‘Não há razão técnica para elevar limite do seguro’, diz diretor-executivo do FGC


Daniel Lima observa que bancos menores ampliaram presença em ativos segurados pelo fundo, mas desaconselha aumento de limite: ‘encarece o crédito’

Por Mariana Carneiro
Atualização:
Foto: Tiago Queiroz
Entrevista comDaniel Limadiretor-executivo do Fundo Garantidor de Créditos (FGC)

BRASÍLIA - O diretor-executivo do Fundo Garantidor de Créditos, Daniel Lima, afirma não haver necessidade técnica para aumentar o valor do seguro para ativos financeiros, dos atuais R$ 250 mil para R$ 1 milhão. Lima afirma que a medida beneficiaria poucos investidores, ao passo que o aumento do custo recairia sobre todos os consumidores, por meio de um aumento do custo de crédito.

“Não existe falta de liquidez e não tem problema de estabilidade financeira, então para quê mexer no limite? Minha resposta técnica é que não tem razão técnica para fazer isso”, afirmou Lima, em entrevista exclusiva ao Estadão.

O FGC é um fundo composto pela contribuição dos bancos para garantir depósitos no valor de até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ, com a finalidade de garantir o pagamento a correntistas em caso de colapso da instituição financeira.

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Nos últimos anos, o FGC passou a ser usado no marketing de plataformas de investimentos para vender CDBs de bancos menores e pouco conhecidos e, por isso, mais arriscados. Com o seguro, o investidor ficou menos preocupado com a segurança do emissor, nem se atentou em quê o dinheiro captado está sendo aplicado ou se será pago.

Isso fez aumentar as captações de bancos pequenos usando ativos como o CDB, que têm a cobertura do FGC, disparando medidas de contenção pelo Banco Central e Conselho Monetário Nacional. Ao mesmo tempo, no entanto, o Congresso colocou em debate ampliar o limite do FGC.

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Lima afirma que o aumento do limite poderia ampliar o risco para todo o sistema e encarecer o custo do crédito, já elevado no País.

“Se a gente fizesse uma conta muito simples, ao quadruplicar o limite de cobertura, você deveria quadruplicar a taxa de contribuição. Mas a conta é mais complexa do que isso. O fato é que encarece o crédito”, afirma.

Veja abaixo os principais trechos dessa entrevista.

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Pode descrever o crescimento das instituições menores no FGC?

Quando a gente tira os bancos grandes, os chamados bancos S1, e compara o total de ativos cobertos pelo FGC com a liquidez do fundo, a gente vê que saiu da casa de 35% em 2019 para cerca de 20%. Ainda é uma medida bastante forte. Mas ainda que a gente considere o FGC robusto e forte, como a gente enxerga isso olhando para os próximos cinco anos? E aí entram as medidas que foram tomadas pelo Banco Central e pelo Conselho Monetário Nacional, que ajustam os parâmetros de crescimento da indústria de tal maneira que você mantenha a força do FGC, a robustez do fundo.

Como avalia essas medidas?

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Vejo as medidas que foram tomadas como formas de manter a saúde do FGC, a perenidade do FGC, porque o FGC forte é fundamental para a agenda de competição e de desenvolvimento e estabilidade do sistema financeiro nacional.

As travas não limitam a atratividade e a captação dos bancos menores?

É assim no mundo inteiro. A gente tem de evitar os extremos, a gente tem de evitar o banco completamente dependente do FGC e também evitar bancos com cobertura insuficiente.

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Como essas normas do Banco Central e do CMN agem sobre o mercado?

A norma 5.114 é uma norma esperta, que olha para uma medida de dependência muito grande das captações dos bancos com cobertura do FGC. Ela tem duas métricas de alavancagem: uma é quanto o banco está se alavancando com relação ao seu próprio capital e outra o quanto o banco é dependente das captações do FGC. A norma diz o seguinte, se você quiser captar ainda mais com cobertura do FGC ou você coloca mais dinheiro do seu bolso, o que tem efeito prudencial porque quanto mais capital próprio a instituição tem, mais prudente ela é. Uma coisa é tomar risco com dinheiro dos outros e outra é tomar risco com seu próprio dinheiro. A mensagem prudencial na norma diz que se você quer captar mais, você tem de colocar mais dinheiro. Ao mesmo tempo, tem uma outra métrica, de dependência extrema do FGC: se o banco só consegue captar com FGC, o excesso de captação tem de ser alocado em título público. O que reduz risco, porque se captar com título público, o risco de ele quebrar é menor.

Mas na prática isso desestimula a emissão, porque ele está oferecendo no mercado um CDB mais caro, de 130%, 140% do CDI (o CDI é bastante próximo à Selic).

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Esse é o ponto esperto da norma, de segurar o ritmo de crescimento da instituição sem proibir, porque sempre que se faz uma norma proibitiva, ela é mais complexa, é mais fácil de desafiar. Aqui, você está dando incentivos corretos. Se você captar e captar num custo de 120%, 130% do CDI, para quê fazer isso se vai ter de investir esse dinheiro remunerado a 100% do CDI? Então naturalmente você para de captar, o que reduz a dependência (do FGC). Ou, uma terceira coisa, busca um outro tipo de captação não coberta pelo FGC. E aí também melhora.

Por quê?

Porque normalmente a captação começa com um público institucional, que tem capacidade de implementar disciplina de mercado, porque ele só vai emprestar dinheiro para o banco, como ele não é coberto pelo FGC, se o banco tem um modelo de negócios sólido. Então você fecha esse ciclo, você traz os investidores que analisam o risco para o jogo e, se não é isso, o banco desalavanca a sua dependência em relação ao FGC.

Teve algum resultado prático desde então? As captações com cobertura do FGC diminuíram?

A ideia não é reduzir a captação, mas a velocidade com que o fenômeno estava acontecendo. O regulador tem uma agenda de longo prazo de desconcentração do mercado. Então, o que nós percebemos é algumas instituições buscando outros passivos não cobertos pelo FGC, o que é bom porque traz mais investidores institucionais para o jogo. Letras financeiras principalmente, que não são cobertas pelo FGC.

Diretor-executivo do Fundo Garantidor de Créditos, Daniel Lima Foto: Edu Viana

Como isso vai interferir na distribuição de CDBs via plataformas de investimentos?

Não acho que muda muito nessa questão. Está todo mundo indo nessa direção. Antes você tinha um banco que captava se o cliente fosse na agência, com o gerente vendendo um CDB para o cliente. Essa dinâmica tem mudado. Então, ou o banco terá seu próprio aplicativo para captar recursos ou vai contar com o distribuidor. Acho que a tecnologia vai continuar jogando esse papel de facilitar a captação. Talvez o que a gente precise é que os bancos que captam exclusivamente através das plataformas, com o tempo, desenvolvam também os seus aplicativos para começar a acessar clientes diretos. Mas isso ainda não é tema de primeira ordem da indústria, e é algo que talvez vá acontecer mais para frente.

Incomoda o marketing das plataformas de investimentos para vender CDBs focando exclusivamente na rentabilidade e oferecendo, como garantia, a cobertura do FGC?

A gente pode não ficar feliz com o resultado, mas não existe nenhuma norma que esteja sendo descumprida. Então se a gente não está feliz com o resultado, precisamos mudar a norma. Não há restrições porque não tem ninguém descumprindo nenhuma regulamentação.

Tem alguém discutindo limitar esse tipo de prática?

Não, a gente já tentou discutir regras de sustentabilidade para a distribuição de produtos de captação bancária, mas essa discussão ainda não amadureceu.

E para o investidor, há algum tipo de sugestão para quem compra esses ativos sem olhar o risco do banco emissor?

O FGC está bem capitalizado, e se você está abaixo do limite de cobertura, com os incentivos que estão postos, você não faz conta. Você só começa a fazer conta quando tem dinheiro acima desse limite. É assim no mundo inteiro, mas isso acaba mais pronunciado no Brasil, porque a gente está saindo de um mercado mais concentrado e está entrando nesse mercado com mais ofertas. Então por isso (o FGC) está com mais visibilidade. Nos EUA, no vidro do caixa do banco tem um adesivo com o nome do fundo garantidor americano. E tem de ser assim, porque esse mecanismo existe para evitar pânico. Então, o princípio de uma garantia, para ele ser efetivo, a população precisa ter amplo conhecimento da cobertura do mecanismo de proteção.

A iniciativa do BC foi no sentido de dar mais prudência ou de disciplinar o uso do dinheiro arrecadado por esses bancos?

É de tudo um pouco, a regulamentação reage a fatos concretos. Provavelmente a supervisão bancária identificou o que ela entendeu que seria um excesso.

O que as instituições menores estão fazendo com esse dinheiro captado? É muito diferente da prática bancária em outros países?

Tem diversos tipos de modelo de negócio, tem gente que capta para fazer carteira de consignado, outros para investir em middle market, outros em investment bank. Acho que a grande diferença que temos em relação ao mundo é que o custo do funding que é coberto pela garantia e o custo do funding não coberto pela garantia, que é muito maior no Brasil. No Brasil, você tem uma diferença de custo muito grande para montar um negócio baseado ou num fundo ou num FDIC ou numa financeira. O que vemos é uma proliferação, uma facilidade de captar via plataformas, e isso tem aumentado a quantidade de recursos captados usando a cobertura do FGC.

Dá pra entender que parte do mercado bancário ficou viciado na captação em CDB?

Os mercados reagem a incentivos. Se a gente achar que tem CDB demais e que isso gera risco, surgem outras formas de captação que vão canalizar o dinheiro. O regulador está atento e foi por isso que ele mudou algumas regulamentações.

E como é a composição do FGC? Os bancos maiores pagam mais do que os menores?

Mais de 95% da contribuição do FGC é proporcional ao montante que o banco emite de recursos cobertos pelo fundo. Se você emite muitos produtos cobertos, você paga mais. Em 2021 entrou em vigor a contribuição adicional, na qual os bancos mais alavancados, mais dependentes da cobertura do FGC, pagam uma contribuição adicional.

Existe uma disputa de recursos entre instituições grandes e pequenas?

O FGC cobre todos os bancos em eventos de quebra. O valor arrecadado é proporcional ao emitido em recursos cobertos com o FGC.

Se o limite aumentasse de R$ 250 mil para R$ 1 milhão, o que aconteceria?

Teria de aumentar a contribuição para todo mundo, para os grandes e para os pequenos, porque o risco suportado pelo mecanismo ia ser muito maior, então o mecanismo ia ficar descapitalizado e você ia ter de aumentar a contribuição para todo mundo para capitalizar o mecanismo.

Quanto teria de aumentar?

Tem de fazer conta, mas vai ter de ser ajustada a depender da dinâmica de captação dos bancos. Se a gente fizesse uma conta muito simples, ao quadruplicar o limite de cobertura, você deveria quadruplicar a taxa de contribuição. Mas a conta é mais complexa do que isso. O fato é que encarece o crédito.

Por quê?

Quando o banco recolhe uma contribuição, no final do dia, ele repassa os seus custos para os seus clientes. Essa contribuição atual de 0,01% já está no spread de crédito. A nova taxa também seria passada para o spread de crédito. Não é um impacto grande dado o tamanho do nosso spread de crédito, mas teria impacto.

Vocês expressaram opinião contrária à elevação do limite?

Demos a opinião técnica, a gente acha que 99,6% dos saldos estão abaixo dos R$ 250 mil, 50% do volume financeiro do saldo estão cobertos. Quando a gente olha para alguns países comparáveis com o Brasil e observa o limite do FGC dividido pelo PIB per capita, em geral o múltiplo está entre duas e quatro vezes. No Brasil, está em cinco vezes. Acima dos países comparáveis com o Brasil. Então nosso limite está bem enquadrado, não tem motivos técnicos para a gente aumentar o limite de cobertura. Além disso, no Brasil, R$ 250 mil por instituição financeira cobre uma parcela esmagadora da população. As pessoas não têm muito dinheiro. A grande parcela dos brasileiros é devedora, ela não é nem poupadora. E aí aumentar o limite para R$ 1 milhão, a parcela da população que você beneficia é muito pequena. Mas o custo aumenta para todo mundo no crédito. Então, você estaria financiando via custo do crédito o aumento da cobertura para uma parcela pequena dos investidores mais ricos.

Quando o governo aumentou o FGC de R$ 70 mil para R$ 250 mil era para aumentar a captação dos bancos pequenos. Por que agora não seria positivo?

Não foi bem isso que aconteceu. A gente estava no meio de uma crise de liquidez, então foi um problema de estabilidade financeira. Aumentou porque assim você irrigou o mercado de liquidez. Lembra do múltiplo que a gente falou? Do limite dividido pelo PIB per capita? O que hoje é cinco, na época foi para 10 vezes. Então inundou o mercado para resolver a estabilidade financeira, porque os bancos médios não estavam conseguindo captar, e aí muita gente percebeu isso como uma oportunidade de negócio. As corretoras perceberam nisso uma oportunidade de negócio e de lá para cá isso virou um instrumento de popularização do investimento em CDB. Agora, não existe falta de liquidez e não tem problema de estabilidade financeira, então para quê mexer no limite? Minha resposta técnica é que não tem razão técnica para fazer isso.

BRASÍLIA - O diretor-executivo do Fundo Garantidor de Créditos, Daniel Lima, afirma não haver necessidade técnica para aumentar o valor do seguro para ativos financeiros, dos atuais R$ 250 mil para R$ 1 milhão. Lima afirma que a medida beneficiaria poucos investidores, ao passo que o aumento do custo recairia sobre todos os consumidores, por meio de um aumento do custo de crédito.

“Não existe falta de liquidez e não tem problema de estabilidade financeira, então para quê mexer no limite? Minha resposta técnica é que não tem razão técnica para fazer isso”, afirmou Lima, em entrevista exclusiva ao Estadão.

O FGC é um fundo composto pela contribuição dos bancos para garantir depósitos no valor de até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ, com a finalidade de garantir o pagamento a correntistas em caso de colapso da instituição financeira.

Nos últimos anos, o FGC passou a ser usado no marketing de plataformas de investimentos para vender CDBs de bancos menores e pouco conhecidos e, por isso, mais arriscados. Com o seguro, o investidor ficou menos preocupado com a segurança do emissor, nem se atentou em quê o dinheiro captado está sendo aplicado ou se será pago.

Isso fez aumentar as captações de bancos pequenos usando ativos como o CDB, que têm a cobertura do FGC, disparando medidas de contenção pelo Banco Central e Conselho Monetário Nacional. Ao mesmo tempo, no entanto, o Congresso colocou em debate ampliar o limite do FGC.

Lima afirma que o aumento do limite poderia ampliar o risco para todo o sistema e encarecer o custo do crédito, já elevado no País.

“Se a gente fizesse uma conta muito simples, ao quadruplicar o limite de cobertura, você deveria quadruplicar a taxa de contribuição. Mas a conta é mais complexa do que isso. O fato é que encarece o crédito”, afirma.

Veja abaixo os principais trechos dessa entrevista.

Pode descrever o crescimento das instituições menores no FGC?

Quando a gente tira os bancos grandes, os chamados bancos S1, e compara o total de ativos cobertos pelo FGC com a liquidez do fundo, a gente vê que saiu da casa de 35% em 2019 para cerca de 20%. Ainda é uma medida bastante forte. Mas ainda que a gente considere o FGC robusto e forte, como a gente enxerga isso olhando para os próximos cinco anos? E aí entram as medidas que foram tomadas pelo Banco Central e pelo Conselho Monetário Nacional, que ajustam os parâmetros de crescimento da indústria de tal maneira que você mantenha a força do FGC, a robustez do fundo.

Como avalia essas medidas?

Vejo as medidas que foram tomadas como formas de manter a saúde do FGC, a perenidade do FGC, porque o FGC forte é fundamental para a agenda de competição e de desenvolvimento e estabilidade do sistema financeiro nacional.

As travas não limitam a atratividade e a captação dos bancos menores?

É assim no mundo inteiro. A gente tem de evitar os extremos, a gente tem de evitar o banco completamente dependente do FGC e também evitar bancos com cobertura insuficiente.

Como essas normas do Banco Central e do CMN agem sobre o mercado?

A norma 5.114 é uma norma esperta, que olha para uma medida de dependência muito grande das captações dos bancos com cobertura do FGC. Ela tem duas métricas de alavancagem: uma é quanto o banco está se alavancando com relação ao seu próprio capital e outra o quanto o banco é dependente das captações do FGC. A norma diz o seguinte, se você quiser captar ainda mais com cobertura do FGC ou você coloca mais dinheiro do seu bolso, o que tem efeito prudencial porque quanto mais capital próprio a instituição tem, mais prudente ela é. Uma coisa é tomar risco com dinheiro dos outros e outra é tomar risco com seu próprio dinheiro. A mensagem prudencial na norma diz que se você quer captar mais, você tem de colocar mais dinheiro. Ao mesmo tempo, tem uma outra métrica, de dependência extrema do FGC: se o banco só consegue captar com FGC, o excesso de captação tem de ser alocado em título público. O que reduz risco, porque se captar com título público, o risco de ele quebrar é menor.

Mas na prática isso desestimula a emissão, porque ele está oferecendo no mercado um CDB mais caro, de 130%, 140% do CDI (o CDI é bastante próximo à Selic).

Esse é o ponto esperto da norma, de segurar o ritmo de crescimento da instituição sem proibir, porque sempre que se faz uma norma proibitiva, ela é mais complexa, é mais fácil de desafiar. Aqui, você está dando incentivos corretos. Se você captar e captar num custo de 120%, 130% do CDI, para quê fazer isso se vai ter de investir esse dinheiro remunerado a 100% do CDI? Então naturalmente você para de captar, o que reduz a dependência (do FGC). Ou, uma terceira coisa, busca um outro tipo de captação não coberta pelo FGC. E aí também melhora.

Por quê?

Porque normalmente a captação começa com um público institucional, que tem capacidade de implementar disciplina de mercado, porque ele só vai emprestar dinheiro para o banco, como ele não é coberto pelo FGC, se o banco tem um modelo de negócios sólido. Então você fecha esse ciclo, você traz os investidores que analisam o risco para o jogo e, se não é isso, o banco desalavanca a sua dependência em relação ao FGC.

Teve algum resultado prático desde então? As captações com cobertura do FGC diminuíram?

A ideia não é reduzir a captação, mas a velocidade com que o fenômeno estava acontecendo. O regulador tem uma agenda de longo prazo de desconcentração do mercado. Então, o que nós percebemos é algumas instituições buscando outros passivos não cobertos pelo FGC, o que é bom porque traz mais investidores institucionais para o jogo. Letras financeiras principalmente, que não são cobertas pelo FGC.

Diretor-executivo do Fundo Garantidor de Créditos, Daniel Lima Foto: Edu Viana

Como isso vai interferir na distribuição de CDBs via plataformas de investimentos?

Não acho que muda muito nessa questão. Está todo mundo indo nessa direção. Antes você tinha um banco que captava se o cliente fosse na agência, com o gerente vendendo um CDB para o cliente. Essa dinâmica tem mudado. Então, ou o banco terá seu próprio aplicativo para captar recursos ou vai contar com o distribuidor. Acho que a tecnologia vai continuar jogando esse papel de facilitar a captação. Talvez o que a gente precise é que os bancos que captam exclusivamente através das plataformas, com o tempo, desenvolvam também os seus aplicativos para começar a acessar clientes diretos. Mas isso ainda não é tema de primeira ordem da indústria, e é algo que talvez vá acontecer mais para frente.

Incomoda o marketing das plataformas de investimentos para vender CDBs focando exclusivamente na rentabilidade e oferecendo, como garantia, a cobertura do FGC?

A gente pode não ficar feliz com o resultado, mas não existe nenhuma norma que esteja sendo descumprida. Então se a gente não está feliz com o resultado, precisamos mudar a norma. Não há restrições porque não tem ninguém descumprindo nenhuma regulamentação.

Tem alguém discutindo limitar esse tipo de prática?

Não, a gente já tentou discutir regras de sustentabilidade para a distribuição de produtos de captação bancária, mas essa discussão ainda não amadureceu.

E para o investidor, há algum tipo de sugestão para quem compra esses ativos sem olhar o risco do banco emissor?

O FGC está bem capitalizado, e se você está abaixo do limite de cobertura, com os incentivos que estão postos, você não faz conta. Você só começa a fazer conta quando tem dinheiro acima desse limite. É assim no mundo inteiro, mas isso acaba mais pronunciado no Brasil, porque a gente está saindo de um mercado mais concentrado e está entrando nesse mercado com mais ofertas. Então por isso (o FGC) está com mais visibilidade. Nos EUA, no vidro do caixa do banco tem um adesivo com o nome do fundo garantidor americano. E tem de ser assim, porque esse mecanismo existe para evitar pânico. Então, o princípio de uma garantia, para ele ser efetivo, a população precisa ter amplo conhecimento da cobertura do mecanismo de proteção.

A iniciativa do BC foi no sentido de dar mais prudência ou de disciplinar o uso do dinheiro arrecadado por esses bancos?

É de tudo um pouco, a regulamentação reage a fatos concretos. Provavelmente a supervisão bancária identificou o que ela entendeu que seria um excesso.

O que as instituições menores estão fazendo com esse dinheiro captado? É muito diferente da prática bancária em outros países?

Tem diversos tipos de modelo de negócio, tem gente que capta para fazer carteira de consignado, outros para investir em middle market, outros em investment bank. Acho que a grande diferença que temos em relação ao mundo é que o custo do funding que é coberto pela garantia e o custo do funding não coberto pela garantia, que é muito maior no Brasil. No Brasil, você tem uma diferença de custo muito grande para montar um negócio baseado ou num fundo ou num FDIC ou numa financeira. O que vemos é uma proliferação, uma facilidade de captar via plataformas, e isso tem aumentado a quantidade de recursos captados usando a cobertura do FGC.

Dá pra entender que parte do mercado bancário ficou viciado na captação em CDB?

Os mercados reagem a incentivos. Se a gente achar que tem CDB demais e que isso gera risco, surgem outras formas de captação que vão canalizar o dinheiro. O regulador está atento e foi por isso que ele mudou algumas regulamentações.

E como é a composição do FGC? Os bancos maiores pagam mais do que os menores?

Mais de 95% da contribuição do FGC é proporcional ao montante que o banco emite de recursos cobertos pelo fundo. Se você emite muitos produtos cobertos, você paga mais. Em 2021 entrou em vigor a contribuição adicional, na qual os bancos mais alavancados, mais dependentes da cobertura do FGC, pagam uma contribuição adicional.

Existe uma disputa de recursos entre instituições grandes e pequenas?

O FGC cobre todos os bancos em eventos de quebra. O valor arrecadado é proporcional ao emitido em recursos cobertos com o FGC.

Se o limite aumentasse de R$ 250 mil para R$ 1 milhão, o que aconteceria?

Teria de aumentar a contribuição para todo mundo, para os grandes e para os pequenos, porque o risco suportado pelo mecanismo ia ser muito maior, então o mecanismo ia ficar descapitalizado e você ia ter de aumentar a contribuição para todo mundo para capitalizar o mecanismo.

Quanto teria de aumentar?

Tem de fazer conta, mas vai ter de ser ajustada a depender da dinâmica de captação dos bancos. Se a gente fizesse uma conta muito simples, ao quadruplicar o limite de cobertura, você deveria quadruplicar a taxa de contribuição. Mas a conta é mais complexa do que isso. O fato é que encarece o crédito.

Por quê?

Quando o banco recolhe uma contribuição, no final do dia, ele repassa os seus custos para os seus clientes. Essa contribuição atual de 0,01% já está no spread de crédito. A nova taxa também seria passada para o spread de crédito. Não é um impacto grande dado o tamanho do nosso spread de crédito, mas teria impacto.

Vocês expressaram opinião contrária à elevação do limite?

Demos a opinião técnica, a gente acha que 99,6% dos saldos estão abaixo dos R$ 250 mil, 50% do volume financeiro do saldo estão cobertos. Quando a gente olha para alguns países comparáveis com o Brasil e observa o limite do FGC dividido pelo PIB per capita, em geral o múltiplo está entre duas e quatro vezes. No Brasil, está em cinco vezes. Acima dos países comparáveis com o Brasil. Então nosso limite está bem enquadrado, não tem motivos técnicos para a gente aumentar o limite de cobertura. Além disso, no Brasil, R$ 250 mil por instituição financeira cobre uma parcela esmagadora da população. As pessoas não têm muito dinheiro. A grande parcela dos brasileiros é devedora, ela não é nem poupadora. E aí aumentar o limite para R$ 1 milhão, a parcela da população que você beneficia é muito pequena. Mas o custo aumenta para todo mundo no crédito. Então, você estaria financiando via custo do crédito o aumento da cobertura para uma parcela pequena dos investidores mais ricos.

Quando o governo aumentou o FGC de R$ 70 mil para R$ 250 mil era para aumentar a captação dos bancos pequenos. Por que agora não seria positivo?

Não foi bem isso que aconteceu. A gente estava no meio de uma crise de liquidez, então foi um problema de estabilidade financeira. Aumentou porque assim você irrigou o mercado de liquidez. Lembra do múltiplo que a gente falou? Do limite dividido pelo PIB per capita? O que hoje é cinco, na época foi para 10 vezes. Então inundou o mercado para resolver a estabilidade financeira, porque os bancos médios não estavam conseguindo captar, e aí muita gente percebeu isso como uma oportunidade de negócio. As corretoras perceberam nisso uma oportunidade de negócio e de lá para cá isso virou um instrumento de popularização do investimento em CDB. Agora, não existe falta de liquidez e não tem problema de estabilidade financeira, então para quê mexer no limite? Minha resposta técnica é que não tem razão técnica para fazer isso.

BRASÍLIA - O diretor-executivo do Fundo Garantidor de Créditos, Daniel Lima, afirma não haver necessidade técnica para aumentar o valor do seguro para ativos financeiros, dos atuais R$ 250 mil para R$ 1 milhão. Lima afirma que a medida beneficiaria poucos investidores, ao passo que o aumento do custo recairia sobre todos os consumidores, por meio de um aumento do custo de crédito.

“Não existe falta de liquidez e não tem problema de estabilidade financeira, então para quê mexer no limite? Minha resposta técnica é que não tem razão técnica para fazer isso”, afirmou Lima, em entrevista exclusiva ao Estadão.

O FGC é um fundo composto pela contribuição dos bancos para garantir depósitos no valor de até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ, com a finalidade de garantir o pagamento a correntistas em caso de colapso da instituição financeira.

Nos últimos anos, o FGC passou a ser usado no marketing de plataformas de investimentos para vender CDBs de bancos menores e pouco conhecidos e, por isso, mais arriscados. Com o seguro, o investidor ficou menos preocupado com a segurança do emissor, nem se atentou em quê o dinheiro captado está sendo aplicado ou se será pago.

Isso fez aumentar as captações de bancos pequenos usando ativos como o CDB, que têm a cobertura do FGC, disparando medidas de contenção pelo Banco Central e Conselho Monetário Nacional. Ao mesmo tempo, no entanto, o Congresso colocou em debate ampliar o limite do FGC.

Lima afirma que o aumento do limite poderia ampliar o risco para todo o sistema e encarecer o custo do crédito, já elevado no País.

“Se a gente fizesse uma conta muito simples, ao quadruplicar o limite de cobertura, você deveria quadruplicar a taxa de contribuição. Mas a conta é mais complexa do que isso. O fato é que encarece o crédito”, afirma.

Veja abaixo os principais trechos dessa entrevista.

Pode descrever o crescimento das instituições menores no FGC?

Quando a gente tira os bancos grandes, os chamados bancos S1, e compara o total de ativos cobertos pelo FGC com a liquidez do fundo, a gente vê que saiu da casa de 35% em 2019 para cerca de 20%. Ainda é uma medida bastante forte. Mas ainda que a gente considere o FGC robusto e forte, como a gente enxerga isso olhando para os próximos cinco anos? E aí entram as medidas que foram tomadas pelo Banco Central e pelo Conselho Monetário Nacional, que ajustam os parâmetros de crescimento da indústria de tal maneira que você mantenha a força do FGC, a robustez do fundo.

Como avalia essas medidas?

Vejo as medidas que foram tomadas como formas de manter a saúde do FGC, a perenidade do FGC, porque o FGC forte é fundamental para a agenda de competição e de desenvolvimento e estabilidade do sistema financeiro nacional.

As travas não limitam a atratividade e a captação dos bancos menores?

É assim no mundo inteiro. A gente tem de evitar os extremos, a gente tem de evitar o banco completamente dependente do FGC e também evitar bancos com cobertura insuficiente.

Como essas normas do Banco Central e do CMN agem sobre o mercado?

A norma 5.114 é uma norma esperta, que olha para uma medida de dependência muito grande das captações dos bancos com cobertura do FGC. Ela tem duas métricas de alavancagem: uma é quanto o banco está se alavancando com relação ao seu próprio capital e outra o quanto o banco é dependente das captações do FGC. A norma diz o seguinte, se você quiser captar ainda mais com cobertura do FGC ou você coloca mais dinheiro do seu bolso, o que tem efeito prudencial porque quanto mais capital próprio a instituição tem, mais prudente ela é. Uma coisa é tomar risco com dinheiro dos outros e outra é tomar risco com seu próprio dinheiro. A mensagem prudencial na norma diz que se você quer captar mais, você tem de colocar mais dinheiro. Ao mesmo tempo, tem uma outra métrica, de dependência extrema do FGC: se o banco só consegue captar com FGC, o excesso de captação tem de ser alocado em título público. O que reduz risco, porque se captar com título público, o risco de ele quebrar é menor.

Mas na prática isso desestimula a emissão, porque ele está oferecendo no mercado um CDB mais caro, de 130%, 140% do CDI (o CDI é bastante próximo à Selic).

Esse é o ponto esperto da norma, de segurar o ritmo de crescimento da instituição sem proibir, porque sempre que se faz uma norma proibitiva, ela é mais complexa, é mais fácil de desafiar. Aqui, você está dando incentivos corretos. Se você captar e captar num custo de 120%, 130% do CDI, para quê fazer isso se vai ter de investir esse dinheiro remunerado a 100% do CDI? Então naturalmente você para de captar, o que reduz a dependência (do FGC). Ou, uma terceira coisa, busca um outro tipo de captação não coberta pelo FGC. E aí também melhora.

Por quê?

Porque normalmente a captação começa com um público institucional, que tem capacidade de implementar disciplina de mercado, porque ele só vai emprestar dinheiro para o banco, como ele não é coberto pelo FGC, se o banco tem um modelo de negócios sólido. Então você fecha esse ciclo, você traz os investidores que analisam o risco para o jogo e, se não é isso, o banco desalavanca a sua dependência em relação ao FGC.

Teve algum resultado prático desde então? As captações com cobertura do FGC diminuíram?

A ideia não é reduzir a captação, mas a velocidade com que o fenômeno estava acontecendo. O regulador tem uma agenda de longo prazo de desconcentração do mercado. Então, o que nós percebemos é algumas instituições buscando outros passivos não cobertos pelo FGC, o que é bom porque traz mais investidores institucionais para o jogo. Letras financeiras principalmente, que não são cobertas pelo FGC.

Diretor-executivo do Fundo Garantidor de Créditos, Daniel Lima Foto: Edu Viana

Como isso vai interferir na distribuição de CDBs via plataformas de investimentos?

Não acho que muda muito nessa questão. Está todo mundo indo nessa direção. Antes você tinha um banco que captava se o cliente fosse na agência, com o gerente vendendo um CDB para o cliente. Essa dinâmica tem mudado. Então, ou o banco terá seu próprio aplicativo para captar recursos ou vai contar com o distribuidor. Acho que a tecnologia vai continuar jogando esse papel de facilitar a captação. Talvez o que a gente precise é que os bancos que captam exclusivamente através das plataformas, com o tempo, desenvolvam também os seus aplicativos para começar a acessar clientes diretos. Mas isso ainda não é tema de primeira ordem da indústria, e é algo que talvez vá acontecer mais para frente.

Incomoda o marketing das plataformas de investimentos para vender CDBs focando exclusivamente na rentabilidade e oferecendo, como garantia, a cobertura do FGC?

A gente pode não ficar feliz com o resultado, mas não existe nenhuma norma que esteja sendo descumprida. Então se a gente não está feliz com o resultado, precisamos mudar a norma. Não há restrições porque não tem ninguém descumprindo nenhuma regulamentação.

Tem alguém discutindo limitar esse tipo de prática?

Não, a gente já tentou discutir regras de sustentabilidade para a distribuição de produtos de captação bancária, mas essa discussão ainda não amadureceu.

E para o investidor, há algum tipo de sugestão para quem compra esses ativos sem olhar o risco do banco emissor?

O FGC está bem capitalizado, e se você está abaixo do limite de cobertura, com os incentivos que estão postos, você não faz conta. Você só começa a fazer conta quando tem dinheiro acima desse limite. É assim no mundo inteiro, mas isso acaba mais pronunciado no Brasil, porque a gente está saindo de um mercado mais concentrado e está entrando nesse mercado com mais ofertas. Então por isso (o FGC) está com mais visibilidade. Nos EUA, no vidro do caixa do banco tem um adesivo com o nome do fundo garantidor americano. E tem de ser assim, porque esse mecanismo existe para evitar pânico. Então, o princípio de uma garantia, para ele ser efetivo, a população precisa ter amplo conhecimento da cobertura do mecanismo de proteção.

A iniciativa do BC foi no sentido de dar mais prudência ou de disciplinar o uso do dinheiro arrecadado por esses bancos?

É de tudo um pouco, a regulamentação reage a fatos concretos. Provavelmente a supervisão bancária identificou o que ela entendeu que seria um excesso.

O que as instituições menores estão fazendo com esse dinheiro captado? É muito diferente da prática bancária em outros países?

Tem diversos tipos de modelo de negócio, tem gente que capta para fazer carteira de consignado, outros para investir em middle market, outros em investment bank. Acho que a grande diferença que temos em relação ao mundo é que o custo do funding que é coberto pela garantia e o custo do funding não coberto pela garantia, que é muito maior no Brasil. No Brasil, você tem uma diferença de custo muito grande para montar um negócio baseado ou num fundo ou num FDIC ou numa financeira. O que vemos é uma proliferação, uma facilidade de captar via plataformas, e isso tem aumentado a quantidade de recursos captados usando a cobertura do FGC.

Dá pra entender que parte do mercado bancário ficou viciado na captação em CDB?

Os mercados reagem a incentivos. Se a gente achar que tem CDB demais e que isso gera risco, surgem outras formas de captação que vão canalizar o dinheiro. O regulador está atento e foi por isso que ele mudou algumas regulamentações.

E como é a composição do FGC? Os bancos maiores pagam mais do que os menores?

Mais de 95% da contribuição do FGC é proporcional ao montante que o banco emite de recursos cobertos pelo fundo. Se você emite muitos produtos cobertos, você paga mais. Em 2021 entrou em vigor a contribuição adicional, na qual os bancos mais alavancados, mais dependentes da cobertura do FGC, pagam uma contribuição adicional.

Existe uma disputa de recursos entre instituições grandes e pequenas?

O FGC cobre todos os bancos em eventos de quebra. O valor arrecadado é proporcional ao emitido em recursos cobertos com o FGC.

Se o limite aumentasse de R$ 250 mil para R$ 1 milhão, o que aconteceria?

Teria de aumentar a contribuição para todo mundo, para os grandes e para os pequenos, porque o risco suportado pelo mecanismo ia ser muito maior, então o mecanismo ia ficar descapitalizado e você ia ter de aumentar a contribuição para todo mundo para capitalizar o mecanismo.

Quanto teria de aumentar?

Tem de fazer conta, mas vai ter de ser ajustada a depender da dinâmica de captação dos bancos. Se a gente fizesse uma conta muito simples, ao quadruplicar o limite de cobertura, você deveria quadruplicar a taxa de contribuição. Mas a conta é mais complexa do que isso. O fato é que encarece o crédito.

Por quê?

Quando o banco recolhe uma contribuição, no final do dia, ele repassa os seus custos para os seus clientes. Essa contribuição atual de 0,01% já está no spread de crédito. A nova taxa também seria passada para o spread de crédito. Não é um impacto grande dado o tamanho do nosso spread de crédito, mas teria impacto.

Vocês expressaram opinião contrária à elevação do limite?

Demos a opinião técnica, a gente acha que 99,6% dos saldos estão abaixo dos R$ 250 mil, 50% do volume financeiro do saldo estão cobertos. Quando a gente olha para alguns países comparáveis com o Brasil e observa o limite do FGC dividido pelo PIB per capita, em geral o múltiplo está entre duas e quatro vezes. No Brasil, está em cinco vezes. Acima dos países comparáveis com o Brasil. Então nosso limite está bem enquadrado, não tem motivos técnicos para a gente aumentar o limite de cobertura. Além disso, no Brasil, R$ 250 mil por instituição financeira cobre uma parcela esmagadora da população. As pessoas não têm muito dinheiro. A grande parcela dos brasileiros é devedora, ela não é nem poupadora. E aí aumentar o limite para R$ 1 milhão, a parcela da população que você beneficia é muito pequena. Mas o custo aumenta para todo mundo no crédito. Então, você estaria financiando via custo do crédito o aumento da cobertura para uma parcela pequena dos investidores mais ricos.

Quando o governo aumentou o FGC de R$ 70 mil para R$ 250 mil era para aumentar a captação dos bancos pequenos. Por que agora não seria positivo?

Não foi bem isso que aconteceu. A gente estava no meio de uma crise de liquidez, então foi um problema de estabilidade financeira. Aumentou porque assim você irrigou o mercado de liquidez. Lembra do múltiplo que a gente falou? Do limite dividido pelo PIB per capita? O que hoje é cinco, na época foi para 10 vezes. Então inundou o mercado para resolver a estabilidade financeira, porque os bancos médios não estavam conseguindo captar, e aí muita gente percebeu isso como uma oportunidade de negócio. As corretoras perceberam nisso uma oportunidade de negócio e de lá para cá isso virou um instrumento de popularização do investimento em CDB. Agora, não existe falta de liquidez e não tem problema de estabilidade financeira, então para quê mexer no limite? Minha resposta técnica é que não tem razão técnica para fazer isso.

BRASÍLIA - O diretor-executivo do Fundo Garantidor de Créditos, Daniel Lima, afirma não haver necessidade técnica para aumentar o valor do seguro para ativos financeiros, dos atuais R$ 250 mil para R$ 1 milhão. Lima afirma que a medida beneficiaria poucos investidores, ao passo que o aumento do custo recairia sobre todos os consumidores, por meio de um aumento do custo de crédito.

“Não existe falta de liquidez e não tem problema de estabilidade financeira, então para quê mexer no limite? Minha resposta técnica é que não tem razão técnica para fazer isso”, afirmou Lima, em entrevista exclusiva ao Estadão.

O FGC é um fundo composto pela contribuição dos bancos para garantir depósitos no valor de até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ, com a finalidade de garantir o pagamento a correntistas em caso de colapso da instituição financeira.

Nos últimos anos, o FGC passou a ser usado no marketing de plataformas de investimentos para vender CDBs de bancos menores e pouco conhecidos e, por isso, mais arriscados. Com o seguro, o investidor ficou menos preocupado com a segurança do emissor, nem se atentou em quê o dinheiro captado está sendo aplicado ou se será pago.

Isso fez aumentar as captações de bancos pequenos usando ativos como o CDB, que têm a cobertura do FGC, disparando medidas de contenção pelo Banco Central e Conselho Monetário Nacional. Ao mesmo tempo, no entanto, o Congresso colocou em debate ampliar o limite do FGC.

Lima afirma que o aumento do limite poderia ampliar o risco para todo o sistema e encarecer o custo do crédito, já elevado no País.

“Se a gente fizesse uma conta muito simples, ao quadruplicar o limite de cobertura, você deveria quadruplicar a taxa de contribuição. Mas a conta é mais complexa do que isso. O fato é que encarece o crédito”, afirma.

Veja abaixo os principais trechos dessa entrevista.

Pode descrever o crescimento das instituições menores no FGC?

Quando a gente tira os bancos grandes, os chamados bancos S1, e compara o total de ativos cobertos pelo FGC com a liquidez do fundo, a gente vê que saiu da casa de 35% em 2019 para cerca de 20%. Ainda é uma medida bastante forte. Mas ainda que a gente considere o FGC robusto e forte, como a gente enxerga isso olhando para os próximos cinco anos? E aí entram as medidas que foram tomadas pelo Banco Central e pelo Conselho Monetário Nacional, que ajustam os parâmetros de crescimento da indústria de tal maneira que você mantenha a força do FGC, a robustez do fundo.

Como avalia essas medidas?

Vejo as medidas que foram tomadas como formas de manter a saúde do FGC, a perenidade do FGC, porque o FGC forte é fundamental para a agenda de competição e de desenvolvimento e estabilidade do sistema financeiro nacional.

As travas não limitam a atratividade e a captação dos bancos menores?

É assim no mundo inteiro. A gente tem de evitar os extremos, a gente tem de evitar o banco completamente dependente do FGC e também evitar bancos com cobertura insuficiente.

Como essas normas do Banco Central e do CMN agem sobre o mercado?

A norma 5.114 é uma norma esperta, que olha para uma medida de dependência muito grande das captações dos bancos com cobertura do FGC. Ela tem duas métricas de alavancagem: uma é quanto o banco está se alavancando com relação ao seu próprio capital e outra o quanto o banco é dependente das captações do FGC. A norma diz o seguinte, se você quiser captar ainda mais com cobertura do FGC ou você coloca mais dinheiro do seu bolso, o que tem efeito prudencial porque quanto mais capital próprio a instituição tem, mais prudente ela é. Uma coisa é tomar risco com dinheiro dos outros e outra é tomar risco com seu próprio dinheiro. A mensagem prudencial na norma diz que se você quer captar mais, você tem de colocar mais dinheiro. Ao mesmo tempo, tem uma outra métrica, de dependência extrema do FGC: se o banco só consegue captar com FGC, o excesso de captação tem de ser alocado em título público. O que reduz risco, porque se captar com título público, o risco de ele quebrar é menor.

Mas na prática isso desestimula a emissão, porque ele está oferecendo no mercado um CDB mais caro, de 130%, 140% do CDI (o CDI é bastante próximo à Selic).

Esse é o ponto esperto da norma, de segurar o ritmo de crescimento da instituição sem proibir, porque sempre que se faz uma norma proibitiva, ela é mais complexa, é mais fácil de desafiar. Aqui, você está dando incentivos corretos. Se você captar e captar num custo de 120%, 130% do CDI, para quê fazer isso se vai ter de investir esse dinheiro remunerado a 100% do CDI? Então naturalmente você para de captar, o que reduz a dependência (do FGC). Ou, uma terceira coisa, busca um outro tipo de captação não coberta pelo FGC. E aí também melhora.

Por quê?

Porque normalmente a captação começa com um público institucional, que tem capacidade de implementar disciplina de mercado, porque ele só vai emprestar dinheiro para o banco, como ele não é coberto pelo FGC, se o banco tem um modelo de negócios sólido. Então você fecha esse ciclo, você traz os investidores que analisam o risco para o jogo e, se não é isso, o banco desalavanca a sua dependência em relação ao FGC.

Teve algum resultado prático desde então? As captações com cobertura do FGC diminuíram?

A ideia não é reduzir a captação, mas a velocidade com que o fenômeno estava acontecendo. O regulador tem uma agenda de longo prazo de desconcentração do mercado. Então, o que nós percebemos é algumas instituições buscando outros passivos não cobertos pelo FGC, o que é bom porque traz mais investidores institucionais para o jogo. Letras financeiras principalmente, que não são cobertas pelo FGC.

Diretor-executivo do Fundo Garantidor de Créditos, Daniel Lima Foto: Edu Viana

Como isso vai interferir na distribuição de CDBs via plataformas de investimentos?

Não acho que muda muito nessa questão. Está todo mundo indo nessa direção. Antes você tinha um banco que captava se o cliente fosse na agência, com o gerente vendendo um CDB para o cliente. Essa dinâmica tem mudado. Então, ou o banco terá seu próprio aplicativo para captar recursos ou vai contar com o distribuidor. Acho que a tecnologia vai continuar jogando esse papel de facilitar a captação. Talvez o que a gente precise é que os bancos que captam exclusivamente através das plataformas, com o tempo, desenvolvam também os seus aplicativos para começar a acessar clientes diretos. Mas isso ainda não é tema de primeira ordem da indústria, e é algo que talvez vá acontecer mais para frente.

Incomoda o marketing das plataformas de investimentos para vender CDBs focando exclusivamente na rentabilidade e oferecendo, como garantia, a cobertura do FGC?

A gente pode não ficar feliz com o resultado, mas não existe nenhuma norma que esteja sendo descumprida. Então se a gente não está feliz com o resultado, precisamos mudar a norma. Não há restrições porque não tem ninguém descumprindo nenhuma regulamentação.

Tem alguém discutindo limitar esse tipo de prática?

Não, a gente já tentou discutir regras de sustentabilidade para a distribuição de produtos de captação bancária, mas essa discussão ainda não amadureceu.

E para o investidor, há algum tipo de sugestão para quem compra esses ativos sem olhar o risco do banco emissor?

O FGC está bem capitalizado, e se você está abaixo do limite de cobertura, com os incentivos que estão postos, você não faz conta. Você só começa a fazer conta quando tem dinheiro acima desse limite. É assim no mundo inteiro, mas isso acaba mais pronunciado no Brasil, porque a gente está saindo de um mercado mais concentrado e está entrando nesse mercado com mais ofertas. Então por isso (o FGC) está com mais visibilidade. Nos EUA, no vidro do caixa do banco tem um adesivo com o nome do fundo garantidor americano. E tem de ser assim, porque esse mecanismo existe para evitar pânico. Então, o princípio de uma garantia, para ele ser efetivo, a população precisa ter amplo conhecimento da cobertura do mecanismo de proteção.

A iniciativa do BC foi no sentido de dar mais prudência ou de disciplinar o uso do dinheiro arrecadado por esses bancos?

É de tudo um pouco, a regulamentação reage a fatos concretos. Provavelmente a supervisão bancária identificou o que ela entendeu que seria um excesso.

O que as instituições menores estão fazendo com esse dinheiro captado? É muito diferente da prática bancária em outros países?

Tem diversos tipos de modelo de negócio, tem gente que capta para fazer carteira de consignado, outros para investir em middle market, outros em investment bank. Acho que a grande diferença que temos em relação ao mundo é que o custo do funding que é coberto pela garantia e o custo do funding não coberto pela garantia, que é muito maior no Brasil. No Brasil, você tem uma diferença de custo muito grande para montar um negócio baseado ou num fundo ou num FDIC ou numa financeira. O que vemos é uma proliferação, uma facilidade de captar via plataformas, e isso tem aumentado a quantidade de recursos captados usando a cobertura do FGC.

Dá pra entender que parte do mercado bancário ficou viciado na captação em CDB?

Os mercados reagem a incentivos. Se a gente achar que tem CDB demais e que isso gera risco, surgem outras formas de captação que vão canalizar o dinheiro. O regulador está atento e foi por isso que ele mudou algumas regulamentações.

E como é a composição do FGC? Os bancos maiores pagam mais do que os menores?

Mais de 95% da contribuição do FGC é proporcional ao montante que o banco emite de recursos cobertos pelo fundo. Se você emite muitos produtos cobertos, você paga mais. Em 2021 entrou em vigor a contribuição adicional, na qual os bancos mais alavancados, mais dependentes da cobertura do FGC, pagam uma contribuição adicional.

Existe uma disputa de recursos entre instituições grandes e pequenas?

O FGC cobre todos os bancos em eventos de quebra. O valor arrecadado é proporcional ao emitido em recursos cobertos com o FGC.

Se o limite aumentasse de R$ 250 mil para R$ 1 milhão, o que aconteceria?

Teria de aumentar a contribuição para todo mundo, para os grandes e para os pequenos, porque o risco suportado pelo mecanismo ia ser muito maior, então o mecanismo ia ficar descapitalizado e você ia ter de aumentar a contribuição para todo mundo para capitalizar o mecanismo.

Quanto teria de aumentar?

Tem de fazer conta, mas vai ter de ser ajustada a depender da dinâmica de captação dos bancos. Se a gente fizesse uma conta muito simples, ao quadruplicar o limite de cobertura, você deveria quadruplicar a taxa de contribuição. Mas a conta é mais complexa do que isso. O fato é que encarece o crédito.

Por quê?

Quando o banco recolhe uma contribuição, no final do dia, ele repassa os seus custos para os seus clientes. Essa contribuição atual de 0,01% já está no spread de crédito. A nova taxa também seria passada para o spread de crédito. Não é um impacto grande dado o tamanho do nosso spread de crédito, mas teria impacto.

Vocês expressaram opinião contrária à elevação do limite?

Demos a opinião técnica, a gente acha que 99,6% dos saldos estão abaixo dos R$ 250 mil, 50% do volume financeiro do saldo estão cobertos. Quando a gente olha para alguns países comparáveis com o Brasil e observa o limite do FGC dividido pelo PIB per capita, em geral o múltiplo está entre duas e quatro vezes. No Brasil, está em cinco vezes. Acima dos países comparáveis com o Brasil. Então nosso limite está bem enquadrado, não tem motivos técnicos para a gente aumentar o limite de cobertura. Além disso, no Brasil, R$ 250 mil por instituição financeira cobre uma parcela esmagadora da população. As pessoas não têm muito dinheiro. A grande parcela dos brasileiros é devedora, ela não é nem poupadora. E aí aumentar o limite para R$ 1 milhão, a parcela da população que você beneficia é muito pequena. Mas o custo aumenta para todo mundo no crédito. Então, você estaria financiando via custo do crédito o aumento da cobertura para uma parcela pequena dos investidores mais ricos.

Quando o governo aumentou o FGC de R$ 70 mil para R$ 250 mil era para aumentar a captação dos bancos pequenos. Por que agora não seria positivo?

Não foi bem isso que aconteceu. A gente estava no meio de uma crise de liquidez, então foi um problema de estabilidade financeira. Aumentou porque assim você irrigou o mercado de liquidez. Lembra do múltiplo que a gente falou? Do limite dividido pelo PIB per capita? O que hoje é cinco, na época foi para 10 vezes. Então inundou o mercado para resolver a estabilidade financeira, porque os bancos médios não estavam conseguindo captar, e aí muita gente percebeu isso como uma oportunidade de negócio. As corretoras perceberam nisso uma oportunidade de negócio e de lá para cá isso virou um instrumento de popularização do investimento em CDB. Agora, não existe falta de liquidez e não tem problema de estabilidade financeira, então para quê mexer no limite? Minha resposta técnica é que não tem razão técnica para fazer isso.

BRASÍLIA - O diretor-executivo do Fundo Garantidor de Créditos, Daniel Lima, afirma não haver necessidade técnica para aumentar o valor do seguro para ativos financeiros, dos atuais R$ 250 mil para R$ 1 milhão. Lima afirma que a medida beneficiaria poucos investidores, ao passo que o aumento do custo recairia sobre todos os consumidores, por meio de um aumento do custo de crédito.

“Não existe falta de liquidez e não tem problema de estabilidade financeira, então para quê mexer no limite? Minha resposta técnica é que não tem razão técnica para fazer isso”, afirmou Lima, em entrevista exclusiva ao Estadão.

O FGC é um fundo composto pela contribuição dos bancos para garantir depósitos no valor de até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ, com a finalidade de garantir o pagamento a correntistas em caso de colapso da instituição financeira.

Nos últimos anos, o FGC passou a ser usado no marketing de plataformas de investimentos para vender CDBs de bancos menores e pouco conhecidos e, por isso, mais arriscados. Com o seguro, o investidor ficou menos preocupado com a segurança do emissor, nem se atentou em quê o dinheiro captado está sendo aplicado ou se será pago.

Isso fez aumentar as captações de bancos pequenos usando ativos como o CDB, que têm a cobertura do FGC, disparando medidas de contenção pelo Banco Central e Conselho Monetário Nacional. Ao mesmo tempo, no entanto, o Congresso colocou em debate ampliar o limite do FGC.

Lima afirma que o aumento do limite poderia ampliar o risco para todo o sistema e encarecer o custo do crédito, já elevado no País.

“Se a gente fizesse uma conta muito simples, ao quadruplicar o limite de cobertura, você deveria quadruplicar a taxa de contribuição. Mas a conta é mais complexa do que isso. O fato é que encarece o crédito”, afirma.

Veja abaixo os principais trechos dessa entrevista.

Pode descrever o crescimento das instituições menores no FGC?

Quando a gente tira os bancos grandes, os chamados bancos S1, e compara o total de ativos cobertos pelo FGC com a liquidez do fundo, a gente vê que saiu da casa de 35% em 2019 para cerca de 20%. Ainda é uma medida bastante forte. Mas ainda que a gente considere o FGC robusto e forte, como a gente enxerga isso olhando para os próximos cinco anos? E aí entram as medidas que foram tomadas pelo Banco Central e pelo Conselho Monetário Nacional, que ajustam os parâmetros de crescimento da indústria de tal maneira que você mantenha a força do FGC, a robustez do fundo.

Como avalia essas medidas?

Vejo as medidas que foram tomadas como formas de manter a saúde do FGC, a perenidade do FGC, porque o FGC forte é fundamental para a agenda de competição e de desenvolvimento e estabilidade do sistema financeiro nacional.

As travas não limitam a atratividade e a captação dos bancos menores?

É assim no mundo inteiro. A gente tem de evitar os extremos, a gente tem de evitar o banco completamente dependente do FGC e também evitar bancos com cobertura insuficiente.

Como essas normas do Banco Central e do CMN agem sobre o mercado?

A norma 5.114 é uma norma esperta, que olha para uma medida de dependência muito grande das captações dos bancos com cobertura do FGC. Ela tem duas métricas de alavancagem: uma é quanto o banco está se alavancando com relação ao seu próprio capital e outra o quanto o banco é dependente das captações do FGC. A norma diz o seguinte, se você quiser captar ainda mais com cobertura do FGC ou você coloca mais dinheiro do seu bolso, o que tem efeito prudencial porque quanto mais capital próprio a instituição tem, mais prudente ela é. Uma coisa é tomar risco com dinheiro dos outros e outra é tomar risco com seu próprio dinheiro. A mensagem prudencial na norma diz que se você quer captar mais, você tem de colocar mais dinheiro. Ao mesmo tempo, tem uma outra métrica, de dependência extrema do FGC: se o banco só consegue captar com FGC, o excesso de captação tem de ser alocado em título público. O que reduz risco, porque se captar com título público, o risco de ele quebrar é menor.

Mas na prática isso desestimula a emissão, porque ele está oferecendo no mercado um CDB mais caro, de 130%, 140% do CDI (o CDI é bastante próximo à Selic).

Esse é o ponto esperto da norma, de segurar o ritmo de crescimento da instituição sem proibir, porque sempre que se faz uma norma proibitiva, ela é mais complexa, é mais fácil de desafiar. Aqui, você está dando incentivos corretos. Se você captar e captar num custo de 120%, 130% do CDI, para quê fazer isso se vai ter de investir esse dinheiro remunerado a 100% do CDI? Então naturalmente você para de captar, o que reduz a dependência (do FGC). Ou, uma terceira coisa, busca um outro tipo de captação não coberta pelo FGC. E aí também melhora.

Por quê?

Porque normalmente a captação começa com um público institucional, que tem capacidade de implementar disciplina de mercado, porque ele só vai emprestar dinheiro para o banco, como ele não é coberto pelo FGC, se o banco tem um modelo de negócios sólido. Então você fecha esse ciclo, você traz os investidores que analisam o risco para o jogo e, se não é isso, o banco desalavanca a sua dependência em relação ao FGC.

Teve algum resultado prático desde então? As captações com cobertura do FGC diminuíram?

A ideia não é reduzir a captação, mas a velocidade com que o fenômeno estava acontecendo. O regulador tem uma agenda de longo prazo de desconcentração do mercado. Então, o que nós percebemos é algumas instituições buscando outros passivos não cobertos pelo FGC, o que é bom porque traz mais investidores institucionais para o jogo. Letras financeiras principalmente, que não são cobertas pelo FGC.

Diretor-executivo do Fundo Garantidor de Créditos, Daniel Lima Foto: Edu Viana

Como isso vai interferir na distribuição de CDBs via plataformas de investimentos?

Não acho que muda muito nessa questão. Está todo mundo indo nessa direção. Antes você tinha um banco que captava se o cliente fosse na agência, com o gerente vendendo um CDB para o cliente. Essa dinâmica tem mudado. Então, ou o banco terá seu próprio aplicativo para captar recursos ou vai contar com o distribuidor. Acho que a tecnologia vai continuar jogando esse papel de facilitar a captação. Talvez o que a gente precise é que os bancos que captam exclusivamente através das plataformas, com o tempo, desenvolvam também os seus aplicativos para começar a acessar clientes diretos. Mas isso ainda não é tema de primeira ordem da indústria, e é algo que talvez vá acontecer mais para frente.

Incomoda o marketing das plataformas de investimentos para vender CDBs focando exclusivamente na rentabilidade e oferecendo, como garantia, a cobertura do FGC?

A gente pode não ficar feliz com o resultado, mas não existe nenhuma norma que esteja sendo descumprida. Então se a gente não está feliz com o resultado, precisamos mudar a norma. Não há restrições porque não tem ninguém descumprindo nenhuma regulamentação.

Tem alguém discutindo limitar esse tipo de prática?

Não, a gente já tentou discutir regras de sustentabilidade para a distribuição de produtos de captação bancária, mas essa discussão ainda não amadureceu.

E para o investidor, há algum tipo de sugestão para quem compra esses ativos sem olhar o risco do banco emissor?

O FGC está bem capitalizado, e se você está abaixo do limite de cobertura, com os incentivos que estão postos, você não faz conta. Você só começa a fazer conta quando tem dinheiro acima desse limite. É assim no mundo inteiro, mas isso acaba mais pronunciado no Brasil, porque a gente está saindo de um mercado mais concentrado e está entrando nesse mercado com mais ofertas. Então por isso (o FGC) está com mais visibilidade. Nos EUA, no vidro do caixa do banco tem um adesivo com o nome do fundo garantidor americano. E tem de ser assim, porque esse mecanismo existe para evitar pânico. Então, o princípio de uma garantia, para ele ser efetivo, a população precisa ter amplo conhecimento da cobertura do mecanismo de proteção.

A iniciativa do BC foi no sentido de dar mais prudência ou de disciplinar o uso do dinheiro arrecadado por esses bancos?

É de tudo um pouco, a regulamentação reage a fatos concretos. Provavelmente a supervisão bancária identificou o que ela entendeu que seria um excesso.

O que as instituições menores estão fazendo com esse dinheiro captado? É muito diferente da prática bancária em outros países?

Tem diversos tipos de modelo de negócio, tem gente que capta para fazer carteira de consignado, outros para investir em middle market, outros em investment bank. Acho que a grande diferença que temos em relação ao mundo é que o custo do funding que é coberto pela garantia e o custo do funding não coberto pela garantia, que é muito maior no Brasil. No Brasil, você tem uma diferença de custo muito grande para montar um negócio baseado ou num fundo ou num FDIC ou numa financeira. O que vemos é uma proliferação, uma facilidade de captar via plataformas, e isso tem aumentado a quantidade de recursos captados usando a cobertura do FGC.

Dá pra entender que parte do mercado bancário ficou viciado na captação em CDB?

Os mercados reagem a incentivos. Se a gente achar que tem CDB demais e que isso gera risco, surgem outras formas de captação que vão canalizar o dinheiro. O regulador está atento e foi por isso que ele mudou algumas regulamentações.

E como é a composição do FGC? Os bancos maiores pagam mais do que os menores?

Mais de 95% da contribuição do FGC é proporcional ao montante que o banco emite de recursos cobertos pelo fundo. Se você emite muitos produtos cobertos, você paga mais. Em 2021 entrou em vigor a contribuição adicional, na qual os bancos mais alavancados, mais dependentes da cobertura do FGC, pagam uma contribuição adicional.

Existe uma disputa de recursos entre instituições grandes e pequenas?

O FGC cobre todos os bancos em eventos de quebra. O valor arrecadado é proporcional ao emitido em recursos cobertos com o FGC.

Se o limite aumentasse de R$ 250 mil para R$ 1 milhão, o que aconteceria?

Teria de aumentar a contribuição para todo mundo, para os grandes e para os pequenos, porque o risco suportado pelo mecanismo ia ser muito maior, então o mecanismo ia ficar descapitalizado e você ia ter de aumentar a contribuição para todo mundo para capitalizar o mecanismo.

Quanto teria de aumentar?

Tem de fazer conta, mas vai ter de ser ajustada a depender da dinâmica de captação dos bancos. Se a gente fizesse uma conta muito simples, ao quadruplicar o limite de cobertura, você deveria quadruplicar a taxa de contribuição. Mas a conta é mais complexa do que isso. O fato é que encarece o crédito.

Por quê?

Quando o banco recolhe uma contribuição, no final do dia, ele repassa os seus custos para os seus clientes. Essa contribuição atual de 0,01% já está no spread de crédito. A nova taxa também seria passada para o spread de crédito. Não é um impacto grande dado o tamanho do nosso spread de crédito, mas teria impacto.

Vocês expressaram opinião contrária à elevação do limite?

Demos a opinião técnica, a gente acha que 99,6% dos saldos estão abaixo dos R$ 250 mil, 50% do volume financeiro do saldo estão cobertos. Quando a gente olha para alguns países comparáveis com o Brasil e observa o limite do FGC dividido pelo PIB per capita, em geral o múltiplo está entre duas e quatro vezes. No Brasil, está em cinco vezes. Acima dos países comparáveis com o Brasil. Então nosso limite está bem enquadrado, não tem motivos técnicos para a gente aumentar o limite de cobertura. Além disso, no Brasil, R$ 250 mil por instituição financeira cobre uma parcela esmagadora da população. As pessoas não têm muito dinheiro. A grande parcela dos brasileiros é devedora, ela não é nem poupadora. E aí aumentar o limite para R$ 1 milhão, a parcela da população que você beneficia é muito pequena. Mas o custo aumenta para todo mundo no crédito. Então, você estaria financiando via custo do crédito o aumento da cobertura para uma parcela pequena dos investidores mais ricos.

Quando o governo aumentou o FGC de R$ 70 mil para R$ 250 mil era para aumentar a captação dos bancos pequenos. Por que agora não seria positivo?

Não foi bem isso que aconteceu. A gente estava no meio de uma crise de liquidez, então foi um problema de estabilidade financeira. Aumentou porque assim você irrigou o mercado de liquidez. Lembra do múltiplo que a gente falou? Do limite dividido pelo PIB per capita? O que hoje é cinco, na época foi para 10 vezes. Então inundou o mercado para resolver a estabilidade financeira, porque os bancos médios não estavam conseguindo captar, e aí muita gente percebeu isso como uma oportunidade de negócio. As corretoras perceberam nisso uma oportunidade de negócio e de lá para cá isso virou um instrumento de popularização do investimento em CDB. Agora, não existe falta de liquidez e não tem problema de estabilidade financeira, então para quê mexer no limite? Minha resposta técnica é que não tem razão técnica para fazer isso.

Entrevista por Mariana Carneiro

Repórter especial de Economia em Brasília. Foi editora da Coluna do Estadão. Graduada em comunicação social pela PUC-Rio, com MBA em mercado financeiro pela B3 e especialização em análise de conjuntura econômica pela UFRJ. Foi correspondente na Argentina (2015) pela Folha de S.Paulo e também trabalhou em O Globo, TV Globo, JB e Jornal do Commercio.

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