Juros altos são sinônimo de dinheiro escasso. Entre outros motivos, compensa para os investidores colocar sua poupança em aplicações seguras, como papéis do governo, o que tira os recursos da economia. Para o Pátria, que tem R$ 140 bilhões sob gestão e é o maior fundo de investimento de sua área na América Latina, esse movimento global trouxe duas realidades. De um lado, os grandes investidores passaram a repensar os investimentos mais arriscados, como os que oferece. “A gente sente a reflexão (dos grandes investidores) sobre a decisão de como alocam o portfólio, o que é natural quando há uma mudança estrutural de taxa de juros, mas nada que ameace o longo prazo”, afirma Daniel Sorrentino, sócio e presidente executivo do Pátria Investimentos para a América Latina, que participou do programa de entrevistas em vídeo “Olhar de Líder”, do Estadão/Broadcast.
De outro lado, porém, empresas e projetos - que o Pátria compra e investe - ficaram bem mais baratos. “A verdade é que o CDI (títulos emitidos por bancos como forma de captação), nos patamares atuais, drena muito capital da economia”, diz ele. “Essa falta de capital na economia gera demanda por recursos muito grande e é quando, para nós, aparecem ótimas oportunidades.”
Com o dinheiro da abertura de capital na Nasdaq, há dois anos, o Pátria multiplicou tanto a base de clientes quanto negócios e produtos financeiros que oferece. No período, dobrou o lucro e avançou em outras áreas. Em seu portfólio, há marcas como o açaí Frooty, as unidades do Dr. Consulta e as academias SmartFit, entre 50 empresas. Também tem grandes projetos de infraestrutura, em energia, telecomunicações e dados, e começa a avançar em água e saneamento, em toda América Latina. O governo à esquerda não é uma preocupação, já que continuam sentando à mesa para participar de negociações para atrair o capital privado às obras públicas. A entrevista já está disponível no Broadcast TV. Abaixo, alguns trechos editados.
O Pátria tem histórico de gerar bons retornos aos acionistas e alguns projetos também têm impacto social, como o processamento de açaí da Frooty ou o projeto de dessalinização que vai retirar de circulação dezenas de caminhões pipa no Chile. Qual é o impacto da geração de riqueza do Pátria?
Não há essa conta, mas para cada real investido pelo Pátria há um efeito multiplicador grande. Trazemos para os investimentos um capital de longo prazo, formador de ativos, que tem como objetivo geração de empregos, receita e outros impactos na economia. Estimaria que o multiplicador desse capital é superior a duas a três vezes, a cada real que investimos, que reverbera na economia.
Como é competir, pelo dinheiro do investidor, com os juros a quase 14% ao ano?
Nosso olhar, como investidor, é sempre para um horizonte de 5 a 15 anos, tempo que o capital empregado em ativos e empresas leva para trazer resultado. A taxa de juros, hoje, é uma taxa de desequilíbrio, de certa forma. Quando comparamos nossos resultados históricos, percebe-se que os investidores experimentam nesse tipo de produto - o ativo alternativo, também conhecido como ativo privado -, retorno muito superior ao CDI, que é a taxa básica de juros do Brasil. Mas enxergamos o momento particular como de oportunidade. Claro, é muito difícil convencer o investidor, de maneira geral, de que é um bom momento para entrar num ativo de risco e de longo prazo, quando se tem a competição com o CDI. A verdade, porém, é que o CDI, no patamar que está, drena muito capital da economia. Essa falta de capital gera demanda por recursos muito grande e é quando, para nós, aparecem ótimas oportunidades. Em todos negócios e classes de ativos nos quais estamos investindo, encontramos excelentes oportunidades. Temos essa discussão diariamente com os clientes…
… que fazem contas, né?
Exatamente. Eles veem diferentes produtos ligados ao desempenho do CDI, alguns isentos de Imposto de Renda, o que faz com que sejam altamente atrativos. Mas nossa abordagem é de longo prazo e a gente propõe que qualquer pessoa tenha uma alocação de 10% a 30% de seu portfólio nesse tipo de ativo. Não é um ‘ou’ outro. É um ‘e’ outro.
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Alguns fundos de pensão americanos têm anunciado redução nos investimentos em private equity (compra de participações em empresas), que se tornaram menos atraentes com a alta dos juros nos EUA. O Pátria já sentiu esse impacto e como os srs. estão vendo o cenário internacional?
É importante trazer um pouco do contexto à situação atual. Os fundos de pensão americanos vêm, ao longo dos últimos 20 anos, aumentando significativamente a alocação em private equities. Essa onda de crescimento gerou resultados muito expressivos e superiores aos que experimentaram em outras alocações. Imagine ter 10% do portfólio que teve um desempenho muito bacana e, um dia, ele virou 20% porque cresceu muito... Um segundo elemento é a alocação das classes de ativos em relação aos juros, que mudou. É natural que uma mudança de taxa de juros implique em uma mudança de alocação. Como reflexo, os fundos passaram a ter menos apetite a crescimento do que no passado, mas o mercado continua extremamente saudável e pujante. É mais um ruído pontual do que uma questão estrutural.
Mas vocês sentiram?
A gente sente a reflexão (dos fundos de previdência) de que estão tomando uma decisão de como alocam o portfólio, o que é natural. Quando há uma mudança estrutural de taxa de juros globalmente, como aconteceu agora, é natural que investidores parem para revisar e repensar o portfólio. Nos preocupa no médio e longo prazo? De forma nenhuma. A tendência é clara e positiva. Temos convicção de que essa é uma classe de ativos que mais e mais faz parte da alocação de qualquer tipo de investidor: dos mais sofisticados do mundo, como os fundos soberanos e de pensão, até o poupador individual brasileiro, que deveria ter uma alocação neste tipo de produto.
De que maneira um governo menos afeito às privatizações e às concessões posterga investimentos que poderiam melhorar a vida da população ou afetam os ganhos da gestora?
O tema mais relevante ligado à infraestrutura tem a ver com a capacidade da Federação e dos Estados em conseguir, com seus próprios balanços, cumprir com as necessidades de infraestrutura do País. Sabemos que existe uma dificuldade enorme e falta de capital. A participação de investidores e da iniciativa privada, de maneira geral, é necessária em qualquer país. Todo governo sabe ser necessário trazer a iniciativa privada a seu lado e construir um arcabouço regulatório para que os investimentos sejam feitos. As mudanças são naturais e saudáveis, com a troca de governo, do modelo como o Brasil faz concessões e atrai o capital privado de longo prazo. Em vários momentos, e este não é diferente, somos chamados como parte da mesa para debater abertamente as mudanças e o que é necessário para que se viabilizem os investimentos.
Mas e eventuais mudanças em marcos regulatórios, como o do saneamento, que o atual governo já sinalizou ter intenção de mudar?
Em alguns setores existem mudanças, em muitos casos bem vindas e que, de alguma forma, vão viabilizar os investimentos. O marco regulatório do saneamento traz uma mudança estrutural importante para o segmento que, para nós, é super positiva. Lógico que, dentro do marco, existe uma série de oportunidades de melhoria. As discussões que estamos vendo são sobre isso. As mudanças eventualmente podem atrasar o curtíssimo prazo, mas a estrutura de médio e longo prazo está preservada. Nosso fundo tem um olhar para a América Latina e participamos de investimentos em outros países, como Chile, Colômbia e México e essa capacidade traz mais novas e mais oportunidades.
Mas é uma região que está toda indo para a esquerda, não?
Sem dúvida. Mas, historicamente, a esquerda não defende a privatização, mas ela não é contra concessões ou PPPs (parcerias público privadas). O modelo está aí e falta dinheiro. O Brasil tem necessidade óbvia de infraestrutura, é preciso atrair o capital e é preciso estar aberto a receber esse investimento. Para isso, é preciso ter um arcabouço regulatório, contratual, agências reguladoras, que estão presentes no Brasil e na região.
Fundos de maior retorno têm mais risco. Alguns dos erros mais conhecidos do Pátria foram em Alphaville, adquirido por um preço muito maior do que os srs. conseguiram vender e a Tenco, uma empresa de shopping centers cujas cotas se desvalorizaram quase 100%. Como o Pátria lida com o aprendizado trazido por esses erros?
Risco maior faz parte do nosso modelo de negócio e, no processo de investimento e análise, tentamos incorporar esses aprendizados. Não somos só a maior: somos também a gestora com maior experiência, a que está há mais tempo fazendo isso. São aprendizados importantes e duros. Esses casos foram decisões erradas de investimento e remetem ao momento da indústria e à forma como foi estruturada a operação. Em comum, foram setores ligados à área imobiliária, tipicamente volátil e com uma componente de alavancagem como parte da tomada de decisão. Mas o que mais prejudicou a gente foram as especificidades dos dois setores. Em Alphaville, sofremos muito com a onda de distratos, na qual os clientes recebia os recursos de volta e devolvia o que havia sido comprado. Foi uma fase muito difícil para a indústria como um todo. No caso dos shoppings, todo mundo conhece o desafio imposto pela pandemia. O fato é que faz parte do nosso processo fazer investimentos muito bem sucedidos e investimentos mal sucedidos. A melhor forma do investidor evitar esse risco é a diversificação. Se eu tivesse investido apenas num projeto de shopping center ou só num projeto de Alphaville, eu teria muito risco. Nossa abordagem é a da diversificação e ter não só o investimento em empresas, mas também o desenvolvimento em infraestrutura, o crédito, a área de real estate. O retorno é bacana, com o risco diluído pela diversificação.
Como ficou o caso da Tenco?
A Tenco continua existindo, o fundador comprou nossa participação e renegociamos com os investidores desse fundo.
No último ano, a cotação dos papéis do Pátria na Nasdaq caiu quase 20%. Como o sr. avalia a experiência?
O IPO (oferta inicial de ações, na sigla em inglês) foi um momento fantástico e continua sendo. Fizemos o IPO no início de 2021 e conseguimos manter o projeto de crescimento, com o objetivo de ser o principal gestor de ativos alternativos da América Latina. Para isso, tínhamos duas metas: expandir a base de clientes em toda a região, bem como os investidores institucionais globais, e expandir a oferta de produtos. Antes do IPO, tínhamos de 8 a 10 produtos. Hoje, são mais de 25. O momento pós IPO foi de expansão, quando mais do que dobramos o lucro da empresa em dois anos.
E a queda nas ações?
É natural viver o ciclo do mercado de capitais. Desde o IPO, o momento das bolsas globais mudou muito e o apetite para risco e o valor das empresas mudou. Mas o que importa, no longo prazo, é o resultado do negócio. Uma hora o mercado reconhece.
Onde entram os Spacs (empresas ‘cheque em branco’, na sigla em inglês) nessa estratégia?
Ele está dentro da estrutura de private equities. Esse instrumento teve resultados muito interessantes em determinado momento, tanto para investidores quanto para empresas investidas. Como cresceu muito rápido, é preciso separar um pouco o que é bom do que não é. Na nossa estratégia, ele tem um papel interessante na dinâmica de investimento e de promover o acesso ao mercado de capitais de maneira mais fácil. Ele permite um IPO de maneira simplificada. Mas é uma solução para algumas companhias. Temos algumas ideias que achamos que serão bem sucedidas.
O principal ativo de todo mundo é o tempo. Se o sr. tivesse mais tempo, o que faria com ele?
O que eu busco, dentro do tempo que eu tenho, é equilibrar as minhas prioridades de vida. Minha família tem um papel muito importante nessa dinâmica, meu trabalho no Pátria, meus amigos, minha educação, meu desenvolvimento, o fato de eu ser um triatleta amador. A falta de tempo faz com que a gente tenha de tomar uma decisão sobre prioridades e equilíbrio. Tem momentos em que uma ou outra prioridade pede mais tempo. Mas a grande arte desse equilíbrio é saber reconhecer os momentos que cada parte dos pilares é mais ou menos importante e ir balanceando.