‘Mudança de meta impactaria credibilidade do arcabouço; manutenção foi positiva’, diz diretor do BC


Diogo Guillen vê como adequada a decisão de Haddad de reforçar o compromisso de zerar o rombo das contas públicas em 2024; condições postas pelo banco para aumentar o ritmo de queda dos juros são ‘restritivas’, diz

Por Adriana Fernandes e Thaís Barcellos
Atualização:
Foto: FELIPE RAU
Entrevista comDiogo Guillendiretor de política econômica

BRASÍLIA - O diretor de política econômica do Banco Central, Diogo Guillen, avalia que foi positiva a manutenção pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, do compromisso com a meta fiscal de zerar o déficit das contas públicas no ano que vem. “Uma mudança da meta teria impacto sobre a credibilidade do arcabouço fiscal”, diz ele em entrevista ao Estadão/Broadcast.

O diretor do BC recebeu a reportagem no seu gabinete em Brasília na quarta-feira, quando o ministro Haddad reforçou o compromisso de manutenção da meta no projeto de Orçamento de 2024. O projeto foi enviado no dia seguinte com uma previsão de um pequeno superávit de R$ 2,8 bilhões – o equivalente a 0% do Produto Interno Bruto (PIB).

Na entrevista, Guillen citou os eventos que merecem mais atenção para a inflação. O principal, no exterior, é o aumento das taxas de juros americanas. Já no Brasil, o tema mais relevante é a discussão sobre a viabilidade das metas fiscais e de como será o compromisso do governo com o novo arcabouço e com a obtenção de receitas. Essa diferença ocorre porque os analistas do mercado têm uma expectativa de déficit de 0,8% do PIB, pela pesquisa Focus do BC, e o governo projeta zerar o rombo.

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Diogo Guillen, diretor de política econômica do Banco Central. Foto: Felipe Rau/Estadão

“O atingimento do déficit de 0,8% do PIB, por exemplo, é diferente se for com a manutenção do arcabouço e da meta ou com a mudança da meta”, afirma.

Ele fez parte do grupo minoritário que defendeu que o corte inaugural da Selic fosse de 0,25 ponto porcentual. Venceu, com cinco votos, a queda de 0,50 ponto, de 13,75% para 13,25% ao ano, defendida pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, e pelos diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Gabriel Galípolo e Ailton Aquino.

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Mesmo com voto divergente da maioria do Comitê de Política Monetária (Copom) de agosto, o diretor minimizou as críticas à decisão do colegiado de iniciar o processo de corte da taxa Selic com uma queda mais agressiva. “Teve menos divergência do que eu leio nos jornais”, diz. Ele reforçou que as condições postas pelo BC para aumentar o ritmo de queda nas próximas reuniões para além de 0,50 ponto são “restritivas”: “há uma barra alta”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O mercado coloca dúvidas sobre o cumprimento da meta fiscal de zerar o déficit das contas públicas em 2024; há pressão para mudar a meta. Isso pode afetar as expectativas inflacionárias?

Com relação à política fiscal, já havia essa incerteza no início do ano, que era uma discussão muito mais sobre qual seria o arcabouço. E ela caminhou para se tornar mais uma discussão sobre a execução. Entre os participantes do Focus (pesquisa do BC), os agentes que são mais pessimistas com relação à política fiscal têm expectativas de inflação mais elevadas. A gente acredita que parte da questão da desancoragem (das expectativas) está relacionada ao fiscal.

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Mas o fiscal não estava no balanço de riscos…

Quando olhamos para o fiscal e vemos que a projeção dos agentes está em déficit de 0,8% do PIB em 2024 e a meta é zero, concluímos que é parte do cenário-base o resultado fiscal (de déficit) deve ser acima do que o governo coloca.

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O descumprimento já é dado como certo?

O atingimento do déficit de 0,8% do PIB, por exemplo, é diferente se for com a manutenção do arcabouço e da meta ou com a mudança da meta. Acho bastante positivo o comportamento do Ministério da Fazenda, reforçando o compromisso com a meta zero que foi apresentada.

O sr. acha que uma eventual mudança na meta fiscal pode aumentar as expectativas de inflação e comprometer o caminho que foi sinalizado de política monetária?

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Fazer uma avaliação quantitativa do impacto sobre expectativas é difícil. Mas uma mudança da meta teria impacto sobre a credibilidade do arcabouço fiscal. Nesse sentido, acho positiva a manutenção da meta como o ministro Haddad tem colocado.

Na discussão sobre a reancoragem parcial das expectativas, o sr. estava no grupo que acredita que o que impede uma convergência maior para as metas é o fiscal ou a inflação global?

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Não apresentamos um estudo de quanto cada fator explica da desancoragem (quando as expectativas não convergem para a meta de inflação). Só apresentamos os fatores. Acho que é mais difícil, assim, de ponderá-los. Acho até que, na margem, a discussão de fiscal aumentou, mas não fizemos estudos sobre esse ranqueamento entre eles. Acho que é importante perseverar para trazer expectativas para a meta.

Uma das maiores críticas do mercado à decisão do Copom de agosto foi o corte mais agressivo da Selic diante da sinalização de queda “parcimoniosa”, da projeção de inflação de 2024 acima da meta. O que explica a decisão?

Na penúltima reunião (em junho), tinham dois grupos: um que queria sinalizar o corte e outro acreditando que deveria ter alguns desenvolvimentos para poder sinalizar, para ganhar confiança. Esses desenvolvimentos, basicamente, seriam a definição da meta inflacionária e uma redução mais clara da inflação de serviços. Houve unanimidade sobre ser apropriado o corte de juros, mas ficou a discussão entre 0,25 e 0,50 ponto porcentual. O grupo que defendeu 0,50 chamou mais atenção de como as expectativas reagiram depois da decisão do CMN sobre a meta - e sobre a dinâmica desinflacionária, especialmente de serviços. O grupo que defendeu 0,25, no qual eu estou presente, como fica claro pelo voto, pensou que não houve uma mudança tão grande no cenário e que houve uma comunicação indicando parcimônia (em junho). Essa foi a divergência no último Copom. Mas acho que teve menos divergência do que eu leio nos jornais.

Como assim?

Teve, de fato, essa divergência entre 0,25 e 0,50, mas teve a concordância sobre a estratégia de política monetária. É muito comum ter divergência tanto no início do ciclo quanto no fim, como ocorreu em setembro do ano passado. A segunda parte da estratégia de política monetária é a velocidade, em que antecipamos 0,50 nas próximas reuniões. O mercado gosta de olhar o “e” ou o “ou”, eu gosto de olhar os advérbios de intensidade.

Na ata do Copom, três condições são listadas. Basta uma delas ser verificada para apontar para uma aceleração da redução da Selic ou há alguma preponderante?

A forma como colocamos, e como eu concordo, é que é preciso ganhar confiança sobre uma dinâmica de inflação mais benigna. E como se ganha confiança? Com vários elementos, tais como esses que colocamos na ata. No fim, me parece difícil construir um cenário em que alguns dos elementos ocorram e os outros não; costumam ser correlacionados. Se há uma melhora da dinâmica de desinflação, se tem um hiato mais aberto, provavelmente as expectativas vão se reduzir. Isso com relação ao passo de 0,50. Outro elemento importante na decisão do Copom é sobre a unanimidade sobre o passo de 0,50.

Consideram que a manutenção da política monetária contracionista é mais importante do que o passo de queda para garantir a inflação na meta?

Colocamos uma barra alta para alterar o passo de corte, porque eu acho que tem incerteza. Por que seria vantajoso acelerar o passo? Possivelmente porque se vê uma atividade que está desacelerando mais rápido do que o esperado. A gente não observa isso. Então, parte da estratégia de política monetária é justamente essa de deixar que o “orçamento” (até onde a Selic vai cair) seja o que, respondendo aos dados, projeções e expectativas, aquele termo que a gente usa na ata, um orçamento condizente com o atingimento da meta.

Então, resumindo, qual é a estratégia de política monetária?

Acho que é o ponto de que há concordância no comitê de ir no passo de 0,50 ponto porcentual (de queda). A barra é alta para alterar isso e a gente vai olhar a dinâmica desinflacionária para decidir qual é o tamanho do ciclo, até onde a Selic vai cair.

Na reunião de Jackson Hole, nos Estados Unidos, o presidente do BC dos EUA, Jerome Powell, e a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, mantiveram postura dura em relação ao combate à inflação. Qual foi a percepção do sr. lá? Aumentou o risco do cenário externo para a inflação brasileira?

Há algumas mensagens de Jackson Hole que são interessantes. Tem um primeiro tema que é o fiscal dos EUA, com debate muito grande em relação ao déficit em si e também o impacto sobre política monetária e demanda. Tem outro tema importante que é a discussão sobre desglobalização, realocação, mudanças de empresas da China para Vietnã e México. O terceiro é o comprometimento dos Bancos Centrais no atingimento das metas. Outro ponto também foi crescimento de longo prazo, produtividade, quais são os fatores que levam a uma mudança de crescimento no longo prazo.

A inflação no mundo vai continuar sendo um problema? Temos de seguir atentos com isso?

É a necessidade de seguir comprometido com uma política monetária para trazer inflação para meta. Mais do que uma surpresa positiva ou negativa de um mês, acho que tem alguns aspectos que são importantes: mercado de trabalho apertado, discussão fiscal, normalização das cadeias de produção de um lado, expectativas de inflação nos EUA e como vai ser a política monetária.

Mas há toda essa turbulência no mercado externo com os recordes dos juros de mercado nos EUA recentemente…

Acho que existem dois fatores que exigem acompanhamento no internacional. Um é esse dos juros longos americanos. Mais do que olhar o preço, ou seja, a taxa de juros, é entender qual é a fonte de choque que está levando a essa mudança de preços, porque isso pode ter implicações diferentes para o Brasil. Há quem ache que é pelo fato de ter impacto fiscal e ter demanda nos EUA e que exige política monetária mais contracionista. Há quem ache que há mudança de taxa de juros neutra nos EUA. Há quem ache que foi uma discussão de emissão de títulos, porque tinham parado de emitir por conta do teto da dívida, emitiram muito durante um mês e isso pode ter tido um impacto sobre os preços maior. E o outro componente internacional mais recente é o crescimento da China. Parte da discussão é mais estrutural, de modelo de crescimento, com endividamento, que já persiste há anos. Parte é uma certa decepção de crescimento depois da covid-19.

O cenário externo aparece tanto entre as ameaças para a inflação de alta quanto de baixa, pela atividade. O que deve ser preponderante com os eventos recentes?

No cenário internacional, o principal desenvolvimento foi a taxa de juros americana. No Brasil, passa a ser muito essa discussão da execução e da desancoragem das metas fiscais e como vai se dar o compromisso e a obtenção das receitas para chegar a esse arcabouço. Para frente, é acompanhar isso.

No IPCA-15 de agosto, houve evolução positiva dos núcleos de inflação e de serviços, pontos que o BC tem apontado como cruciais...

Tem um aspecto interessante: observamos uma desinflação correlacionada em vários países. Aqui no Brasil, também vimos uma redução da inflação e uma melhora dos núcleos nos últimos meses. Temos chamado atenção da inflação de serviços, justamente por acreditar que reflete bem uma inflação que é importante para a política monetária. É menos sobre um número do IPCA-15 ou do IPCA e menos sobre um item, seja aluguel ou condomínio, e mais sobre o que essa dinâmica de inflação de serviços está nos contando. Segue esse processo que temos chamado atenção que a gente entrou no segundo estágio, que é uma desinflação mais lenta, de serviços.

O BNDES divulgou um estudo que aponta que a concessão de crédito do banco não tem impacto relevante na potência de política monetária, enquanto o presidente do BC vem argumentando o contrário em relação ao crédito direcionado. O que o sr. pensa?

Eu acho que crédito subsidiado tem impacto sobre a potência de política monetária e a taxa taxa neutra (aquela que não acelera e nem desacelera a inflação). E tem evidência sobre isso. Como coloca o artigo, taxas que sejam próximas das taxas de mercado diminuem a distorção. Quanto mais subsidiadas forem ou quanto menos sensíveis à taxa Selic forem, maior vai ser o impacto sobre a potência de política monetária e sobre a taxa neutra. Tem uma discussão de quantificação, de qual é o impacto, que é um debate importante, mas eu acho que há impacto.

Do BNDES inclusive?

Do crédito subsidiado em geral e do BNDES, claro. À medida que você tem segmentos do mercado de crédito que não respondem à política monetária, você precisa que os segmentos que respondem atuem mais forte. É a história do subsídio cruzado, da “meia entrada”.

É importante para a ancoragem das expectativas a definição final do desenho da meta contínua de inflação, que passará a ser adotada e está pendente do decreto? Há avanços sobre esse desenho, sobre métodos de verificação do cumprimento da meta?

Tem dois aspectos importantes. O primeiro é manter a flexibilidade do horizonte relevante no BC, o que significa em quanto tempo o BC vai convergir para meta. Faz parte da condução da política monetária, porque depende da natureza do choque, depende da persistência do choque, seguindo a experiência internacional. Hoje, a gente utiliza 18 meses. A segunda parte é como vai ser a verificação. Eu sou bastante convicto de que, com maior autonomia, maior contabilidade, maior verificação.

Na Inglaterra, é o prazo mais curto para verificação?

Isso, é trimestral. O presidente do Banco da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês) precisa ir ao Congresso. Eu acho que o importante é ter instrumentos para explicar a condução da política monetária. Seja uma carta aberta, seja uma ida ao Congresso, a frequência pode ser discutida. Mas é importante ter esse instrumento para explicar o que está sendo feito.

Uma verificação trimestral seria adequada?

O problema do trimestral é que, às vezes, tem um choque (de preços) só que dura mais do que três meses, então você fica explicando o mesmo choque em várias idas ao Congresso. Então, essa é uma crítica que há ao BoE. Não cabe a mim avaliar o que é o ideal. Do lado do BC, julgamos importante ter esse instrumento de verificação. Acho que, com a autonomia, vem a verificação. Eu gosto da carta aberta, acho que é um instrumento positivo, porque você tem que se explicar se você não atingiu o mandato que foi delegado a você.

BRASÍLIA - O diretor de política econômica do Banco Central, Diogo Guillen, avalia que foi positiva a manutenção pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, do compromisso com a meta fiscal de zerar o déficit das contas públicas no ano que vem. “Uma mudança da meta teria impacto sobre a credibilidade do arcabouço fiscal”, diz ele em entrevista ao Estadão/Broadcast.

O diretor do BC recebeu a reportagem no seu gabinete em Brasília na quarta-feira, quando o ministro Haddad reforçou o compromisso de manutenção da meta no projeto de Orçamento de 2024. O projeto foi enviado no dia seguinte com uma previsão de um pequeno superávit de R$ 2,8 bilhões – o equivalente a 0% do Produto Interno Bruto (PIB).

Na entrevista, Guillen citou os eventos que merecem mais atenção para a inflação. O principal, no exterior, é o aumento das taxas de juros americanas. Já no Brasil, o tema mais relevante é a discussão sobre a viabilidade das metas fiscais e de como será o compromisso do governo com o novo arcabouço e com a obtenção de receitas. Essa diferença ocorre porque os analistas do mercado têm uma expectativa de déficit de 0,8% do PIB, pela pesquisa Focus do BC, e o governo projeta zerar o rombo.

Diogo Guillen, diretor de política econômica do Banco Central. Foto: Felipe Rau/Estadão

“O atingimento do déficit de 0,8% do PIB, por exemplo, é diferente se for com a manutenção do arcabouço e da meta ou com a mudança da meta”, afirma.

Ele fez parte do grupo minoritário que defendeu que o corte inaugural da Selic fosse de 0,25 ponto porcentual. Venceu, com cinco votos, a queda de 0,50 ponto, de 13,75% para 13,25% ao ano, defendida pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, e pelos diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Gabriel Galípolo e Ailton Aquino.

Mesmo com voto divergente da maioria do Comitê de Política Monetária (Copom) de agosto, o diretor minimizou as críticas à decisão do colegiado de iniciar o processo de corte da taxa Selic com uma queda mais agressiva. “Teve menos divergência do que eu leio nos jornais”, diz. Ele reforçou que as condições postas pelo BC para aumentar o ritmo de queda nas próximas reuniões para além de 0,50 ponto são “restritivas”: “há uma barra alta”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O mercado coloca dúvidas sobre o cumprimento da meta fiscal de zerar o déficit das contas públicas em 2024; há pressão para mudar a meta. Isso pode afetar as expectativas inflacionárias?

Com relação à política fiscal, já havia essa incerteza no início do ano, que era uma discussão muito mais sobre qual seria o arcabouço. E ela caminhou para se tornar mais uma discussão sobre a execução. Entre os participantes do Focus (pesquisa do BC), os agentes que são mais pessimistas com relação à política fiscal têm expectativas de inflação mais elevadas. A gente acredita que parte da questão da desancoragem (das expectativas) está relacionada ao fiscal.

Mas o fiscal não estava no balanço de riscos…

Quando olhamos para o fiscal e vemos que a projeção dos agentes está em déficit de 0,8% do PIB em 2024 e a meta é zero, concluímos que é parte do cenário-base o resultado fiscal (de déficit) deve ser acima do que o governo coloca.

O descumprimento já é dado como certo?

O atingimento do déficit de 0,8% do PIB, por exemplo, é diferente se for com a manutenção do arcabouço e da meta ou com a mudança da meta. Acho bastante positivo o comportamento do Ministério da Fazenda, reforçando o compromisso com a meta zero que foi apresentada.

O sr. acha que uma eventual mudança na meta fiscal pode aumentar as expectativas de inflação e comprometer o caminho que foi sinalizado de política monetária?

Fazer uma avaliação quantitativa do impacto sobre expectativas é difícil. Mas uma mudança da meta teria impacto sobre a credibilidade do arcabouço fiscal. Nesse sentido, acho positiva a manutenção da meta como o ministro Haddad tem colocado.

Na discussão sobre a reancoragem parcial das expectativas, o sr. estava no grupo que acredita que o que impede uma convergência maior para as metas é o fiscal ou a inflação global?

Não apresentamos um estudo de quanto cada fator explica da desancoragem (quando as expectativas não convergem para a meta de inflação). Só apresentamos os fatores. Acho que é mais difícil, assim, de ponderá-los. Acho até que, na margem, a discussão de fiscal aumentou, mas não fizemos estudos sobre esse ranqueamento entre eles. Acho que é importante perseverar para trazer expectativas para a meta.

Uma das maiores críticas do mercado à decisão do Copom de agosto foi o corte mais agressivo da Selic diante da sinalização de queda “parcimoniosa”, da projeção de inflação de 2024 acima da meta. O que explica a decisão?

Na penúltima reunião (em junho), tinham dois grupos: um que queria sinalizar o corte e outro acreditando que deveria ter alguns desenvolvimentos para poder sinalizar, para ganhar confiança. Esses desenvolvimentos, basicamente, seriam a definição da meta inflacionária e uma redução mais clara da inflação de serviços. Houve unanimidade sobre ser apropriado o corte de juros, mas ficou a discussão entre 0,25 e 0,50 ponto porcentual. O grupo que defendeu 0,50 chamou mais atenção de como as expectativas reagiram depois da decisão do CMN sobre a meta - e sobre a dinâmica desinflacionária, especialmente de serviços. O grupo que defendeu 0,25, no qual eu estou presente, como fica claro pelo voto, pensou que não houve uma mudança tão grande no cenário e que houve uma comunicação indicando parcimônia (em junho). Essa foi a divergência no último Copom. Mas acho que teve menos divergência do que eu leio nos jornais.

Como assim?

Teve, de fato, essa divergência entre 0,25 e 0,50, mas teve a concordância sobre a estratégia de política monetária. É muito comum ter divergência tanto no início do ciclo quanto no fim, como ocorreu em setembro do ano passado. A segunda parte da estratégia de política monetária é a velocidade, em que antecipamos 0,50 nas próximas reuniões. O mercado gosta de olhar o “e” ou o “ou”, eu gosto de olhar os advérbios de intensidade.

Na ata do Copom, três condições são listadas. Basta uma delas ser verificada para apontar para uma aceleração da redução da Selic ou há alguma preponderante?

A forma como colocamos, e como eu concordo, é que é preciso ganhar confiança sobre uma dinâmica de inflação mais benigna. E como se ganha confiança? Com vários elementos, tais como esses que colocamos na ata. No fim, me parece difícil construir um cenário em que alguns dos elementos ocorram e os outros não; costumam ser correlacionados. Se há uma melhora da dinâmica de desinflação, se tem um hiato mais aberto, provavelmente as expectativas vão se reduzir. Isso com relação ao passo de 0,50. Outro elemento importante na decisão do Copom é sobre a unanimidade sobre o passo de 0,50.

Consideram que a manutenção da política monetária contracionista é mais importante do que o passo de queda para garantir a inflação na meta?

Colocamos uma barra alta para alterar o passo de corte, porque eu acho que tem incerteza. Por que seria vantajoso acelerar o passo? Possivelmente porque se vê uma atividade que está desacelerando mais rápido do que o esperado. A gente não observa isso. Então, parte da estratégia de política monetária é justamente essa de deixar que o “orçamento” (até onde a Selic vai cair) seja o que, respondendo aos dados, projeções e expectativas, aquele termo que a gente usa na ata, um orçamento condizente com o atingimento da meta.

Então, resumindo, qual é a estratégia de política monetária?

Acho que é o ponto de que há concordância no comitê de ir no passo de 0,50 ponto porcentual (de queda). A barra é alta para alterar isso e a gente vai olhar a dinâmica desinflacionária para decidir qual é o tamanho do ciclo, até onde a Selic vai cair.

Na reunião de Jackson Hole, nos Estados Unidos, o presidente do BC dos EUA, Jerome Powell, e a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, mantiveram postura dura em relação ao combate à inflação. Qual foi a percepção do sr. lá? Aumentou o risco do cenário externo para a inflação brasileira?

Há algumas mensagens de Jackson Hole que são interessantes. Tem um primeiro tema que é o fiscal dos EUA, com debate muito grande em relação ao déficit em si e também o impacto sobre política monetária e demanda. Tem outro tema importante que é a discussão sobre desglobalização, realocação, mudanças de empresas da China para Vietnã e México. O terceiro é o comprometimento dos Bancos Centrais no atingimento das metas. Outro ponto também foi crescimento de longo prazo, produtividade, quais são os fatores que levam a uma mudança de crescimento no longo prazo.

A inflação no mundo vai continuar sendo um problema? Temos de seguir atentos com isso?

É a necessidade de seguir comprometido com uma política monetária para trazer inflação para meta. Mais do que uma surpresa positiva ou negativa de um mês, acho que tem alguns aspectos que são importantes: mercado de trabalho apertado, discussão fiscal, normalização das cadeias de produção de um lado, expectativas de inflação nos EUA e como vai ser a política monetária.

Mas há toda essa turbulência no mercado externo com os recordes dos juros de mercado nos EUA recentemente…

Acho que existem dois fatores que exigem acompanhamento no internacional. Um é esse dos juros longos americanos. Mais do que olhar o preço, ou seja, a taxa de juros, é entender qual é a fonte de choque que está levando a essa mudança de preços, porque isso pode ter implicações diferentes para o Brasil. Há quem ache que é pelo fato de ter impacto fiscal e ter demanda nos EUA e que exige política monetária mais contracionista. Há quem ache que há mudança de taxa de juros neutra nos EUA. Há quem ache que foi uma discussão de emissão de títulos, porque tinham parado de emitir por conta do teto da dívida, emitiram muito durante um mês e isso pode ter tido um impacto sobre os preços maior. E o outro componente internacional mais recente é o crescimento da China. Parte da discussão é mais estrutural, de modelo de crescimento, com endividamento, que já persiste há anos. Parte é uma certa decepção de crescimento depois da covid-19.

O cenário externo aparece tanto entre as ameaças para a inflação de alta quanto de baixa, pela atividade. O que deve ser preponderante com os eventos recentes?

No cenário internacional, o principal desenvolvimento foi a taxa de juros americana. No Brasil, passa a ser muito essa discussão da execução e da desancoragem das metas fiscais e como vai se dar o compromisso e a obtenção das receitas para chegar a esse arcabouço. Para frente, é acompanhar isso.

No IPCA-15 de agosto, houve evolução positiva dos núcleos de inflação e de serviços, pontos que o BC tem apontado como cruciais...

Tem um aspecto interessante: observamos uma desinflação correlacionada em vários países. Aqui no Brasil, também vimos uma redução da inflação e uma melhora dos núcleos nos últimos meses. Temos chamado atenção da inflação de serviços, justamente por acreditar que reflete bem uma inflação que é importante para a política monetária. É menos sobre um número do IPCA-15 ou do IPCA e menos sobre um item, seja aluguel ou condomínio, e mais sobre o que essa dinâmica de inflação de serviços está nos contando. Segue esse processo que temos chamado atenção que a gente entrou no segundo estágio, que é uma desinflação mais lenta, de serviços.

O BNDES divulgou um estudo que aponta que a concessão de crédito do banco não tem impacto relevante na potência de política monetária, enquanto o presidente do BC vem argumentando o contrário em relação ao crédito direcionado. O que o sr. pensa?

Eu acho que crédito subsidiado tem impacto sobre a potência de política monetária e a taxa taxa neutra (aquela que não acelera e nem desacelera a inflação). E tem evidência sobre isso. Como coloca o artigo, taxas que sejam próximas das taxas de mercado diminuem a distorção. Quanto mais subsidiadas forem ou quanto menos sensíveis à taxa Selic forem, maior vai ser o impacto sobre a potência de política monetária e sobre a taxa neutra. Tem uma discussão de quantificação, de qual é o impacto, que é um debate importante, mas eu acho que há impacto.

Do BNDES inclusive?

Do crédito subsidiado em geral e do BNDES, claro. À medida que você tem segmentos do mercado de crédito que não respondem à política monetária, você precisa que os segmentos que respondem atuem mais forte. É a história do subsídio cruzado, da “meia entrada”.

É importante para a ancoragem das expectativas a definição final do desenho da meta contínua de inflação, que passará a ser adotada e está pendente do decreto? Há avanços sobre esse desenho, sobre métodos de verificação do cumprimento da meta?

Tem dois aspectos importantes. O primeiro é manter a flexibilidade do horizonte relevante no BC, o que significa em quanto tempo o BC vai convergir para meta. Faz parte da condução da política monetária, porque depende da natureza do choque, depende da persistência do choque, seguindo a experiência internacional. Hoje, a gente utiliza 18 meses. A segunda parte é como vai ser a verificação. Eu sou bastante convicto de que, com maior autonomia, maior contabilidade, maior verificação.

Na Inglaterra, é o prazo mais curto para verificação?

Isso, é trimestral. O presidente do Banco da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês) precisa ir ao Congresso. Eu acho que o importante é ter instrumentos para explicar a condução da política monetária. Seja uma carta aberta, seja uma ida ao Congresso, a frequência pode ser discutida. Mas é importante ter esse instrumento para explicar o que está sendo feito.

Uma verificação trimestral seria adequada?

O problema do trimestral é que, às vezes, tem um choque (de preços) só que dura mais do que três meses, então você fica explicando o mesmo choque em várias idas ao Congresso. Então, essa é uma crítica que há ao BoE. Não cabe a mim avaliar o que é o ideal. Do lado do BC, julgamos importante ter esse instrumento de verificação. Acho que, com a autonomia, vem a verificação. Eu gosto da carta aberta, acho que é um instrumento positivo, porque você tem que se explicar se você não atingiu o mandato que foi delegado a você.

BRASÍLIA - O diretor de política econômica do Banco Central, Diogo Guillen, avalia que foi positiva a manutenção pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, do compromisso com a meta fiscal de zerar o déficit das contas públicas no ano que vem. “Uma mudança da meta teria impacto sobre a credibilidade do arcabouço fiscal”, diz ele em entrevista ao Estadão/Broadcast.

O diretor do BC recebeu a reportagem no seu gabinete em Brasília na quarta-feira, quando o ministro Haddad reforçou o compromisso de manutenção da meta no projeto de Orçamento de 2024. O projeto foi enviado no dia seguinte com uma previsão de um pequeno superávit de R$ 2,8 bilhões – o equivalente a 0% do Produto Interno Bruto (PIB).

Na entrevista, Guillen citou os eventos que merecem mais atenção para a inflação. O principal, no exterior, é o aumento das taxas de juros americanas. Já no Brasil, o tema mais relevante é a discussão sobre a viabilidade das metas fiscais e de como será o compromisso do governo com o novo arcabouço e com a obtenção de receitas. Essa diferença ocorre porque os analistas do mercado têm uma expectativa de déficit de 0,8% do PIB, pela pesquisa Focus do BC, e o governo projeta zerar o rombo.

Diogo Guillen, diretor de política econômica do Banco Central. Foto: Felipe Rau/Estadão

“O atingimento do déficit de 0,8% do PIB, por exemplo, é diferente se for com a manutenção do arcabouço e da meta ou com a mudança da meta”, afirma.

Ele fez parte do grupo minoritário que defendeu que o corte inaugural da Selic fosse de 0,25 ponto porcentual. Venceu, com cinco votos, a queda de 0,50 ponto, de 13,75% para 13,25% ao ano, defendida pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, e pelos diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Gabriel Galípolo e Ailton Aquino.

Mesmo com voto divergente da maioria do Comitê de Política Monetária (Copom) de agosto, o diretor minimizou as críticas à decisão do colegiado de iniciar o processo de corte da taxa Selic com uma queda mais agressiva. “Teve menos divergência do que eu leio nos jornais”, diz. Ele reforçou que as condições postas pelo BC para aumentar o ritmo de queda nas próximas reuniões para além de 0,50 ponto são “restritivas”: “há uma barra alta”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O mercado coloca dúvidas sobre o cumprimento da meta fiscal de zerar o déficit das contas públicas em 2024; há pressão para mudar a meta. Isso pode afetar as expectativas inflacionárias?

Com relação à política fiscal, já havia essa incerteza no início do ano, que era uma discussão muito mais sobre qual seria o arcabouço. E ela caminhou para se tornar mais uma discussão sobre a execução. Entre os participantes do Focus (pesquisa do BC), os agentes que são mais pessimistas com relação à política fiscal têm expectativas de inflação mais elevadas. A gente acredita que parte da questão da desancoragem (das expectativas) está relacionada ao fiscal.

Mas o fiscal não estava no balanço de riscos…

Quando olhamos para o fiscal e vemos que a projeção dos agentes está em déficit de 0,8% do PIB em 2024 e a meta é zero, concluímos que é parte do cenário-base o resultado fiscal (de déficit) deve ser acima do que o governo coloca.

O descumprimento já é dado como certo?

O atingimento do déficit de 0,8% do PIB, por exemplo, é diferente se for com a manutenção do arcabouço e da meta ou com a mudança da meta. Acho bastante positivo o comportamento do Ministério da Fazenda, reforçando o compromisso com a meta zero que foi apresentada.

O sr. acha que uma eventual mudança na meta fiscal pode aumentar as expectativas de inflação e comprometer o caminho que foi sinalizado de política monetária?

Fazer uma avaliação quantitativa do impacto sobre expectativas é difícil. Mas uma mudança da meta teria impacto sobre a credibilidade do arcabouço fiscal. Nesse sentido, acho positiva a manutenção da meta como o ministro Haddad tem colocado.

Na discussão sobre a reancoragem parcial das expectativas, o sr. estava no grupo que acredita que o que impede uma convergência maior para as metas é o fiscal ou a inflação global?

Não apresentamos um estudo de quanto cada fator explica da desancoragem (quando as expectativas não convergem para a meta de inflação). Só apresentamos os fatores. Acho que é mais difícil, assim, de ponderá-los. Acho até que, na margem, a discussão de fiscal aumentou, mas não fizemos estudos sobre esse ranqueamento entre eles. Acho que é importante perseverar para trazer expectativas para a meta.

Uma das maiores críticas do mercado à decisão do Copom de agosto foi o corte mais agressivo da Selic diante da sinalização de queda “parcimoniosa”, da projeção de inflação de 2024 acima da meta. O que explica a decisão?

Na penúltima reunião (em junho), tinham dois grupos: um que queria sinalizar o corte e outro acreditando que deveria ter alguns desenvolvimentos para poder sinalizar, para ganhar confiança. Esses desenvolvimentos, basicamente, seriam a definição da meta inflacionária e uma redução mais clara da inflação de serviços. Houve unanimidade sobre ser apropriado o corte de juros, mas ficou a discussão entre 0,25 e 0,50 ponto porcentual. O grupo que defendeu 0,50 chamou mais atenção de como as expectativas reagiram depois da decisão do CMN sobre a meta - e sobre a dinâmica desinflacionária, especialmente de serviços. O grupo que defendeu 0,25, no qual eu estou presente, como fica claro pelo voto, pensou que não houve uma mudança tão grande no cenário e que houve uma comunicação indicando parcimônia (em junho). Essa foi a divergência no último Copom. Mas acho que teve menos divergência do que eu leio nos jornais.

Como assim?

Teve, de fato, essa divergência entre 0,25 e 0,50, mas teve a concordância sobre a estratégia de política monetária. É muito comum ter divergência tanto no início do ciclo quanto no fim, como ocorreu em setembro do ano passado. A segunda parte da estratégia de política monetária é a velocidade, em que antecipamos 0,50 nas próximas reuniões. O mercado gosta de olhar o “e” ou o “ou”, eu gosto de olhar os advérbios de intensidade.

Na ata do Copom, três condições são listadas. Basta uma delas ser verificada para apontar para uma aceleração da redução da Selic ou há alguma preponderante?

A forma como colocamos, e como eu concordo, é que é preciso ganhar confiança sobre uma dinâmica de inflação mais benigna. E como se ganha confiança? Com vários elementos, tais como esses que colocamos na ata. No fim, me parece difícil construir um cenário em que alguns dos elementos ocorram e os outros não; costumam ser correlacionados. Se há uma melhora da dinâmica de desinflação, se tem um hiato mais aberto, provavelmente as expectativas vão se reduzir. Isso com relação ao passo de 0,50. Outro elemento importante na decisão do Copom é sobre a unanimidade sobre o passo de 0,50.

Consideram que a manutenção da política monetária contracionista é mais importante do que o passo de queda para garantir a inflação na meta?

Colocamos uma barra alta para alterar o passo de corte, porque eu acho que tem incerteza. Por que seria vantajoso acelerar o passo? Possivelmente porque se vê uma atividade que está desacelerando mais rápido do que o esperado. A gente não observa isso. Então, parte da estratégia de política monetária é justamente essa de deixar que o “orçamento” (até onde a Selic vai cair) seja o que, respondendo aos dados, projeções e expectativas, aquele termo que a gente usa na ata, um orçamento condizente com o atingimento da meta.

Então, resumindo, qual é a estratégia de política monetária?

Acho que é o ponto de que há concordância no comitê de ir no passo de 0,50 ponto porcentual (de queda). A barra é alta para alterar isso e a gente vai olhar a dinâmica desinflacionária para decidir qual é o tamanho do ciclo, até onde a Selic vai cair.

Na reunião de Jackson Hole, nos Estados Unidos, o presidente do BC dos EUA, Jerome Powell, e a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, mantiveram postura dura em relação ao combate à inflação. Qual foi a percepção do sr. lá? Aumentou o risco do cenário externo para a inflação brasileira?

Há algumas mensagens de Jackson Hole que são interessantes. Tem um primeiro tema que é o fiscal dos EUA, com debate muito grande em relação ao déficit em si e também o impacto sobre política monetária e demanda. Tem outro tema importante que é a discussão sobre desglobalização, realocação, mudanças de empresas da China para Vietnã e México. O terceiro é o comprometimento dos Bancos Centrais no atingimento das metas. Outro ponto também foi crescimento de longo prazo, produtividade, quais são os fatores que levam a uma mudança de crescimento no longo prazo.

A inflação no mundo vai continuar sendo um problema? Temos de seguir atentos com isso?

É a necessidade de seguir comprometido com uma política monetária para trazer inflação para meta. Mais do que uma surpresa positiva ou negativa de um mês, acho que tem alguns aspectos que são importantes: mercado de trabalho apertado, discussão fiscal, normalização das cadeias de produção de um lado, expectativas de inflação nos EUA e como vai ser a política monetária.

Mas há toda essa turbulência no mercado externo com os recordes dos juros de mercado nos EUA recentemente…

Acho que existem dois fatores que exigem acompanhamento no internacional. Um é esse dos juros longos americanos. Mais do que olhar o preço, ou seja, a taxa de juros, é entender qual é a fonte de choque que está levando a essa mudança de preços, porque isso pode ter implicações diferentes para o Brasil. Há quem ache que é pelo fato de ter impacto fiscal e ter demanda nos EUA e que exige política monetária mais contracionista. Há quem ache que há mudança de taxa de juros neutra nos EUA. Há quem ache que foi uma discussão de emissão de títulos, porque tinham parado de emitir por conta do teto da dívida, emitiram muito durante um mês e isso pode ter tido um impacto sobre os preços maior. E o outro componente internacional mais recente é o crescimento da China. Parte da discussão é mais estrutural, de modelo de crescimento, com endividamento, que já persiste há anos. Parte é uma certa decepção de crescimento depois da covid-19.

O cenário externo aparece tanto entre as ameaças para a inflação de alta quanto de baixa, pela atividade. O que deve ser preponderante com os eventos recentes?

No cenário internacional, o principal desenvolvimento foi a taxa de juros americana. No Brasil, passa a ser muito essa discussão da execução e da desancoragem das metas fiscais e como vai se dar o compromisso e a obtenção das receitas para chegar a esse arcabouço. Para frente, é acompanhar isso.

No IPCA-15 de agosto, houve evolução positiva dos núcleos de inflação e de serviços, pontos que o BC tem apontado como cruciais...

Tem um aspecto interessante: observamos uma desinflação correlacionada em vários países. Aqui no Brasil, também vimos uma redução da inflação e uma melhora dos núcleos nos últimos meses. Temos chamado atenção da inflação de serviços, justamente por acreditar que reflete bem uma inflação que é importante para a política monetária. É menos sobre um número do IPCA-15 ou do IPCA e menos sobre um item, seja aluguel ou condomínio, e mais sobre o que essa dinâmica de inflação de serviços está nos contando. Segue esse processo que temos chamado atenção que a gente entrou no segundo estágio, que é uma desinflação mais lenta, de serviços.

O BNDES divulgou um estudo que aponta que a concessão de crédito do banco não tem impacto relevante na potência de política monetária, enquanto o presidente do BC vem argumentando o contrário em relação ao crédito direcionado. O que o sr. pensa?

Eu acho que crédito subsidiado tem impacto sobre a potência de política monetária e a taxa taxa neutra (aquela que não acelera e nem desacelera a inflação). E tem evidência sobre isso. Como coloca o artigo, taxas que sejam próximas das taxas de mercado diminuem a distorção. Quanto mais subsidiadas forem ou quanto menos sensíveis à taxa Selic forem, maior vai ser o impacto sobre a potência de política monetária e sobre a taxa neutra. Tem uma discussão de quantificação, de qual é o impacto, que é um debate importante, mas eu acho que há impacto.

Do BNDES inclusive?

Do crédito subsidiado em geral e do BNDES, claro. À medida que você tem segmentos do mercado de crédito que não respondem à política monetária, você precisa que os segmentos que respondem atuem mais forte. É a história do subsídio cruzado, da “meia entrada”.

É importante para a ancoragem das expectativas a definição final do desenho da meta contínua de inflação, que passará a ser adotada e está pendente do decreto? Há avanços sobre esse desenho, sobre métodos de verificação do cumprimento da meta?

Tem dois aspectos importantes. O primeiro é manter a flexibilidade do horizonte relevante no BC, o que significa em quanto tempo o BC vai convergir para meta. Faz parte da condução da política monetária, porque depende da natureza do choque, depende da persistência do choque, seguindo a experiência internacional. Hoje, a gente utiliza 18 meses. A segunda parte é como vai ser a verificação. Eu sou bastante convicto de que, com maior autonomia, maior contabilidade, maior verificação.

Na Inglaterra, é o prazo mais curto para verificação?

Isso, é trimestral. O presidente do Banco da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês) precisa ir ao Congresso. Eu acho que o importante é ter instrumentos para explicar a condução da política monetária. Seja uma carta aberta, seja uma ida ao Congresso, a frequência pode ser discutida. Mas é importante ter esse instrumento para explicar o que está sendo feito.

Uma verificação trimestral seria adequada?

O problema do trimestral é que, às vezes, tem um choque (de preços) só que dura mais do que três meses, então você fica explicando o mesmo choque em várias idas ao Congresso. Então, essa é uma crítica que há ao BoE. Não cabe a mim avaliar o que é o ideal. Do lado do BC, julgamos importante ter esse instrumento de verificação. Acho que, com a autonomia, vem a verificação. Eu gosto da carta aberta, acho que é um instrumento positivo, porque você tem que se explicar se você não atingiu o mandato que foi delegado a você.

Entrevista por Adriana Fernandes

Repórter especial de Economia em Brasília

Thaís Barcellos

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