À frente da Nestlé Brasil como CEO desde 2018, o executivo Marcelo Melchior afirma que a pauta ambiental está na agenda “de todo mundo” e que o País terá uma grande oportunidade ao sediar a Conferência das Nações Unidas Sobre Mudança Climática (COP)-30 no ano que vem, em Belém. “Nós temos uma oportunidade de mostrar que não somos vilões, que tem muita coisa acontecendo”, afirma em entrevista ao Estadão concedida para a companhia divulgar o projeto de restauração ambiental no Cerrado e na Mata Atlântica.
A empresa irá começar o projeto com o plantio de 6 milhões de árvores, de 100 espécies nativas diferentes. O restauro de quatro mil hectares acontecerá em áreas pulverizadas, de produtores agrícolas, no entorno de nascentes, córregos e rios que fazem parte das bacias hidrográficas dos rios Doce e São Francisco.
Além do plantio, a empresa irá monitorar o crescimento e a preservação das árvores. “É uma iniciativa de restauração de um território, porque a gente realmente almeja ter um impacto de longo prazo positivo. ‘Ah, mas por que vocês fazem isso?’ Porque, obviamente, almejamos ter sustentabilidade no negócio no longo prazo e não existe negócio sem natureza robusta”, afirma a diretora executiva de Business Transformation na Nestlé Brasil, Barbara Sapunar. Ela também participou da entrevista.
A Nestlé promete zerar as emissões de carbono de sua atividade até 2050. Melchior não divulgou qual foi o valor do investimento no novo projeto no Brasil, que estará concentrado no Estado de Minas Gerais, e nem quanto de carbono a companhia espera compensar com o plantio das seis milhões de árvores.
O que é o projeto de plantio que a Nestlé Brasil decidiu lançar em Minas Gerais?
Marcelo Melchior: Estamos nos lançando numa empreitada de 30 anos, para recuperar alguns biomas bem importantes para o nosso País, que é o Cerrado e a Mata Atlântica. Nós estamos começando. E começando porque eu tenho a convicção de que nós seremos muito mais ambiciosos. Vamos começar com um compromisso de 6 milhões de árvores, com 100 variedades diferentes para serem não somente plantadas, mas cuidadas durante 30 anos. É uma área de 4 mil hectares em vários lugares do Estado de Minas Gerais. Não é limitado a produtores nossos. Vamos recuperar áreas degradadas, sejam de qualquer produtor, de qualquer área.
Barbara Sapunar: É uma iniciativa de restauração de um território, porque a gente realmente almeja ter um impacto de longo prazo positivo. ‘Ah, mas por que vocês fazem isso?’ Porque, obviamente, almejamos ter sustentabilidade no negócio no longo prazo e não existe negócio sem natureza robusta. E não conhecemos melhor tecnologia do que árvore, plantio.
Qual o benefício para o dono da fazenda?
Melchior: O dono da fazenda vai ter o benefício de ter as suas áreas como áreas de preservação ambiental e também ter uma parte dos créditos do carbono, que ficarão com o dono da fazenda. Tudo isso foi cuidado. Estamos falando hoje sobre o projeto, mas ele começou há dois anos, e passou desde escolher quem era, como é que nós íamos fazer, qual a quantidade de dinheiro que nós tínhamos que comprometer.
O sr. diz que é só o começo, qual a perspectiva de ampliação do projeto?
Melchior: Acredito muito que é melhor aprender fazendo do que ficar eternamente analisando, numa sala de reunião, as coisas. Então, vamos começar, entender como as coisas funcionam, quais coisas não funcionam etc. E vamos para o próximo, porque se nós não começarmos, esses “30 anos” viram 30 anos eternos. São espécies que demoram para crescer. Não é eucalipto, pinheiro, que em cinco anos você já vai ter, são espécies nativas.
Por que Cerrado e Mata Atlântica?
Sapunar: Os dois são os biomas mais ameaçados hoje. Na Mata Atlântica, hoje, só 12% estão intocados, e é um bioma historicamente degradado. E o Cerrado é o segundo bioma mais ameaçado. É superimportante por uma questão hídrica. Esses dois biomas estão muito presentes em Minas, que é um Estado superimportante para nós. Então, é fundamental fazer esse cruzamento entre, obviamente, a necessidade de restaurar a natureza, mas ao mesmo tempo relevante para o nosso negócio, para garantir que a gente também tenha uma sustentabilidade ao longo do tempo. Aliamos a sustentabilidade ambiental, sustentabilidade do negócio e também sustentabilidade social, porque a gente vai criar oportunidades também para as pessoas que vão estar vinculadas à implementação do projeto através do Instituto Espinhaço.
Qual tem sido o maior desafio na implementação de um projeto como esse?
Melchior: Escolher um parceiro de longo prazo que você possa ter uma certa confiança é o principal desafio. Eu não estou falando do fazendeiro. Eu estou falando do parceiro que possa nos ajudar a fazer acontecer de um Instituto Espinhaço, de um SOS Mata Atlântica, porque tem muita gente muito animada que te promete mundos e fundos e depois, na hora de fazer, não acontece, né? Na Amazônia, sabemos muito disso. Até temas legais, de quem é o dono da terra, esse tipo de coisa. Então, por isso que nós fomos cautelosos. Vamos fazer nesse projeto, ver como é, aprender. Aí depois nós vamos para um outro.
Temos visto duas iniciativas do mercado de crédito de carbono e de compensar emissões. Uma delas é a chamada REDD+, que é de tentar manter a integridade de áreas que sofrem pressão de desmatamento e a outra de fazer o replantio em áreas que estão degradadas. Essa iniciativa de agora da Nestlé, de replantio, por acaso surgiu após dificuldades de verificar a credibilidade em alguns projetos do estilo REDD+?
Marcelo Melchior: Nós não somos nem produtores nem comerciantes de créditos de carbono, então não entramos por causa disso. Nós entramos pensando que nós temos uma uma pegada de carbono, um impacto no meio ambiente, em razão da nossa produção, da nossa comercialização, das nossas matérias-primas. E nós vamos trabalhar em vários pilares. Aí trabalhamos em circularidade, trabalhamos com as cooperativas de catadores, conseguimos, através da Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos) e de outras associações, que a legislação brasileira mudasse no sentido de poder usar material reciclado em contato com o alimento, que não podia. Vamos trabalhando em muitas frentes. Então, essa é uma frente de recuperação de áreas degradadas, que é por isso que eu disse que é só o começo, porque nós achamos que nós podemos fazer muito mais nesse sentido.
Nós decidimos trabalhar com produtores particulares, são donos de fazendas, são produtores de qualquer tipo de produção. E com isso nós pensamos que nós podemos fazer a diferença.
Pergunto porque há um escrutínio bastante grande sobre esses projetos de carbono e muitas empresas, a Nestlé inclusive, foram citadas como compradoras de crédito de carbono em um dos casos problemáticos de projeto chamado REDD+ na Amazônia. Esse tipo de situação diminui o interesse das empresas de investir nessas iniciativas? Ou consideram algo natural em um processo que está em desenvolvimento?
Sapunar: Vejo como natural e em geral, em qualquer pauta de sustentabilidade. Eu, particularmente, trabalhando na área, aprendo todos os dias. O que a gente fazia há dois anos, eventualmente já mudamos. Porque é uma pauta sobre a qual a gente vai se educando dia a dia, vai aprendendo o que dá certo e que não dá certo, o que é mais efetivo, que não é tão efetivo que é. Realmente aqui isso não é binário. É uma jornada em termos de falar: “Putz, a gente está aprendendo, OK, vamos ajustar isso”. Não é uma pauta de companhia, é uma pauta do mundo, da humanidade. A gente tem que entender que a gente vai calibrando. Aprendemos, internalizamos, vamos em frente. A gente corrige a rota e segue.
Eu acho que a gente tem que entender que a gente tem um compromisso, um papel de longo prazo, que é tornar a nossa companhia com emissões zeradas até 2050. Isso significa que a gente faz uma série de iniciativas para diminuir a nossa pegada e a gente investir hoje em iniciativas que vão dar fruto no futuro para acertar o que a gente não puder diminuir hoje. É uma agenda de iniciativas de plantio, literalmente, para o futuro. Mas a gente não pode se pautar pelo que não funcionou. Vemos críticas muito mais como um processo de robustecer as iniciativas, de fazê-las “redondinhas”.
Melchior, na sua leitura, como estamos, enquanto País, na agenda ambiental? E qual tem sido o trabalho do setor privado?
Melchior: Todo mundo está tentando fazer um montão. Seja o governo, sejam os Estados. Você vê também municípios tentando fazer coisas. E empresas privadas, e cada um dentro da sua, da sua área. Eu acho que isso é muito bom, que nós vamos estar um pisando no pé do outro. Se nós tentarmos organizar demais, vamos acabar não fazendo nada. Então, é melhor continuar fazendo, acontecendo, vendo quais coisas funcionam, quais coisas não funcionam, que tipo de abuso tem, seja até abuso de comunicação. Tem gente que diz que está fazendo um montão e você vai ver e não tem muita coisa acontecendo. Mas eu acho que o simples fato de estar na pauta de todo mundo é muito importante. E eu acho que também a COP-30 vai fazer a gente subir de nível, porque nós temos uma grande oportunidade como País. Nós temos uma oportunidade de mostrar que não somos vilões, que tem muita coisa acontecendo.
Como a COP-30 vai ajudar o País a mudar de nível nesse debate?
Melchior: Captar mais, não somente capital, mas tecnologias e coisas que possam acontecer aqui. Na realidade, nós precisamos de muita coisa aqui. E não é só capital. Nós temos que trazer institutos de pesquisa. Nós temos que trazer melhores práticas. Então, eu acho que é o simples fato que todos nós estejamos falando isso é muito bom, é muito bom. E eu tenho a impressão que a COP-30 vai ser um antes e depois. Pode ser que seja ilusão minha. Eu tenho essa esperança que a gente já esteja em outro patamar. É preciso que seja um tema de todos nós.
E como não desperdiçar a oportunidade da COP-30? O que é preciso para concretizar essa vinda de capital e de tecnologia?
Melchior: Mostrando a realidade. Tem muito tema de que falam, normalmente mal, e tem um montão de coisas acontecendo. Mostra as realidades. Levem os colegas, as ONGs, os líderes de opinião a ver o que estão fazendo e nem que sejam coisas relativamente pequenas, mas que possam ser escaláveis.
Qual o principal pilar da Nestlé hoje em sustentabilidade?
Sapunar: Temos duas grandes frentes. A principal é a agricultura regenerativa. A segunda é todo tema vinculado a circularidade e embalagem. E essas duas grandes prioridades pautam a nossa agenda de sustentabilidade. Hoje, em termos de iniciativas de projeto, quando a gente fala bom, onde que a gente tem que acelerar e aprofundar? É na agricultura. Por quê? Porque dois terços da nossa pegada (de carbono) vêm dos ingredientes: leite, cacau e café. Precisamos repensar e rever como estamos produzindo esses ingredientes para garantir que a gente diminui a pegada ambiental. Isso passa por incentivar práticas regenerativas com os produtores. Então, o grande esforço está aí, em transformar a forma como estamos produzindo ingredientes, para a gente diminuir a nossa pegada. Claro que o tema circularidade é superimportante porque é muito visível. Entretanto, onde a gente vai mexer o ponteiro vai ser na agricultura, que talvez é menos visível.