Fazenda quer Plano Safra cada vez mais ‘verde’ para induzir o agro a adotar práticas sustentáveis


Segundo Carina Vitral, gerente de projetos para Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda, governo tem instrumentos para estimular o setor a aderir à economia de baixo carbono

Por Alvaro Gribel
Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda
Entrevista comCarina VitralGerente de projeto da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda para Transformação Ecológica

BRASÍLIA - Após assumir um protagonismo inédito dentro do governo na agenda ambiental, com o Plano de Transformação Ecológica, o Ministério da Fazenda quer usar instrumentos fiscais, creditícios e financeiros para induzir o agro a adotar práticas econômicas cada vez mais sustentáveis.

Segundo Carina Vitral, gerente de projetos para Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda, o Plano Safra ficará “cada vez mais verde” nos próximos anos” e irá condicionar o acesso ao crédito subsidiado para induzir o setor a aderir cada vez mais à economia de baixo carbono.

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“O Plano Safra é uma linha de crédito fundamental para o desenvolvimento da agricultura e está cada vez mais verde. E, cada vez mais, ano a ano, vai condicionar o acesso ao crédito às práticas sustentáveis”, afirmou Vitral em conversa exclusiva com o Estadão.

A economista é uma das participantes do do evento “Summit ESG - Empresas e Sociedade pela Agenda 2030″, promovido pelo Estadão e que será realizado em 26 de setembro, no Teatro B32, em São Paulo. Além da palestra de abertura do evento, quando falará sobre o Plano de Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda, ela vai participar do painel “Brasil como palco da COP-30: O que as empresas têm a mostrar?”.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

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O Ministério da Fazenda está desenvolvendo o Plano de Transformação Ecológica. O que exatamente é esse plano?

É um plano pioneiro, e ter a Fazenda na liderança demonstra a força dessa agenda dentro do governo Lula. Não é só um plano de descarbonização ou um plano ambiental, que já seriam importantes, mas é um plano de desenvolvimento que enxerga vantagens comparativas para o Brasil, seja com seus recursos naturais, com uma rede elétrica renovável robusta, mas também a sua infraestrutura, terras com agriculturas alimentares e energéticas, cultura de paz com várias economias do mundo, um parque industrial diversificado, sistema financeiro robusto e sólido.

O que já foi colocado em prática nesta agenda?

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Há projetos já aprovados, outros em tramitação no Congresso. O Mover (Programa Mobilidade Verde), por exemplo, cria incentivos para o setor automotivo. Há estimativas de mais de R$ 100 bilhões em investimentos. Há o marco legal de hidrogênio de baixa emissão de carbono, aprovado e aguardando sanção. Concede crédito financeiro e incentivos fiscais de até R$ 18 bilhões. Esse projeto pode alavancar R$ 130 bilhões em investimentos. O combustível do futuro foi aprovado, para investimento em etanol, biodiesel, diesel verde, combustível de aviação, muitas modalidades, com mais de R$ 200 bi de investimentos.

O que mais?

Tem as debêntures incentivadas e de infraestrutura. Foi redesenhado o programa para que gente pegasse subsídios e debêntures em áreas com muita emissão de carbono e foram colocadas para áreas sustentáveis. Isso resultou em R$ 14 bilhões, em 2023, e R$ 83 bilhões, em 2024, de emissões de debêntures do setor privado para captar recursos no mercado. Já houve um salto enorme.

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Segundo Carina Vitral, é preciso união entre governo, sociedade e setor produtivo para enfrentar as mudanças climáticas Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda

O Tesouro também fez uma emissão de títulos verdes?

Sim, títulos soberanos sustentáveis, o Tesouro fez a segunda emissão este ano. Já captou US$ 4 bilhões em duas emissões. Esses recursos são operacionalizados num redesenho do Fundo Clima, que antes tinha R$ 200 milhões por ano e agora tem R$ 10 bilhões por ano. Há o Eco Invest Brasil, que pretende realizar o amortecimento da flutuação de câmbio e propiciar a atração de investimento estrangeiro no Brasil. Primeiro edital já foi publicado para alavancar R$ 50 bilhões de investimentos. Reestruturação do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia, que agora tem quase R$ 12 bilhões anuais para áreas da ciência, tecnologia e inovação ligadas a segmentos industriais. A taxa TR para Inovação, ou seja, taxa de juros diferenciadas para inovação. E a mudança de fundos de P&D para setores regulados, são coisas que já anunciamos. Há o arco da restauração do BNDES que foi anunciado, R$ 1 bilhão em 2024 destinado à restauração florestal na Amazônia.

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Essas são medidas já implementadas?

Sim, e tem coisas na iminência de serem votadas, como mercado de carbono, que basicamente tem a função de definir um teto de emissão por setor, entre os que mais emitem.

O que está sendo feito no mercado de crédito de carbono e com a elaboração da taxonomia verde?

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No caso do mercado de carbono, há um PL (projeto de lei) em tramitação e fase final de negociação. Será criado o sistema brasileiro de comércio de emissões. Ele basicamente regula esse mercado, criando um sistema de Cap and Trade (teto e comércio). O teto é definido para cada setor e vai baixando ao longo do tempo, então isso impede o aumento, combinado com estímulos para reduzir as emissões. E há o comércio de créditos de carbono, com atividades sustentáveis que retiram carbono da atmosfera e o transforma num comércio. A taxonomia é uma medida administrativa, não depende de legislação, e funciona como um dicionário de práticas sustentáveis que vão significar critérios mais claros para investimentos sustentáveis. Hoje, há uma dificuldade, principalmente por parte do sistema financeiro, para classificar certas atividades de forma sustentável. A taxonomia vai dar critérios setoriais para direcionar investimentos.

Vai ficar mais fácil para o banco cobrar mais de quem polui mais?

Na medida em que o governo se propõe a criar critérios, a utilizar câmaras científicas para medir essa sustentabilidade, você consegue incentivar que as instituições financeiras criem linhas de crédito para favorecer empreendimentos sustentáveis. Hoje é difícil saber o que é sustentável. Outros países já têm esse critério mais claro.

Um dos desafios da Fazenda é ter a necessidade de fazer o País crescer, mas de uma forma ‘verde’. Como conciliar esses dois objetivos, sendo que há um custo para a transição?

O plano tem essa inspiração forte do conceito de desenvolvimento sustentável, que é garantir a qualidade de vida, e o direito ao uso sustentável dos recursos naturais pelas gerações futuras, sem comprometer a nossa geração. Dar direito à geração atual de conquistar sua prosperidade e desenvolvimento sem comprometer as gerações futuras.

Crescer agora, mas de outra forma.

Exatamente, o que temos sentido é que a iniciativa privada está à espera disso para destravar os investimentos. Muitas das coisas que anunciamos são regramentos setoriais. Talvez para outros países vá acontecer um custo no “hoje”, para garantir o futuro. O Brasil tem uma característica sui generis: o mundo tem o setor de energia como setor que mais emite, e o Brasil tem mais de 90% da sua matriz elétrica renovável, e energética, mais de 50%. Então temos vantagens, não faz sentido não colocar a transformação ecológica no centro do empurrão do desenvolvimento.

Nossas emissões estão muito ligadas ao agro, com desmatamento e queimadas com as das últimas semanas. Como o governo pode incentivar esse setor a mudar certas práticas?

Existem muitos produtores rurais se conscientizando e apostando no mercado voluntário de carbono, práticas sustentáveis. A nossa grande aposta é criar incentivos e regulações que incentive boas práticas e desincentive práticas ruins. Temos instrumentos financeiros, administrativos, fiscais, creditícios regulatórios, que podem induzir à economia de baixo carbono.

Quais seriam esses instrumentos?

Vários. O Plano Safra é uma linha de crédito fundamental para o desenvolvimento da agricultura e está cada vez mais verde. E, cada vez mais, ano a ano, vai condicionar o acesso ao crédito às práticas sustentáveis. A gente já anunciou esses critérios ecológicos e de sustentabilidade, com vedação completa a desmatamento, recursos que podem ir para recuperação de áreas degradadas, e estímulos a práticas sustentáveis e de baixo carbono.

O que mais?

O mercado de carbono, quando amadurecer, a floresta em pé, a unidade de conservação e área de preservação das terras terão valor comercializável. E queremos que a manutenção da floresta seja um complemento da renda dos agricultores. Não só uma regra para ser cumprida. Também estratégias de bioeconomia. A floresta em pé pode ter manejo sustentável, com produção de culturas e produtos florestais não madeireiros, como castanhas, açaí, que vêm da floresta em pé. Fitoterápicos. Isso é um conceito que o Brasil tem a ganhar.

O que o Brasil tem para mostrar na COP-30 ano que vem?

É uma grande oportunidade, o Brasil vai chegar orgulhoso na COP. Temos uma Contribuição Nacional Determinada (NDC) ousada (chegar a emissões líquidas zero até 2050). Mas a solução não se dá apenas com um país, mas no conjunto de países. Uma das coisas que está sendo construída é o Fundo de Florestas Tropicais, da Linha do Equador para baixo, e esse fundo seria utilizado com investimentos de países doadores. Países com mais condições de ajudar com esse custo Global. O Acordo de Paris já fala de responsabilidades compartilhadas, mas diferenciadas. Quem pode mais, paga mais. Quem tem mais floresta tem responsabilidades, mas precisa de ajuda para bancar o custo. Outros países que acabaram com suas florestas para se desenvolver agora tem recursos.

Como avalia a agenda ESG do Brasil em relação ao resto do mundo?

Temos avançado muito. Essa agenda é da sociedade, tem um fator claro que é o aumento da consciência de que a mudança climática já gerou, e países como o Brasil estão sendo mais afetados. É preciso união entre governo, sociedade e setor produtivo. Há três semanas foi assinado pacto dos três Poderes pela transformação ecológica. Esse pacto vai criar um colegiado para que existam ações conjuntas e monitoramento de políticas. A vida está em risco e todo mundo está sentindo na pele.

O “Summit ESG Estadão - Empresas e Sociedade pela Agenda 2030″ será realizado em 26 de setembro, das 8h30 às 19h, no Teatro B32, em São Paulo. Para se inscrever, acesse este link.

BRASÍLIA - Após assumir um protagonismo inédito dentro do governo na agenda ambiental, com o Plano de Transformação Ecológica, o Ministério da Fazenda quer usar instrumentos fiscais, creditícios e financeiros para induzir o agro a adotar práticas econômicas cada vez mais sustentáveis.

Segundo Carina Vitral, gerente de projetos para Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda, o Plano Safra ficará “cada vez mais verde” nos próximos anos” e irá condicionar o acesso ao crédito subsidiado para induzir o setor a aderir cada vez mais à economia de baixo carbono.

“O Plano Safra é uma linha de crédito fundamental para o desenvolvimento da agricultura e está cada vez mais verde. E, cada vez mais, ano a ano, vai condicionar o acesso ao crédito às práticas sustentáveis”, afirmou Vitral em conversa exclusiva com o Estadão.

A economista é uma das participantes do do evento “Summit ESG - Empresas e Sociedade pela Agenda 2030″, promovido pelo Estadão e que será realizado em 26 de setembro, no Teatro B32, em São Paulo. Além da palestra de abertura do evento, quando falará sobre o Plano de Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda, ela vai participar do painel “Brasil como palco da COP-30: O que as empresas têm a mostrar?”.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

O Ministério da Fazenda está desenvolvendo o Plano de Transformação Ecológica. O que exatamente é esse plano?

É um plano pioneiro, e ter a Fazenda na liderança demonstra a força dessa agenda dentro do governo Lula. Não é só um plano de descarbonização ou um plano ambiental, que já seriam importantes, mas é um plano de desenvolvimento que enxerga vantagens comparativas para o Brasil, seja com seus recursos naturais, com uma rede elétrica renovável robusta, mas também a sua infraestrutura, terras com agriculturas alimentares e energéticas, cultura de paz com várias economias do mundo, um parque industrial diversificado, sistema financeiro robusto e sólido.

O que já foi colocado em prática nesta agenda?

Há projetos já aprovados, outros em tramitação no Congresso. O Mover (Programa Mobilidade Verde), por exemplo, cria incentivos para o setor automotivo. Há estimativas de mais de R$ 100 bilhões em investimentos. Há o marco legal de hidrogênio de baixa emissão de carbono, aprovado e aguardando sanção. Concede crédito financeiro e incentivos fiscais de até R$ 18 bilhões. Esse projeto pode alavancar R$ 130 bilhões em investimentos. O combustível do futuro foi aprovado, para investimento em etanol, biodiesel, diesel verde, combustível de aviação, muitas modalidades, com mais de R$ 200 bi de investimentos.

O que mais?

Tem as debêntures incentivadas e de infraestrutura. Foi redesenhado o programa para que gente pegasse subsídios e debêntures em áreas com muita emissão de carbono e foram colocadas para áreas sustentáveis. Isso resultou em R$ 14 bilhões, em 2023, e R$ 83 bilhões, em 2024, de emissões de debêntures do setor privado para captar recursos no mercado. Já houve um salto enorme.

Segundo Carina Vitral, é preciso união entre governo, sociedade e setor produtivo para enfrentar as mudanças climáticas Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda

O Tesouro também fez uma emissão de títulos verdes?

Sim, títulos soberanos sustentáveis, o Tesouro fez a segunda emissão este ano. Já captou US$ 4 bilhões em duas emissões. Esses recursos são operacionalizados num redesenho do Fundo Clima, que antes tinha R$ 200 milhões por ano e agora tem R$ 10 bilhões por ano. Há o Eco Invest Brasil, que pretende realizar o amortecimento da flutuação de câmbio e propiciar a atração de investimento estrangeiro no Brasil. Primeiro edital já foi publicado para alavancar R$ 50 bilhões de investimentos. Reestruturação do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia, que agora tem quase R$ 12 bilhões anuais para áreas da ciência, tecnologia e inovação ligadas a segmentos industriais. A taxa TR para Inovação, ou seja, taxa de juros diferenciadas para inovação. E a mudança de fundos de P&D para setores regulados, são coisas que já anunciamos. Há o arco da restauração do BNDES que foi anunciado, R$ 1 bilhão em 2024 destinado à restauração florestal na Amazônia.

Essas são medidas já implementadas?

Sim, e tem coisas na iminência de serem votadas, como mercado de carbono, que basicamente tem a função de definir um teto de emissão por setor, entre os que mais emitem.

O que está sendo feito no mercado de crédito de carbono e com a elaboração da taxonomia verde?

No caso do mercado de carbono, há um PL (projeto de lei) em tramitação e fase final de negociação. Será criado o sistema brasileiro de comércio de emissões. Ele basicamente regula esse mercado, criando um sistema de Cap and Trade (teto e comércio). O teto é definido para cada setor e vai baixando ao longo do tempo, então isso impede o aumento, combinado com estímulos para reduzir as emissões. E há o comércio de créditos de carbono, com atividades sustentáveis que retiram carbono da atmosfera e o transforma num comércio. A taxonomia é uma medida administrativa, não depende de legislação, e funciona como um dicionário de práticas sustentáveis que vão significar critérios mais claros para investimentos sustentáveis. Hoje, há uma dificuldade, principalmente por parte do sistema financeiro, para classificar certas atividades de forma sustentável. A taxonomia vai dar critérios setoriais para direcionar investimentos.

Vai ficar mais fácil para o banco cobrar mais de quem polui mais?

Na medida em que o governo se propõe a criar critérios, a utilizar câmaras científicas para medir essa sustentabilidade, você consegue incentivar que as instituições financeiras criem linhas de crédito para favorecer empreendimentos sustentáveis. Hoje é difícil saber o que é sustentável. Outros países já têm esse critério mais claro.

Um dos desafios da Fazenda é ter a necessidade de fazer o País crescer, mas de uma forma ‘verde’. Como conciliar esses dois objetivos, sendo que há um custo para a transição?

O plano tem essa inspiração forte do conceito de desenvolvimento sustentável, que é garantir a qualidade de vida, e o direito ao uso sustentável dos recursos naturais pelas gerações futuras, sem comprometer a nossa geração. Dar direito à geração atual de conquistar sua prosperidade e desenvolvimento sem comprometer as gerações futuras.

Crescer agora, mas de outra forma.

Exatamente, o que temos sentido é que a iniciativa privada está à espera disso para destravar os investimentos. Muitas das coisas que anunciamos são regramentos setoriais. Talvez para outros países vá acontecer um custo no “hoje”, para garantir o futuro. O Brasil tem uma característica sui generis: o mundo tem o setor de energia como setor que mais emite, e o Brasil tem mais de 90% da sua matriz elétrica renovável, e energética, mais de 50%. Então temos vantagens, não faz sentido não colocar a transformação ecológica no centro do empurrão do desenvolvimento.

Nossas emissões estão muito ligadas ao agro, com desmatamento e queimadas com as das últimas semanas. Como o governo pode incentivar esse setor a mudar certas práticas?

Existem muitos produtores rurais se conscientizando e apostando no mercado voluntário de carbono, práticas sustentáveis. A nossa grande aposta é criar incentivos e regulações que incentive boas práticas e desincentive práticas ruins. Temos instrumentos financeiros, administrativos, fiscais, creditícios regulatórios, que podem induzir à economia de baixo carbono.

Quais seriam esses instrumentos?

Vários. O Plano Safra é uma linha de crédito fundamental para o desenvolvimento da agricultura e está cada vez mais verde. E, cada vez mais, ano a ano, vai condicionar o acesso ao crédito às práticas sustentáveis. A gente já anunciou esses critérios ecológicos e de sustentabilidade, com vedação completa a desmatamento, recursos que podem ir para recuperação de áreas degradadas, e estímulos a práticas sustentáveis e de baixo carbono.

O que mais?

O mercado de carbono, quando amadurecer, a floresta em pé, a unidade de conservação e área de preservação das terras terão valor comercializável. E queremos que a manutenção da floresta seja um complemento da renda dos agricultores. Não só uma regra para ser cumprida. Também estratégias de bioeconomia. A floresta em pé pode ter manejo sustentável, com produção de culturas e produtos florestais não madeireiros, como castanhas, açaí, que vêm da floresta em pé. Fitoterápicos. Isso é um conceito que o Brasil tem a ganhar.

O que o Brasil tem para mostrar na COP-30 ano que vem?

É uma grande oportunidade, o Brasil vai chegar orgulhoso na COP. Temos uma Contribuição Nacional Determinada (NDC) ousada (chegar a emissões líquidas zero até 2050). Mas a solução não se dá apenas com um país, mas no conjunto de países. Uma das coisas que está sendo construída é o Fundo de Florestas Tropicais, da Linha do Equador para baixo, e esse fundo seria utilizado com investimentos de países doadores. Países com mais condições de ajudar com esse custo Global. O Acordo de Paris já fala de responsabilidades compartilhadas, mas diferenciadas. Quem pode mais, paga mais. Quem tem mais floresta tem responsabilidades, mas precisa de ajuda para bancar o custo. Outros países que acabaram com suas florestas para se desenvolver agora tem recursos.

Como avalia a agenda ESG do Brasil em relação ao resto do mundo?

Temos avançado muito. Essa agenda é da sociedade, tem um fator claro que é o aumento da consciência de que a mudança climática já gerou, e países como o Brasil estão sendo mais afetados. É preciso união entre governo, sociedade e setor produtivo. Há três semanas foi assinado pacto dos três Poderes pela transformação ecológica. Esse pacto vai criar um colegiado para que existam ações conjuntas e monitoramento de políticas. A vida está em risco e todo mundo está sentindo na pele.

O “Summit ESG Estadão - Empresas e Sociedade pela Agenda 2030″ será realizado em 26 de setembro, das 8h30 às 19h, no Teatro B32, em São Paulo. Para se inscrever, acesse este link.

BRASÍLIA - Após assumir um protagonismo inédito dentro do governo na agenda ambiental, com o Plano de Transformação Ecológica, o Ministério da Fazenda quer usar instrumentos fiscais, creditícios e financeiros para induzir o agro a adotar práticas econômicas cada vez mais sustentáveis.

Segundo Carina Vitral, gerente de projetos para Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda, o Plano Safra ficará “cada vez mais verde” nos próximos anos” e irá condicionar o acesso ao crédito subsidiado para induzir o setor a aderir cada vez mais à economia de baixo carbono.

“O Plano Safra é uma linha de crédito fundamental para o desenvolvimento da agricultura e está cada vez mais verde. E, cada vez mais, ano a ano, vai condicionar o acesso ao crédito às práticas sustentáveis”, afirmou Vitral em conversa exclusiva com o Estadão.

A economista é uma das participantes do do evento “Summit ESG - Empresas e Sociedade pela Agenda 2030″, promovido pelo Estadão e que será realizado em 26 de setembro, no Teatro B32, em São Paulo. Além da palestra de abertura do evento, quando falará sobre o Plano de Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda, ela vai participar do painel “Brasil como palco da COP-30: O que as empresas têm a mostrar?”.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

O Ministério da Fazenda está desenvolvendo o Plano de Transformação Ecológica. O que exatamente é esse plano?

É um plano pioneiro, e ter a Fazenda na liderança demonstra a força dessa agenda dentro do governo Lula. Não é só um plano de descarbonização ou um plano ambiental, que já seriam importantes, mas é um plano de desenvolvimento que enxerga vantagens comparativas para o Brasil, seja com seus recursos naturais, com uma rede elétrica renovável robusta, mas também a sua infraestrutura, terras com agriculturas alimentares e energéticas, cultura de paz com várias economias do mundo, um parque industrial diversificado, sistema financeiro robusto e sólido.

O que já foi colocado em prática nesta agenda?

Há projetos já aprovados, outros em tramitação no Congresso. O Mover (Programa Mobilidade Verde), por exemplo, cria incentivos para o setor automotivo. Há estimativas de mais de R$ 100 bilhões em investimentos. Há o marco legal de hidrogênio de baixa emissão de carbono, aprovado e aguardando sanção. Concede crédito financeiro e incentivos fiscais de até R$ 18 bilhões. Esse projeto pode alavancar R$ 130 bilhões em investimentos. O combustível do futuro foi aprovado, para investimento em etanol, biodiesel, diesel verde, combustível de aviação, muitas modalidades, com mais de R$ 200 bi de investimentos.

O que mais?

Tem as debêntures incentivadas e de infraestrutura. Foi redesenhado o programa para que gente pegasse subsídios e debêntures em áreas com muita emissão de carbono e foram colocadas para áreas sustentáveis. Isso resultou em R$ 14 bilhões, em 2023, e R$ 83 bilhões, em 2024, de emissões de debêntures do setor privado para captar recursos no mercado. Já houve um salto enorme.

Segundo Carina Vitral, é preciso união entre governo, sociedade e setor produtivo para enfrentar as mudanças climáticas Foto: Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda

O Tesouro também fez uma emissão de títulos verdes?

Sim, títulos soberanos sustentáveis, o Tesouro fez a segunda emissão este ano. Já captou US$ 4 bilhões em duas emissões. Esses recursos são operacionalizados num redesenho do Fundo Clima, que antes tinha R$ 200 milhões por ano e agora tem R$ 10 bilhões por ano. Há o Eco Invest Brasil, que pretende realizar o amortecimento da flutuação de câmbio e propiciar a atração de investimento estrangeiro no Brasil. Primeiro edital já foi publicado para alavancar R$ 50 bilhões de investimentos. Reestruturação do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia, que agora tem quase R$ 12 bilhões anuais para áreas da ciência, tecnologia e inovação ligadas a segmentos industriais. A taxa TR para Inovação, ou seja, taxa de juros diferenciadas para inovação. E a mudança de fundos de P&D para setores regulados, são coisas que já anunciamos. Há o arco da restauração do BNDES que foi anunciado, R$ 1 bilhão em 2024 destinado à restauração florestal na Amazônia.

Essas são medidas já implementadas?

Sim, e tem coisas na iminência de serem votadas, como mercado de carbono, que basicamente tem a função de definir um teto de emissão por setor, entre os que mais emitem.

O que está sendo feito no mercado de crédito de carbono e com a elaboração da taxonomia verde?

No caso do mercado de carbono, há um PL (projeto de lei) em tramitação e fase final de negociação. Será criado o sistema brasileiro de comércio de emissões. Ele basicamente regula esse mercado, criando um sistema de Cap and Trade (teto e comércio). O teto é definido para cada setor e vai baixando ao longo do tempo, então isso impede o aumento, combinado com estímulos para reduzir as emissões. E há o comércio de créditos de carbono, com atividades sustentáveis que retiram carbono da atmosfera e o transforma num comércio. A taxonomia é uma medida administrativa, não depende de legislação, e funciona como um dicionário de práticas sustentáveis que vão significar critérios mais claros para investimentos sustentáveis. Hoje, há uma dificuldade, principalmente por parte do sistema financeiro, para classificar certas atividades de forma sustentável. A taxonomia vai dar critérios setoriais para direcionar investimentos.

Vai ficar mais fácil para o banco cobrar mais de quem polui mais?

Na medida em que o governo se propõe a criar critérios, a utilizar câmaras científicas para medir essa sustentabilidade, você consegue incentivar que as instituições financeiras criem linhas de crédito para favorecer empreendimentos sustentáveis. Hoje é difícil saber o que é sustentável. Outros países já têm esse critério mais claro.

Um dos desafios da Fazenda é ter a necessidade de fazer o País crescer, mas de uma forma ‘verde’. Como conciliar esses dois objetivos, sendo que há um custo para a transição?

O plano tem essa inspiração forte do conceito de desenvolvimento sustentável, que é garantir a qualidade de vida, e o direito ao uso sustentável dos recursos naturais pelas gerações futuras, sem comprometer a nossa geração. Dar direito à geração atual de conquistar sua prosperidade e desenvolvimento sem comprometer as gerações futuras.

Crescer agora, mas de outra forma.

Exatamente, o que temos sentido é que a iniciativa privada está à espera disso para destravar os investimentos. Muitas das coisas que anunciamos são regramentos setoriais. Talvez para outros países vá acontecer um custo no “hoje”, para garantir o futuro. O Brasil tem uma característica sui generis: o mundo tem o setor de energia como setor que mais emite, e o Brasil tem mais de 90% da sua matriz elétrica renovável, e energética, mais de 50%. Então temos vantagens, não faz sentido não colocar a transformação ecológica no centro do empurrão do desenvolvimento.

Nossas emissões estão muito ligadas ao agro, com desmatamento e queimadas com as das últimas semanas. Como o governo pode incentivar esse setor a mudar certas práticas?

Existem muitos produtores rurais se conscientizando e apostando no mercado voluntário de carbono, práticas sustentáveis. A nossa grande aposta é criar incentivos e regulações que incentive boas práticas e desincentive práticas ruins. Temos instrumentos financeiros, administrativos, fiscais, creditícios regulatórios, que podem induzir à economia de baixo carbono.

Quais seriam esses instrumentos?

Vários. O Plano Safra é uma linha de crédito fundamental para o desenvolvimento da agricultura e está cada vez mais verde. E, cada vez mais, ano a ano, vai condicionar o acesso ao crédito às práticas sustentáveis. A gente já anunciou esses critérios ecológicos e de sustentabilidade, com vedação completa a desmatamento, recursos que podem ir para recuperação de áreas degradadas, e estímulos a práticas sustentáveis e de baixo carbono.

O que mais?

O mercado de carbono, quando amadurecer, a floresta em pé, a unidade de conservação e área de preservação das terras terão valor comercializável. E queremos que a manutenção da floresta seja um complemento da renda dos agricultores. Não só uma regra para ser cumprida. Também estratégias de bioeconomia. A floresta em pé pode ter manejo sustentável, com produção de culturas e produtos florestais não madeireiros, como castanhas, açaí, que vêm da floresta em pé. Fitoterápicos. Isso é um conceito que o Brasil tem a ganhar.

O que o Brasil tem para mostrar na COP-30 ano que vem?

É uma grande oportunidade, o Brasil vai chegar orgulhoso na COP. Temos uma Contribuição Nacional Determinada (NDC) ousada (chegar a emissões líquidas zero até 2050). Mas a solução não se dá apenas com um país, mas no conjunto de países. Uma das coisas que está sendo construída é o Fundo de Florestas Tropicais, da Linha do Equador para baixo, e esse fundo seria utilizado com investimentos de países doadores. Países com mais condições de ajudar com esse custo Global. O Acordo de Paris já fala de responsabilidades compartilhadas, mas diferenciadas. Quem pode mais, paga mais. Quem tem mais floresta tem responsabilidades, mas precisa de ajuda para bancar o custo. Outros países que acabaram com suas florestas para se desenvolver agora tem recursos.

Como avalia a agenda ESG do Brasil em relação ao resto do mundo?

Temos avançado muito. Essa agenda é da sociedade, tem um fator claro que é o aumento da consciência de que a mudança climática já gerou, e países como o Brasil estão sendo mais afetados. É preciso união entre governo, sociedade e setor produtivo. Há três semanas foi assinado pacto dos três Poderes pela transformação ecológica. Esse pacto vai criar um colegiado para que existam ações conjuntas e monitoramento de políticas. A vida está em risco e todo mundo está sentindo na pele.

O “Summit ESG Estadão - Empresas e Sociedade pela Agenda 2030″ será realizado em 26 de setembro, das 8h30 às 19h, no Teatro B32, em São Paulo. Para se inscrever, acesse este link.

Entrevista por Alvaro Gribel

Repórter especial e colunista do Estadão em Brasília. Há mais de 15 anos acompanha os principais assuntos macroeconômicos no Brasil e no mundo. Foi colunista e coordenador de economia no Globo.

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