Pente-fino em benefício é obrigação e não deve gerar grande economia, diz ex-secretário do Tesouro


Jeferson Bittencourt afirma que governo e sociedade deveriam debater critérios de acesso a benefícios como o BPC, bem como a vinculação desses pagamentos ao salário mínimo

Por Bianca Lima
Atualização:
Foto: Divulgação/ASA
Entrevista comJeferson BittencourtEx-secretário do Tesouro Nacional e head de macroeconomia da gestora ASA

BRASÍLIA – O ex-secretário do Tesouro Nacional e head de macroeconomia da gestora ASA, Jeferson Bittencourt, afirma que o pente-fino sinalizado pela equipe econômica nos cadastros de benefícios assistenciais e previdenciários é “uma obrigação da boa gestão dos recursos públicos” e não deve gerar grandes contenções de gastos.

“O cruzamento de dados, perícias e auditorias são partes muito importantes do processo de busca da eficiência, eficácia e efetividade do gasto. Em outras palavras, de respeito ao recurso público”, afirma Bittencourt ao Estadão. “Mas os grandes vetores de crescimento dessa despesa têm a ver com fatores estruturais ou com o desenho da política”, pondera.

O especialista em contas públicas dá ênfase a dois pontos específicos que vêm pressionando essas despesas: o restabelecimento da política de valorização real (acima da inflação) do salário mínimo, à qual esses benefícios são atrelados; e mudanças nos critérios de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), que é pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. “A redução mais efetiva de gastos dependeria de atacar aquilo que foi decisão política”, diz o economista.

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Como mostrou o Estadão, o pagamento de BPC, seguro-desemprego e abono salarial vai exigir um aumento de R$ 82,5 bilhões em despesas da União até 2028. O crescimento é em relação aos valores de 2024 e tem como base projeções do próprio governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as quais constam do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025.

A maior pressão fiscal vem do BPC, que terá um incremento de mais de R$ 50 bilhões em quatro anos. Nesse cenário, Bittencourt propõe um debate entre governo e sociedade sobre o desenho do benefício.

“É necessário haver uma discussão, por exemplo, sobre o fato de a idade de acesso ao BPC ser hoje exatamente a mesma de acesso à aposentadoria – no caso, 65 anos”, diz ele. “Faz sentido a regra de acesso a um benefício não contributivo (BPC) ser igual a de um benefício contributivo (aposentadoria)? Isso não desincentiva a contribuição previdenciária?”, questiona.

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A seguir, os principais trechos da entrevista.

Jeferson Bittencourt afirma que governo e sociedade deveriam debater critérios de acesso a benefícios como o BPC, bem como a vinculação desses pagamentos ao salário mínimo. Foto: Gabriela Biló/Estadão

O que está por trás desses movimentos de forte alta nos gastos com benefícios assistenciais e previdenciários, sobretudo do Benefício de Prestação Continuada (BPC)?

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Há fatores estruturais e conjunturais que afetam a quantidade de beneficiários e o valor dos benefícios pagos pelo BPC, além de tendências demográficas inexoráveis. Durante as discussões da reforma da Previdência se antevia, por exemplo, a possibilidade de que o endurecimento das regras para a obtenção de benefícios previdenciários (aposentadorias) poderia acabar levando a uma demanda maior por benefícios assistenciais (como o BPC), pois as pessoas procurariam formas alternativas de obter uma renda. Neste sentido, era necessário endurecer as regras para concessão de benefícios assistenciais, para que não houvesse desestímulo à contribuição para a Previdência. Contudo, acabou acontecendo o contrário.

Como assim?

Ainda que se tenha mantido a idade de acesso ao BPC, houve mudanças de critérios de acesso ao benefício e no rito de concessão, que ampliaram o público elegível ao programa e dispensaram avaliações individualizadas de condições sociais. Outro grande acelerador da despesa com BPC foi a retomada da política de valorização (do salário mínimo), que é um fator que faz crescer também o benefício previdenciário.

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Refinar os cadastros, como sinaliza a equipe econômica, teria potencial de uma economia considerável?

O cruzamento de dados, perícias e auditorias são partes muito importantes do processo de busca da eficiência, eficácia e efetividade do gasto – em outras palavras, de respeito ao recurso público. Mas os grandes vetores de crescimento do gasto têm a ver com fatores estruturais ou com o desenho da política. O envelhecimento da população, por exemplo, é uma macrotendência da demografia; não há como lutar contra.

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E em relação ao desenho da política?

O restabelecimento da política de valorização do salário mínimo e mudanças nos critérios de acesso foram decisões políticas que aceleraram os gastos. Neste cenário, não é de se esperar grandes contenções de despesas a partir de medidas que, na verdade, são uma obrigação da boa gestão dos recursos públicos.

Qual medida, então, o governo teria de adotar para obter um efeito mais expressivo nesses gastos, garantindo sustentabilidade no médio e longo prazos?

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A redução mais efetiva de gastos dependeria de atacar aquilo que foi decisão política. A macrotendência da quantidade de benefícios é de crescimento. Mas há que se discutir em que medida as regras de acesso aos benefícios assistenciais são compatíveis com os incentivos para que os trabalhadores busquem continuar contribuindo para a Previdência.

Isso envolveria mudar a regra de acesso ao BPC?

É necessário haver uma discussão, por exemplo, sobre o fato de a idade de acesso ao BPC ser hoje exatamente a mesma de acesso à aposentadoria. No caso, 65 anos. Faz sentido a regra de acesso a um benefício não contributivo (BPC) ser igual a de um benefício contributivo (aposentadoria)? Isso não desincentiva a contribuição previdenciária? Além disso, há um debate sobre a aplicabilidade da lógica da política de valorização do salário mínimo para benefícios previdenciários e assistenciais.

O sr. avalia que a política de valorização do mínimo não seria aplicável a esses benefícios?

A correção do salário mínimo pela inflação mais o PIB de dois anos atrás procura manter o poder de compra e dar um certo ganho de produtividade. Quase um quarto do crescimento real da despesa com o BPC nos últimos meses se deu pela política de valorização do salário mínimo. Faz sentido dar ganhos de produtividade para benefícios previdenciários e assistenciais? Estas discussões precisam ser feitas, porque o caminho para a contenção efetiva desta despesa é a revisão das decisões políticas.

BRASÍLIA – O ex-secretário do Tesouro Nacional e head de macroeconomia da gestora ASA, Jeferson Bittencourt, afirma que o pente-fino sinalizado pela equipe econômica nos cadastros de benefícios assistenciais e previdenciários é “uma obrigação da boa gestão dos recursos públicos” e não deve gerar grandes contenções de gastos.

“O cruzamento de dados, perícias e auditorias são partes muito importantes do processo de busca da eficiência, eficácia e efetividade do gasto. Em outras palavras, de respeito ao recurso público”, afirma Bittencourt ao Estadão. “Mas os grandes vetores de crescimento dessa despesa têm a ver com fatores estruturais ou com o desenho da política”, pondera.

O especialista em contas públicas dá ênfase a dois pontos específicos que vêm pressionando essas despesas: o restabelecimento da política de valorização real (acima da inflação) do salário mínimo, à qual esses benefícios são atrelados; e mudanças nos critérios de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), que é pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. “A redução mais efetiva de gastos dependeria de atacar aquilo que foi decisão política”, diz o economista.

Como mostrou o Estadão, o pagamento de BPC, seguro-desemprego e abono salarial vai exigir um aumento de R$ 82,5 bilhões em despesas da União até 2028. O crescimento é em relação aos valores de 2024 e tem como base projeções do próprio governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as quais constam do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025.

A maior pressão fiscal vem do BPC, que terá um incremento de mais de R$ 50 bilhões em quatro anos. Nesse cenário, Bittencourt propõe um debate entre governo e sociedade sobre o desenho do benefício.

“É necessário haver uma discussão, por exemplo, sobre o fato de a idade de acesso ao BPC ser hoje exatamente a mesma de acesso à aposentadoria – no caso, 65 anos”, diz ele. “Faz sentido a regra de acesso a um benefício não contributivo (BPC) ser igual a de um benefício contributivo (aposentadoria)? Isso não desincentiva a contribuição previdenciária?”, questiona.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Jeferson Bittencourt afirma que governo e sociedade deveriam debater critérios de acesso a benefícios como o BPC, bem como a vinculação desses pagamentos ao salário mínimo. Foto: Gabriela Biló/Estadão

O que está por trás desses movimentos de forte alta nos gastos com benefícios assistenciais e previdenciários, sobretudo do Benefício de Prestação Continuada (BPC)?

Há fatores estruturais e conjunturais que afetam a quantidade de beneficiários e o valor dos benefícios pagos pelo BPC, além de tendências demográficas inexoráveis. Durante as discussões da reforma da Previdência se antevia, por exemplo, a possibilidade de que o endurecimento das regras para a obtenção de benefícios previdenciários (aposentadorias) poderia acabar levando a uma demanda maior por benefícios assistenciais (como o BPC), pois as pessoas procurariam formas alternativas de obter uma renda. Neste sentido, era necessário endurecer as regras para concessão de benefícios assistenciais, para que não houvesse desestímulo à contribuição para a Previdência. Contudo, acabou acontecendo o contrário.

Como assim?

Ainda que se tenha mantido a idade de acesso ao BPC, houve mudanças de critérios de acesso ao benefício e no rito de concessão, que ampliaram o público elegível ao programa e dispensaram avaliações individualizadas de condições sociais. Outro grande acelerador da despesa com BPC foi a retomada da política de valorização (do salário mínimo), que é um fator que faz crescer também o benefício previdenciário.

Refinar os cadastros, como sinaliza a equipe econômica, teria potencial de uma economia considerável?

O cruzamento de dados, perícias e auditorias são partes muito importantes do processo de busca da eficiência, eficácia e efetividade do gasto – em outras palavras, de respeito ao recurso público. Mas os grandes vetores de crescimento do gasto têm a ver com fatores estruturais ou com o desenho da política. O envelhecimento da população, por exemplo, é uma macrotendência da demografia; não há como lutar contra.

E em relação ao desenho da política?

O restabelecimento da política de valorização do salário mínimo e mudanças nos critérios de acesso foram decisões políticas que aceleraram os gastos. Neste cenário, não é de se esperar grandes contenções de despesas a partir de medidas que, na verdade, são uma obrigação da boa gestão dos recursos públicos.

Qual medida, então, o governo teria de adotar para obter um efeito mais expressivo nesses gastos, garantindo sustentabilidade no médio e longo prazos?

A redução mais efetiva de gastos dependeria de atacar aquilo que foi decisão política. A macrotendência da quantidade de benefícios é de crescimento. Mas há que se discutir em que medida as regras de acesso aos benefícios assistenciais são compatíveis com os incentivos para que os trabalhadores busquem continuar contribuindo para a Previdência.

Isso envolveria mudar a regra de acesso ao BPC?

É necessário haver uma discussão, por exemplo, sobre o fato de a idade de acesso ao BPC ser hoje exatamente a mesma de acesso à aposentadoria. No caso, 65 anos. Faz sentido a regra de acesso a um benefício não contributivo (BPC) ser igual a de um benefício contributivo (aposentadoria)? Isso não desincentiva a contribuição previdenciária? Além disso, há um debate sobre a aplicabilidade da lógica da política de valorização do salário mínimo para benefícios previdenciários e assistenciais.

O sr. avalia que a política de valorização do mínimo não seria aplicável a esses benefícios?

A correção do salário mínimo pela inflação mais o PIB de dois anos atrás procura manter o poder de compra e dar um certo ganho de produtividade. Quase um quarto do crescimento real da despesa com o BPC nos últimos meses se deu pela política de valorização do salário mínimo. Faz sentido dar ganhos de produtividade para benefícios previdenciários e assistenciais? Estas discussões precisam ser feitas, porque o caminho para a contenção efetiva desta despesa é a revisão das decisões políticas.

BRASÍLIA – O ex-secretário do Tesouro Nacional e head de macroeconomia da gestora ASA, Jeferson Bittencourt, afirma que o pente-fino sinalizado pela equipe econômica nos cadastros de benefícios assistenciais e previdenciários é “uma obrigação da boa gestão dos recursos públicos” e não deve gerar grandes contenções de gastos.

“O cruzamento de dados, perícias e auditorias são partes muito importantes do processo de busca da eficiência, eficácia e efetividade do gasto. Em outras palavras, de respeito ao recurso público”, afirma Bittencourt ao Estadão. “Mas os grandes vetores de crescimento dessa despesa têm a ver com fatores estruturais ou com o desenho da política”, pondera.

O especialista em contas públicas dá ênfase a dois pontos específicos que vêm pressionando essas despesas: o restabelecimento da política de valorização real (acima da inflação) do salário mínimo, à qual esses benefícios são atrelados; e mudanças nos critérios de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), que é pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. “A redução mais efetiva de gastos dependeria de atacar aquilo que foi decisão política”, diz o economista.

Como mostrou o Estadão, o pagamento de BPC, seguro-desemprego e abono salarial vai exigir um aumento de R$ 82,5 bilhões em despesas da União até 2028. O crescimento é em relação aos valores de 2024 e tem como base projeções do próprio governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as quais constam do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025.

A maior pressão fiscal vem do BPC, que terá um incremento de mais de R$ 50 bilhões em quatro anos. Nesse cenário, Bittencourt propõe um debate entre governo e sociedade sobre o desenho do benefício.

“É necessário haver uma discussão, por exemplo, sobre o fato de a idade de acesso ao BPC ser hoje exatamente a mesma de acesso à aposentadoria – no caso, 65 anos”, diz ele. “Faz sentido a regra de acesso a um benefício não contributivo (BPC) ser igual a de um benefício contributivo (aposentadoria)? Isso não desincentiva a contribuição previdenciária?”, questiona.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Jeferson Bittencourt afirma que governo e sociedade deveriam debater critérios de acesso a benefícios como o BPC, bem como a vinculação desses pagamentos ao salário mínimo. Foto: Gabriela Biló/Estadão

O que está por trás desses movimentos de forte alta nos gastos com benefícios assistenciais e previdenciários, sobretudo do Benefício de Prestação Continuada (BPC)?

Há fatores estruturais e conjunturais que afetam a quantidade de beneficiários e o valor dos benefícios pagos pelo BPC, além de tendências demográficas inexoráveis. Durante as discussões da reforma da Previdência se antevia, por exemplo, a possibilidade de que o endurecimento das regras para a obtenção de benefícios previdenciários (aposentadorias) poderia acabar levando a uma demanda maior por benefícios assistenciais (como o BPC), pois as pessoas procurariam formas alternativas de obter uma renda. Neste sentido, era necessário endurecer as regras para concessão de benefícios assistenciais, para que não houvesse desestímulo à contribuição para a Previdência. Contudo, acabou acontecendo o contrário.

Como assim?

Ainda que se tenha mantido a idade de acesso ao BPC, houve mudanças de critérios de acesso ao benefício e no rito de concessão, que ampliaram o público elegível ao programa e dispensaram avaliações individualizadas de condições sociais. Outro grande acelerador da despesa com BPC foi a retomada da política de valorização (do salário mínimo), que é um fator que faz crescer também o benefício previdenciário.

Refinar os cadastros, como sinaliza a equipe econômica, teria potencial de uma economia considerável?

O cruzamento de dados, perícias e auditorias são partes muito importantes do processo de busca da eficiência, eficácia e efetividade do gasto – em outras palavras, de respeito ao recurso público. Mas os grandes vetores de crescimento do gasto têm a ver com fatores estruturais ou com o desenho da política. O envelhecimento da população, por exemplo, é uma macrotendência da demografia; não há como lutar contra.

E em relação ao desenho da política?

O restabelecimento da política de valorização do salário mínimo e mudanças nos critérios de acesso foram decisões políticas que aceleraram os gastos. Neste cenário, não é de se esperar grandes contenções de despesas a partir de medidas que, na verdade, são uma obrigação da boa gestão dos recursos públicos.

Qual medida, então, o governo teria de adotar para obter um efeito mais expressivo nesses gastos, garantindo sustentabilidade no médio e longo prazos?

A redução mais efetiva de gastos dependeria de atacar aquilo que foi decisão política. A macrotendência da quantidade de benefícios é de crescimento. Mas há que se discutir em que medida as regras de acesso aos benefícios assistenciais são compatíveis com os incentivos para que os trabalhadores busquem continuar contribuindo para a Previdência.

Isso envolveria mudar a regra de acesso ao BPC?

É necessário haver uma discussão, por exemplo, sobre o fato de a idade de acesso ao BPC ser hoje exatamente a mesma de acesso à aposentadoria. No caso, 65 anos. Faz sentido a regra de acesso a um benefício não contributivo (BPC) ser igual a de um benefício contributivo (aposentadoria)? Isso não desincentiva a contribuição previdenciária? Além disso, há um debate sobre a aplicabilidade da lógica da política de valorização do salário mínimo para benefícios previdenciários e assistenciais.

O sr. avalia que a política de valorização do mínimo não seria aplicável a esses benefícios?

A correção do salário mínimo pela inflação mais o PIB de dois anos atrás procura manter o poder de compra e dar um certo ganho de produtividade. Quase um quarto do crescimento real da despesa com o BPC nos últimos meses se deu pela política de valorização do salário mínimo. Faz sentido dar ganhos de produtividade para benefícios previdenciários e assistenciais? Estas discussões precisam ser feitas, porque o caminho para a contenção efetiva desta despesa é a revisão das decisões políticas.

BRASÍLIA – O ex-secretário do Tesouro Nacional e head de macroeconomia da gestora ASA, Jeferson Bittencourt, afirma que o pente-fino sinalizado pela equipe econômica nos cadastros de benefícios assistenciais e previdenciários é “uma obrigação da boa gestão dos recursos públicos” e não deve gerar grandes contenções de gastos.

“O cruzamento de dados, perícias e auditorias são partes muito importantes do processo de busca da eficiência, eficácia e efetividade do gasto. Em outras palavras, de respeito ao recurso público”, afirma Bittencourt ao Estadão. “Mas os grandes vetores de crescimento dessa despesa têm a ver com fatores estruturais ou com o desenho da política”, pondera.

O especialista em contas públicas dá ênfase a dois pontos específicos que vêm pressionando essas despesas: o restabelecimento da política de valorização real (acima da inflação) do salário mínimo, à qual esses benefícios são atrelados; e mudanças nos critérios de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), que é pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. “A redução mais efetiva de gastos dependeria de atacar aquilo que foi decisão política”, diz o economista.

Como mostrou o Estadão, o pagamento de BPC, seguro-desemprego e abono salarial vai exigir um aumento de R$ 82,5 bilhões em despesas da União até 2028. O crescimento é em relação aos valores de 2024 e tem como base projeções do próprio governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as quais constam do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025.

A maior pressão fiscal vem do BPC, que terá um incremento de mais de R$ 50 bilhões em quatro anos. Nesse cenário, Bittencourt propõe um debate entre governo e sociedade sobre o desenho do benefício.

“É necessário haver uma discussão, por exemplo, sobre o fato de a idade de acesso ao BPC ser hoje exatamente a mesma de acesso à aposentadoria – no caso, 65 anos”, diz ele. “Faz sentido a regra de acesso a um benefício não contributivo (BPC) ser igual a de um benefício contributivo (aposentadoria)? Isso não desincentiva a contribuição previdenciária?”, questiona.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Jeferson Bittencourt afirma que governo e sociedade deveriam debater critérios de acesso a benefícios como o BPC, bem como a vinculação desses pagamentos ao salário mínimo. Foto: Gabriela Biló/Estadão

O que está por trás desses movimentos de forte alta nos gastos com benefícios assistenciais e previdenciários, sobretudo do Benefício de Prestação Continuada (BPC)?

Há fatores estruturais e conjunturais que afetam a quantidade de beneficiários e o valor dos benefícios pagos pelo BPC, além de tendências demográficas inexoráveis. Durante as discussões da reforma da Previdência se antevia, por exemplo, a possibilidade de que o endurecimento das regras para a obtenção de benefícios previdenciários (aposentadorias) poderia acabar levando a uma demanda maior por benefícios assistenciais (como o BPC), pois as pessoas procurariam formas alternativas de obter uma renda. Neste sentido, era necessário endurecer as regras para concessão de benefícios assistenciais, para que não houvesse desestímulo à contribuição para a Previdência. Contudo, acabou acontecendo o contrário.

Como assim?

Ainda que se tenha mantido a idade de acesso ao BPC, houve mudanças de critérios de acesso ao benefício e no rito de concessão, que ampliaram o público elegível ao programa e dispensaram avaliações individualizadas de condições sociais. Outro grande acelerador da despesa com BPC foi a retomada da política de valorização (do salário mínimo), que é um fator que faz crescer também o benefício previdenciário.

Refinar os cadastros, como sinaliza a equipe econômica, teria potencial de uma economia considerável?

O cruzamento de dados, perícias e auditorias são partes muito importantes do processo de busca da eficiência, eficácia e efetividade do gasto – em outras palavras, de respeito ao recurso público. Mas os grandes vetores de crescimento do gasto têm a ver com fatores estruturais ou com o desenho da política. O envelhecimento da população, por exemplo, é uma macrotendência da demografia; não há como lutar contra.

E em relação ao desenho da política?

O restabelecimento da política de valorização do salário mínimo e mudanças nos critérios de acesso foram decisões políticas que aceleraram os gastos. Neste cenário, não é de se esperar grandes contenções de despesas a partir de medidas que, na verdade, são uma obrigação da boa gestão dos recursos públicos.

Qual medida, então, o governo teria de adotar para obter um efeito mais expressivo nesses gastos, garantindo sustentabilidade no médio e longo prazos?

A redução mais efetiva de gastos dependeria de atacar aquilo que foi decisão política. A macrotendência da quantidade de benefícios é de crescimento. Mas há que se discutir em que medida as regras de acesso aos benefícios assistenciais são compatíveis com os incentivos para que os trabalhadores busquem continuar contribuindo para a Previdência.

Isso envolveria mudar a regra de acesso ao BPC?

É necessário haver uma discussão, por exemplo, sobre o fato de a idade de acesso ao BPC ser hoje exatamente a mesma de acesso à aposentadoria. No caso, 65 anos. Faz sentido a regra de acesso a um benefício não contributivo (BPC) ser igual a de um benefício contributivo (aposentadoria)? Isso não desincentiva a contribuição previdenciária? Além disso, há um debate sobre a aplicabilidade da lógica da política de valorização do salário mínimo para benefícios previdenciários e assistenciais.

O sr. avalia que a política de valorização do mínimo não seria aplicável a esses benefícios?

A correção do salário mínimo pela inflação mais o PIB de dois anos atrás procura manter o poder de compra e dar um certo ganho de produtividade. Quase um quarto do crescimento real da despesa com o BPC nos últimos meses se deu pela política de valorização do salário mínimo. Faz sentido dar ganhos de produtividade para benefícios previdenciários e assistenciais? Estas discussões precisam ser feitas, porque o caminho para a contenção efetiva desta despesa é a revisão das decisões políticas.

BRASÍLIA – O ex-secretário do Tesouro Nacional e head de macroeconomia da gestora ASA, Jeferson Bittencourt, afirma que o pente-fino sinalizado pela equipe econômica nos cadastros de benefícios assistenciais e previdenciários é “uma obrigação da boa gestão dos recursos públicos” e não deve gerar grandes contenções de gastos.

“O cruzamento de dados, perícias e auditorias são partes muito importantes do processo de busca da eficiência, eficácia e efetividade do gasto. Em outras palavras, de respeito ao recurso público”, afirma Bittencourt ao Estadão. “Mas os grandes vetores de crescimento dessa despesa têm a ver com fatores estruturais ou com o desenho da política”, pondera.

O especialista em contas públicas dá ênfase a dois pontos específicos que vêm pressionando essas despesas: o restabelecimento da política de valorização real (acima da inflação) do salário mínimo, à qual esses benefícios são atrelados; e mudanças nos critérios de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), que é pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. “A redução mais efetiva de gastos dependeria de atacar aquilo que foi decisão política”, diz o economista.

Como mostrou o Estadão, o pagamento de BPC, seguro-desemprego e abono salarial vai exigir um aumento de R$ 82,5 bilhões em despesas da União até 2028. O crescimento é em relação aos valores de 2024 e tem como base projeções do próprio governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as quais constam do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025.

A maior pressão fiscal vem do BPC, que terá um incremento de mais de R$ 50 bilhões em quatro anos. Nesse cenário, Bittencourt propõe um debate entre governo e sociedade sobre o desenho do benefício.

“É necessário haver uma discussão, por exemplo, sobre o fato de a idade de acesso ao BPC ser hoje exatamente a mesma de acesso à aposentadoria – no caso, 65 anos”, diz ele. “Faz sentido a regra de acesso a um benefício não contributivo (BPC) ser igual a de um benefício contributivo (aposentadoria)? Isso não desincentiva a contribuição previdenciária?”, questiona.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Jeferson Bittencourt afirma que governo e sociedade deveriam debater critérios de acesso a benefícios como o BPC, bem como a vinculação desses pagamentos ao salário mínimo. Foto: Gabriela Biló/Estadão

O que está por trás desses movimentos de forte alta nos gastos com benefícios assistenciais e previdenciários, sobretudo do Benefício de Prestação Continuada (BPC)?

Há fatores estruturais e conjunturais que afetam a quantidade de beneficiários e o valor dos benefícios pagos pelo BPC, além de tendências demográficas inexoráveis. Durante as discussões da reforma da Previdência se antevia, por exemplo, a possibilidade de que o endurecimento das regras para a obtenção de benefícios previdenciários (aposentadorias) poderia acabar levando a uma demanda maior por benefícios assistenciais (como o BPC), pois as pessoas procurariam formas alternativas de obter uma renda. Neste sentido, era necessário endurecer as regras para concessão de benefícios assistenciais, para que não houvesse desestímulo à contribuição para a Previdência. Contudo, acabou acontecendo o contrário.

Como assim?

Ainda que se tenha mantido a idade de acesso ao BPC, houve mudanças de critérios de acesso ao benefício e no rito de concessão, que ampliaram o público elegível ao programa e dispensaram avaliações individualizadas de condições sociais. Outro grande acelerador da despesa com BPC foi a retomada da política de valorização (do salário mínimo), que é um fator que faz crescer também o benefício previdenciário.

Refinar os cadastros, como sinaliza a equipe econômica, teria potencial de uma economia considerável?

O cruzamento de dados, perícias e auditorias são partes muito importantes do processo de busca da eficiência, eficácia e efetividade do gasto – em outras palavras, de respeito ao recurso público. Mas os grandes vetores de crescimento do gasto têm a ver com fatores estruturais ou com o desenho da política. O envelhecimento da população, por exemplo, é uma macrotendência da demografia; não há como lutar contra.

E em relação ao desenho da política?

O restabelecimento da política de valorização do salário mínimo e mudanças nos critérios de acesso foram decisões políticas que aceleraram os gastos. Neste cenário, não é de se esperar grandes contenções de despesas a partir de medidas que, na verdade, são uma obrigação da boa gestão dos recursos públicos.

Qual medida, então, o governo teria de adotar para obter um efeito mais expressivo nesses gastos, garantindo sustentabilidade no médio e longo prazos?

A redução mais efetiva de gastos dependeria de atacar aquilo que foi decisão política. A macrotendência da quantidade de benefícios é de crescimento. Mas há que se discutir em que medida as regras de acesso aos benefícios assistenciais são compatíveis com os incentivos para que os trabalhadores busquem continuar contribuindo para a Previdência.

Isso envolveria mudar a regra de acesso ao BPC?

É necessário haver uma discussão, por exemplo, sobre o fato de a idade de acesso ao BPC ser hoje exatamente a mesma de acesso à aposentadoria. No caso, 65 anos. Faz sentido a regra de acesso a um benefício não contributivo (BPC) ser igual a de um benefício contributivo (aposentadoria)? Isso não desincentiva a contribuição previdenciária? Além disso, há um debate sobre a aplicabilidade da lógica da política de valorização do salário mínimo para benefícios previdenciários e assistenciais.

O sr. avalia que a política de valorização do mínimo não seria aplicável a esses benefícios?

A correção do salário mínimo pela inflação mais o PIB de dois anos atrás procura manter o poder de compra e dar um certo ganho de produtividade. Quase um quarto do crescimento real da despesa com o BPC nos últimos meses se deu pela política de valorização do salário mínimo. Faz sentido dar ganhos de produtividade para benefícios previdenciários e assistenciais? Estas discussões precisam ser feitas, porque o caminho para a contenção efetiva desta despesa é a revisão das decisões políticas.

Entrevista por Bianca Lima

Repórter especial do Estadão em Brasília, com experiência em macroeconomia, contas públicas e tributação. Foi repórter da GloboNews e do g1 e bolsista do International Center for Journalists (ICFJ), com sede em Washington. Tem MBA em economia e mercado financeiro pela B3. Vencedora dos prêmios CNH, Abecip, FNP e Estadão.

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