NOVA YORK - A recente crise fiscal no Brasil, que fez o real bater R$ 5,70, aumentou as chances de os juros voltarem a subir no País, alerta o diretor de pesquisa macroeconômica para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos. O estresse do mercado foi contido após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva baixar o tom e indicar comprometimento fiscal por parte do seu governo, mas o sinal foi “abstrato”. Faltam medidas estruturais para endereçar o problema, defende o economista.
“Nos próximos cinco meses, é maior a probabilidade do juro subir do que do juro cair no Brasil”, diz Ramos, baseado em Nova York, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast. Por ora, esse não é o seu cenário base, mas o economista lembra que o mercado, ao qual Lula tanto critica, ainda está “nervoso”. “O mercado perdeu dinheiro quando o câmbio estressou porque estava posicionado para a apreciação do câmbio e queda de juro”, afirma.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
As incertezas fiscais aumentaram no Brasil nos últimos meses, colocando os ativos domésticos sob pressão. Qual a sua visão?
O mercado começou a ficar mais preocupado com a dinâmica fiscal. Os sinais emitidos pelo governo em relação às políticas fiscal e monetária e ao Banco Central adicionaram um pouquinho mais de combustível nesse fogo aí. Ficou estressado, ficou complicado. Ainda estamos um pouco nessa toada.
A recente crise comprometeu o novo arcabouço fiscal?
O novo arcabouço falhou espetacularmente como âncora fiscal e nunca conseguiu convencer os agentes econômicos que seria possível entregar primários crescentes. A realidade se encarregou de mostrar isso, e o governo já revisou as metas estabelecidas há cerca de um ano. Por outro lado, as metas também não eram credíveis, porque tinham a premissa de que o governo teria a capacidade de aumentar a carga tributária de maneira bastante significativa. O governo teve algum sucesso, mas não o necessário para entregar essas metas porque continua resistente a olhar o gasto de uma maneira diferente.
Depois do estresse no mercado, o presidente Lula começou a falar em responsabilidade fiscal. Isso melhora o quadro?
O presidente já mencionou várias vezes que aprendeu desde criança a não gastar mais do que pode, do que arrecada, mas a realidade mostra que o Brasil está gastando muito mais do que arrecada, muito mais do que pode. Onde é que está o primário? Em menos de cerca de R$ 280 bilhões no acumulado de 12 meses, ou seja, -2,5% do PIB (Produto Interno Bruto). Onde é que está o déficit fiscal nominal total? Em R$ 1 trilhão, -9,6% do PIB. O Brasil está a vários sistemas solares de distância do equilíbrio fiscal.
O presidente Lula criticou o mercado pelo câmbio, pelo juro alto, por ser o único a querer um Banco Central autônomo.
O mercado está nervoso. Quanto àquela ideia de que o mercado é tudo especulador, que quer juro alto, eu lembraria que a indústria de fundos perdeu muito dinheiro no ano passado e continuou perdendo em 2024 porque acreditava que o juro ia cair mais no Brasil. Tinha uma aposta positiva e construtiva. O mercado não ganha quando o juro sobe, o mercado perdeu dinheiro quando o juro parou de cair. O mercado perdeu dinheiro quando o câmbio estressou porque estava posicionado para a apreciação do câmbio e queda de juro. O mercado é uma agregação abstrata de bilhões e bilhões de transações. Não é uma pessoa que está especulando e vai mover o real para R$ 5,70.
Em meio ao estresse fiscal, o governo anunciou corte de R$ 25,9 bilhões em benefícios sociais. É o suficiente?
A revisão do cadastro de beneficiários dos programas sociais não é medida, isso devia ser uma agenda permanente. Quem não é elegível, se tem fraude, não deveria receber. É para isso que o governo tem unidades que fazem essa auditoria. A pergunta é por que só fez agora depois de um ano e meio no poder? Essa deveria ter sido uma agenda desde o dia 1º.
Ou seja, não é suficiente?
É sempre possível apertar um pouco o fiscal, contingenciar um pouquinho. O ideal seriam medidas estruturadas porque, no fim, o governo acaba chutando a lata para frente, exigindo ajustes nos anos seguintes. Há um problema estrutural no Orçamento, que são as vinculações constitucionais na saúde e na educação e a vinculação dos benefícios previdenciários ao salário mínimo. Não significa que vai gastar menos, pode até gastar mais.
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E qual o benefício?
Acabar com essa rigidez que torna o manejo orçamental muito mais difícil. É uma questão de flexibilidade, de lógica, de eficiência no manejo do orçamento. Ninguém está dizendo que tem que diminuir o salário mínimo. Você até pode aumentá-lo, só que não tem que ter vinculação com o benefício previdenciário.
Os sinais do presidente Lula sobre o fiscal foram suficientes?
Esse estresse todo no câmbio e nos juros tinha muito a ver com os sinais que o governo estava emitindo. Mostraram um pouco mais de dedicação à disciplina fiscal, e é isso o que o mercado estava pedindo.
E quanto às críticas de Lula aos juros?
Quem determina o juro não é o Banco Central. É o investidor que empresta ao governo. Quando ele olha para a situação fiscal, do país, da qualidade do pagador, (e não vê bons sinais), vai demandar prêmio de risco. O Banco Central pode até fazer um experimento e reduzir o juro a zero, mas a taxa de financiamento do governo não será zero porque não é o Banco Central que define. No dia seguinte, o Tesouro vai pagar um juro muito mais elevado para financiar a sua dívida. O mercado vai achar que o juro a zero vai gerar pressão inflacionária, que é ruim para a economia, que está fora de contexto e o prêmio de risco sobe. Não interessa baixar o juro na marra. O governo precisa se financiar e, portanto, precisa do mercado.
Os estrangeiros tiraram mais de R$ 40 bilhões da Bolsa brasileira no primeiro semestre. Na nossa última entrevista, o senhor disse que o olhar internacional estava interessante, mas que não via ninguém apaixonado pelo Brasil, que o País era o que tinha sobrado para dançar. E agora?
Agora, acabou a festa. Não tem mais ninguém para dançar. Claramente, a parte externa mudou. Naquela altura havia a perspectiva de que o Fed fosse cortar os juros em quatro, cinco, até seis vezes neste ano, e hoje vai cortar uma ou duas. Essa mudança limita ou facilita a calibração da política monetária no Brasil dando um pouco mais de margem de manobra. E tudo o que aconteceu no Brasil nos últimos meses.
O quê?
A mudança das metas fiscais, a troca de comando na Petrobras, a tentativa de fazer o mesmo na Vale, a deterioração das expectativas para a inflação, o câmbio, um mercado de trabalho ainda aquecido, uma dinâmica de salários alta, um estímulo fiscal que continua bastante intenso e o fato de o Banco Central já ter cortado muito os juros. Vamos ver como o Brasil descasca a cebola daqui para frente.
Como fica o câmbio à frente?
Não dá para projetar câmbio no Brasil. O câmbio andou muito e muito rápido. A boa notícia é que esse problema tem solução. O que vai fazer preço, acalmar o mercado e pode levar a alguma reversão nessa dinâmica do câmbio, como tem ocorrido, e dos juros são indicações mais contundentes de comprometimento fiscal e particularmente com a parte estrutural do gasto. O governo pode contingenciar, fazer ações no curto prazo, mas isso não resolve o problema estrutural de médio e longo prazo.
As falas do presidente Lula estão indo nessa direção. Falta mais apoio político para a equipe econômica?
Foi um sinal importante, mas abstrato. Falta detalhe, saber quais são as medidas exatamente, se são credíveis, o que o governo estima que vai poupar ou o que vai cortar. A primeira indicação é que o governo vai olhar para isso, o que é uma coisa boa.
Em meio à piora da credibilidade fiscal, a Fitch reafirmou o rating do Brasil. Essa crise afasta ainda mais o País do grau de investimento? O Brasil parou de avançar nessa direção?
Sim. Pode ficar mais distante. O mercado reage e as agências de rating também. A diferença é que o mercado reage instantaneamente. Sinais de maior controle do gasto, e o avanço de reformas como a administrativa podem, claramente, ajudar o País a ter o seu rating elevado. O contrário também é verdadeiro. Se houver cada vez mais uma preocupação maior com a dinâmica fiscal, com a política micro, pode atrasar.
Os juros podem voltar a subir no Brasil?
Claramente o risco existe e é maior do que era há dois ou três meses. Agora, o que me preocupa se o juro voltar a subir é o que está acontecendo e que pode levar à subida das taxas. O aumento de juros não está no meu cenário base, mas a probabilidade de isso acontecer, claramente, é maior. Eu diria que, nos próximos cinco meses, é maior a probabilidade de o juro subir do que do juro cair no Brasil.
E a mudança de comando no BC?
É uma transição, e, com isso, pode vir outra orientação de política monetária. Isso, naturalmente, gera alguma incerteza e algum prêmio de risco no curto prazo. O tempo dirá.
Mas os sinais vão nessa direção, de mudança de política monetária?
Ninguém sabe o futuro. Ninguém tem uma bola de cristal, mas a função do mercado é se precaver.