‘É maior a probabilidade de o juro subir do que cair no Brasil’, diz executivo do Goldman Sachs


Diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina, Alberto Ramos afirma que País está ‘a vários sistemas solares de distância do equilíbrio fiscal’ e considera que, apesar de Lula ter baixado o tom, mercado continua ‘nervoso’

Por Aline Bronzati
Atualização:
Foto: Felipe Rau/Estadão
Entrevista comAlberto RamosDiretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs

NOVA YORK - A recente crise fiscal no Brasil, que fez o real bater R$ 5,70, aumentou as chances de os juros voltarem a subir no País, alerta o diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos. O estresse do mercado foi contido após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva baixar o tom e indicar comprometimento fiscal por parte do seu governo, mas o sinal foi “abstrato”. Faltam medidas estruturais para endereçar o problema, defende o economista.

“Nos próximos cinco meses, é maior a probabilidade do juro subir do que do juro cair no Brasil”, diz Ramos, baseado em Nova York, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast. Por ora, esse não é o seu cenário base, mas o economista lembra que o mercado, ao qual Lula tanto critica, ainda está “nervoso”. “O mercado perdeu dinheiro quando o câmbio estressou porque estava posicionado para a apreciação do câmbio e queda de juro”, afirma.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

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As incertezas fiscais aumentaram no Brasil nos últimos meses, colocando os ativos domésticos sob pressão. Qual a sua visão?

O mercado começou a ficar mais preocupado com a dinâmica fiscal. Os sinais emitidos pelo governo em relação às políticas fiscal e monetária e ao Banco Central adicionaram um pouquinho mais de combustível nesse fogo aí. Ficou estressado, ficou complicado. Ainda estamos um pouco nessa toada.

A recente crise comprometeu o novo arcabouço fiscal?

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O novo arcabouço falhou espetacularmente como âncora fiscal e nunca conseguiu convencer os agentes econômicos que seria possível entregar primários crescentes. A realidade se encarregou de mostrar isso, e o governo já revisou as metas estabelecidas há cerca de um ano. Por outro lado, as metas também não eram credíveis, porque tinham a premissa de que o governo teria a capacidade de aumentar a carga tributária de maneira bastante significativa. O governo teve algum sucesso, mas não o necessário para entregar essas metas porque continua resistente a olhar o gasto de uma maneira diferente.

Segundo Alberto Ramos, governo precisa se financiar e, portanto, precisa do mercado Foto: Felipe Rau/Estadão

Depois do estresse no mercado, o presidente Lula começou a falar em responsabilidade fiscal. Isso melhora o quadro?

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O presidente já mencionou várias vezes que aprendeu desde criança a não gastar mais do que pode, do que arrecada, mas a realidade mostra que o Brasil está gastando muito mais do que arrecada, muito mais do que pode. Onde é que está o primário? Em menos de cerca de R$ 280 bilhões no acumulado de 12 meses, ou seja, -2,5% do PIB (Produto Interno Bruto). Onde é que está o déficit fiscal nominal total? Em R$ 1 trilhão, -9,6% do PIB. O Brasil está a vários sistemas solares de distância do equilíbrio fiscal.

O presidente Lula criticou o mercado pelo câmbio, pelo juro alto, por ser o único a querer um Banco Central autônomo.

O mercado está nervoso. Quanto àquela ideia de que o mercado é tudo especulador, que quer juro alto, eu lembraria que a indústria de fundos perdeu muito dinheiro no ano passado e continuou perdendo em 2024 porque acreditava que o juro ia cair mais no Brasil. Tinha uma aposta positiva e construtiva. O mercado não ganha quando o juro sobe, o mercado perdeu dinheiro quando o juro parou de cair. O mercado perdeu dinheiro quando o câmbio estressou porque estava posicionado para a apreciação do câmbio e queda de juro. O mercado é uma agregação abstrata de bilhões e bilhões de transações. Não é uma pessoa que está especulando e vai mover o real para R$ 5,70.

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Em meio ao estresse fiscal, o governo anunciou corte de R$ 25,9 bilhões em benefícios sociais. É o suficiente?

A revisão do cadastro de beneficiários dos programas sociais não é medida, isso devia ser uma agenda permanente. Quem não é elegível, se tem fraude, não deveria receber. É para isso que o governo tem unidades que fazem essa auditoria. A pergunta é por que só fez agora depois de um ano e meio no poder? Essa deveria ter sido uma agenda desde o dia 1º.

Ou seja, não é suficiente?

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É sempre possível apertar um pouco o fiscal, contingenciar um pouquinho. O ideal seriam medidas estruturadas porque, no fim, o governo acaba chutando a lata para frente, exigindo ajustes nos anos seguintes. Há um problema estrutural no Orçamento, que são as vinculações constitucionais na saúde e na educação e a vinculação dos benefícios previdenciários ao salário mínimo. Não significa que vai gastar menos, pode até gastar mais.

E qual o benefício?

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Acabar com essa rigidez que torna o manejo orçamental muito mais difícil. É uma questão de flexibilidade, de lógica, de eficiência no manejo do orçamento. Ninguém está dizendo que tem que diminuir o salário mínimo. Você até pode aumentá-lo, só que não tem que ter vinculação com o benefício previdenciário.

Os sinais do presidente Lula sobre o fiscal foram suficientes?

Esse estresse todo no câmbio e nos juros tinha muito a ver com os sinais que o governo estava emitindo. Mostraram um pouco mais de dedicação à disciplina fiscal, e é isso o que o mercado estava pedindo.

E quanto às críticas de Lula aos juros?

Quem determina o juro não é o Banco Central. É o investidor que empresta ao governo. Quando ele olha para a situação fiscal, do país, da qualidade do pagador, (e não vê bons sinais), vai demandar prêmio de risco. O Banco Central pode até fazer um experimento e reduzir o juro a zero, mas a taxa de financiamento do governo não será zero porque não é o Banco Central que define. No dia seguinte, o Tesouro vai pagar um juro muito mais elevado para financiar a sua dívida. O mercado vai achar que o juro a zero vai gerar pressão inflacionária, que é ruim para a economia, que está fora de contexto e o prêmio de risco sobe. Não interessa baixar o juro na marra. O governo precisa se financiar e, portanto, precisa do mercado.

Os estrangeiros tiraram mais de R$ 40 bilhões da Bolsa brasileira no primeiro semestre. Na nossa última entrevista, o senhor disse que o olhar internacional estava interessante, mas que não via ninguém apaixonado pelo Brasil, que o País era o que tinha sobrado para dançar. E agora?

Agora, acabou a festa. Não tem mais ninguém para dançar. Claramente, a parte externa mudou. Naquela altura havia a perspectiva de que o Fed fosse cortar os juros em quatro, cinco, até seis vezes neste ano, e hoje vai cortar uma ou duas. Essa mudança limita ou facilita a calibração da política monetária no Brasil dando um pouco mais de margem de manobra. E tudo o que aconteceu no Brasil nos últimos meses.

O quê?

A mudança das metas fiscais, a troca de comando na Petrobras, a tentativa de fazer o mesmo na Vale, a deterioração das expectativas para a inflação, o câmbio, um mercado de trabalho ainda aquecido, uma dinâmica de salários alta, um estímulo fiscal que continua bastante intenso e o fato de o Banco Central já ter cortado muito os juros. Vamos ver como o Brasil descasca a cebola daqui para frente.

Como fica o câmbio à frente?

Não dá para projetar câmbio no Brasil. O câmbio andou muito e muito rápido. A boa notícia é que esse problema tem solução. O que vai fazer preço, acalmar o mercado e pode levar a alguma reversão nessa dinâmica do câmbio, como tem ocorrido, e dos juros são indicações mais contundentes de comprometimento fiscal e particularmente com a parte estrutural do gasto. O governo pode contingenciar, fazer ações no curto prazo, mas isso não resolve o problema estrutural de médio e longo prazo.

As falas do presidente Lula estão indo nessa direção. Falta mais apoio político para a equipe econômica?

Foi um sinal importante, mas abstrato. Falta detalhe, saber quais são as medidas exatamente, se são credíveis, o que o governo estima que vai poupar ou o que vai cortar. A primeira indicação é que o governo vai olhar para isso, o que é uma coisa boa.

Em meio à piora da credibilidade fiscal, a Fitch reafirmou o rating do Brasil. Essa crise afasta ainda mais o País do grau de investimento? O Brasil parou de avançar nessa direção?

Sim. Pode ficar mais distante. O mercado reage e as agências de rating também. A diferença é que o mercado reage instantaneamente. Sinais de maior controle do gasto, e o avanço de reformas como a administrativa podem, claramente, ajudar o País a ter o seu rating elevado. O contrário também é verdadeiro. Se houver cada vez mais uma preocupação maior com a dinâmica fiscal, com a política micro, pode atrasar.

Os juros podem voltar a subir no Brasil?

Claramente o risco existe e é maior do que era há dois ou três meses. Agora, o que me preocupa se o juro voltar a subir é o que está acontecendo e que pode levar à subida das taxas. O aumento de juros não está no meu cenário base, mas a probabilidade de isso acontecer, claramente, é maior. Eu diria que, nos próximos cinco meses, é maior a probabilidade de o juro subir do que do juro cair no Brasil.

E a mudança de comando no BC?

É uma transição, e, com isso, pode vir outra orientação de política monetária. Isso, naturalmente, gera alguma incerteza e algum prêmio de risco no curto prazo. O tempo dirá.

Mas os sinais vão nessa direção, de mudança de política monetária?

Ninguém sabe o futuro. Ninguém tem uma bola de cristal, mas a função do mercado é se precaver.

NOVA YORK - A recente crise fiscal no Brasil, que fez o real bater R$ 5,70, aumentou as chances de os juros voltarem a subir no País, alerta o diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos. O estresse do mercado foi contido após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva baixar o tom e indicar comprometimento fiscal por parte do seu governo, mas o sinal foi “abstrato”. Faltam medidas estruturais para endereçar o problema, defende o economista.

“Nos próximos cinco meses, é maior a probabilidade do juro subir do que do juro cair no Brasil”, diz Ramos, baseado em Nova York, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast. Por ora, esse não é o seu cenário base, mas o economista lembra que o mercado, ao qual Lula tanto critica, ainda está “nervoso”. “O mercado perdeu dinheiro quando o câmbio estressou porque estava posicionado para a apreciação do câmbio e queda de juro”, afirma.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

As incertezas fiscais aumentaram no Brasil nos últimos meses, colocando os ativos domésticos sob pressão. Qual a sua visão?

O mercado começou a ficar mais preocupado com a dinâmica fiscal. Os sinais emitidos pelo governo em relação às políticas fiscal e monetária e ao Banco Central adicionaram um pouquinho mais de combustível nesse fogo aí. Ficou estressado, ficou complicado. Ainda estamos um pouco nessa toada.

A recente crise comprometeu o novo arcabouço fiscal?

O novo arcabouço falhou espetacularmente como âncora fiscal e nunca conseguiu convencer os agentes econômicos que seria possível entregar primários crescentes. A realidade se encarregou de mostrar isso, e o governo já revisou as metas estabelecidas há cerca de um ano. Por outro lado, as metas também não eram credíveis, porque tinham a premissa de que o governo teria a capacidade de aumentar a carga tributária de maneira bastante significativa. O governo teve algum sucesso, mas não o necessário para entregar essas metas porque continua resistente a olhar o gasto de uma maneira diferente.

Segundo Alberto Ramos, governo precisa se financiar e, portanto, precisa do mercado Foto: Felipe Rau/Estadão

Depois do estresse no mercado, o presidente Lula começou a falar em responsabilidade fiscal. Isso melhora o quadro?

O presidente já mencionou várias vezes que aprendeu desde criança a não gastar mais do que pode, do que arrecada, mas a realidade mostra que o Brasil está gastando muito mais do que arrecada, muito mais do que pode. Onde é que está o primário? Em menos de cerca de R$ 280 bilhões no acumulado de 12 meses, ou seja, -2,5% do PIB (Produto Interno Bruto). Onde é que está o déficit fiscal nominal total? Em R$ 1 trilhão, -9,6% do PIB. O Brasil está a vários sistemas solares de distância do equilíbrio fiscal.

O presidente Lula criticou o mercado pelo câmbio, pelo juro alto, por ser o único a querer um Banco Central autônomo.

O mercado está nervoso. Quanto àquela ideia de que o mercado é tudo especulador, que quer juro alto, eu lembraria que a indústria de fundos perdeu muito dinheiro no ano passado e continuou perdendo em 2024 porque acreditava que o juro ia cair mais no Brasil. Tinha uma aposta positiva e construtiva. O mercado não ganha quando o juro sobe, o mercado perdeu dinheiro quando o juro parou de cair. O mercado perdeu dinheiro quando o câmbio estressou porque estava posicionado para a apreciação do câmbio e queda de juro. O mercado é uma agregação abstrata de bilhões e bilhões de transações. Não é uma pessoa que está especulando e vai mover o real para R$ 5,70.

Em meio ao estresse fiscal, o governo anunciou corte de R$ 25,9 bilhões em benefícios sociais. É o suficiente?

A revisão do cadastro de beneficiários dos programas sociais não é medida, isso devia ser uma agenda permanente. Quem não é elegível, se tem fraude, não deveria receber. É para isso que o governo tem unidades que fazem essa auditoria. A pergunta é por que só fez agora depois de um ano e meio no poder? Essa deveria ter sido uma agenda desde o dia 1º.

Ou seja, não é suficiente?

É sempre possível apertar um pouco o fiscal, contingenciar um pouquinho. O ideal seriam medidas estruturadas porque, no fim, o governo acaba chutando a lata para frente, exigindo ajustes nos anos seguintes. Há um problema estrutural no Orçamento, que são as vinculações constitucionais na saúde e na educação e a vinculação dos benefícios previdenciários ao salário mínimo. Não significa que vai gastar menos, pode até gastar mais.

E qual o benefício?

Acabar com essa rigidez que torna o manejo orçamental muito mais difícil. É uma questão de flexibilidade, de lógica, de eficiência no manejo do orçamento. Ninguém está dizendo que tem que diminuir o salário mínimo. Você até pode aumentá-lo, só que não tem que ter vinculação com o benefício previdenciário.

Os sinais do presidente Lula sobre o fiscal foram suficientes?

Esse estresse todo no câmbio e nos juros tinha muito a ver com os sinais que o governo estava emitindo. Mostraram um pouco mais de dedicação à disciplina fiscal, e é isso o que o mercado estava pedindo.

E quanto às críticas de Lula aos juros?

Quem determina o juro não é o Banco Central. É o investidor que empresta ao governo. Quando ele olha para a situação fiscal, do país, da qualidade do pagador, (e não vê bons sinais), vai demandar prêmio de risco. O Banco Central pode até fazer um experimento e reduzir o juro a zero, mas a taxa de financiamento do governo não será zero porque não é o Banco Central que define. No dia seguinte, o Tesouro vai pagar um juro muito mais elevado para financiar a sua dívida. O mercado vai achar que o juro a zero vai gerar pressão inflacionária, que é ruim para a economia, que está fora de contexto e o prêmio de risco sobe. Não interessa baixar o juro na marra. O governo precisa se financiar e, portanto, precisa do mercado.

Os estrangeiros tiraram mais de R$ 40 bilhões da Bolsa brasileira no primeiro semestre. Na nossa última entrevista, o senhor disse que o olhar internacional estava interessante, mas que não via ninguém apaixonado pelo Brasil, que o País era o que tinha sobrado para dançar. E agora?

Agora, acabou a festa. Não tem mais ninguém para dançar. Claramente, a parte externa mudou. Naquela altura havia a perspectiva de que o Fed fosse cortar os juros em quatro, cinco, até seis vezes neste ano, e hoje vai cortar uma ou duas. Essa mudança limita ou facilita a calibração da política monetária no Brasil dando um pouco mais de margem de manobra. E tudo o que aconteceu no Brasil nos últimos meses.

O quê?

A mudança das metas fiscais, a troca de comando na Petrobras, a tentativa de fazer o mesmo na Vale, a deterioração das expectativas para a inflação, o câmbio, um mercado de trabalho ainda aquecido, uma dinâmica de salários alta, um estímulo fiscal que continua bastante intenso e o fato de o Banco Central já ter cortado muito os juros. Vamos ver como o Brasil descasca a cebola daqui para frente.

Como fica o câmbio à frente?

Não dá para projetar câmbio no Brasil. O câmbio andou muito e muito rápido. A boa notícia é que esse problema tem solução. O que vai fazer preço, acalmar o mercado e pode levar a alguma reversão nessa dinâmica do câmbio, como tem ocorrido, e dos juros são indicações mais contundentes de comprometimento fiscal e particularmente com a parte estrutural do gasto. O governo pode contingenciar, fazer ações no curto prazo, mas isso não resolve o problema estrutural de médio e longo prazo.

As falas do presidente Lula estão indo nessa direção. Falta mais apoio político para a equipe econômica?

Foi um sinal importante, mas abstrato. Falta detalhe, saber quais são as medidas exatamente, se são credíveis, o que o governo estima que vai poupar ou o que vai cortar. A primeira indicação é que o governo vai olhar para isso, o que é uma coisa boa.

Em meio à piora da credibilidade fiscal, a Fitch reafirmou o rating do Brasil. Essa crise afasta ainda mais o País do grau de investimento? O Brasil parou de avançar nessa direção?

Sim. Pode ficar mais distante. O mercado reage e as agências de rating também. A diferença é que o mercado reage instantaneamente. Sinais de maior controle do gasto, e o avanço de reformas como a administrativa podem, claramente, ajudar o País a ter o seu rating elevado. O contrário também é verdadeiro. Se houver cada vez mais uma preocupação maior com a dinâmica fiscal, com a política micro, pode atrasar.

Os juros podem voltar a subir no Brasil?

Claramente o risco existe e é maior do que era há dois ou três meses. Agora, o que me preocupa se o juro voltar a subir é o que está acontecendo e que pode levar à subida das taxas. O aumento de juros não está no meu cenário base, mas a probabilidade de isso acontecer, claramente, é maior. Eu diria que, nos próximos cinco meses, é maior a probabilidade de o juro subir do que do juro cair no Brasil.

E a mudança de comando no BC?

É uma transição, e, com isso, pode vir outra orientação de política monetária. Isso, naturalmente, gera alguma incerteza e algum prêmio de risco no curto prazo. O tempo dirá.

Mas os sinais vão nessa direção, de mudança de política monetária?

Ninguém sabe o futuro. Ninguém tem uma bola de cristal, mas a função do mercado é se precaver.

NOVA YORK - A recente crise fiscal no Brasil, que fez o real bater R$ 5,70, aumentou as chances de os juros voltarem a subir no País, alerta o diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos. O estresse do mercado foi contido após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva baixar o tom e indicar comprometimento fiscal por parte do seu governo, mas o sinal foi “abstrato”. Faltam medidas estruturais para endereçar o problema, defende o economista.

“Nos próximos cinco meses, é maior a probabilidade do juro subir do que do juro cair no Brasil”, diz Ramos, baseado em Nova York, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast. Por ora, esse não é o seu cenário base, mas o economista lembra que o mercado, ao qual Lula tanto critica, ainda está “nervoso”. “O mercado perdeu dinheiro quando o câmbio estressou porque estava posicionado para a apreciação do câmbio e queda de juro”, afirma.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

As incertezas fiscais aumentaram no Brasil nos últimos meses, colocando os ativos domésticos sob pressão. Qual a sua visão?

O mercado começou a ficar mais preocupado com a dinâmica fiscal. Os sinais emitidos pelo governo em relação às políticas fiscal e monetária e ao Banco Central adicionaram um pouquinho mais de combustível nesse fogo aí. Ficou estressado, ficou complicado. Ainda estamos um pouco nessa toada.

A recente crise comprometeu o novo arcabouço fiscal?

O novo arcabouço falhou espetacularmente como âncora fiscal e nunca conseguiu convencer os agentes econômicos que seria possível entregar primários crescentes. A realidade se encarregou de mostrar isso, e o governo já revisou as metas estabelecidas há cerca de um ano. Por outro lado, as metas também não eram credíveis, porque tinham a premissa de que o governo teria a capacidade de aumentar a carga tributária de maneira bastante significativa. O governo teve algum sucesso, mas não o necessário para entregar essas metas porque continua resistente a olhar o gasto de uma maneira diferente.

Segundo Alberto Ramos, governo precisa se financiar e, portanto, precisa do mercado Foto: Felipe Rau/Estadão

Depois do estresse no mercado, o presidente Lula começou a falar em responsabilidade fiscal. Isso melhora o quadro?

O presidente já mencionou várias vezes que aprendeu desde criança a não gastar mais do que pode, do que arrecada, mas a realidade mostra que o Brasil está gastando muito mais do que arrecada, muito mais do que pode. Onde é que está o primário? Em menos de cerca de R$ 280 bilhões no acumulado de 12 meses, ou seja, -2,5% do PIB (Produto Interno Bruto). Onde é que está o déficit fiscal nominal total? Em R$ 1 trilhão, -9,6% do PIB. O Brasil está a vários sistemas solares de distância do equilíbrio fiscal.

O presidente Lula criticou o mercado pelo câmbio, pelo juro alto, por ser o único a querer um Banco Central autônomo.

O mercado está nervoso. Quanto àquela ideia de que o mercado é tudo especulador, que quer juro alto, eu lembraria que a indústria de fundos perdeu muito dinheiro no ano passado e continuou perdendo em 2024 porque acreditava que o juro ia cair mais no Brasil. Tinha uma aposta positiva e construtiva. O mercado não ganha quando o juro sobe, o mercado perdeu dinheiro quando o juro parou de cair. O mercado perdeu dinheiro quando o câmbio estressou porque estava posicionado para a apreciação do câmbio e queda de juro. O mercado é uma agregação abstrata de bilhões e bilhões de transações. Não é uma pessoa que está especulando e vai mover o real para R$ 5,70.

Em meio ao estresse fiscal, o governo anunciou corte de R$ 25,9 bilhões em benefícios sociais. É o suficiente?

A revisão do cadastro de beneficiários dos programas sociais não é medida, isso devia ser uma agenda permanente. Quem não é elegível, se tem fraude, não deveria receber. É para isso que o governo tem unidades que fazem essa auditoria. A pergunta é por que só fez agora depois de um ano e meio no poder? Essa deveria ter sido uma agenda desde o dia 1º.

Ou seja, não é suficiente?

É sempre possível apertar um pouco o fiscal, contingenciar um pouquinho. O ideal seriam medidas estruturadas porque, no fim, o governo acaba chutando a lata para frente, exigindo ajustes nos anos seguintes. Há um problema estrutural no Orçamento, que são as vinculações constitucionais na saúde e na educação e a vinculação dos benefícios previdenciários ao salário mínimo. Não significa que vai gastar menos, pode até gastar mais.

E qual o benefício?

Acabar com essa rigidez que torna o manejo orçamental muito mais difícil. É uma questão de flexibilidade, de lógica, de eficiência no manejo do orçamento. Ninguém está dizendo que tem que diminuir o salário mínimo. Você até pode aumentá-lo, só que não tem que ter vinculação com o benefício previdenciário.

Os sinais do presidente Lula sobre o fiscal foram suficientes?

Esse estresse todo no câmbio e nos juros tinha muito a ver com os sinais que o governo estava emitindo. Mostraram um pouco mais de dedicação à disciplina fiscal, e é isso o que o mercado estava pedindo.

E quanto às críticas de Lula aos juros?

Quem determina o juro não é o Banco Central. É o investidor que empresta ao governo. Quando ele olha para a situação fiscal, do país, da qualidade do pagador, (e não vê bons sinais), vai demandar prêmio de risco. O Banco Central pode até fazer um experimento e reduzir o juro a zero, mas a taxa de financiamento do governo não será zero porque não é o Banco Central que define. No dia seguinte, o Tesouro vai pagar um juro muito mais elevado para financiar a sua dívida. O mercado vai achar que o juro a zero vai gerar pressão inflacionária, que é ruim para a economia, que está fora de contexto e o prêmio de risco sobe. Não interessa baixar o juro na marra. O governo precisa se financiar e, portanto, precisa do mercado.

Os estrangeiros tiraram mais de R$ 40 bilhões da Bolsa brasileira no primeiro semestre. Na nossa última entrevista, o senhor disse que o olhar internacional estava interessante, mas que não via ninguém apaixonado pelo Brasil, que o País era o que tinha sobrado para dançar. E agora?

Agora, acabou a festa. Não tem mais ninguém para dançar. Claramente, a parte externa mudou. Naquela altura havia a perspectiva de que o Fed fosse cortar os juros em quatro, cinco, até seis vezes neste ano, e hoje vai cortar uma ou duas. Essa mudança limita ou facilita a calibração da política monetária no Brasil dando um pouco mais de margem de manobra. E tudo o que aconteceu no Brasil nos últimos meses.

O quê?

A mudança das metas fiscais, a troca de comando na Petrobras, a tentativa de fazer o mesmo na Vale, a deterioração das expectativas para a inflação, o câmbio, um mercado de trabalho ainda aquecido, uma dinâmica de salários alta, um estímulo fiscal que continua bastante intenso e o fato de o Banco Central já ter cortado muito os juros. Vamos ver como o Brasil descasca a cebola daqui para frente.

Como fica o câmbio à frente?

Não dá para projetar câmbio no Brasil. O câmbio andou muito e muito rápido. A boa notícia é que esse problema tem solução. O que vai fazer preço, acalmar o mercado e pode levar a alguma reversão nessa dinâmica do câmbio, como tem ocorrido, e dos juros são indicações mais contundentes de comprometimento fiscal e particularmente com a parte estrutural do gasto. O governo pode contingenciar, fazer ações no curto prazo, mas isso não resolve o problema estrutural de médio e longo prazo.

As falas do presidente Lula estão indo nessa direção. Falta mais apoio político para a equipe econômica?

Foi um sinal importante, mas abstrato. Falta detalhe, saber quais são as medidas exatamente, se são credíveis, o que o governo estima que vai poupar ou o que vai cortar. A primeira indicação é que o governo vai olhar para isso, o que é uma coisa boa.

Em meio à piora da credibilidade fiscal, a Fitch reafirmou o rating do Brasil. Essa crise afasta ainda mais o País do grau de investimento? O Brasil parou de avançar nessa direção?

Sim. Pode ficar mais distante. O mercado reage e as agências de rating também. A diferença é que o mercado reage instantaneamente. Sinais de maior controle do gasto, e o avanço de reformas como a administrativa podem, claramente, ajudar o País a ter o seu rating elevado. O contrário também é verdadeiro. Se houver cada vez mais uma preocupação maior com a dinâmica fiscal, com a política micro, pode atrasar.

Os juros podem voltar a subir no Brasil?

Claramente o risco existe e é maior do que era há dois ou três meses. Agora, o que me preocupa se o juro voltar a subir é o que está acontecendo e que pode levar à subida das taxas. O aumento de juros não está no meu cenário base, mas a probabilidade de isso acontecer, claramente, é maior. Eu diria que, nos próximos cinco meses, é maior a probabilidade de o juro subir do que do juro cair no Brasil.

E a mudança de comando no BC?

É uma transição, e, com isso, pode vir outra orientação de política monetária. Isso, naturalmente, gera alguma incerteza e algum prêmio de risco no curto prazo. O tempo dirá.

Mas os sinais vão nessa direção, de mudança de política monetária?

Ninguém sabe o futuro. Ninguém tem uma bola de cristal, mas a função do mercado é se precaver.

NOVA YORK - A recente crise fiscal no Brasil, que fez o real bater R$ 5,70, aumentou as chances de os juros voltarem a subir no País, alerta o diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos. O estresse do mercado foi contido após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva baixar o tom e indicar comprometimento fiscal por parte do seu governo, mas o sinal foi “abstrato”. Faltam medidas estruturais para endereçar o problema, defende o economista.

“Nos próximos cinco meses, é maior a probabilidade do juro subir do que do juro cair no Brasil”, diz Ramos, baseado em Nova York, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast. Por ora, esse não é o seu cenário base, mas o economista lembra que o mercado, ao qual Lula tanto critica, ainda está “nervoso”. “O mercado perdeu dinheiro quando o câmbio estressou porque estava posicionado para a apreciação do câmbio e queda de juro”, afirma.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

As incertezas fiscais aumentaram no Brasil nos últimos meses, colocando os ativos domésticos sob pressão. Qual a sua visão?

O mercado começou a ficar mais preocupado com a dinâmica fiscal. Os sinais emitidos pelo governo em relação às políticas fiscal e monetária e ao Banco Central adicionaram um pouquinho mais de combustível nesse fogo aí. Ficou estressado, ficou complicado. Ainda estamos um pouco nessa toada.

A recente crise comprometeu o novo arcabouço fiscal?

O novo arcabouço falhou espetacularmente como âncora fiscal e nunca conseguiu convencer os agentes econômicos que seria possível entregar primários crescentes. A realidade se encarregou de mostrar isso, e o governo já revisou as metas estabelecidas há cerca de um ano. Por outro lado, as metas também não eram credíveis, porque tinham a premissa de que o governo teria a capacidade de aumentar a carga tributária de maneira bastante significativa. O governo teve algum sucesso, mas não o necessário para entregar essas metas porque continua resistente a olhar o gasto de uma maneira diferente.

Segundo Alberto Ramos, governo precisa se financiar e, portanto, precisa do mercado Foto: Felipe Rau/Estadão

Depois do estresse no mercado, o presidente Lula começou a falar em responsabilidade fiscal. Isso melhora o quadro?

O presidente já mencionou várias vezes que aprendeu desde criança a não gastar mais do que pode, do que arrecada, mas a realidade mostra que o Brasil está gastando muito mais do que arrecada, muito mais do que pode. Onde é que está o primário? Em menos de cerca de R$ 280 bilhões no acumulado de 12 meses, ou seja, -2,5% do PIB (Produto Interno Bruto). Onde é que está o déficit fiscal nominal total? Em R$ 1 trilhão, -9,6% do PIB. O Brasil está a vários sistemas solares de distância do equilíbrio fiscal.

O presidente Lula criticou o mercado pelo câmbio, pelo juro alto, por ser o único a querer um Banco Central autônomo.

O mercado está nervoso. Quanto àquela ideia de que o mercado é tudo especulador, que quer juro alto, eu lembraria que a indústria de fundos perdeu muito dinheiro no ano passado e continuou perdendo em 2024 porque acreditava que o juro ia cair mais no Brasil. Tinha uma aposta positiva e construtiva. O mercado não ganha quando o juro sobe, o mercado perdeu dinheiro quando o juro parou de cair. O mercado perdeu dinheiro quando o câmbio estressou porque estava posicionado para a apreciação do câmbio e queda de juro. O mercado é uma agregação abstrata de bilhões e bilhões de transações. Não é uma pessoa que está especulando e vai mover o real para R$ 5,70.

Em meio ao estresse fiscal, o governo anunciou corte de R$ 25,9 bilhões em benefícios sociais. É o suficiente?

A revisão do cadastro de beneficiários dos programas sociais não é medida, isso devia ser uma agenda permanente. Quem não é elegível, se tem fraude, não deveria receber. É para isso que o governo tem unidades que fazem essa auditoria. A pergunta é por que só fez agora depois de um ano e meio no poder? Essa deveria ter sido uma agenda desde o dia 1º.

Ou seja, não é suficiente?

É sempre possível apertar um pouco o fiscal, contingenciar um pouquinho. O ideal seriam medidas estruturadas porque, no fim, o governo acaba chutando a lata para frente, exigindo ajustes nos anos seguintes. Há um problema estrutural no Orçamento, que são as vinculações constitucionais na saúde e na educação e a vinculação dos benefícios previdenciários ao salário mínimo. Não significa que vai gastar menos, pode até gastar mais.

E qual o benefício?

Acabar com essa rigidez que torna o manejo orçamental muito mais difícil. É uma questão de flexibilidade, de lógica, de eficiência no manejo do orçamento. Ninguém está dizendo que tem que diminuir o salário mínimo. Você até pode aumentá-lo, só que não tem que ter vinculação com o benefício previdenciário.

Os sinais do presidente Lula sobre o fiscal foram suficientes?

Esse estresse todo no câmbio e nos juros tinha muito a ver com os sinais que o governo estava emitindo. Mostraram um pouco mais de dedicação à disciplina fiscal, e é isso o que o mercado estava pedindo.

E quanto às críticas de Lula aos juros?

Quem determina o juro não é o Banco Central. É o investidor que empresta ao governo. Quando ele olha para a situação fiscal, do país, da qualidade do pagador, (e não vê bons sinais), vai demandar prêmio de risco. O Banco Central pode até fazer um experimento e reduzir o juro a zero, mas a taxa de financiamento do governo não será zero porque não é o Banco Central que define. No dia seguinte, o Tesouro vai pagar um juro muito mais elevado para financiar a sua dívida. O mercado vai achar que o juro a zero vai gerar pressão inflacionária, que é ruim para a economia, que está fora de contexto e o prêmio de risco sobe. Não interessa baixar o juro na marra. O governo precisa se financiar e, portanto, precisa do mercado.

Os estrangeiros tiraram mais de R$ 40 bilhões da Bolsa brasileira no primeiro semestre. Na nossa última entrevista, o senhor disse que o olhar internacional estava interessante, mas que não via ninguém apaixonado pelo Brasil, que o País era o que tinha sobrado para dançar. E agora?

Agora, acabou a festa. Não tem mais ninguém para dançar. Claramente, a parte externa mudou. Naquela altura havia a perspectiva de que o Fed fosse cortar os juros em quatro, cinco, até seis vezes neste ano, e hoje vai cortar uma ou duas. Essa mudança limita ou facilita a calibração da política monetária no Brasil dando um pouco mais de margem de manobra. E tudo o que aconteceu no Brasil nos últimos meses.

O quê?

A mudança das metas fiscais, a troca de comando na Petrobras, a tentativa de fazer o mesmo na Vale, a deterioração das expectativas para a inflação, o câmbio, um mercado de trabalho ainda aquecido, uma dinâmica de salários alta, um estímulo fiscal que continua bastante intenso e o fato de o Banco Central já ter cortado muito os juros. Vamos ver como o Brasil descasca a cebola daqui para frente.

Como fica o câmbio à frente?

Não dá para projetar câmbio no Brasil. O câmbio andou muito e muito rápido. A boa notícia é que esse problema tem solução. O que vai fazer preço, acalmar o mercado e pode levar a alguma reversão nessa dinâmica do câmbio, como tem ocorrido, e dos juros são indicações mais contundentes de comprometimento fiscal e particularmente com a parte estrutural do gasto. O governo pode contingenciar, fazer ações no curto prazo, mas isso não resolve o problema estrutural de médio e longo prazo.

As falas do presidente Lula estão indo nessa direção. Falta mais apoio político para a equipe econômica?

Foi um sinal importante, mas abstrato. Falta detalhe, saber quais são as medidas exatamente, se são credíveis, o que o governo estima que vai poupar ou o que vai cortar. A primeira indicação é que o governo vai olhar para isso, o que é uma coisa boa.

Em meio à piora da credibilidade fiscal, a Fitch reafirmou o rating do Brasil. Essa crise afasta ainda mais o País do grau de investimento? O Brasil parou de avançar nessa direção?

Sim. Pode ficar mais distante. O mercado reage e as agências de rating também. A diferença é que o mercado reage instantaneamente. Sinais de maior controle do gasto, e o avanço de reformas como a administrativa podem, claramente, ajudar o País a ter o seu rating elevado. O contrário também é verdadeiro. Se houver cada vez mais uma preocupação maior com a dinâmica fiscal, com a política micro, pode atrasar.

Os juros podem voltar a subir no Brasil?

Claramente o risco existe e é maior do que era há dois ou três meses. Agora, o que me preocupa se o juro voltar a subir é o que está acontecendo e que pode levar à subida das taxas. O aumento de juros não está no meu cenário base, mas a probabilidade de isso acontecer, claramente, é maior. Eu diria que, nos próximos cinco meses, é maior a probabilidade de o juro subir do que do juro cair no Brasil.

E a mudança de comando no BC?

É uma transição, e, com isso, pode vir outra orientação de política monetária. Isso, naturalmente, gera alguma incerteza e algum prêmio de risco no curto prazo. O tempo dirá.

Mas os sinais vão nessa direção, de mudança de política monetária?

Ninguém sabe o futuro. Ninguém tem uma bola de cristal, mas a função do mercado é se precaver.

NOVA YORK - A recente crise fiscal no Brasil, que fez o real bater R$ 5,70, aumentou as chances de os juros voltarem a subir no País, alerta o diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos. O estresse do mercado foi contido após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva baixar o tom e indicar comprometimento fiscal por parte do seu governo, mas o sinal foi “abstrato”. Faltam medidas estruturais para endereçar o problema, defende o economista.

“Nos próximos cinco meses, é maior a probabilidade do juro subir do que do juro cair no Brasil”, diz Ramos, baseado em Nova York, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast. Por ora, esse não é o seu cenário base, mas o economista lembra que o mercado, ao qual Lula tanto critica, ainda está “nervoso”. “O mercado perdeu dinheiro quando o câmbio estressou porque estava posicionado para a apreciação do câmbio e queda de juro”, afirma.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

As incertezas fiscais aumentaram no Brasil nos últimos meses, colocando os ativos domésticos sob pressão. Qual a sua visão?

O mercado começou a ficar mais preocupado com a dinâmica fiscal. Os sinais emitidos pelo governo em relação às políticas fiscal e monetária e ao Banco Central adicionaram um pouquinho mais de combustível nesse fogo aí. Ficou estressado, ficou complicado. Ainda estamos um pouco nessa toada.

A recente crise comprometeu o novo arcabouço fiscal?

O novo arcabouço falhou espetacularmente como âncora fiscal e nunca conseguiu convencer os agentes econômicos que seria possível entregar primários crescentes. A realidade se encarregou de mostrar isso, e o governo já revisou as metas estabelecidas há cerca de um ano. Por outro lado, as metas também não eram credíveis, porque tinham a premissa de que o governo teria a capacidade de aumentar a carga tributária de maneira bastante significativa. O governo teve algum sucesso, mas não o necessário para entregar essas metas porque continua resistente a olhar o gasto de uma maneira diferente.

Segundo Alberto Ramos, governo precisa se financiar e, portanto, precisa do mercado Foto: Felipe Rau/Estadão

Depois do estresse no mercado, o presidente Lula começou a falar em responsabilidade fiscal. Isso melhora o quadro?

O presidente já mencionou várias vezes que aprendeu desde criança a não gastar mais do que pode, do que arrecada, mas a realidade mostra que o Brasil está gastando muito mais do que arrecada, muito mais do que pode. Onde é que está o primário? Em menos de cerca de R$ 280 bilhões no acumulado de 12 meses, ou seja, -2,5% do PIB (Produto Interno Bruto). Onde é que está o déficit fiscal nominal total? Em R$ 1 trilhão, -9,6% do PIB. O Brasil está a vários sistemas solares de distância do equilíbrio fiscal.

O presidente Lula criticou o mercado pelo câmbio, pelo juro alto, por ser o único a querer um Banco Central autônomo.

O mercado está nervoso. Quanto àquela ideia de que o mercado é tudo especulador, que quer juro alto, eu lembraria que a indústria de fundos perdeu muito dinheiro no ano passado e continuou perdendo em 2024 porque acreditava que o juro ia cair mais no Brasil. Tinha uma aposta positiva e construtiva. O mercado não ganha quando o juro sobe, o mercado perdeu dinheiro quando o juro parou de cair. O mercado perdeu dinheiro quando o câmbio estressou porque estava posicionado para a apreciação do câmbio e queda de juro. O mercado é uma agregação abstrata de bilhões e bilhões de transações. Não é uma pessoa que está especulando e vai mover o real para R$ 5,70.

Em meio ao estresse fiscal, o governo anunciou corte de R$ 25,9 bilhões em benefícios sociais. É o suficiente?

A revisão do cadastro de beneficiários dos programas sociais não é medida, isso devia ser uma agenda permanente. Quem não é elegível, se tem fraude, não deveria receber. É para isso que o governo tem unidades que fazem essa auditoria. A pergunta é por que só fez agora depois de um ano e meio no poder? Essa deveria ter sido uma agenda desde o dia 1º.

Ou seja, não é suficiente?

É sempre possível apertar um pouco o fiscal, contingenciar um pouquinho. O ideal seriam medidas estruturadas porque, no fim, o governo acaba chutando a lata para frente, exigindo ajustes nos anos seguintes. Há um problema estrutural no Orçamento, que são as vinculações constitucionais na saúde e na educação e a vinculação dos benefícios previdenciários ao salário mínimo. Não significa que vai gastar menos, pode até gastar mais.

E qual o benefício?

Acabar com essa rigidez que torna o manejo orçamental muito mais difícil. É uma questão de flexibilidade, de lógica, de eficiência no manejo do orçamento. Ninguém está dizendo que tem que diminuir o salário mínimo. Você até pode aumentá-lo, só que não tem que ter vinculação com o benefício previdenciário.

Os sinais do presidente Lula sobre o fiscal foram suficientes?

Esse estresse todo no câmbio e nos juros tinha muito a ver com os sinais que o governo estava emitindo. Mostraram um pouco mais de dedicação à disciplina fiscal, e é isso o que o mercado estava pedindo.

E quanto às críticas de Lula aos juros?

Quem determina o juro não é o Banco Central. É o investidor que empresta ao governo. Quando ele olha para a situação fiscal, do país, da qualidade do pagador, (e não vê bons sinais), vai demandar prêmio de risco. O Banco Central pode até fazer um experimento e reduzir o juro a zero, mas a taxa de financiamento do governo não será zero porque não é o Banco Central que define. No dia seguinte, o Tesouro vai pagar um juro muito mais elevado para financiar a sua dívida. O mercado vai achar que o juro a zero vai gerar pressão inflacionária, que é ruim para a economia, que está fora de contexto e o prêmio de risco sobe. Não interessa baixar o juro na marra. O governo precisa se financiar e, portanto, precisa do mercado.

Os estrangeiros tiraram mais de R$ 40 bilhões da Bolsa brasileira no primeiro semestre. Na nossa última entrevista, o senhor disse que o olhar internacional estava interessante, mas que não via ninguém apaixonado pelo Brasil, que o País era o que tinha sobrado para dançar. E agora?

Agora, acabou a festa. Não tem mais ninguém para dançar. Claramente, a parte externa mudou. Naquela altura havia a perspectiva de que o Fed fosse cortar os juros em quatro, cinco, até seis vezes neste ano, e hoje vai cortar uma ou duas. Essa mudança limita ou facilita a calibração da política monetária no Brasil dando um pouco mais de margem de manobra. E tudo o que aconteceu no Brasil nos últimos meses.

O quê?

A mudança das metas fiscais, a troca de comando na Petrobras, a tentativa de fazer o mesmo na Vale, a deterioração das expectativas para a inflação, o câmbio, um mercado de trabalho ainda aquecido, uma dinâmica de salários alta, um estímulo fiscal que continua bastante intenso e o fato de o Banco Central já ter cortado muito os juros. Vamos ver como o Brasil descasca a cebola daqui para frente.

Como fica o câmbio à frente?

Não dá para projetar câmbio no Brasil. O câmbio andou muito e muito rápido. A boa notícia é que esse problema tem solução. O que vai fazer preço, acalmar o mercado e pode levar a alguma reversão nessa dinâmica do câmbio, como tem ocorrido, e dos juros são indicações mais contundentes de comprometimento fiscal e particularmente com a parte estrutural do gasto. O governo pode contingenciar, fazer ações no curto prazo, mas isso não resolve o problema estrutural de médio e longo prazo.

As falas do presidente Lula estão indo nessa direção. Falta mais apoio político para a equipe econômica?

Foi um sinal importante, mas abstrato. Falta detalhe, saber quais são as medidas exatamente, se são credíveis, o que o governo estima que vai poupar ou o que vai cortar. A primeira indicação é que o governo vai olhar para isso, o que é uma coisa boa.

Em meio à piora da credibilidade fiscal, a Fitch reafirmou o rating do Brasil. Essa crise afasta ainda mais o País do grau de investimento? O Brasil parou de avançar nessa direção?

Sim. Pode ficar mais distante. O mercado reage e as agências de rating também. A diferença é que o mercado reage instantaneamente. Sinais de maior controle do gasto, e o avanço de reformas como a administrativa podem, claramente, ajudar o País a ter o seu rating elevado. O contrário também é verdadeiro. Se houver cada vez mais uma preocupação maior com a dinâmica fiscal, com a política micro, pode atrasar.

Os juros podem voltar a subir no Brasil?

Claramente o risco existe e é maior do que era há dois ou três meses. Agora, o que me preocupa se o juro voltar a subir é o que está acontecendo e que pode levar à subida das taxas. O aumento de juros não está no meu cenário base, mas a probabilidade de isso acontecer, claramente, é maior. Eu diria que, nos próximos cinco meses, é maior a probabilidade de o juro subir do que do juro cair no Brasil.

E a mudança de comando no BC?

É uma transição, e, com isso, pode vir outra orientação de política monetária. Isso, naturalmente, gera alguma incerteza e algum prêmio de risco no curto prazo. O tempo dirá.

Mas os sinais vão nessa direção, de mudança de política monetária?

Ninguém sabe o futuro. Ninguém tem uma bola de cristal, mas a função do mercado é se precaver.

Entrevista por Aline Bronzati

Nova York

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