‘Não sei se o Brasil vai virar a Suíça. Provavelmente, não’, diz economista do Goldman Sachs


Para Alberto Ramos, diretor de Pesquisa Macroeconômica do Goldman Sachs para América Latina, terceiro mandato de Lula deve ser marcado por retrocessos e nenhuma grande reforma além da tributária

Por Aline Bronzati
Atualização:
Foto: Mark McQueen/Goldman Sachs - 25/1/2016
Entrevista comAlberto Ramosdiretor de Pesquisa Macroeconômica do Goldman Sachs para América Latina

NOVA YORK - O terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não será marcado por reformas. Ao contrário, retrocessos, como a volta da antiga cartilha petista na esfera microeconômica, devem prevalecer. A avaliação é do diretor de Pesquisa Macroeconômica do Goldman Sachs para América Latina, Alberto Ramos, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, na sede do banco, em Nova York.

Para o economista, na agenda macro, a única reforma que deve sair é a tributária, mas não neste ano, prevê. “Não vejo grandes reformas (no Brasil), tirando a tributária. O arcabouço fiscal não é uma reforma. Não me parece que seja melhor do que a regra que eliminamos (o teto de gastos)”, afirma, ao considerar que o arcabouço “tem flexibilidade demais, é complexo e não estabiliza a dívida”.

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Neste ambiente, Ramos demonstra pouco otimismo com a volta do grau de investimento, o selo de bom pagador do País. E também disse achar muito improvável que o Brasil se torne a Suíça da América Latina, como disse recentemente o presidente do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), o economista Robin Brooks.

Alberto Ramos diz que novo arcabouço fiscal tem 'flexibilidade demais, é complexo e não estabiliza a dívida' Foto: Felipe Rau/Estadão

A seguir, os principais trechos da entrevista:

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Qual a projeção do Goldman Sachs para o crescimento do Brasil em 2023?

Com o desempenho do PIB muito acima do esperado no primeiro trimestre e revisões nos períodos anteriores, esperamos que o Brasil cresça 2,6% neste ano, ante a nossa projeção anterior de alta de 1,75%. O que dá impulso ao PIB são o ciclo de crédito ao consumo, que ainda está mais ou menos, e as transferências fiscais que, certamente, são muito significativas. Esses fatores têm dado algum alento, junto com o mercado de trabalho, o crescimento da massa de rendimento real.

E do lado negativo?

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A visão do segundo semestre é que já não existe muita margem ociosa na economia. O mercado de trabalho está apertado, o efeito da reabertura no consumo de serviços praticamente já se esgotou, há condições financeiras e monetárias bastante restritivas, um mundo desacelerando, o preço de commodities não dando o impulso que deu lá atrás. Então, tudo milita no sentido de ter um crescimento abaixo de tendência, um crescimento bem baixo.

Como o cenário global, com mais aumento de juros nos EUA e risco de recessão, pode afetar o Brasil?

O crescimento no Brasil vai depender muito mais de fatores domésticos, de ruído político, do comportamento do prêmio de risco dos ativos financeiros, para onde vai a política fiscal e monetária, do que do entorno externo. O Brasil é uma economia extraordinariamente fechada ao comércio internacional. A nossa visão para os Estados Unidos é a de que não vai ter recessão, e o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) não sobe mais o juro, mas também não corta no fim do ano. Portanto, as taxas serão mantidas até ao segundo trimestre de 2024. A gente não está antecipando uma contração da atividade nos Estados Unidos, que por esse canal tenha algum impacto no Brasil.

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O senhor citou o risco político. Como isso pode atrapalhar o andamento das reformas, como a tributária? Isso afeta as expectativas sobre o potencial de crescimento do País?

A parte política reflete a polarização da sociedade e também uma mudança do eixo político. O Congresso hoje tem um protagonismo político e até de manejo macro muito maior do que tinha há dez, 15 anos. O governo, do ponto de vista da governabilidade, encontra dificuldades, tal como o anterior, de fazer essa articulação fina com o Congresso. Reformas? A minha pergunta é: quais reformas? Eu vejo poucas reformas e até bastante retrocessos. A única reforma importante e digna desse nome eu diria que é a tributária.

E qual a sua expectativa sobre a reforma tributária?

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Vamos ver que tipo de reforma que sai. É um tema extraordinariamente denso e complexo. Todo o mundo quer uma reforma, mas poucos provavelmente chegarão a um acordo. A taxa do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) necessária para substituir todo o imposto é extraordinariamente alta, de 25% a 27%. Se for criar regimes especiais e, certamente vai, para educação, para transporte, para a saúde e tudo mais, vai levar a uma taxa ordinária ainda maior. Mas o dividendo dessa reforma, em termos de eficiência, crescimento, é para se materializar daqui a cinco, dez anos. Não muda a cara da economia no curto prazo.

O ambiente político coloca em risco a reforma tributária. Tem chances de sair este ano?

Eu acho que condiciona a reforma tributária. Esse equilíbrio de forças não me parece extraordinariamente estável, em que o governo tem de negociar com o Congresso cada iniciativa legislativa e dada a complexidade, a densidade do tema e que afeta todos os setores, mas de uma maneira bastante heterogênea. Articular essa multiplicidade de interesses não é tarefa fácil. Então, acho que pode demorar para ser aprovada e não sair este ano. Mas, também, sair este ano não faz muita diferença para quem já esperou 35 anos.

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O senhor citou o risco de retrocessos. O temor em torno disso pautou a semana do Brasil em Nova York. Qual foi o saldo desses encontros? Qual a maior preocupação do estrangeiro hoje com o País?

Vamos separar a agenda macro da micro. O objetivo primordial desse governo é gerar crescimento, renda e emprego e todo o resto se subordina a isso, ainda que possa interferir na capacidade do Banco Central de desinflacionar a economia ou que colida com alguma noção de sustentabilidade fiscal a médio e longo prazo. Na parte macro, não preocupa enormemente porque a política monetária vai se manter conservadora e, na parte fiscal, não vamos avançar na direção de uma consolidação, mas não vai ser um desastre.

E na micro?

A parte micro preocupa porque o governo está usando exatamente a mesma cartilha aplicada lá atrás, de um certo intervencionismo regulatório, dando maior protagonismo às empresas e bancos públicos, interferir na política de preços da Petrobras, política de crédito subsidiado, com uma visão de para onde deve ir o crédito. Um banco normal não tem de ter opinião para onde é que o crédito vai, mas esperar que alguém bata na porta. O governo pode ter as suas prioridades, mas quando eu vejo um burocrata tentando dizer a empresários onde eles devem investir, me preocupa bastante. O que acontece na esfera microeconômica pode ter um custo macroeconômico enorme. No fim do dia, não entrega nem crescimento, nem bem-estar.

Essa tem sido a realidade dos mercados emergentes, principalmente do Brasil, nos últimos anos...

Por que a gente fala de populismo? Sempre é possível melhorar a situação no curto prazo, a questão é melhorar de uma forma estrutural e sustentável. Tudo isso é feito com esteroides, tem pouco a ver com a produtividade da economia. Você pode fazer a economia crescer por um ou dois anos, mas depois vem a fase do ajuste e retornar tudo aquilo que foi criado artificialmente. Não vejo grandes reformas (no Brasil), tirando a tributária. O arcabouço fiscal não é uma reforma. Não me parece que seja melhor do que a regra que eliminamos.

Por quê?

O teto de gastos tinha alguns problemas como a falta de flexibilidade. Essa, talvez, tenha flexibilidades demais, é uma regra extraordinariamente complexa, a outra era simples. Como qualquer coisa na vida que é complexa, sempre se encontrar uma maneira de arbitrar. E também tem uma meta indicativa de primário que não estabiliza a dívida.

O governo prometeu zerar o déficit até o fim do ano que vem e um primário de 1% em 2026. São metas factíveis?

Não, acho que não estabiliza a dívida. Ninguém acredita que o governo vai entregar a meta indicativa. Bom, é melhor chegar em 2026 com um primário de 1% do que um número pior, mas não estabiliza a dinâmica da dívida, nem ancora as expectativas. O arcabouço fiscal proposto é muito flexível, os mecanismos de enforcement (mecanismos de controle) não são muito rigorosos.

Agora, nesse cenário que o senhor citou, de ao menos ter um primário de 1% em 2026, é suficiente para o Brasil recuperar o selo de bom pagador?

Não. Acho que estamos longe ainda. “Investment grade” não é só uma questão de primário e estabilizar a dívida, tem também o investimento, o crescimento da economia. Uma economia que a dívida não cresce, mas a economia também não cresce, não é necessariamente um equilíbrio muito saudável, não é? Inclusive as questões institucionais pesam na hora de aferir se um país tem grau de investimento ou não.

O Brasil tem sido citado como um dos principais beneficiados pela continuidade do superciclo das commodities à frente. O presidente do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), o economista Robin Brooks, disse que o Brasil pode ser a Suíça da América Latina. O senhor concorda? Qual a sua visão?

Como aspiração, sim, mas eu duvido que o Brasil seja a Suíça. O Brasil tem muita coisa a seu favor, tem potencial, mas é abafado por má política macro. Para ter crescimento, o País precisa educar, investir e se abrir para o comércio internacional. Foi isso que fez os países asiáticos crescerem. A agenda é essa. Não sei se o Brasil vai virar a Suíça. Provavelmente, não.

NOVA YORK - O terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não será marcado por reformas. Ao contrário, retrocessos, como a volta da antiga cartilha petista na esfera microeconômica, devem prevalecer. A avaliação é do diretor de Pesquisa Macroeconômica do Goldman Sachs para América Latina, Alberto Ramos, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, na sede do banco, em Nova York.

Para o economista, na agenda macro, a única reforma que deve sair é a tributária, mas não neste ano, prevê. “Não vejo grandes reformas (no Brasil), tirando a tributária. O arcabouço fiscal não é uma reforma. Não me parece que seja melhor do que a regra que eliminamos (o teto de gastos)”, afirma, ao considerar que o arcabouço “tem flexibilidade demais, é complexo e não estabiliza a dívida”.

Neste ambiente, Ramos demonstra pouco otimismo com a volta do grau de investimento, o selo de bom pagador do País. E também disse achar muito improvável que o Brasil se torne a Suíça da América Latina, como disse recentemente o presidente do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), o economista Robin Brooks.

Alberto Ramos diz que novo arcabouço fiscal tem 'flexibilidade demais, é complexo e não estabiliza a dívida' Foto: Felipe Rau/Estadão

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual a projeção do Goldman Sachs para o crescimento do Brasil em 2023?

Com o desempenho do PIB muito acima do esperado no primeiro trimestre e revisões nos períodos anteriores, esperamos que o Brasil cresça 2,6% neste ano, ante a nossa projeção anterior de alta de 1,75%. O que dá impulso ao PIB são o ciclo de crédito ao consumo, que ainda está mais ou menos, e as transferências fiscais que, certamente, são muito significativas. Esses fatores têm dado algum alento, junto com o mercado de trabalho, o crescimento da massa de rendimento real.

E do lado negativo?

A visão do segundo semestre é que já não existe muita margem ociosa na economia. O mercado de trabalho está apertado, o efeito da reabertura no consumo de serviços praticamente já se esgotou, há condições financeiras e monetárias bastante restritivas, um mundo desacelerando, o preço de commodities não dando o impulso que deu lá atrás. Então, tudo milita no sentido de ter um crescimento abaixo de tendência, um crescimento bem baixo.

Como o cenário global, com mais aumento de juros nos EUA e risco de recessão, pode afetar o Brasil?

O crescimento no Brasil vai depender muito mais de fatores domésticos, de ruído político, do comportamento do prêmio de risco dos ativos financeiros, para onde vai a política fiscal e monetária, do que do entorno externo. O Brasil é uma economia extraordinariamente fechada ao comércio internacional. A nossa visão para os Estados Unidos é a de que não vai ter recessão, e o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) não sobe mais o juro, mas também não corta no fim do ano. Portanto, as taxas serão mantidas até ao segundo trimestre de 2024. A gente não está antecipando uma contração da atividade nos Estados Unidos, que por esse canal tenha algum impacto no Brasil.

O senhor citou o risco político. Como isso pode atrapalhar o andamento das reformas, como a tributária? Isso afeta as expectativas sobre o potencial de crescimento do País?

A parte política reflete a polarização da sociedade e também uma mudança do eixo político. O Congresso hoje tem um protagonismo político e até de manejo macro muito maior do que tinha há dez, 15 anos. O governo, do ponto de vista da governabilidade, encontra dificuldades, tal como o anterior, de fazer essa articulação fina com o Congresso. Reformas? A minha pergunta é: quais reformas? Eu vejo poucas reformas e até bastante retrocessos. A única reforma importante e digna desse nome eu diria que é a tributária.

E qual a sua expectativa sobre a reforma tributária?

Vamos ver que tipo de reforma que sai. É um tema extraordinariamente denso e complexo. Todo o mundo quer uma reforma, mas poucos provavelmente chegarão a um acordo. A taxa do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) necessária para substituir todo o imposto é extraordinariamente alta, de 25% a 27%. Se for criar regimes especiais e, certamente vai, para educação, para transporte, para a saúde e tudo mais, vai levar a uma taxa ordinária ainda maior. Mas o dividendo dessa reforma, em termos de eficiência, crescimento, é para se materializar daqui a cinco, dez anos. Não muda a cara da economia no curto prazo.

O ambiente político coloca em risco a reforma tributária. Tem chances de sair este ano?

Eu acho que condiciona a reforma tributária. Esse equilíbrio de forças não me parece extraordinariamente estável, em que o governo tem de negociar com o Congresso cada iniciativa legislativa e dada a complexidade, a densidade do tema e que afeta todos os setores, mas de uma maneira bastante heterogênea. Articular essa multiplicidade de interesses não é tarefa fácil. Então, acho que pode demorar para ser aprovada e não sair este ano. Mas, também, sair este ano não faz muita diferença para quem já esperou 35 anos.

O senhor citou o risco de retrocessos. O temor em torno disso pautou a semana do Brasil em Nova York. Qual foi o saldo desses encontros? Qual a maior preocupação do estrangeiro hoje com o País?

Vamos separar a agenda macro da micro. O objetivo primordial desse governo é gerar crescimento, renda e emprego e todo o resto se subordina a isso, ainda que possa interferir na capacidade do Banco Central de desinflacionar a economia ou que colida com alguma noção de sustentabilidade fiscal a médio e longo prazo. Na parte macro, não preocupa enormemente porque a política monetária vai se manter conservadora e, na parte fiscal, não vamos avançar na direção de uma consolidação, mas não vai ser um desastre.

E na micro?

A parte micro preocupa porque o governo está usando exatamente a mesma cartilha aplicada lá atrás, de um certo intervencionismo regulatório, dando maior protagonismo às empresas e bancos públicos, interferir na política de preços da Petrobras, política de crédito subsidiado, com uma visão de para onde deve ir o crédito. Um banco normal não tem de ter opinião para onde é que o crédito vai, mas esperar que alguém bata na porta. O governo pode ter as suas prioridades, mas quando eu vejo um burocrata tentando dizer a empresários onde eles devem investir, me preocupa bastante. O que acontece na esfera microeconômica pode ter um custo macroeconômico enorme. No fim do dia, não entrega nem crescimento, nem bem-estar.

Essa tem sido a realidade dos mercados emergentes, principalmente do Brasil, nos últimos anos...

Por que a gente fala de populismo? Sempre é possível melhorar a situação no curto prazo, a questão é melhorar de uma forma estrutural e sustentável. Tudo isso é feito com esteroides, tem pouco a ver com a produtividade da economia. Você pode fazer a economia crescer por um ou dois anos, mas depois vem a fase do ajuste e retornar tudo aquilo que foi criado artificialmente. Não vejo grandes reformas (no Brasil), tirando a tributária. O arcabouço fiscal não é uma reforma. Não me parece que seja melhor do que a regra que eliminamos.

Por quê?

O teto de gastos tinha alguns problemas como a falta de flexibilidade. Essa, talvez, tenha flexibilidades demais, é uma regra extraordinariamente complexa, a outra era simples. Como qualquer coisa na vida que é complexa, sempre se encontrar uma maneira de arbitrar. E também tem uma meta indicativa de primário que não estabiliza a dívida.

O governo prometeu zerar o déficit até o fim do ano que vem e um primário de 1% em 2026. São metas factíveis?

Não, acho que não estabiliza a dívida. Ninguém acredita que o governo vai entregar a meta indicativa. Bom, é melhor chegar em 2026 com um primário de 1% do que um número pior, mas não estabiliza a dinâmica da dívida, nem ancora as expectativas. O arcabouço fiscal proposto é muito flexível, os mecanismos de enforcement (mecanismos de controle) não são muito rigorosos.

Agora, nesse cenário que o senhor citou, de ao menos ter um primário de 1% em 2026, é suficiente para o Brasil recuperar o selo de bom pagador?

Não. Acho que estamos longe ainda. “Investment grade” não é só uma questão de primário e estabilizar a dívida, tem também o investimento, o crescimento da economia. Uma economia que a dívida não cresce, mas a economia também não cresce, não é necessariamente um equilíbrio muito saudável, não é? Inclusive as questões institucionais pesam na hora de aferir se um país tem grau de investimento ou não.

O Brasil tem sido citado como um dos principais beneficiados pela continuidade do superciclo das commodities à frente. O presidente do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), o economista Robin Brooks, disse que o Brasil pode ser a Suíça da América Latina. O senhor concorda? Qual a sua visão?

Como aspiração, sim, mas eu duvido que o Brasil seja a Suíça. O Brasil tem muita coisa a seu favor, tem potencial, mas é abafado por má política macro. Para ter crescimento, o País precisa educar, investir e se abrir para o comércio internacional. Foi isso que fez os países asiáticos crescerem. A agenda é essa. Não sei se o Brasil vai virar a Suíça. Provavelmente, não.

NOVA YORK - O terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não será marcado por reformas. Ao contrário, retrocessos, como a volta da antiga cartilha petista na esfera microeconômica, devem prevalecer. A avaliação é do diretor de Pesquisa Macroeconômica do Goldman Sachs para América Latina, Alberto Ramos, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, na sede do banco, em Nova York.

Para o economista, na agenda macro, a única reforma que deve sair é a tributária, mas não neste ano, prevê. “Não vejo grandes reformas (no Brasil), tirando a tributária. O arcabouço fiscal não é uma reforma. Não me parece que seja melhor do que a regra que eliminamos (o teto de gastos)”, afirma, ao considerar que o arcabouço “tem flexibilidade demais, é complexo e não estabiliza a dívida”.

Neste ambiente, Ramos demonstra pouco otimismo com a volta do grau de investimento, o selo de bom pagador do País. E também disse achar muito improvável que o Brasil se torne a Suíça da América Latina, como disse recentemente o presidente do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), o economista Robin Brooks.

Alberto Ramos diz que novo arcabouço fiscal tem 'flexibilidade demais, é complexo e não estabiliza a dívida' Foto: Felipe Rau/Estadão

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual a projeção do Goldman Sachs para o crescimento do Brasil em 2023?

Com o desempenho do PIB muito acima do esperado no primeiro trimestre e revisões nos períodos anteriores, esperamos que o Brasil cresça 2,6% neste ano, ante a nossa projeção anterior de alta de 1,75%. O que dá impulso ao PIB são o ciclo de crédito ao consumo, que ainda está mais ou menos, e as transferências fiscais que, certamente, são muito significativas. Esses fatores têm dado algum alento, junto com o mercado de trabalho, o crescimento da massa de rendimento real.

E do lado negativo?

A visão do segundo semestre é que já não existe muita margem ociosa na economia. O mercado de trabalho está apertado, o efeito da reabertura no consumo de serviços praticamente já se esgotou, há condições financeiras e monetárias bastante restritivas, um mundo desacelerando, o preço de commodities não dando o impulso que deu lá atrás. Então, tudo milita no sentido de ter um crescimento abaixo de tendência, um crescimento bem baixo.

Como o cenário global, com mais aumento de juros nos EUA e risco de recessão, pode afetar o Brasil?

O crescimento no Brasil vai depender muito mais de fatores domésticos, de ruído político, do comportamento do prêmio de risco dos ativos financeiros, para onde vai a política fiscal e monetária, do que do entorno externo. O Brasil é uma economia extraordinariamente fechada ao comércio internacional. A nossa visão para os Estados Unidos é a de que não vai ter recessão, e o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) não sobe mais o juro, mas também não corta no fim do ano. Portanto, as taxas serão mantidas até ao segundo trimestre de 2024. A gente não está antecipando uma contração da atividade nos Estados Unidos, que por esse canal tenha algum impacto no Brasil.

O senhor citou o risco político. Como isso pode atrapalhar o andamento das reformas, como a tributária? Isso afeta as expectativas sobre o potencial de crescimento do País?

A parte política reflete a polarização da sociedade e também uma mudança do eixo político. O Congresso hoje tem um protagonismo político e até de manejo macro muito maior do que tinha há dez, 15 anos. O governo, do ponto de vista da governabilidade, encontra dificuldades, tal como o anterior, de fazer essa articulação fina com o Congresso. Reformas? A minha pergunta é: quais reformas? Eu vejo poucas reformas e até bastante retrocessos. A única reforma importante e digna desse nome eu diria que é a tributária.

E qual a sua expectativa sobre a reforma tributária?

Vamos ver que tipo de reforma que sai. É um tema extraordinariamente denso e complexo. Todo o mundo quer uma reforma, mas poucos provavelmente chegarão a um acordo. A taxa do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) necessária para substituir todo o imposto é extraordinariamente alta, de 25% a 27%. Se for criar regimes especiais e, certamente vai, para educação, para transporte, para a saúde e tudo mais, vai levar a uma taxa ordinária ainda maior. Mas o dividendo dessa reforma, em termos de eficiência, crescimento, é para se materializar daqui a cinco, dez anos. Não muda a cara da economia no curto prazo.

O ambiente político coloca em risco a reforma tributária. Tem chances de sair este ano?

Eu acho que condiciona a reforma tributária. Esse equilíbrio de forças não me parece extraordinariamente estável, em que o governo tem de negociar com o Congresso cada iniciativa legislativa e dada a complexidade, a densidade do tema e que afeta todos os setores, mas de uma maneira bastante heterogênea. Articular essa multiplicidade de interesses não é tarefa fácil. Então, acho que pode demorar para ser aprovada e não sair este ano. Mas, também, sair este ano não faz muita diferença para quem já esperou 35 anos.

O senhor citou o risco de retrocessos. O temor em torno disso pautou a semana do Brasil em Nova York. Qual foi o saldo desses encontros? Qual a maior preocupação do estrangeiro hoje com o País?

Vamos separar a agenda macro da micro. O objetivo primordial desse governo é gerar crescimento, renda e emprego e todo o resto se subordina a isso, ainda que possa interferir na capacidade do Banco Central de desinflacionar a economia ou que colida com alguma noção de sustentabilidade fiscal a médio e longo prazo. Na parte macro, não preocupa enormemente porque a política monetária vai se manter conservadora e, na parte fiscal, não vamos avançar na direção de uma consolidação, mas não vai ser um desastre.

E na micro?

A parte micro preocupa porque o governo está usando exatamente a mesma cartilha aplicada lá atrás, de um certo intervencionismo regulatório, dando maior protagonismo às empresas e bancos públicos, interferir na política de preços da Petrobras, política de crédito subsidiado, com uma visão de para onde deve ir o crédito. Um banco normal não tem de ter opinião para onde é que o crédito vai, mas esperar que alguém bata na porta. O governo pode ter as suas prioridades, mas quando eu vejo um burocrata tentando dizer a empresários onde eles devem investir, me preocupa bastante. O que acontece na esfera microeconômica pode ter um custo macroeconômico enorme. No fim do dia, não entrega nem crescimento, nem bem-estar.

Essa tem sido a realidade dos mercados emergentes, principalmente do Brasil, nos últimos anos...

Por que a gente fala de populismo? Sempre é possível melhorar a situação no curto prazo, a questão é melhorar de uma forma estrutural e sustentável. Tudo isso é feito com esteroides, tem pouco a ver com a produtividade da economia. Você pode fazer a economia crescer por um ou dois anos, mas depois vem a fase do ajuste e retornar tudo aquilo que foi criado artificialmente. Não vejo grandes reformas (no Brasil), tirando a tributária. O arcabouço fiscal não é uma reforma. Não me parece que seja melhor do que a regra que eliminamos.

Por quê?

O teto de gastos tinha alguns problemas como a falta de flexibilidade. Essa, talvez, tenha flexibilidades demais, é uma regra extraordinariamente complexa, a outra era simples. Como qualquer coisa na vida que é complexa, sempre se encontrar uma maneira de arbitrar. E também tem uma meta indicativa de primário que não estabiliza a dívida.

O governo prometeu zerar o déficit até o fim do ano que vem e um primário de 1% em 2026. São metas factíveis?

Não, acho que não estabiliza a dívida. Ninguém acredita que o governo vai entregar a meta indicativa. Bom, é melhor chegar em 2026 com um primário de 1% do que um número pior, mas não estabiliza a dinâmica da dívida, nem ancora as expectativas. O arcabouço fiscal proposto é muito flexível, os mecanismos de enforcement (mecanismos de controle) não são muito rigorosos.

Agora, nesse cenário que o senhor citou, de ao menos ter um primário de 1% em 2026, é suficiente para o Brasil recuperar o selo de bom pagador?

Não. Acho que estamos longe ainda. “Investment grade” não é só uma questão de primário e estabilizar a dívida, tem também o investimento, o crescimento da economia. Uma economia que a dívida não cresce, mas a economia também não cresce, não é necessariamente um equilíbrio muito saudável, não é? Inclusive as questões institucionais pesam na hora de aferir se um país tem grau de investimento ou não.

O Brasil tem sido citado como um dos principais beneficiados pela continuidade do superciclo das commodities à frente. O presidente do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), o economista Robin Brooks, disse que o Brasil pode ser a Suíça da América Latina. O senhor concorda? Qual a sua visão?

Como aspiração, sim, mas eu duvido que o Brasil seja a Suíça. O Brasil tem muita coisa a seu favor, tem potencial, mas é abafado por má política macro. Para ter crescimento, o País precisa educar, investir e se abrir para o comércio internacional. Foi isso que fez os países asiáticos crescerem. A agenda é essa. Não sei se o Brasil vai virar a Suíça. Provavelmente, não.

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