‘Não tem nada pior para a questão fiscal do que alta da Selic; isso, sim, preocupa’, diz Alckmin


Segundo vice-presidente da República, cada 1% de aumento da taxa básica de juro representa R$ 48 bilhões por ano a mais para pagar juros; Brasil tem a terceira maior taxa real de juros do mundo, abaixo apenas de Turquia e Rússia, que está em guerra, diz ele

Por Roseann Kennedy e Eduardo Laguna
Atualização:
Foto: Werther Santana/Estadão
Entrevista comGeraldo AlckminVice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços

Na esteira do anúncio da equipe econômica de liberação de R$ 1,7 bilhão do orçamento para gastos, o presidente em exercício, Geraldo Alckmin, está confiante de que o governo cumprirá as metas do arcabouço fiscal neste ano, e vê o aumento dos juros como mais nocivo para as contas públicas. “Não tem nada pior para a questão fiscal do que esse aumento da Selic. Então acho que essa é, sim, uma preocupação”, disse o também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) em entrevista ao Dois Pontos, programa de entrevistas comandado pela jornalista Roseann Kennedy, que vai ao ar na quarta-feira, 25.

Ele afirmou que pior do que subir os juros é manter a Selic alta por tanto tempo. Na quarta-feira passada, o Banco Central elevou os juros em 0,25 ponto porcentual, para 10,75% ao ano. Alckmin concedeu a entrevista, na manhã desta segunda-feira, 23, ao lado do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva. Pouco antes, ele anunciou na sede da entidade patronal a terceira etapa do programa Brasil Mais Produtivo, voltada à digitalização de micro, pequenas e médias empresas.

O governo lançou mais uma etapa do programa Brasil Mais Produtivo. Além dos incentivos lançados na política industrial, como o governo vai mensurar seus resultados?

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A missão quatro é da transformação digital. Qual é o objetivo? Reduzir custos, melhorar a eficiência, a produtividade, a qualificação - enfim, ter uma indústria mais competitiva. O Brasil Mais Produtivo tem meta: 93 mil micro, pequenas e médias empresas vão ser visitadas presencialmente. São R$ 2 bilhões que estão sendo investidos, unindo ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial), Senai, Sebrae, BNDES, Embrapii e Finep. O Senai vai na pequena empresa e faz o diagnóstico. O que é que precisa ser digitalizado? O que é que eu preciso superar de gargalo? Como é que eu melhoro a produtividade? Vem o Sebrae e faz o projeto. E vem BNDES, Finep, Embrapii e financiam. E como se trata de inovação, é TR (Taxa Referencial). Então, é praticamente juro real zero. Queremos aumentar a digitalização em 25% até 2026, e 50% até 2032. Esse é o objetivo.

O sr. vê alguma possibilidade de a indústria, que hoje representa em torno de 11% do PIB, voltar a ter a representatividade que teve no passado?

Realmente, nós tivemos, nas últimas décadas, uma desindustrialização grande e precoce. É preciso estancar e voltar a recuperar. Se a gente pegar o PIB do segundo trimestre, ele foi positivo. Primeiro, porque (o mercado) estava esperando 0,9% de crescimento e cresceu 1,4% (ante o primeiro trimestre). Depois, quando a gente abre esse crescimento, a indústria cresceu 1,8%, e o investimento, 2,1%. A indústria acabou tendo um papel mais importante. Acho que a indústria vai crescer. Essas medidas, todas da NIB, da Nova Indústria Brasil, buscam agir nas causas dos problemas, ter uma indústria mais inovadora, mais competitiva, mais verde, mais sustentável, com descarbonização e uma indústria exportadora. Difícil dar um número (de peso da indústria no PIB), até porque isso depende da economia mundial, depende da macroeconomia, mas acho que nós vamos ter muitas oportunidades. Os investimentos anunciados pela indústria brasileira já passaram de meio trilhão de reais até 2027. É isso que o Brasil precisa.

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Esses recursos colocados na política industrial, mais de R$ 342 bilhões, estão todos consumidos? O ministério já pensa em uma segunda etapa do programa?

Esses recursos são financiamentos, e financiamentos serão pagos. Acho que a demanda vai ser maior do que os R$ 342 bilhões. Então, o governo precisa colocar mais crédito. No mês que vem, devem ser lançados os LCDs, a Letra de Crédito de Desenvolvimento, que é mercado, não é governo. Mas é um crédito que pode ser mais barato. Como o Imposto de Renda de Pessoa Física é zero, e de o de Pessoas Jurídica reduz de 25% para 15%, isso dá uma diferença de 1% (no custo do crédito). Esse benefício vai direto para o tomador. Já vai ter mais crédito para avançar.

O senhor teme um impacto da alteração climática, e das estiagens mais intensas, na capacidade de produção do combustível verde no Brasil? Teme algum apagão energético?

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O Brasil é o grande protagonista dos três grandes debates planetários: segurança alimentar, segurança energética e clima. Eu não acredito que vá faltar energia. Acho que está muito claro que vamos ter energia para poder crescer forte. Não quereremos que encareça a energia. O que a gente poderia fazer, então, para ajudar, enquanto não vem a chuva? Eu diria que uma hipótese que o governo deve avaliar é o horário de verão, o quanto isso pode ajudar a economizar energia e evitar que tenha que utilizar termelétricas, mais caras.

O vice-presidente Geraldo Alckmin participou do programa Dois Pontos, apresentado por Roseann Kennedy Foto: Werther Santana/Estadão

Os juros voltaram a subir e muita gente no mercado acredita que a Selic chegará a 12% em janeiro. Qual avaliação o sr. faz do impacto da alta dos juros na recuperação industrial?

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Dificulta enormemente. Hoje, o Brasil tem a terceira maior taxa real de juros do mundo: Turquia, Rússia, que está em guerra, e o Brasil. O País tem US$ 360 bilhões em reservas; no ano passado, o saldo da balança comercial foi de quase US$ 100 bilhões. Não tem o menor sentido isso. Cada 1% da Selic é R$ 48 bilhões por ano a mais para pagar juros. Não tem nada pior para a questão fiscal do que esse aumento da Selic. Essa, sim, é uma preocupação. Quem precisa de financiamento, de crédito, fica com o problema. E quem tem recurso para investir, também não investe. O cumprimento do arcabouço fiscal este ano é essencial para trazer tranquilidade. Agora, não é possível ter uma política monetária nesse patamar. E o pior não é subir, porque às vezes é necessário subir, mas é manter por tanto tempo uma taxa de juros tão alta.

O sr. então está confiante de que vai ser possível cumprir o arcabouço?

Sim. Esse é o compromisso do governo, o cumprimento do arcabouço fiscal.

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Alguns economistas têm feito observações de que estaria ocorrendo uma ‘matemágica’ no orçamento. Existe ou não existe essa ‘matemágica’?

Não existe ‘matemágica’. O que houve foi um pequeno descontingenciamento. Estamos falando de um orçamento de trilhão, às vezes de trilhões, e descontingenciou R$ 1,5 bilhão (na verdade, R$ 1,7 bilhão) porque o PIB cresceu. E crescendo a economia, cresce a arrecadação.

Sobre a regulamentação da reforma tributária, que está em andamento, quais são as preocupações em relação à indústria?

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Quanto menos exceções tivermos na reforma tributária, melhor para todo mundo, vamos ter um IVA mais baixo. Quanto menor o IVA, melhor a competitividade. É claro que se você pegar os países que têm imposto de valor agregado, sempre tem alguma exceção. Agora, ela precisa ser o mínimo do mínimo. No (imposto) seletivo, não entrou arma. Um setor que deveria ter (imposto seletivo) é o de arma. Isso acabou aumentando o IVA médio. Mas a reforma tributária será positiva. Ela começa em 2026, é uma transição mais longa, mas é melhor ter um gradualismo do que não fazer.

O sr. acha possível atender o pedido da indústria automotiva de volta imediata da alíquota de 35% do imposto dos carros híbridos e elétricos importados?

Estamos vivendo um momento no mundo em que todo mundo procura defender o seu emprego e, especialmente, a atividade industrial. Há um pleito da Anfavea (associação das montadoras) de antecipar esses 35%. Estamos avaliando. Houve uma corrida no mês de junho de importação, porque em 1º de julho iria aumentar (o imposto). Estamos monitorando semanalmente essas importações.

Seria viável ou recomendável aumentar, antecipar esse aumento dos 35%?

Tem dois ansiosos na vida: os políticos e os jornalistas. Estamos avaliando com bastante critério. De um lado, nós precisamos de previsibilidade. O presidente Lula destacou muito na campanha: desenvolvimento com inclusão, com sustentabilidade, e com estabilidade, previsibilidade. Então, isso está sendo monitorado.

O que o sr. pode dizer sobre a agenda de abertura comercial. Qual é a perspectiva de concretização do acordo entre Mercosul e União Europeia?

Muito importante conquistar os mercados. O Mercosul tem pouquíssimos acordos. É preciso ter mais acordos comerciais. Entrou a Bolívia (no bloco), foi importante. Passamos a ter cinco países. É importante porque precisamos reconquistar o mercado regional, que é para onde vendemos produto industrial com valor agregado mais alto. Estamos otimistas no acordo Mercosul e União Europeia. Todo o esforço está sendo feito nesse sentido e nunca estivemos tão perto.

Na esteira do anúncio da equipe econômica de liberação de R$ 1,7 bilhão do orçamento para gastos, o presidente em exercício, Geraldo Alckmin, está confiante de que o governo cumprirá as metas do arcabouço fiscal neste ano, e vê o aumento dos juros como mais nocivo para as contas públicas. “Não tem nada pior para a questão fiscal do que esse aumento da Selic. Então acho que essa é, sim, uma preocupação”, disse o também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) em entrevista ao Dois Pontos, programa de entrevistas comandado pela jornalista Roseann Kennedy, que vai ao ar na quarta-feira, 25.

Ele afirmou que pior do que subir os juros é manter a Selic alta por tanto tempo. Na quarta-feira passada, o Banco Central elevou os juros em 0,25 ponto porcentual, para 10,75% ao ano. Alckmin concedeu a entrevista, na manhã desta segunda-feira, 23, ao lado do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva. Pouco antes, ele anunciou na sede da entidade patronal a terceira etapa do programa Brasil Mais Produtivo, voltada à digitalização de micro, pequenas e médias empresas.

O governo lançou mais uma etapa do programa Brasil Mais Produtivo. Além dos incentivos lançados na política industrial, como o governo vai mensurar seus resultados?

A missão quatro é da transformação digital. Qual é o objetivo? Reduzir custos, melhorar a eficiência, a produtividade, a qualificação - enfim, ter uma indústria mais competitiva. O Brasil Mais Produtivo tem meta: 93 mil micro, pequenas e médias empresas vão ser visitadas presencialmente. São R$ 2 bilhões que estão sendo investidos, unindo ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial), Senai, Sebrae, BNDES, Embrapii e Finep. O Senai vai na pequena empresa e faz o diagnóstico. O que é que precisa ser digitalizado? O que é que eu preciso superar de gargalo? Como é que eu melhoro a produtividade? Vem o Sebrae e faz o projeto. E vem BNDES, Finep, Embrapii e financiam. E como se trata de inovação, é TR (Taxa Referencial). Então, é praticamente juro real zero. Queremos aumentar a digitalização em 25% até 2026, e 50% até 2032. Esse é o objetivo.

O sr. vê alguma possibilidade de a indústria, que hoje representa em torno de 11% do PIB, voltar a ter a representatividade que teve no passado?

Realmente, nós tivemos, nas últimas décadas, uma desindustrialização grande e precoce. É preciso estancar e voltar a recuperar. Se a gente pegar o PIB do segundo trimestre, ele foi positivo. Primeiro, porque (o mercado) estava esperando 0,9% de crescimento e cresceu 1,4% (ante o primeiro trimestre). Depois, quando a gente abre esse crescimento, a indústria cresceu 1,8%, e o investimento, 2,1%. A indústria acabou tendo um papel mais importante. Acho que a indústria vai crescer. Essas medidas, todas da NIB, da Nova Indústria Brasil, buscam agir nas causas dos problemas, ter uma indústria mais inovadora, mais competitiva, mais verde, mais sustentável, com descarbonização e uma indústria exportadora. Difícil dar um número (de peso da indústria no PIB), até porque isso depende da economia mundial, depende da macroeconomia, mas acho que nós vamos ter muitas oportunidades. Os investimentos anunciados pela indústria brasileira já passaram de meio trilhão de reais até 2027. É isso que o Brasil precisa.

Esses recursos colocados na política industrial, mais de R$ 342 bilhões, estão todos consumidos? O ministério já pensa em uma segunda etapa do programa?

Esses recursos são financiamentos, e financiamentos serão pagos. Acho que a demanda vai ser maior do que os R$ 342 bilhões. Então, o governo precisa colocar mais crédito. No mês que vem, devem ser lançados os LCDs, a Letra de Crédito de Desenvolvimento, que é mercado, não é governo. Mas é um crédito que pode ser mais barato. Como o Imposto de Renda de Pessoa Física é zero, e de o de Pessoas Jurídica reduz de 25% para 15%, isso dá uma diferença de 1% (no custo do crédito). Esse benefício vai direto para o tomador. Já vai ter mais crédito para avançar.

O senhor teme um impacto da alteração climática, e das estiagens mais intensas, na capacidade de produção do combustível verde no Brasil? Teme algum apagão energético?

O Brasil é o grande protagonista dos três grandes debates planetários: segurança alimentar, segurança energética e clima. Eu não acredito que vá faltar energia. Acho que está muito claro que vamos ter energia para poder crescer forte. Não quereremos que encareça a energia. O que a gente poderia fazer, então, para ajudar, enquanto não vem a chuva? Eu diria que uma hipótese que o governo deve avaliar é o horário de verão, o quanto isso pode ajudar a economizar energia e evitar que tenha que utilizar termelétricas, mais caras.

O vice-presidente Geraldo Alckmin participou do programa Dois Pontos, apresentado por Roseann Kennedy Foto: Werther Santana/Estadão

Os juros voltaram a subir e muita gente no mercado acredita que a Selic chegará a 12% em janeiro. Qual avaliação o sr. faz do impacto da alta dos juros na recuperação industrial?

Dificulta enormemente. Hoje, o Brasil tem a terceira maior taxa real de juros do mundo: Turquia, Rússia, que está em guerra, e o Brasil. O País tem US$ 360 bilhões em reservas; no ano passado, o saldo da balança comercial foi de quase US$ 100 bilhões. Não tem o menor sentido isso. Cada 1% da Selic é R$ 48 bilhões por ano a mais para pagar juros. Não tem nada pior para a questão fiscal do que esse aumento da Selic. Essa, sim, é uma preocupação. Quem precisa de financiamento, de crédito, fica com o problema. E quem tem recurso para investir, também não investe. O cumprimento do arcabouço fiscal este ano é essencial para trazer tranquilidade. Agora, não é possível ter uma política monetária nesse patamar. E o pior não é subir, porque às vezes é necessário subir, mas é manter por tanto tempo uma taxa de juros tão alta.

O sr. então está confiante de que vai ser possível cumprir o arcabouço?

Sim. Esse é o compromisso do governo, o cumprimento do arcabouço fiscal.

Alguns economistas têm feito observações de que estaria ocorrendo uma ‘matemágica’ no orçamento. Existe ou não existe essa ‘matemágica’?

Não existe ‘matemágica’. O que houve foi um pequeno descontingenciamento. Estamos falando de um orçamento de trilhão, às vezes de trilhões, e descontingenciou R$ 1,5 bilhão (na verdade, R$ 1,7 bilhão) porque o PIB cresceu. E crescendo a economia, cresce a arrecadação.

Sobre a regulamentação da reforma tributária, que está em andamento, quais são as preocupações em relação à indústria?

Quanto menos exceções tivermos na reforma tributária, melhor para todo mundo, vamos ter um IVA mais baixo. Quanto menor o IVA, melhor a competitividade. É claro que se você pegar os países que têm imposto de valor agregado, sempre tem alguma exceção. Agora, ela precisa ser o mínimo do mínimo. No (imposto) seletivo, não entrou arma. Um setor que deveria ter (imposto seletivo) é o de arma. Isso acabou aumentando o IVA médio. Mas a reforma tributária será positiva. Ela começa em 2026, é uma transição mais longa, mas é melhor ter um gradualismo do que não fazer.

O sr. acha possível atender o pedido da indústria automotiva de volta imediata da alíquota de 35% do imposto dos carros híbridos e elétricos importados?

Estamos vivendo um momento no mundo em que todo mundo procura defender o seu emprego e, especialmente, a atividade industrial. Há um pleito da Anfavea (associação das montadoras) de antecipar esses 35%. Estamos avaliando. Houve uma corrida no mês de junho de importação, porque em 1º de julho iria aumentar (o imposto). Estamos monitorando semanalmente essas importações.

Seria viável ou recomendável aumentar, antecipar esse aumento dos 35%?

Tem dois ansiosos na vida: os políticos e os jornalistas. Estamos avaliando com bastante critério. De um lado, nós precisamos de previsibilidade. O presidente Lula destacou muito na campanha: desenvolvimento com inclusão, com sustentabilidade, e com estabilidade, previsibilidade. Então, isso está sendo monitorado.

O que o sr. pode dizer sobre a agenda de abertura comercial. Qual é a perspectiva de concretização do acordo entre Mercosul e União Europeia?

Muito importante conquistar os mercados. O Mercosul tem pouquíssimos acordos. É preciso ter mais acordos comerciais. Entrou a Bolívia (no bloco), foi importante. Passamos a ter cinco países. É importante porque precisamos reconquistar o mercado regional, que é para onde vendemos produto industrial com valor agregado mais alto. Estamos otimistas no acordo Mercosul e União Europeia. Todo o esforço está sendo feito nesse sentido e nunca estivemos tão perto.

Na esteira do anúncio da equipe econômica de liberação de R$ 1,7 bilhão do orçamento para gastos, o presidente em exercício, Geraldo Alckmin, está confiante de que o governo cumprirá as metas do arcabouço fiscal neste ano, e vê o aumento dos juros como mais nocivo para as contas públicas. “Não tem nada pior para a questão fiscal do que esse aumento da Selic. Então acho que essa é, sim, uma preocupação”, disse o também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) em entrevista ao Dois Pontos, programa de entrevistas comandado pela jornalista Roseann Kennedy, que vai ao ar na quarta-feira, 25.

Ele afirmou que pior do que subir os juros é manter a Selic alta por tanto tempo. Na quarta-feira passada, o Banco Central elevou os juros em 0,25 ponto porcentual, para 10,75% ao ano. Alckmin concedeu a entrevista, na manhã desta segunda-feira, 23, ao lado do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva. Pouco antes, ele anunciou na sede da entidade patronal a terceira etapa do programa Brasil Mais Produtivo, voltada à digitalização de micro, pequenas e médias empresas.

O governo lançou mais uma etapa do programa Brasil Mais Produtivo. Além dos incentivos lançados na política industrial, como o governo vai mensurar seus resultados?

A missão quatro é da transformação digital. Qual é o objetivo? Reduzir custos, melhorar a eficiência, a produtividade, a qualificação - enfim, ter uma indústria mais competitiva. O Brasil Mais Produtivo tem meta: 93 mil micro, pequenas e médias empresas vão ser visitadas presencialmente. São R$ 2 bilhões que estão sendo investidos, unindo ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial), Senai, Sebrae, BNDES, Embrapii e Finep. O Senai vai na pequena empresa e faz o diagnóstico. O que é que precisa ser digitalizado? O que é que eu preciso superar de gargalo? Como é que eu melhoro a produtividade? Vem o Sebrae e faz o projeto. E vem BNDES, Finep, Embrapii e financiam. E como se trata de inovação, é TR (Taxa Referencial). Então, é praticamente juro real zero. Queremos aumentar a digitalização em 25% até 2026, e 50% até 2032. Esse é o objetivo.

O sr. vê alguma possibilidade de a indústria, que hoje representa em torno de 11% do PIB, voltar a ter a representatividade que teve no passado?

Realmente, nós tivemos, nas últimas décadas, uma desindustrialização grande e precoce. É preciso estancar e voltar a recuperar. Se a gente pegar o PIB do segundo trimestre, ele foi positivo. Primeiro, porque (o mercado) estava esperando 0,9% de crescimento e cresceu 1,4% (ante o primeiro trimestre). Depois, quando a gente abre esse crescimento, a indústria cresceu 1,8%, e o investimento, 2,1%. A indústria acabou tendo um papel mais importante. Acho que a indústria vai crescer. Essas medidas, todas da NIB, da Nova Indústria Brasil, buscam agir nas causas dos problemas, ter uma indústria mais inovadora, mais competitiva, mais verde, mais sustentável, com descarbonização e uma indústria exportadora. Difícil dar um número (de peso da indústria no PIB), até porque isso depende da economia mundial, depende da macroeconomia, mas acho que nós vamos ter muitas oportunidades. Os investimentos anunciados pela indústria brasileira já passaram de meio trilhão de reais até 2027. É isso que o Brasil precisa.

Esses recursos colocados na política industrial, mais de R$ 342 bilhões, estão todos consumidos? O ministério já pensa em uma segunda etapa do programa?

Esses recursos são financiamentos, e financiamentos serão pagos. Acho que a demanda vai ser maior do que os R$ 342 bilhões. Então, o governo precisa colocar mais crédito. No mês que vem, devem ser lançados os LCDs, a Letra de Crédito de Desenvolvimento, que é mercado, não é governo. Mas é um crédito que pode ser mais barato. Como o Imposto de Renda de Pessoa Física é zero, e de o de Pessoas Jurídica reduz de 25% para 15%, isso dá uma diferença de 1% (no custo do crédito). Esse benefício vai direto para o tomador. Já vai ter mais crédito para avançar.

O senhor teme um impacto da alteração climática, e das estiagens mais intensas, na capacidade de produção do combustível verde no Brasil? Teme algum apagão energético?

O Brasil é o grande protagonista dos três grandes debates planetários: segurança alimentar, segurança energética e clima. Eu não acredito que vá faltar energia. Acho que está muito claro que vamos ter energia para poder crescer forte. Não quereremos que encareça a energia. O que a gente poderia fazer, então, para ajudar, enquanto não vem a chuva? Eu diria que uma hipótese que o governo deve avaliar é o horário de verão, o quanto isso pode ajudar a economizar energia e evitar que tenha que utilizar termelétricas, mais caras.

O vice-presidente Geraldo Alckmin participou do programa Dois Pontos, apresentado por Roseann Kennedy Foto: Werther Santana/Estadão

Os juros voltaram a subir e muita gente no mercado acredita que a Selic chegará a 12% em janeiro. Qual avaliação o sr. faz do impacto da alta dos juros na recuperação industrial?

Dificulta enormemente. Hoje, o Brasil tem a terceira maior taxa real de juros do mundo: Turquia, Rússia, que está em guerra, e o Brasil. O País tem US$ 360 bilhões em reservas; no ano passado, o saldo da balança comercial foi de quase US$ 100 bilhões. Não tem o menor sentido isso. Cada 1% da Selic é R$ 48 bilhões por ano a mais para pagar juros. Não tem nada pior para a questão fiscal do que esse aumento da Selic. Essa, sim, é uma preocupação. Quem precisa de financiamento, de crédito, fica com o problema. E quem tem recurso para investir, também não investe. O cumprimento do arcabouço fiscal este ano é essencial para trazer tranquilidade. Agora, não é possível ter uma política monetária nesse patamar. E o pior não é subir, porque às vezes é necessário subir, mas é manter por tanto tempo uma taxa de juros tão alta.

O sr. então está confiante de que vai ser possível cumprir o arcabouço?

Sim. Esse é o compromisso do governo, o cumprimento do arcabouço fiscal.

Alguns economistas têm feito observações de que estaria ocorrendo uma ‘matemágica’ no orçamento. Existe ou não existe essa ‘matemágica’?

Não existe ‘matemágica’. O que houve foi um pequeno descontingenciamento. Estamos falando de um orçamento de trilhão, às vezes de trilhões, e descontingenciou R$ 1,5 bilhão (na verdade, R$ 1,7 bilhão) porque o PIB cresceu. E crescendo a economia, cresce a arrecadação.

Sobre a regulamentação da reforma tributária, que está em andamento, quais são as preocupações em relação à indústria?

Quanto menos exceções tivermos na reforma tributária, melhor para todo mundo, vamos ter um IVA mais baixo. Quanto menor o IVA, melhor a competitividade. É claro que se você pegar os países que têm imposto de valor agregado, sempre tem alguma exceção. Agora, ela precisa ser o mínimo do mínimo. No (imposto) seletivo, não entrou arma. Um setor que deveria ter (imposto seletivo) é o de arma. Isso acabou aumentando o IVA médio. Mas a reforma tributária será positiva. Ela começa em 2026, é uma transição mais longa, mas é melhor ter um gradualismo do que não fazer.

O sr. acha possível atender o pedido da indústria automotiva de volta imediata da alíquota de 35% do imposto dos carros híbridos e elétricos importados?

Estamos vivendo um momento no mundo em que todo mundo procura defender o seu emprego e, especialmente, a atividade industrial. Há um pleito da Anfavea (associação das montadoras) de antecipar esses 35%. Estamos avaliando. Houve uma corrida no mês de junho de importação, porque em 1º de julho iria aumentar (o imposto). Estamos monitorando semanalmente essas importações.

Seria viável ou recomendável aumentar, antecipar esse aumento dos 35%?

Tem dois ansiosos na vida: os políticos e os jornalistas. Estamos avaliando com bastante critério. De um lado, nós precisamos de previsibilidade. O presidente Lula destacou muito na campanha: desenvolvimento com inclusão, com sustentabilidade, e com estabilidade, previsibilidade. Então, isso está sendo monitorado.

O que o sr. pode dizer sobre a agenda de abertura comercial. Qual é a perspectiva de concretização do acordo entre Mercosul e União Europeia?

Muito importante conquistar os mercados. O Mercosul tem pouquíssimos acordos. É preciso ter mais acordos comerciais. Entrou a Bolívia (no bloco), foi importante. Passamos a ter cinco países. É importante porque precisamos reconquistar o mercado regional, que é para onde vendemos produto industrial com valor agregado mais alto. Estamos otimistas no acordo Mercosul e União Europeia. Todo o esforço está sendo feito nesse sentido e nunca estivemos tão perto.

Entrevista por Roseann Kennedy

Roseann Kennedy é jornalista pós-graduada em Ciência Política e Economia. Há mais de 20 anos em Brasília, cobre as relações entre os poderes e os bastidores da política. Foi colunista política na CBN e Globo News, editora-chefe e âncora no SBT e SBT News. Pernambucana, torcedora do Náutico, mas também apaixonada pelo Palmeiras.

Eduardo Laguna

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