‘Juízes passam por cima de leis trabalhistas querendo fazer justiça social’, diz José Pastore


Sociólogo coordenou estudo que aponta custos bilionários para empresas com decisões da Justiça do Trabalho que ignoram mudanças explícitas da reforma trabalhista

Por Daniel Weterman
Atualização:
Foto:  ACSP
Entrevista comJosé PastoreProfessor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP

BRASÍLIA – O sociólogo José Pastore afirma que o problema do ativismo judicial na área trabalhista não está nas leis, mas no que ele chama de ideologia social dos juízes. “Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis”, diz o especialista em entrevista ao Estadão.

Pastore coordenou um estudo na Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) que mostra com casos concretos como o chamado “ativismo judicial” – quando um juiz toma uma decisão que não está prevista em lei ou até mesmo contraria a legislação – vem aumentando custos para as empresas, em um conjunto de ações geram prejuízos bilionários.

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“Toda vez que um juiz tira da cabeça dele uma interpretação, julga e condena uma empresa, ele provoca um prejuízo imediato e dá uma sinalização para todos os empresários. Quem estava seguindo a lei vai falar: ‘eu achei que estava certo, agora não vou expandir meu negócio’”, diz.

Pastore também avalia as políticas do governo Lula, dizendo que há propostas boas para o novo mundo do trabalho, como incluir motoristas e entregadores de aplicativos na Previdência Social, mas retrocesso em outras áreas, como a tentativa de forçar a sindicalização.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

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Como é possível identificar as causas para a insegurança jurídica envolvendo o ativismo judicial?

Toda vez que um juiz tira da cabeça dele uma interpretação, julga e condena uma empresa, ele provoca um prejuízo imediato e dá uma sinalização para todos os empresários. Quem estava seguindo a lei vai falar: “eu achei que estava certo, agora não vou expandir meu negócio”.

Os dez casos apontados no estudo, que incluem terceirização, banco de horas e negociado sobre o legislativo, são os imbróglios maiores na área trabalhista?

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Não são os maiores, é uma mescla de casos e grandezas. Tem um caso com aproximadamente 500 ações na Justiça do Trabalho, mas que repercute em milhares de ações na Justiça Federal. O Supremo Tribunal Federal, em uma decisão, achou que os aparelhos auditivos para regular ruído não são suficientes, mas isso contraria a lei existente e criou uma confusão nessa área. Vários sindicatos laborais começaram a entrar na Justiça do Trabalho para pedir adicional de insalubridade por causa do ruído. O Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais) e a Receita interpretaram a decisão do Supremo de uma maneira mais ampla e passaram a cobrar adicionais de insalubridade das empresas que têm uso do aparelho auditivo de forma retroativa desde o dia que eles começaram a usar o aparelho, e isso está sendo cobrado na Justiça Federal.

A insegurança jurídica não é um problema novo no Brasil. Está maior agora?

Aumentou bastante porque há uma oscilação muito grande na composição dos tribunais, à medida que vão se tornando mais ecléticos e os juízes, mais ideológicos. É um sinal dos tempos. O identitarismo está crescendo muito em todas as áreas. É a busca de mais diversidade, mais justiça social, e isso influenciou os juízes. Não é só uma questão de ideologia política; é uma ideologia social. Essa ideologia social está fazendo com que o Judiciário esteja se tornando muito imaginativo na hora de decidir.

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Por que os processos judiciais voltaram a crescer depois da queda que houve com a reforma trabalhista?

A reforma trabalhista buscou fortalecer a negociação entre as partes, achando que as partes sabem melhor que os juízes o que é bom para elas. Por exemplo: a reforma trabalhista permite que as partes reduzam o horário de almoço para 45 minutos ou para meia hora para o trabalhador sair mais cedo. Se o trabalhador acha que isso é bom para ele, ele negocia com a empresa, faz o acordo e está tudo certo. Mas os magistrados que estão acostumados à proteção legal em que a lei fala que são 60 minutos mínimos para o almoço e ainda estão presos nisso, porque acham que 60 minutos protegem o hipossuficiente de maneira mais adequada. Dentro dessa lógica do identitarismo, invalidam esse acordo que é feito legalmente entre empregados e empregadores com a participação dos sindicatos.

Não é só uma questão de ideologia política, é uma ideologia social. Essa ideologia social está fazendo com que o Judiciário esteja se tornando muito imaginativo na hora de decidir.

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O estudo coloca que o problema acontece mesmo quando a lei está clara. Como lidar com isso quando o problema não está na letra da lei, mas na cabeça do juiz?

Esse é o grande desafio. Para resolver isso, você vai precisar fazer leis cada vez mais detalhadas, mais específicas, dizendo: “olha, se as partes negociarem 30 minutos de almoço, você tem que respeitar”. A reforma trabalhista tem um artigo que diz isso, que os juízes não podem entrar na avaliação do conteúdo da negociação. Eles só podem ver se o formato, se a parte legal, foi respeitado. Mas essa regra está sendo questionada pelos próprios juízes em várias instâncias, eles não aceitaram.

O estudo defende uma regulação explícita da discricionariedade dos juízes nas decisões. Como fazer isso?

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Já está feito isso na reforma trabalhista, no artigo 611-A. Ali tem todos os itens que você pode negociar livremente entre empregado e empregador, com a participação do sindicato, e isso vale. Mas muitos juízes não aceitam, não concordam com essa reforma e não estão respeitando. O Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional da Justiça são os dois órgãos que podem regular isso. Por incrível que pareça, há decisões do STF que estão bem claras e que revogam as decisões da Justiça do Trabalho; e, mesmo assim, os juízes do trabalho continuam prolatando as mesmas sentenças.

Quais são os impactos para as empresas?

Uma consequência é o fato de amedrontar investidores e afastar investimentos. O primeiro impacto é na despesa que a empresa tem com a execução da sentença. Dependendo de quanto ela gasta nisso, ela vai tomar providências a respeito dos futuros investimentos. Quando isso é pesado demais, ela muda todos os planos de investimento. Se isso pesar realmente muito, ela migra de país. A empresa pode ir embora, mas os trabalhadores vão ficar aqui, e tudo aquilo que o juiz pretendeu fazer para proteger o trabalhador acabou fazendo o inverso, e prejudicou o trabalhador.

Então os trabalhadores podem ficar desprotegidos por conta do ativismo judicial?

E, às vezes, as famílias também. Temos o caso do home care (cuidado em domicílio). Quando os juízes anulam uma coisa que está prevista na reforma trabalhista, que é o banco de horas para compensar horas extras, as empresas incorporam essa sentença cara, têm de pagar tudo em hora extra e aumentam o preço do home care. Isso aumenta o preço para a família que arca com a despesa. Em um caso extremo, ela desiste do home care e põe o paciente em um hospital do SUS; então, a despesa passa para o erário público porque o juiz inventou que não pode respeitar o banco de horas.

O que precisa acontecer para a comprovação da renda ser cumprida na hora de conceder a justiça gratuita?

É outro caso em que as regras já existem. Até o Supremo já disse que, para conceder a justiça gratuita, você tem que respeitar a reforma trabalhista. A reforma diz que para quem ganha até 40% do teto da Previdência Social, o que dá aproximadamente R$ 3 mil, a justiça é gratuita, não precisa comprovar e o juiz já concede. Para quem ganha mais, ele tem que demonstrar e comprovar. A comprovação é fácil, mas os juízes não fazem isso mesmo quando o solicitante declara ter posses. Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis.

É preciso mudar alguma coisa no Congresso e na elaboração das leis trabalhistas?

Nos Estados Unidos, há uma regra no Parlamento que nenhum projeto de lei começa a tramitar sem passar por uma comissão de custo-benefício. Se o custo é maior que o benefício, a comissão não pode brecar o projeto, mas o parlamentar tem que discutir no plenário o que a comissão está apontando. A legislação brasileira de certa maneira já diz isso, que o juiz ao julgar precisa avaliar os impactos econômicos do julgamento dele. É preciso criar uma nova lei especificamente para a Justiça do Trabalho e dizer que o juiz precisa levar em conta os aspectos econômicos antes de tomar uma decisão.

Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis.

O ministro Flávio Dino propôs uma revisão da terceirização no Supremo Tribunal Federal falando que o Brasil pode virar uma ‘nação de pejotizados’. Como o sr. avalia?

A terceirização está muito clara. Você pode terceirizar qualquer atividade desde que proteja adequadamente o trabalhador terceirizado. A terceirização está crescendo, mas chega um vinicultor lá no Rio Grande do Sul, contrata mal, não respeita a lei da terceirização e vem Ministério do Trabalho, diz que aquilo é trabalho escravo e que a causa de tudo é a lei da terceirização, e não o empregador que contratou mal e desrespeitou a lei. No Tribunal Superior do Trabalho (TST), metade respeita a lei da terceirização e metade não respeita e isso dá uma dor de cabeça tremenda para a empresa porque nessa instância a decisão é final na área trabalhista. Para ir para o Supremo, precisa ter autorização do TST.

Como resolver a situação dos motoristas e entregadores de aplicativo?

A lei que o governo enviou ao Congresso tem uma parte boa e uma parte ruim. A parte boa é que ela requer uma filiação obrigatória à Previdência Social. Eu sei que os motoristas e os garotos que entregam pizza de motocicleta não querem saber de nada obrigatório. Aliás, ninguém gosta de nada obrigatório, mas no mundo inteiro filiação previdenciária é obrigatória. Se não filiar, vira uma bomba-relógio e mais tarde vai cair na assistência social do Estado. O Estado não pode permitir que essas pessoas gerem despesas por decisões voluntárias. A parte ruim é que a lei está obrigando todos a se filiarem a sindicatos. São mais ou menos 5 milhões de pessoas que trabalham em plataformas informalmente e para os sindicatos isso daria uma nota boa. Isso é inconstitucional porque o sindicato tem que nascer da vontade dos trabalhadores e é preciso consultar os caras se eles querem – e a maioria não quer.

Como o senhor avalia a política do governo Lula na área trabalhista?

Eles não estão fazendo muita coisa. Estão apenas anunciando coisas que vão fazer, vão mudar o Fundo de Garantia mas não conseguem, vão mudar o saque-aniversário mas também não conseguem. Tudo aquilo que depende de lei o governo sabe que não consegue porque o Congresso não é simpático a esse tipo de intervenção. Como o governo não consegue no Congresso, eles vão para o Judiciário. E isso pode aumentar o ativismo judicial porque querem fazer algumas coisas por portaria e decreto. Incluíram em um decreto que toda vez que o trabalhador apresentar sintoma de burnout, a empresa é responsável. Se fosse por lei, o Congresso não ia deixar passar. Também estão querendo remodelar todas as normas regulamentadoras de saúde e segurança por portaria e decreto.

Tudo aquilo que depende de lei o governo sabe que não consegue porque o Congresso não é simpático a esse tipo de intervenção. Como o governo não consegue no Congresso, eles vão para o Judiciário.

O governo sancionou a lei de igualdade salarial entre homens e mulheres. A regra tem efetividade?

Ano passado, quem ganhou o Prêmio Nobel foi uma especialista dessa área (Claudia Goldin). Ela que diz que discriminação existe, mas nem toda discriminação se reflete em diferença de salário ou, em outras palavras, nem toda diferença de salário significa discriminação. Muitas vezes a diferença de salário é pelo tamanho do estabelecimento da mesma empresa em locais diferentes. Por exemplo, a gerente de um banco da periferia da cidade e um gerente de uma agência da Faria Lima têm o mesmo cargo, mas a da periferia ganha menos porque só faz conta corrente e o da Faria Lima faz câmbio, exportação e muito mais. Os estudos estão bem consagrados. Diferença salarial existe, mas tem toda diferença é discriminação, e a nossa lei ignorou isso.

A lei da igualdade salarial pode aumentar o ativismo judicial?

Vai ser um maná de despesa. A multa é muito alta em um caso como esse vai. A lei é retroativa e a diferença vai ser paga com juros e correção monetária desde o primeiro dia. Os advogados inescrupulosos vão perceber logo isso. Os sindicatos vão poder participar da execução dessa lei, então é outra coisa que eles vão também gerar mercado para esses advogados. Levei tanta pesquisa para o Congresso, mas, por exemplo, os senadores que estavam com esses estudos não conseguiam falar porque tomavam uma vaia imensa das mulheres que estavam lá nas audiências e ouviam isto: se você votar contra, vou lá no seu colégio eleitoral e falar que você votou contra mulher. Eles foram emparedados.

E como considerar as desigualdades sociais do Brasil e a pessoa que vai ao Judiciário para requerer um direito ou uma vantagem porque precisa sobreviver?

Há muita desigualdade e discriminação no Brasil. É preciso ter uma sistemática de julgamento mais técnica. O perito tem que examinar com a seguinte equação: uma vez satisfeito a igualdade de todos os fatores, como o tamanho do estabelecimento é o mesmo, a jornada é a mesma e outras coisas, o que sobrou de diferença é discriminação. Tem muitos componentes que são culturais, por exemplo, a mulher paga uma penalidade muito alta devido à gravidez e isso começa a dar diferença de salário porque ela adequa horários para cuidar da criança enquanto o homem faz adicional noturno. A mulher é muito penalizada culturalmente, mas não tem nada a ver com preconceito, são questões culturais que levam a mulher a pagar um preço muito mais alto.

A informalidade, o envelhecimento da população e a situação da Previdência tendem a agravar os problemas da área trabalhista?

Agravam muito. Se o grande empresário, quando vê uma sentença voluntarista, fica com medo de contratar, imagina o pequeno empresário, vai ficar com muito mais medo. Os encargos sociais para o grande empresário são iguaizinhos aos do pequeno empresário: 102,43% sobre o salário. O grande empresário vende automóvel e imputa isso no preço do automóvel. O cara que vende sanduíche na porta do Morumbi não tem como imputar isso no sanduíche porque ele está sujeito à concorrência, tem vários outros vendendo sanduíche lá, e contrata o ajudante dele na informalidade. Já temos 40% da força de trabalho na informalidade, não contribuindo para a Previdência e que vai ser atendida pela assistência social. O déficit do INSS hoje é de quase R$ 400 bilhões por ano e só tende a aumentar. Esse cara fica doente, vai cair no SUS, vai precisar da assistência social para dar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), vai precisar dos benefícios da prefeitura para fazer o velório dele, não vai sobrar nada a família e a família vai cair na assistência social novamente.

BRASÍLIA – O sociólogo José Pastore afirma que o problema do ativismo judicial na área trabalhista não está nas leis, mas no que ele chama de ideologia social dos juízes. “Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis”, diz o especialista em entrevista ao Estadão.

Pastore coordenou um estudo na Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) que mostra com casos concretos como o chamado “ativismo judicial” – quando um juiz toma uma decisão que não está prevista em lei ou até mesmo contraria a legislação – vem aumentando custos para as empresas, em um conjunto de ações geram prejuízos bilionários.

“Toda vez que um juiz tira da cabeça dele uma interpretação, julga e condena uma empresa, ele provoca um prejuízo imediato e dá uma sinalização para todos os empresários. Quem estava seguindo a lei vai falar: ‘eu achei que estava certo, agora não vou expandir meu negócio’”, diz.

Pastore também avalia as políticas do governo Lula, dizendo que há propostas boas para o novo mundo do trabalho, como incluir motoristas e entregadores de aplicativos na Previdência Social, mas retrocesso em outras áreas, como a tentativa de forçar a sindicalização.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como é possível identificar as causas para a insegurança jurídica envolvendo o ativismo judicial?

Toda vez que um juiz tira da cabeça dele uma interpretação, julga e condena uma empresa, ele provoca um prejuízo imediato e dá uma sinalização para todos os empresários. Quem estava seguindo a lei vai falar: “eu achei que estava certo, agora não vou expandir meu negócio”.

Os dez casos apontados no estudo, que incluem terceirização, banco de horas e negociado sobre o legislativo, são os imbróglios maiores na área trabalhista?

Não são os maiores, é uma mescla de casos e grandezas. Tem um caso com aproximadamente 500 ações na Justiça do Trabalho, mas que repercute em milhares de ações na Justiça Federal. O Supremo Tribunal Federal, em uma decisão, achou que os aparelhos auditivos para regular ruído não são suficientes, mas isso contraria a lei existente e criou uma confusão nessa área. Vários sindicatos laborais começaram a entrar na Justiça do Trabalho para pedir adicional de insalubridade por causa do ruído. O Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais) e a Receita interpretaram a decisão do Supremo de uma maneira mais ampla e passaram a cobrar adicionais de insalubridade das empresas que têm uso do aparelho auditivo de forma retroativa desde o dia que eles começaram a usar o aparelho, e isso está sendo cobrado na Justiça Federal.

A insegurança jurídica não é um problema novo no Brasil. Está maior agora?

Aumentou bastante porque há uma oscilação muito grande na composição dos tribunais, à medida que vão se tornando mais ecléticos e os juízes, mais ideológicos. É um sinal dos tempos. O identitarismo está crescendo muito em todas as áreas. É a busca de mais diversidade, mais justiça social, e isso influenciou os juízes. Não é só uma questão de ideologia política; é uma ideologia social. Essa ideologia social está fazendo com que o Judiciário esteja se tornando muito imaginativo na hora de decidir.

Por que os processos judiciais voltaram a crescer depois da queda que houve com a reforma trabalhista?

A reforma trabalhista buscou fortalecer a negociação entre as partes, achando que as partes sabem melhor que os juízes o que é bom para elas. Por exemplo: a reforma trabalhista permite que as partes reduzam o horário de almoço para 45 minutos ou para meia hora para o trabalhador sair mais cedo. Se o trabalhador acha que isso é bom para ele, ele negocia com a empresa, faz o acordo e está tudo certo. Mas os magistrados que estão acostumados à proteção legal em que a lei fala que são 60 minutos mínimos para o almoço e ainda estão presos nisso, porque acham que 60 minutos protegem o hipossuficiente de maneira mais adequada. Dentro dessa lógica do identitarismo, invalidam esse acordo que é feito legalmente entre empregados e empregadores com a participação dos sindicatos.

Não é só uma questão de ideologia política, é uma ideologia social. Essa ideologia social está fazendo com que o Judiciário esteja se tornando muito imaginativo na hora de decidir.

O estudo coloca que o problema acontece mesmo quando a lei está clara. Como lidar com isso quando o problema não está na letra da lei, mas na cabeça do juiz?

Esse é o grande desafio. Para resolver isso, você vai precisar fazer leis cada vez mais detalhadas, mais específicas, dizendo: “olha, se as partes negociarem 30 minutos de almoço, você tem que respeitar”. A reforma trabalhista tem um artigo que diz isso, que os juízes não podem entrar na avaliação do conteúdo da negociação. Eles só podem ver se o formato, se a parte legal, foi respeitado. Mas essa regra está sendo questionada pelos próprios juízes em várias instâncias, eles não aceitaram.

O estudo defende uma regulação explícita da discricionariedade dos juízes nas decisões. Como fazer isso?

Já está feito isso na reforma trabalhista, no artigo 611-A. Ali tem todos os itens que você pode negociar livremente entre empregado e empregador, com a participação do sindicato, e isso vale. Mas muitos juízes não aceitam, não concordam com essa reforma e não estão respeitando. O Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional da Justiça são os dois órgãos que podem regular isso. Por incrível que pareça, há decisões do STF que estão bem claras e que revogam as decisões da Justiça do Trabalho; e, mesmo assim, os juízes do trabalho continuam prolatando as mesmas sentenças.

Quais são os impactos para as empresas?

Uma consequência é o fato de amedrontar investidores e afastar investimentos. O primeiro impacto é na despesa que a empresa tem com a execução da sentença. Dependendo de quanto ela gasta nisso, ela vai tomar providências a respeito dos futuros investimentos. Quando isso é pesado demais, ela muda todos os planos de investimento. Se isso pesar realmente muito, ela migra de país. A empresa pode ir embora, mas os trabalhadores vão ficar aqui, e tudo aquilo que o juiz pretendeu fazer para proteger o trabalhador acabou fazendo o inverso, e prejudicou o trabalhador.

Então os trabalhadores podem ficar desprotegidos por conta do ativismo judicial?

E, às vezes, as famílias também. Temos o caso do home care (cuidado em domicílio). Quando os juízes anulam uma coisa que está prevista na reforma trabalhista, que é o banco de horas para compensar horas extras, as empresas incorporam essa sentença cara, têm de pagar tudo em hora extra e aumentam o preço do home care. Isso aumenta o preço para a família que arca com a despesa. Em um caso extremo, ela desiste do home care e põe o paciente em um hospital do SUS; então, a despesa passa para o erário público porque o juiz inventou que não pode respeitar o banco de horas.

O que precisa acontecer para a comprovação da renda ser cumprida na hora de conceder a justiça gratuita?

É outro caso em que as regras já existem. Até o Supremo já disse que, para conceder a justiça gratuita, você tem que respeitar a reforma trabalhista. A reforma diz que para quem ganha até 40% do teto da Previdência Social, o que dá aproximadamente R$ 3 mil, a justiça é gratuita, não precisa comprovar e o juiz já concede. Para quem ganha mais, ele tem que demonstrar e comprovar. A comprovação é fácil, mas os juízes não fazem isso mesmo quando o solicitante declara ter posses. Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis.

É preciso mudar alguma coisa no Congresso e na elaboração das leis trabalhistas?

Nos Estados Unidos, há uma regra no Parlamento que nenhum projeto de lei começa a tramitar sem passar por uma comissão de custo-benefício. Se o custo é maior que o benefício, a comissão não pode brecar o projeto, mas o parlamentar tem que discutir no plenário o que a comissão está apontando. A legislação brasileira de certa maneira já diz isso, que o juiz ao julgar precisa avaliar os impactos econômicos do julgamento dele. É preciso criar uma nova lei especificamente para a Justiça do Trabalho e dizer que o juiz precisa levar em conta os aspectos econômicos antes de tomar uma decisão.

Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis.

O ministro Flávio Dino propôs uma revisão da terceirização no Supremo Tribunal Federal falando que o Brasil pode virar uma ‘nação de pejotizados’. Como o sr. avalia?

A terceirização está muito clara. Você pode terceirizar qualquer atividade desde que proteja adequadamente o trabalhador terceirizado. A terceirização está crescendo, mas chega um vinicultor lá no Rio Grande do Sul, contrata mal, não respeita a lei da terceirização e vem Ministério do Trabalho, diz que aquilo é trabalho escravo e que a causa de tudo é a lei da terceirização, e não o empregador que contratou mal e desrespeitou a lei. No Tribunal Superior do Trabalho (TST), metade respeita a lei da terceirização e metade não respeita e isso dá uma dor de cabeça tremenda para a empresa porque nessa instância a decisão é final na área trabalhista. Para ir para o Supremo, precisa ter autorização do TST.

Como resolver a situação dos motoristas e entregadores de aplicativo?

A lei que o governo enviou ao Congresso tem uma parte boa e uma parte ruim. A parte boa é que ela requer uma filiação obrigatória à Previdência Social. Eu sei que os motoristas e os garotos que entregam pizza de motocicleta não querem saber de nada obrigatório. Aliás, ninguém gosta de nada obrigatório, mas no mundo inteiro filiação previdenciária é obrigatória. Se não filiar, vira uma bomba-relógio e mais tarde vai cair na assistência social do Estado. O Estado não pode permitir que essas pessoas gerem despesas por decisões voluntárias. A parte ruim é que a lei está obrigando todos a se filiarem a sindicatos. São mais ou menos 5 milhões de pessoas que trabalham em plataformas informalmente e para os sindicatos isso daria uma nota boa. Isso é inconstitucional porque o sindicato tem que nascer da vontade dos trabalhadores e é preciso consultar os caras se eles querem – e a maioria não quer.

Como o senhor avalia a política do governo Lula na área trabalhista?

Eles não estão fazendo muita coisa. Estão apenas anunciando coisas que vão fazer, vão mudar o Fundo de Garantia mas não conseguem, vão mudar o saque-aniversário mas também não conseguem. Tudo aquilo que depende de lei o governo sabe que não consegue porque o Congresso não é simpático a esse tipo de intervenção. Como o governo não consegue no Congresso, eles vão para o Judiciário. E isso pode aumentar o ativismo judicial porque querem fazer algumas coisas por portaria e decreto. Incluíram em um decreto que toda vez que o trabalhador apresentar sintoma de burnout, a empresa é responsável. Se fosse por lei, o Congresso não ia deixar passar. Também estão querendo remodelar todas as normas regulamentadoras de saúde e segurança por portaria e decreto.

Tudo aquilo que depende de lei o governo sabe que não consegue porque o Congresso não é simpático a esse tipo de intervenção. Como o governo não consegue no Congresso, eles vão para o Judiciário.

O governo sancionou a lei de igualdade salarial entre homens e mulheres. A regra tem efetividade?

Ano passado, quem ganhou o Prêmio Nobel foi uma especialista dessa área (Claudia Goldin). Ela que diz que discriminação existe, mas nem toda discriminação se reflete em diferença de salário ou, em outras palavras, nem toda diferença de salário significa discriminação. Muitas vezes a diferença de salário é pelo tamanho do estabelecimento da mesma empresa em locais diferentes. Por exemplo, a gerente de um banco da periferia da cidade e um gerente de uma agência da Faria Lima têm o mesmo cargo, mas a da periferia ganha menos porque só faz conta corrente e o da Faria Lima faz câmbio, exportação e muito mais. Os estudos estão bem consagrados. Diferença salarial existe, mas tem toda diferença é discriminação, e a nossa lei ignorou isso.

A lei da igualdade salarial pode aumentar o ativismo judicial?

Vai ser um maná de despesa. A multa é muito alta em um caso como esse vai. A lei é retroativa e a diferença vai ser paga com juros e correção monetária desde o primeiro dia. Os advogados inescrupulosos vão perceber logo isso. Os sindicatos vão poder participar da execução dessa lei, então é outra coisa que eles vão também gerar mercado para esses advogados. Levei tanta pesquisa para o Congresso, mas, por exemplo, os senadores que estavam com esses estudos não conseguiam falar porque tomavam uma vaia imensa das mulheres que estavam lá nas audiências e ouviam isto: se você votar contra, vou lá no seu colégio eleitoral e falar que você votou contra mulher. Eles foram emparedados.

E como considerar as desigualdades sociais do Brasil e a pessoa que vai ao Judiciário para requerer um direito ou uma vantagem porque precisa sobreviver?

Há muita desigualdade e discriminação no Brasil. É preciso ter uma sistemática de julgamento mais técnica. O perito tem que examinar com a seguinte equação: uma vez satisfeito a igualdade de todos os fatores, como o tamanho do estabelecimento é o mesmo, a jornada é a mesma e outras coisas, o que sobrou de diferença é discriminação. Tem muitos componentes que são culturais, por exemplo, a mulher paga uma penalidade muito alta devido à gravidez e isso começa a dar diferença de salário porque ela adequa horários para cuidar da criança enquanto o homem faz adicional noturno. A mulher é muito penalizada culturalmente, mas não tem nada a ver com preconceito, são questões culturais que levam a mulher a pagar um preço muito mais alto.

A informalidade, o envelhecimento da população e a situação da Previdência tendem a agravar os problemas da área trabalhista?

Agravam muito. Se o grande empresário, quando vê uma sentença voluntarista, fica com medo de contratar, imagina o pequeno empresário, vai ficar com muito mais medo. Os encargos sociais para o grande empresário são iguaizinhos aos do pequeno empresário: 102,43% sobre o salário. O grande empresário vende automóvel e imputa isso no preço do automóvel. O cara que vende sanduíche na porta do Morumbi não tem como imputar isso no sanduíche porque ele está sujeito à concorrência, tem vários outros vendendo sanduíche lá, e contrata o ajudante dele na informalidade. Já temos 40% da força de trabalho na informalidade, não contribuindo para a Previdência e que vai ser atendida pela assistência social. O déficit do INSS hoje é de quase R$ 400 bilhões por ano e só tende a aumentar. Esse cara fica doente, vai cair no SUS, vai precisar da assistência social para dar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), vai precisar dos benefícios da prefeitura para fazer o velório dele, não vai sobrar nada a família e a família vai cair na assistência social novamente.

BRASÍLIA – O sociólogo José Pastore afirma que o problema do ativismo judicial na área trabalhista não está nas leis, mas no que ele chama de ideologia social dos juízes. “Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis”, diz o especialista em entrevista ao Estadão.

Pastore coordenou um estudo na Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) que mostra com casos concretos como o chamado “ativismo judicial” – quando um juiz toma uma decisão que não está prevista em lei ou até mesmo contraria a legislação – vem aumentando custos para as empresas, em um conjunto de ações geram prejuízos bilionários.

“Toda vez que um juiz tira da cabeça dele uma interpretação, julga e condena uma empresa, ele provoca um prejuízo imediato e dá uma sinalização para todos os empresários. Quem estava seguindo a lei vai falar: ‘eu achei que estava certo, agora não vou expandir meu negócio’”, diz.

Pastore também avalia as políticas do governo Lula, dizendo que há propostas boas para o novo mundo do trabalho, como incluir motoristas e entregadores de aplicativos na Previdência Social, mas retrocesso em outras áreas, como a tentativa de forçar a sindicalização.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como é possível identificar as causas para a insegurança jurídica envolvendo o ativismo judicial?

Toda vez que um juiz tira da cabeça dele uma interpretação, julga e condena uma empresa, ele provoca um prejuízo imediato e dá uma sinalização para todos os empresários. Quem estava seguindo a lei vai falar: “eu achei que estava certo, agora não vou expandir meu negócio”.

Os dez casos apontados no estudo, que incluem terceirização, banco de horas e negociado sobre o legislativo, são os imbróglios maiores na área trabalhista?

Não são os maiores, é uma mescla de casos e grandezas. Tem um caso com aproximadamente 500 ações na Justiça do Trabalho, mas que repercute em milhares de ações na Justiça Federal. O Supremo Tribunal Federal, em uma decisão, achou que os aparelhos auditivos para regular ruído não são suficientes, mas isso contraria a lei existente e criou uma confusão nessa área. Vários sindicatos laborais começaram a entrar na Justiça do Trabalho para pedir adicional de insalubridade por causa do ruído. O Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais) e a Receita interpretaram a decisão do Supremo de uma maneira mais ampla e passaram a cobrar adicionais de insalubridade das empresas que têm uso do aparelho auditivo de forma retroativa desde o dia que eles começaram a usar o aparelho, e isso está sendo cobrado na Justiça Federal.

A insegurança jurídica não é um problema novo no Brasil. Está maior agora?

Aumentou bastante porque há uma oscilação muito grande na composição dos tribunais, à medida que vão se tornando mais ecléticos e os juízes, mais ideológicos. É um sinal dos tempos. O identitarismo está crescendo muito em todas as áreas. É a busca de mais diversidade, mais justiça social, e isso influenciou os juízes. Não é só uma questão de ideologia política; é uma ideologia social. Essa ideologia social está fazendo com que o Judiciário esteja se tornando muito imaginativo na hora de decidir.

Por que os processos judiciais voltaram a crescer depois da queda que houve com a reforma trabalhista?

A reforma trabalhista buscou fortalecer a negociação entre as partes, achando que as partes sabem melhor que os juízes o que é bom para elas. Por exemplo: a reforma trabalhista permite que as partes reduzam o horário de almoço para 45 minutos ou para meia hora para o trabalhador sair mais cedo. Se o trabalhador acha que isso é bom para ele, ele negocia com a empresa, faz o acordo e está tudo certo. Mas os magistrados que estão acostumados à proteção legal em que a lei fala que são 60 minutos mínimos para o almoço e ainda estão presos nisso, porque acham que 60 minutos protegem o hipossuficiente de maneira mais adequada. Dentro dessa lógica do identitarismo, invalidam esse acordo que é feito legalmente entre empregados e empregadores com a participação dos sindicatos.

Não é só uma questão de ideologia política, é uma ideologia social. Essa ideologia social está fazendo com que o Judiciário esteja se tornando muito imaginativo na hora de decidir.

O estudo coloca que o problema acontece mesmo quando a lei está clara. Como lidar com isso quando o problema não está na letra da lei, mas na cabeça do juiz?

Esse é o grande desafio. Para resolver isso, você vai precisar fazer leis cada vez mais detalhadas, mais específicas, dizendo: “olha, se as partes negociarem 30 minutos de almoço, você tem que respeitar”. A reforma trabalhista tem um artigo que diz isso, que os juízes não podem entrar na avaliação do conteúdo da negociação. Eles só podem ver se o formato, se a parte legal, foi respeitado. Mas essa regra está sendo questionada pelos próprios juízes em várias instâncias, eles não aceitaram.

O estudo defende uma regulação explícita da discricionariedade dos juízes nas decisões. Como fazer isso?

Já está feito isso na reforma trabalhista, no artigo 611-A. Ali tem todos os itens que você pode negociar livremente entre empregado e empregador, com a participação do sindicato, e isso vale. Mas muitos juízes não aceitam, não concordam com essa reforma e não estão respeitando. O Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional da Justiça são os dois órgãos que podem regular isso. Por incrível que pareça, há decisões do STF que estão bem claras e que revogam as decisões da Justiça do Trabalho; e, mesmo assim, os juízes do trabalho continuam prolatando as mesmas sentenças.

Quais são os impactos para as empresas?

Uma consequência é o fato de amedrontar investidores e afastar investimentos. O primeiro impacto é na despesa que a empresa tem com a execução da sentença. Dependendo de quanto ela gasta nisso, ela vai tomar providências a respeito dos futuros investimentos. Quando isso é pesado demais, ela muda todos os planos de investimento. Se isso pesar realmente muito, ela migra de país. A empresa pode ir embora, mas os trabalhadores vão ficar aqui, e tudo aquilo que o juiz pretendeu fazer para proteger o trabalhador acabou fazendo o inverso, e prejudicou o trabalhador.

Então os trabalhadores podem ficar desprotegidos por conta do ativismo judicial?

E, às vezes, as famílias também. Temos o caso do home care (cuidado em domicílio). Quando os juízes anulam uma coisa que está prevista na reforma trabalhista, que é o banco de horas para compensar horas extras, as empresas incorporam essa sentença cara, têm de pagar tudo em hora extra e aumentam o preço do home care. Isso aumenta o preço para a família que arca com a despesa. Em um caso extremo, ela desiste do home care e põe o paciente em um hospital do SUS; então, a despesa passa para o erário público porque o juiz inventou que não pode respeitar o banco de horas.

O que precisa acontecer para a comprovação da renda ser cumprida na hora de conceder a justiça gratuita?

É outro caso em que as regras já existem. Até o Supremo já disse que, para conceder a justiça gratuita, você tem que respeitar a reforma trabalhista. A reforma diz que para quem ganha até 40% do teto da Previdência Social, o que dá aproximadamente R$ 3 mil, a justiça é gratuita, não precisa comprovar e o juiz já concede. Para quem ganha mais, ele tem que demonstrar e comprovar. A comprovação é fácil, mas os juízes não fazem isso mesmo quando o solicitante declara ter posses. Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis.

É preciso mudar alguma coisa no Congresso e na elaboração das leis trabalhistas?

Nos Estados Unidos, há uma regra no Parlamento que nenhum projeto de lei começa a tramitar sem passar por uma comissão de custo-benefício. Se o custo é maior que o benefício, a comissão não pode brecar o projeto, mas o parlamentar tem que discutir no plenário o que a comissão está apontando. A legislação brasileira de certa maneira já diz isso, que o juiz ao julgar precisa avaliar os impactos econômicos do julgamento dele. É preciso criar uma nova lei especificamente para a Justiça do Trabalho e dizer que o juiz precisa levar em conta os aspectos econômicos antes de tomar uma decisão.

Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis.

O ministro Flávio Dino propôs uma revisão da terceirização no Supremo Tribunal Federal falando que o Brasil pode virar uma ‘nação de pejotizados’. Como o sr. avalia?

A terceirização está muito clara. Você pode terceirizar qualquer atividade desde que proteja adequadamente o trabalhador terceirizado. A terceirização está crescendo, mas chega um vinicultor lá no Rio Grande do Sul, contrata mal, não respeita a lei da terceirização e vem Ministério do Trabalho, diz que aquilo é trabalho escravo e que a causa de tudo é a lei da terceirização, e não o empregador que contratou mal e desrespeitou a lei. No Tribunal Superior do Trabalho (TST), metade respeita a lei da terceirização e metade não respeita e isso dá uma dor de cabeça tremenda para a empresa porque nessa instância a decisão é final na área trabalhista. Para ir para o Supremo, precisa ter autorização do TST.

Como resolver a situação dos motoristas e entregadores de aplicativo?

A lei que o governo enviou ao Congresso tem uma parte boa e uma parte ruim. A parte boa é que ela requer uma filiação obrigatória à Previdência Social. Eu sei que os motoristas e os garotos que entregam pizza de motocicleta não querem saber de nada obrigatório. Aliás, ninguém gosta de nada obrigatório, mas no mundo inteiro filiação previdenciária é obrigatória. Se não filiar, vira uma bomba-relógio e mais tarde vai cair na assistência social do Estado. O Estado não pode permitir que essas pessoas gerem despesas por decisões voluntárias. A parte ruim é que a lei está obrigando todos a se filiarem a sindicatos. São mais ou menos 5 milhões de pessoas que trabalham em plataformas informalmente e para os sindicatos isso daria uma nota boa. Isso é inconstitucional porque o sindicato tem que nascer da vontade dos trabalhadores e é preciso consultar os caras se eles querem – e a maioria não quer.

Como o senhor avalia a política do governo Lula na área trabalhista?

Eles não estão fazendo muita coisa. Estão apenas anunciando coisas que vão fazer, vão mudar o Fundo de Garantia mas não conseguem, vão mudar o saque-aniversário mas também não conseguem. Tudo aquilo que depende de lei o governo sabe que não consegue porque o Congresso não é simpático a esse tipo de intervenção. Como o governo não consegue no Congresso, eles vão para o Judiciário. E isso pode aumentar o ativismo judicial porque querem fazer algumas coisas por portaria e decreto. Incluíram em um decreto que toda vez que o trabalhador apresentar sintoma de burnout, a empresa é responsável. Se fosse por lei, o Congresso não ia deixar passar. Também estão querendo remodelar todas as normas regulamentadoras de saúde e segurança por portaria e decreto.

Tudo aquilo que depende de lei o governo sabe que não consegue porque o Congresso não é simpático a esse tipo de intervenção. Como o governo não consegue no Congresso, eles vão para o Judiciário.

O governo sancionou a lei de igualdade salarial entre homens e mulheres. A regra tem efetividade?

Ano passado, quem ganhou o Prêmio Nobel foi uma especialista dessa área (Claudia Goldin). Ela que diz que discriminação existe, mas nem toda discriminação se reflete em diferença de salário ou, em outras palavras, nem toda diferença de salário significa discriminação. Muitas vezes a diferença de salário é pelo tamanho do estabelecimento da mesma empresa em locais diferentes. Por exemplo, a gerente de um banco da periferia da cidade e um gerente de uma agência da Faria Lima têm o mesmo cargo, mas a da periferia ganha menos porque só faz conta corrente e o da Faria Lima faz câmbio, exportação e muito mais. Os estudos estão bem consagrados. Diferença salarial existe, mas tem toda diferença é discriminação, e a nossa lei ignorou isso.

A lei da igualdade salarial pode aumentar o ativismo judicial?

Vai ser um maná de despesa. A multa é muito alta em um caso como esse vai. A lei é retroativa e a diferença vai ser paga com juros e correção monetária desde o primeiro dia. Os advogados inescrupulosos vão perceber logo isso. Os sindicatos vão poder participar da execução dessa lei, então é outra coisa que eles vão também gerar mercado para esses advogados. Levei tanta pesquisa para o Congresso, mas, por exemplo, os senadores que estavam com esses estudos não conseguiam falar porque tomavam uma vaia imensa das mulheres que estavam lá nas audiências e ouviam isto: se você votar contra, vou lá no seu colégio eleitoral e falar que você votou contra mulher. Eles foram emparedados.

E como considerar as desigualdades sociais do Brasil e a pessoa que vai ao Judiciário para requerer um direito ou uma vantagem porque precisa sobreviver?

Há muita desigualdade e discriminação no Brasil. É preciso ter uma sistemática de julgamento mais técnica. O perito tem que examinar com a seguinte equação: uma vez satisfeito a igualdade de todos os fatores, como o tamanho do estabelecimento é o mesmo, a jornada é a mesma e outras coisas, o que sobrou de diferença é discriminação. Tem muitos componentes que são culturais, por exemplo, a mulher paga uma penalidade muito alta devido à gravidez e isso começa a dar diferença de salário porque ela adequa horários para cuidar da criança enquanto o homem faz adicional noturno. A mulher é muito penalizada culturalmente, mas não tem nada a ver com preconceito, são questões culturais que levam a mulher a pagar um preço muito mais alto.

A informalidade, o envelhecimento da população e a situação da Previdência tendem a agravar os problemas da área trabalhista?

Agravam muito. Se o grande empresário, quando vê uma sentença voluntarista, fica com medo de contratar, imagina o pequeno empresário, vai ficar com muito mais medo. Os encargos sociais para o grande empresário são iguaizinhos aos do pequeno empresário: 102,43% sobre o salário. O grande empresário vende automóvel e imputa isso no preço do automóvel. O cara que vende sanduíche na porta do Morumbi não tem como imputar isso no sanduíche porque ele está sujeito à concorrência, tem vários outros vendendo sanduíche lá, e contrata o ajudante dele na informalidade. Já temos 40% da força de trabalho na informalidade, não contribuindo para a Previdência e que vai ser atendida pela assistência social. O déficit do INSS hoje é de quase R$ 400 bilhões por ano e só tende a aumentar. Esse cara fica doente, vai cair no SUS, vai precisar da assistência social para dar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), vai precisar dos benefícios da prefeitura para fazer o velório dele, não vai sobrar nada a família e a família vai cair na assistência social novamente.

Entrevista por Daniel Weterman

Repórter do Estadão em Brasília (DF), com experiência em economia, política e investigação. Participou das coberturas que desvendaram o orçamento secreto, a emenda Pix, as irregularidades cometidas pelo ministro das Comunicações, Juscelino Filho, e o descontrole no orçamento do Ministério da Saúde. Vencedor dos prêmios IREE, Ielusc e Estadão.

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