Ou seja, há uma incorporação de tecnologia, o que a gente chama de adensamento tecnológico do setor produtivo brasileiro, que pode, inclusive, virar um exportador de soluções de baixo carbono. Isso impacta o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e a geração de emprego.

Há risco de a gente perder essa oportunidade, essa onda de investimentos ambientais?

A nossa preocupação é garantir que a oportunidade seja bem aproveitada, que não seja só mais um ciclo de commodities do Brasil, como foi cana-de-açúcar, ouro, café e minério de ferro. Que, dessa vez, seja diferente. Primeiro, porque tem esse componente renovável. Segundo, porque tem um componente distributivo, que a gente não tinha no passado. E, terceiro, é que, em todos esses processos, a gente está buscando incorporar tecnologia no Brasil.

Há uma crítica de que a reforma tributária na Câmara não teve foco na questão ambiental…

A reforma tem um elemento ambiental muito importante, que é o Imposto Seletivo. Nós estamos criando um mercado regulado e, ao mesmo tempo, colocando um imposto sobre o carbono, que vai poder incidir sobre sobre atividades que prejudicam o meio ambiente e a saúde. O desenho exato ainda não está definido, mas esse tributo deve incidir sobre algumas atividades específicas, a principal é a queima de combustível fóssil nos carros e caminhões. E aí pode colocar a tributação na produção (dos veículos) ou no refino (do combustível), por exemplo. Ou seja, se for abastecer com gasolina, paga um adicional em relação ao etanol.

Brasília - Rafael Dubeux ocupa o cargo de assessor do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e coordena a parte econômica do Plano de Transformação Ecológica, que tem o mercado regulado de carbono como um dos pilares. A iniciativa prevê a criação de um limite para a emissão de gases do efeito estufa e prevê que as empresas terão de comprar o “direito de poluir”.

“Pode parecer meio absurdo você vender o direito de poluir, mas, hoje, as empresas têm esse direito sem qualquer limite”, afirma Dubeux. Em entrevista ao Estadão, ele explica em detalhes como funcionará esse mercado após a regulamentação - um tema ainda pouco conhecido dos brasileiros em geral.

Essa licença para “poluir” ficará mais cara com o passar dos anos, já que o limite de emissão será decrescente. “Ou as empresas vão se adaptando ou terão de pagar cada vez mais caro pela cota”, alerta o assessor. Dubeux frisa que a indústria que antecipar a modernização do seu parque terá de comprar cotas menores no futuro e, portanto, será mais competitiva.

'É a chance de a indústria vender o aço verde do Brasil, a amônia verde, o alumínio verde', diz Dubeux sobre o Plano de Transformação Ecológica.  Foto: WILTON JUNIOR

Questionado sobre uma eventual resistência do setor industrial às regras que serão debatidas no Congresso, ele diz que vê um ambiente muito favorável, inclusive com o apoio do segmento. Isso porque as empresas brasileiras vêm sendo pressionadas por legislações internacionais mais rígidas, como a da União Europeia, que prevê sobretaxar produtos com alta pegada de carbono.

“As companhias estão vendo que é bom ter um selo de sustentabilidade, uma marca que a gente perdeu no governo anterior, mas que estamos recuperando. É a chance de a indústria vender o aço verde do Brasil, a amônia verde, o alumínio verde”, afirma.

Na entrevista, Dubeux também comenta como a proposta da reforma tributária em tramitação no Senado trata a questão ambiental via a criação do Imposto Seletivo.

“Nós estamos criando um mercado regulado e, ao mesmo tempo, colocando um imposto sobre o carbono, que vai poder incidir sobre sobre atividades que prejudicam o meio ambiente e a saúde”, afirma.

O desenho exato ainda não está definido, mas o tributo deve incidir sobre a queima de combustível fóssil por carros e caminhões. “E aí pode colocar a tributação na produção (dos veículos) ou no refino (do combustível), por exemplo. Ou seja, se for abastecer com gasolina, paga um adicional em relação ao etanol”.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão:

Qual é o cerne do Plano de Transformação Ecológica?

É um plano de desenvolvimento econômico, com um componente ambiental forte e uma agenda abrangente, que envolve praticamente todos os setores da economia brasileira. São cerca de cem ações e o objetivo é conseguir ganhos de produtividade e, ao mesmo tempo, reduzir a nossa pegada ambiental.

Onde o mercado regulado de carbono entra nessa agenda?

Esse mercado é uma das agendas principais do plano, mas não é a única. Ele é inspirado em práticas internacionais adotadas em outras jurisdições, a mais conhecida é a da União Europeia. E não se trata, apenas, de um mercado de crédito. Na verdade, o mercado é, fundamentalmente, a colocação de um limite de emissões, esse, sim, é o ponto central. Hoje, a gente não tem limite de emissão. A gente vai colocar um teto, que é o que a União Europeia fez.

Pode exemplificar como isso funcionaria?

Digamos, usando números hipotéticos, que o Brasil emita 100 toneladas de carbono por ano. A gente estabeleceria um teto de 100, no primeiro ano. No ano seguinte, cairia para 95, depois 90, 85, até, idealmente, a gente chegar à emissão zero em 2050. E, dentro desse teto, para a empresa poder emitir carbono, ela terá de comprar uma licença.

Então a empresa compraria o direito de poluir, é isso?

Isso. Pode parecer meio absurdo você vender o direito de poluir, mas, hoje, as empresas têm esse direito sem qualquer limite. Uma das possibilidades é a seguinte: imaginando que o país tenha 100 toneladas de cota de emissão por ano, para a economia toda. O governo faz, então, um leilão de cada tonelada. Quem dá mais, leva a cota. Por exemplo: a empresa estima que vai precisar de 15 toneladas, aí entra no leilão para comprar essa quantidade. Se, por acaso, ela só usar 10 durante o ano, ela pode vender esse excedente para outra empresa. A tendência é de que, nos primeiros anos, parte das cotas ou até a totalidade seja alocada gratuitamente. E a ideia é ir migrando, aos poucos, para um modelo com cada vez mais alocações via leilão.

Há previsão de um mercado secundário, como existe hoje no setor de energia? Uma espécie de Bolsa Verde?

Sim, haverá algo similar. A ideia é que o governo faça o primeiro leilão, da emissão primária das cotas, e depois haverá uma negociação no mercado secundário.

E a cota tende a ficar cara com o tempo, certo?

Exato, porque o limite vai diminuindo. Então, ou as empresas vão se adaptando, ou terão de pagar cada vez mais caro pela cota. A indústria que se antecipar a esse processo, e já começar a modernizar o seu parque, vai precisar comprar cotas menores, então será mais competitiva.

'Queremos garantir que a oportunidade seja bem aproveitada, que não seja só mais um ciclo de commodities do Brasil', diz Dubeux. Foto: WILTON JUNIOR

Quantas empresas devem ser afetadas?

O mercado de carbono não pega médias e pequenas empresas, apenas as grandes. Uma padaria, por exemplo, está fora do mercado regulado. Esse mercado será para quem tem grandes parques industriais e emite mais de 25 mil toneladas de CO2 (ou gases equivalentes, de efeito estufa) por ano. São entre 4 e 5 mil estabelecimentos no Brasil que se enquadram nesse recorte, o que corresponde a 0,1% das unidades produtivas do País. Essas companhias respondem por praticamente metade das emissões brasileiras não florestais, ou seja, excluindo o desmatamento da floresta.

E qual vai ser o teto para as emissões?

O teto não está definido, justamente porque a gente, hoje, não tem um sistema de mensuração preciso das emissões brasileiras. Por isso que, quando for aprovada a lei do mercado de carbono, nos primeiros dois anos, as empresas só terão a obrigatoriedade de medir a emissão. Não vai ter teto pra ninguém, nesse período, porque a gente nem consegue colocar um teto. Se formos colocar um teto agora, há risco de ter um impacto econômico enorme. A verdade é que a gente não sabe o quanto se emite, com exatidão. A gente tem apenas uma ordem de grandeza.

Quem são, atualmente, os maiores emissores?

São as indústrias ligadas ao setores de cimento, siderurgia, alumínio, área química, petróleo e gás e talvez alguns grandes frigoríficos.

O Brasil, hoje, não tem uma certificadora para esse setor...

A gente usa, em geral, certificadoras internacionais. Hoje, há três grandes certificadoras no mundo, mas é um mercado aberto. A gente gostaria, inclusive, que houvesse uma certificadora brasileira. Mas é necessário, também, ter um órgão que diga que essa certificadora é confiável. Pode ser um órgão já existente, como o Ibama, uma agência reguladora ou o Ministério da Fazenda, ou então criar uma agência nova. Isso ainda não está definido.

O sr. acredita que há um ambiente favorável para implementar esse novo mercado no Brasil? Já houve tentativas anteriores que não foram para frente.

Vejo um ambiente bastante favorável. Até alguns anos atrás, grande parte do setor industrial era contra o mercado de carbono. A própria CNI (Confederação Nacional da Indústria) era contra, embora já existisse um grupo relevante de empresários que era favorável. A situação mudou e hoje a CNI também é favorável.

A que fatores o sr. atribui essa mudança?

Muito provavelmente isso foi puxado pela aprovação, por parte da União Europeia, do CBAM (Carbon Border Adjustment Mechanism). Esse mecanismo prevê, a partir de 2026, uma espécie de tarifa de importação - mas não é uma alíquota de importação, e sim de emissão de carbono. Vai funcionar assim: eles vão olhar se o país tem um mecanismo de precificação de carbono na origem. Se tiver, o produto não paga nada. Se não tiver, vai pagar. Então, as empresas brasileiras que exportam para a Europa, terão de pagar de todo modo: aqui ou lá. Acho que foi uma soma dessa regulamentação da União Europeia com um movimento global de descarbonização. As companhias estão vendo que é bom ter um selo de sustentabilidade, uma marca que a gente perdeu no governo anterior, mas que estamos recuperando. É a chance de a indústria vender o aço verde do Brasil, ou a amônia, o alumínio verde.

Na avaliação do sr., qual o potencial desse mercado, para além da questão ambiental?

Tem dois caminhos fundamentais. Um é o esforço de descarbonização que a própria indústria terá de fazer para cumprir o teto, então isso já induz investimento. E outro é que os recursos levantados nos leilões das cotas não vão para o Tesouro. Esse dinheiro vai ser alocado, principalmente, em pesquisa e desenvolvimento de técnicas de descarbonização desses próprios setores. Ou seja, há uma incorporação de tecnologia, o que a gente chama de adensamento tecnológico do setor produtivo brasileiro, que pode, inclusive, virar um exportador de soluções de baixo carbono. Isso impacta o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e a geração de emprego.

Há risco de a gente perder essa oportunidade, essa onda de investimentos ambientais?

A nossa preocupação é garantir que a oportunidade seja bem aproveitada, que não seja só mais um ciclo de commodities do Brasil, como foi cana-de-açúcar, ouro, café e minério de ferro. Que, dessa vez, seja diferente. Primeiro, porque tem esse componente renovável. Segundo, porque tem um componente distributivo, que a gente não tinha no passado. E, terceiro, é que, em todos esses processos, a gente está buscando incorporar tecnologia no Brasil.

Há uma crítica de que a reforma tributária na Câmara não teve foco na questão ambiental…

A reforma tem um elemento ambiental muito importante, que é o Imposto Seletivo. Nós estamos criando um mercado regulado e, ao mesmo tempo, colocando um imposto sobre o carbono, que vai poder incidir sobre sobre atividades que prejudicam o meio ambiente e a saúde. O desenho exato ainda não está definido, mas esse tributo deve incidir sobre algumas atividades específicas, a principal é a queima de combustível fóssil nos carros e caminhões. E aí pode colocar a tributação na produção (dos veículos) ou no refino (do combustível), por exemplo. Ou seja, se for abastecer com gasolina, paga um adicional em relação ao etanol.

Entrevista por Adriana Fernandes

Repórter especial de Economia em Brasília

Bianca Lima

Repórter especial do Estadão em Brasília, com experiência em macroeconomia, contas públicas e tributação. Foi repórter da GloboNews e do g1 e bolsista do International Center for Journalists (ICFJ), com sede em Washington. Tem MBA em economia e mercado financeiro pela B3. Vencedora dos prêmios CNH, Abecip, FNP e Estadão.

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