A indústria do alumínio, no Brasil e no mundo, tem pela frente muitos desafios a serem superados, e entre os principais estão temas relacionados à transição energética e à descarbonização, no esforço global de reduzir as emissões de carbono. " Um ponto importante é o quanto o consumidor percebe de valor que o alumínio proporciona, não só em qualidade, produto, longevidade, mas também ambiental. Quem estaria disposto a pagar US$ 100 a mais por um produto verde?”, pergunta, Janaina Donas, presidente da Associação Brasileira do Alumínio (Abal), em entrevista ao Estadão. Nos mercados mais amadurecidos, afirma, essa percepção de valor é mais evidente e já direciona a demanda.
O alumínio é um dos materiais considerados críticos na descarbonização, se considerar a eletrificação dos carros. A executiva observa que o Brasil, por ora, não tira vantagens disso porque faz uma importação maciça de veículos elétricos prontos, principalmente da China. “Não há produção local”, afirma. O metal tem várias aplicações que vão das energias renováveis e até as chamadas construções verdes. “Temos diferencial: o Brasil usa mais de 90% de energia renovável, gera três vezes menos emissões de carbono na produção de metal e quase 50% da matéria-prima que usa é alumínio reciclado”, diz a executiva.
Pontos de preocupação, diz Donas, são barreiras que o produto nacional encontra lá fora, tanto as de caráter ambiental, como a instituída pela União Europeia pelo CBAM (Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira). Na sua avaliação, pelos atuais do CBAM, é uma ameaça à exportação aos mercados da região. Noutro bloco econômico, aponta, estão os EUA, que não têm um CBAM, mas tem a seção 232 (medida de proteção comercial lançada por Donald Trump, em 2018) contra importações de diversas origens, inclusive Brasil.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual o cenário que a indústria do alumínio tem hoje, na visão da sra., no Brasil e no mundo? As projeções futuras parecem positivas, com demanda podendo crescer cerca de 40% até 2030.
Ao avaliarmos esse crescimento, ou projeções, incluindo Brasil, consideramos a tendência que leva em conta questões relacionadas à transição energética e à descarbonização, Grande parte do impulso na demanda vai ser proporcionada por esses dois fatores. Ao se olhar a evolução histórica, ela é sempre ascendente. No caso do Brasil, em torno de 6% a 7% ao ano e tem muito a ver com amadurecimento dos mercados. Hoje, nosso consumo por pessoa é de 7,3 quilos por habitante ao ano. Comparado com a média global, percebemos que há um potencial muito grande, para atender a demanda doméstica e para nos posicionarmos globalmente.
No Brasil, quais os desafios que o setor de alumínio tem pela frente?
Um deles é garantir essa demanda. Os investimentos que a indústria tem feito para isso estão comprovados pelo aumento do crescimento da oferta de produtos, mas ainda tem esse vínculo do preço do alumínio e esse prêmio associado às questões de descarbonização. Nosso maior mercado consumidor é o setor de embalagens, com tendência de crescer, mas as maiores apostas estão em outros segmentos, como energia, bens de consumo, construção. Outro ponto é o quanto o consumidor percebe de valor que o alumínio proporciona, não só em qualidade, produto, longevidade, mas também na questão ambiental. Nos mercados mais amadurecidos essa percepção de valor é mais evidente e já direciona a demanda.
Como está a entrada do metal em aplicações na área de mobilidade elétrica, por exemplo, em baterias para veículos elétricos?
Temos presença, não só em veículos leves e elétricos, mas também em veículos pesados, porque a diminuição do peso é importante para a eficiência energética. Consumir menos energia é fundamental, independentemente da motorização, veículo híbrido, elétrico ou mesmo a combustão. É muito importante a redução de peso que o alumínio proporciona. E é um dos materiais considerados críticos na descarbonização, se considerar a eletrificação dos carros. Em veículos leves e elétricos, vamos ver como será o desenvolvimento desse mercado no Brasil, onde a expansão de carros elétricos se deve basicamente à importação. Já chegam prontos.
O custo da energia sempre foi um problema para o setor aqui no Brasil. A energia ainda é o item de maior peso no custo do alumínio?
Sim, depende do portfólio de produtos das empresas. Há as que tanto consomem energia elétrica, como de outras fontes e aí o mix da empresa vai determinar a sua competitividade. Ainda é um dos maiores custos produtivos da indústria. A autogeração foi importante no momento do processo de transição do mercado. Favoreceu, por exemplo, na retomada de instalações que foram desligadas lá atrás (entre 2010 e 2014) e é o que vai garantir a longevidade da indústria no médio e longo prazo. É importante que o setor possa continuar também investindo em autogeração.
Como está a questão de defesa comercial contra produtos importados de forma geral, principalmente da China?
Tivemos um ganho de ação de prática de subsídio e agora estamos na fase de monitoramento e acompanhamento constante, pois nas práticas de comércio ilegal, lesivas, há a conquista com a aplicação de uma medida compensatória, contra a China, mas precisa de atenção a desvios de comércio, triangulações. O governo brasileiro está abrindo um procedimento especial para verificação de origem. No momento, temos preocupações em alguns setores, que requerem medidas de defesa comercial. O governo brasileiro está abrindo a possibilidade para outras revisões de alíquotas.
Para o alumínio brasileiro, o CBAM (Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira), instituído pela União Europeia, é uma ameaça às exportações para mercados da região?
Neste momento, é mais uma barreira de entrada, de acesso e pode se transformar num ponto de preocupação na medida em que os países para os quais a medida (iniciativa da UE para taxação de produtos que emitem gases de efeito estufa-GEE) foi criada não conseguem fazer escoamento para países da União Europeia ou Estados Unidos, que não têm um CBAM, mas tem a seção 232 (medida de proteção comercial lançada no governo de Donald Trump, em 2018). De um lado, há um bloco aplicando uma barreira comercial vinculada à descarbonização (ambiental), o que nos afeta porque temos vantagem competitiva relacionada à intensidade carbônica. De outro, medida de defesa comercial. A União Europeia ainda tem de amadurecer seus critérios, diferentes do que é aplicado internacionalmente. Assim, países como o Brasil passam a ser um destino para quem não entra na Europa e EUA.
Há alguma discussão sobre isso com o governo brasileiro?
Começamos discussões relacionadas a aprovação e regulamentação do mercado de carbono para que seja aplicada isonomia aos produtos brasileiros em relação aos importados. Vamos ter todo esse esforço de descarbonização, nos dando uma vantagem competitiva. É preciso garantir que o produto que vem importado para o Brasil obedeça os mesmos critérios de descarbonização. Para exportar para a Europa, por exemplo, nessas regras, não consideravam que alumínio reciclado entrasse como um “alumínio verde”. Preocupam essas novas barreiras comerciais travestidas de barreiras vinculadas à questão ambiental.
O Brasil, com cerca de 90% de energia renovável e quase metade da produção com metal reciclado, é reconhecido como um produtor de alumínio verde? Recebe beneficio por isso na competição com outros países, que em alguns casos usa 70% de energia fóssil?
O desafio e a oportunidade residem em um elemento fundamental, a rastreabilidade. Hoje já há uma demanda de mercados consumidores altamente exigentes que estão dispostos a pagar um prêmio por um alumínio com selo verde, com rastreabilidade da cadeia de produção. Há uma iniciativa internacional que partiu da demanda desses mercados exigentes, a Aluminum Stewardship Initiative (ASI), que se tornou uma certificação. É baseada em normas ISO ou nas melhores práticas corporativas. Consumidores com Apple, BMW e outros querem saber a origem (de onde vem o alumínio), desde a mina de bauxita, práticas utilizadas, energia usada em toda a cadeia produtiva e a geração de CO². São consumidores dispostos a pagar esse prêmio. Nosso desafio é educar as empresas médias, para que também obtenham essa certificação.
Há outras iniciativas como essa?
O governo brasileiro lançou o programa Selo Verde, que será vinculado ao comércio de bens sustentáveis. Visa identificar os produtos que têm esse potencial de selo verde. E o alumínio se enquadra perfeitamente nos critérios estipulados. Poderá fazer contestação a mecanismos como o CBAM. Deve ser construído com outros órgãos e envolver, no caso do alumínio, vários segmentos da cadeia produtiva, da mina ao smelter (fundição do metal). Com rastreabilidade e qualificação. Não adianta a indústria se preparar se o mercado consumidor não vê valor, não está disposto a pagar US$ 100 a mais. Tudo isso tem um custo: investimento escala, tecnologia, ajudando o consumidor a reduzir emissões e atende compromissos de descarbonização.
Como está a redução de emissões de CO² e como está o País em relação aos seus pares em outros países?
Temos uma vantagem competitiva em custo. Principalmente nas emissões associadas ao escopo 2, que é o uso de energia adquirida. Empresas vêm fazendo há bastante tempo uma série de investimentos noutra rota de descarbonização, a de substituição de combustíveis fósseis nas refinarias de alumina. Vimos casos de sucesso com biomassa do açaí, biomassa do cavaco de madeira. E até no reaproveitamento de resíduo da mineração que não é usado para recuperar área explorada. Em alguns casos, substituição de fósseis por gás natural. O setor investiu muito na autogeração de energia (primeiro hidráulica e depois em outras fontes, para compor um mix).
Quais são os número de performance do setor no País?
A grande parte das emissões está nessas duas etapas: média de 60% na produção de alumínio primário e 30% a 35% na refinaria de alumina. O restante é mineração e transformação, com um número muito pequeno. Na mina fica em 1,4%. Segundo último dado que temos, nossa intensidade - do berço ao portão do smelter (fundição) - era 3,3 vezes menor que a média mundial, que é de 16 toneladas de CO² por tonelada fabricada de alumínio. No Brasil, vai de 4 a 4,5 toneladas de CO² para uma de metal fabricada. Na refinaria, a diferença é mais expressiva: 4,6 vezes menor que a média global - 0,6 tonelada contra 2,7 toneladas de CO². Temos smelters operando entre os menos intensivos do mundo. E há novas tecnologias, disruptivas, em implantação.
A Abal tem metas para 2030 na descarbonização?
Estamos, com as discussões da regulamentação do mercado de carbono, estabelecendo planos setoriais. Vamos contratar um estudo para mapear toda a cadeia de produção - desde a mineração até a etapa de reciclagem. A partir desse estudo teremos um cenário mais preciso para definir critérios. Individualmente, as empresas têm suas próprias metas. Provavelmente, faremos essa contratação no próximo ano. Um dos pontos chaves é a etapa de reciclagem.
Mas não pode dizer que todo metal reciclado tem a mesma pegada de carbono?
Sim, o metal reciclado representa 95% a menos da energia consumida para fazer o alumínio primário e menos 5 toneladas de bauxita extraídas na mineração. Os desafios que temos são justamente fomentar o uso do alumínio no setor automotivo brasileiro e ter capacidade de atender as necessidades internas e exportar. Mas o que vemos em relação a carros elétricos? Zero produção no País. Só importação de carro montado, que vem de um país onde 70% da energia é térmica fóssil. Gera um passivo para nós. Se não ficarmos atentos, serão criados outros problemas para acesso a outros mercados. Para equilibrar a competitividade temos de garantir isonomia. Uma espécie de “CBAM ambiental”, ou uma sobretaxa quando não for equivalente ao produzido no Brasil.
O mecanismo da UE tem a ver também com isso?
O que aconteceu na União Europeia foi exatamente isso. Aí criaram uma série de requisitos levados para a indústria produzir lá, vinculadas à descarbonização. Isso gerou uma fuga de carbono, ou seja, as indústrias fugiram da Europa e foram montar fábricas em outras jurisdições onde não faziam esse tipo de exigência. E aí esses produtos estavam voltando para o mercado europeu. Foi criado como um mecanismo legítimo, para corrigir uma distorção, tentativa de reverter um processo de desindustrialização. No Brasil temos oportunidades de atender essas exigências e atender o mercado nacional e nos posicionar no exterior, atendendo mercados altamente exigentes. Porém, se não tivermos uma política que garanta isonomia, ficamos vulneráveis.
O governo brasileiro está aberto para impor esse tipo de regra, contra produtos que não atendam ao mesmo padrão?
Eu percebo uma abertura. Quando falávamos sobre CBAM, estávamos sozinhos levantando essa bandeira. Hoje, já existe uma percepção das distorções que foram causadas por esse tipo de barreira vinculada à questão de sustentabilidade. Enfim, o multilateralismo está vivendo um momento crítico.
O consumo de produtos de alumínio, no Brasil, parece que patina. Estamos vindo de dois anos de retração, 2022 e 2023.
Estamos vindo de um recuo modesto no ano passado, após o período atípico da pandemia, que impactou, obviamente, outros setores. Após isso, houve recuperação, com demanda recorde em 2021, superior a 10% de crescimento. A seguir vieram patamares de acomodação. Caso da construção civil, que viveu um boom. No primeiro semestre deste ano, alcançamos alta de dois dígitos (10,2%), puxada por eletricidade e construção civil. Tudo indica que em 2024 vamos reverter o baixo desempenho de outros anos. Estamos olhando nível de emprego, mercado de trabalho, investimentos em infraestrutura, indicadores de setores importantes, como o automotivo, e o nível de confiança.
Para onde o País tem menos competitividade para exportar?
Para a Ásia o País não é competitivo. Custo de logística ou porque lá se faz de uma forma tão mais barata que é difícil de competir. Depende muito da nossa pauta de exportações, voltadas aos mercados da Europa. Para o Japão, temos exportação de alumínio primário, mas, de forma geral, temos problemas de competitividade em relação a determinados custos.
O Brasil tem condições de voltar a ser um grande exportador de metal primário?
Hoje, de 80% a 90% da bauxita (minério de alumínio) extraída no Brasil fica aqui para internalização. Essa é uma diferença em relação a outras cadeias minerais. Somos exportador de um excedente, obviamente, de matéria-prima. Mas exportamos mais produto de maior valor agregado, como a alumina (matéria-prima intermediária do metal, obtida da bauxita). A retomada da produção de alumínio primário visa atendimento do nosso mercado consumidor. Mas, eventualmente, parte dessa produção pode ser destinada à exportação. Mas a aposta é fortalecer o mercado brasileiro.
Mas não existe limitações na utilização do alumínio reciclado em novos produtos?
O alumínio pode ser infinitamente reciclável e já representa cerca de metade do que o setor usa como matéria-prima, mas tem variação de utilização. Numa lata de alumínio, se consegue até 85%. Já uma roda para veículo ou automóvel, por questão de segurança, tem que ser fabricada com 100% de metal primário. E tem discussões importantes envolvendo rastreabilidade, incentivo fiscal...
O setor tem um programa de investimentos de R$ 30 bilhões até 2025, que vem desde 2021. Já tem definido o novo ciclo?
Certamente vamos ter um novo programa, que irá de 2026 a 2030. Provavelmente em ganhos de escala, tecnologias para descarbonização, para transição energética, expansão de minas... Há vários projetos no pipeline, áreas de mineração que dependem de licenciamento. Em novos smelters vai depender de condições do mercado. A retomada da Alumar (fábrica da Alcoa e South32, no Maranhão, paralisada em 2014) deve atingir a plena capacidade, elevando a produção total a 1,48 milhão de toneladas de metal primário. Temos de garantir, e esse é o nosso desafio, que haja demanda no País. Se não houver, completar com mercado internacional. Mas, o objetivo maior é atender o mercado brasileiro.
A reforma tributária atendeu às demandas do setor de alumínio? Qual foi a avaliação?
Qualquer iniciativa de reduzir burocracia, desonerar investimento e redução de carga, é positiva. Se considerar a carga média tributária do setor de alumínio, em torno de 30% a 35% e a estimativa de redução que era para 28%, há, obviamente, um ganho. Isso é suficiente pra garantir a falta de isonomia que existe em relação ao produto importado? Ainda não é. Temos produtos importados, no mesmo universo tarifário, que paga de 15% a 20% para entrar no País. É um conjunto de ações que precisa ser implementado: reforma tributária, fortalecimento dos mecanismos de defesa comercial, revisão da política comercial e a política tarifária.