O que o estrangeiro espera do Brasil? Política estável, BC autônomo e reformas, diz diretor do Citi


Responsável pela área global de gestão de grandes fortunas do banco, Lisandro Chanlatte avalia que o Brasil criou o ambiente certo para o investidor estrangeiro voltar a apostar no País

Por Aline Bronzati
Foto: Divulgação/Citi
Entrevista comLisandro ChanlatteDiretor de investimentos da área global de gestão de grandes fortunas do Citi

NOVA YORK - Embora seja uma realidade distante na esfera política, no front econômico, o Brasil criou o ambiente certo para o investidor estrangeiro voltar a apostar no País, diz o diretor de investimentos da área global de gestão de grandes fortunas do Citi, Lisandro Chanlatte.

O Banco Central seguiu atuando de forma independente, a meta da inflação não foi alterada e as reformas avançaram. Mas, em meio a um cenário global desafiador diante dos reflexos do aperto monetário global, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa entregar as promessas que fez para triunfar na disputa por capital estrangeiro, afirma o executivo.

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“O investidor está procurando por estabilidade política, independência do Banco Central e a capacidade de (o governo) entregar promessas. A retórica agora é como e quando o governo vai entregar o que prometeu”, afirma Chanlatte, baseado em Nova York, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast.

Área de gestão de grandes fortunas do Citi tem grande presença no Brasil, quinto maior mercado do banco Foto: Werther Santana/Estadão

Com US$ 746 bilhões em ativos ao redor do globo, a área de gestão de grandes fortunas do Citi tem grande presença no Brasil, quinto maior mercado do banco. Depois de ter vendido sua operação de varejo ao Itaú Unibanco, o americano reforçou os seus negócios de atacado no País e segue com apetite para crescer sob a expectativa de se beneficiar de um ambiente macroeconômico mais favorável. “Vamos continuar expandindo os nossos negócios no País. Somos grandes fãs das oportunidades que existem”, diz o diretor do Citi.

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Abaixo, a íntegra da entrevista:

Depois de a S&P ter melhorado a sua visão, a Fitch elevou o rating do Brasil na semana passada. O País tem condições de recuperar o grau de investimento?

Há um alinhamento geral de que um Banco Central independente fazendo a coisa certa em uma situação muito caótica, como a que tivemos nos últimos três anos, é pelo menos um dos múltiplos ingredientes necessários para melhorar as perspectivas de qualquer país. O Brasil tem taxas de crescimento projetadas decentes e se as reformas fiscais realmente permitirem que os gastos permaneçam intactos, essas são questões críticas para qualquer agência potencialmente dar ao Brasil uma perspectiva melhor daqui para frente.

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A América Latina iniciou o movimento de corte de juros com o Chile e é esperado que o próximo seja o Brasil, nesta semana. Qual a sua visão para a região, em especial para o Brasil?

O aumento de juros para combater a inflação na América Latina foi um dos mais agressivos que vimos. Os bancos centrais (da região) fizeram um trabalho muito bom e agora estão sendo os primeiros a cortar as taxas. Provavelmente, no caso do Brasil, tem alta probabilidade de ser agora. Com a inflação abaixo dos 4% pelo terceiro trimestre, a taxa Selic em 13,75% e os juros reais em 8%, 9%, o cenário é atrativo o suficiente e permite que o BC tenha alguma almofada para realizar o ciclo de afrouxamento monetário, sem causar outros impactos.

Organismos multilaterais têm alertado que a última milha contra o combate à elevada inflação é o mais difícil. É o momento certo de o Brasil começar a cortar as taxas?

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Parece ser o caminho certo a seguir, considerando o estágio da inflação e dos juros no País, e a rapidez com que a inflação respondeu ao aumento real das taxas. É importante ainda para que o Brasil realmente reinicie o seu ciclo de crescimento econômico, do contrário, torna-se um estrangulamento para a economia real. É necessário e provavelmente o momento é bom. O foco era a inflação. E a inflação passou de quase 12% para menos de 4%.

Qual a intensidade esperada para o corte de juros no Brasil?

Achamos que seguirá algo semelhante ao que vimos nos Estados Unidos, com cortes entre 0,25 e 0,50 ponto percentual e o BC monitorando se a inflação está se reduzindo ou há um impacto transitório. A grande questão é: você pode cortar as taxas em 0,50 ou 1 ponto percentual e, então, descobrir em outubro, novembro que a inflação voltou a subir. Os BCs não querem ser pegos em uma situação de ter de subir as taxas depois de tê-las reduzido porque não foram capazes de identificar o comportamento da inflação, que é onde os EUA estão agora.

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A queda dos juros no Brasil será suficiente para reduzir o atrito entre o BC e o governo?

Parece que tudo o que vimos e observamos é que o Banco Central continua a trabalhar de forma independente em suas metas de inflação, quer isso acabe se traduzindo em uma política governamental melhor ou não. Acho que ainda será visto, mas acho que eles estão fazendo a coisa certa, dados os níveis e a velocidade da inflação.

Como a manutenção das metas de inflação no Brasil impactam a visão do investidor estrangeiro?

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Quando os investidores olham para mercados emergentes para alocar capital, seja financeiro ou investimento estrangeiro direto, eles estão sempre procurando um banco central que esteja atuando, pelo menos com a percepção de independência, é claro, é mais importante quando eles são independentes. As ações do governo brasileiro e do Banco Central deram a muitos investidores estrangeiros uma armadura de tranquilidade. Estamos vendo o BC fazer as coisas que nós esperaríamos que eles fizessem, dado os fatores econômicos que estavam em jogo. Visibilidade com a expectativa futura é sempre uma coisa boa para o investidor.

O governo do presidente Lula quer reinserir o Brasil na pauta internacional. Na sua visão, o que ainda falta? O que é necessário para o Brasil se tornar um hub de investimento externo?

A maioria dos investidores estrangeiros quer ter um manual em que possam confiar no que se espera do ambiente político geral, que proporcione o clima de investimento certo para que se sintam à vontade para investir não apenas no curto, mas no longo prazo. As coisas estão funcionando muito bem para o Brasil hoje, os preços das commodities se estabilizaram em um nível elevado, o que obviamente ajuda na arrecadação de receitas para o País.

Alguns economistas veem a continuidade do superciclo de commodities à frente...

Muitas empresas brasileiras podem continuar lucrativas no atual nível de commodities. Isso é uma grande coisa, certo? A flexibilização da política monetária, ainda mantendo taxas reais muito atrativas, continua impulsionando o notório carry trade atual que muitos investidores observam quando estão obtendo spreads entre as atuais taxas e a inflação. Essa é sempre uma razão atraente para os investidores realmente irem para o Brasil.

A ida do estrangeiro para o País depende de uma queda maior da inflação?

Se a meta de inflação for alcançada, se for sustentável e se houver confiança que o nível de inflação permanecerá, isso vai tornar o Brasil também competitivo do ponto de vista financeiro. O Brasil se beneficiou como outros países como o México da interrupção mais ampla da cadeia de suprimentos. Se você substituir outros players que estiveram historicamente na Ásia para realmente participar dessa nova revolução de substituição da cadeia de suprimentos, considerando a força dos preços das commodities, a flexibilização da política monetária, o controle da inflação e, por último, a situação da cadeia de suprimentos global, acho que o Brasil criou, talvez, não do lado político, mas, do lado econômico, criou um ambiente para os investimentos estrangeiros voltarem.

E qual o desafio?

O maior desafio no Brasil provavelmente nem é o Brasil. Eu diria que é mais o fato de que os mercados financeiros globais permanecem muito apertados. Portanto, não há muito dinheiro circulando por aí. Então, acho que todo país em mercado emergente deve ter uma história melhor do que em uma época de bonança, onde todo mundo está cheio de dinheiro. No momento, os investidores têm uma quantidade limitada de capital e procuram onde podem obter um retorno ajustado ao risco razoável. O Brasil, as ações em particular, têm a base certa para atraí-los se nada mais sair do controle.

Qual a sua visão sobre o mercado acionário brasileiro?

As ações brasileiras têm preços atraentes. Provavelmente, estavam mais baratas há dois meses, quando começamos a falar sobre o Brasil está ‘overweight’ (que aponta um desempenho acima da média do mercado) nas carteiras globais. O mercado de ações brasileiro se recuperou bem, mas ainda está abaixo das médias históricas de longo prazo. O ponto de entrada é bastante atraente e oferece um colchão para outros fatores negativos.

Quais setores a área de gestão de grandes fortunas do Citi tem preferência?

Adotamos uma visão mais macro para o mercado de ações no Brasil. As ações brasileiras têm alta correlação. Quando as coisas realmente vão mal em qualquer mercado no Brasil, isso tende a se correlacionar, impactando as exportadoras de commodities que, de alguma forma, se reflete nos bancos e em outros setores. Portanto, não escolhemos setores no mercado brasileiro, nosso objetivo atual é uma chamada macro unificada.

Enquanto o Brasil está prestes a começar a cortar os juros, os EUA devem elevar novamente e o Citi vê mais uma alta neste ano. Qual o impacto para os mercados emergentes, em especial, o Brasil?

Acreditamos que o Fed ainda vai elevar os juros em 25 pontos-base até o fim do ano, mas é algo que não estamos particularmente confiantes de que acontecerá porque a inflação nos EUA realmente ficou abaixo do que esperavam. Até o fim do ano, teremos atingido o pico das taxas, o que fornecerá uma mensagem muito boa para os mercados emergentes, que não terão mais de competir com um dólar americano extremamente forte. Então, dado o diferencial de taxas entre o Brasil e os EUA, que historicamente tem sido muito maior, nossa visão é de que os juros estarão um pouco menores no fim de 2024, enfraquecendo o dólar frente à maioria das moedas. Com as taxas dos EUA caindo, mas no Brasil se reduzindo de um nível muito mais alto, o País deve permanecer muito atraente do ponto de vista de diferencial de risco e deve fornecer suporte para o mercados de ações, especialmente, se os preços das commodities permanecerem onde estão.

Há um consenso que o Brasil está no caminho certo, mas que precisa avançar nas reformas. O que o senhor espera do pipeline macroeconômico doméstico?

Do lado da reforma tributária, eu diria que o sistema tributário no Brasil é conhecido por ser um dos mais complexos do mundo, portanto, qualquer avanço provavelmente será uma coisa boa. Agora, o diabo está nos detalhes, você pode simplificar e piorar de outras maneiras. Mas, eu acho que uma melhoria no sistema tributário brasileiro é algo positivo para os investidores estrangeiros e para o fluxo de recursos no País.

E o que o investidor estrangeiro não quer ver no Brasil?

Eu diria que não só no Brasil, mas em qualquer mercado emergente, o investidor está procurando por estabilidade política, independência do banco central e a capacidade de (o governo) entregar promessas. A retórica agora é como e quando o governo vai entregar o que prometeu, quanto mais cedo isso se tornar mais visível e mais rápido fique visível um crescimento maior em uma economia que tem o ambiente certo, consumo e todos os aspectos positivos no País. Décima maior economia do mundo, o Brasil tem muitas boas oportunidades à frente, mas há trilhos e desvios.

NOVA YORK - Embora seja uma realidade distante na esfera política, no front econômico, o Brasil criou o ambiente certo para o investidor estrangeiro voltar a apostar no País, diz o diretor de investimentos da área global de gestão de grandes fortunas do Citi, Lisandro Chanlatte.

O Banco Central seguiu atuando de forma independente, a meta da inflação não foi alterada e as reformas avançaram. Mas, em meio a um cenário global desafiador diante dos reflexos do aperto monetário global, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa entregar as promessas que fez para triunfar na disputa por capital estrangeiro, afirma o executivo.

“O investidor está procurando por estabilidade política, independência do Banco Central e a capacidade de (o governo) entregar promessas. A retórica agora é como e quando o governo vai entregar o que prometeu”, afirma Chanlatte, baseado em Nova York, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast.

Área de gestão de grandes fortunas do Citi tem grande presença no Brasil, quinto maior mercado do banco Foto: Werther Santana/Estadão

Com US$ 746 bilhões em ativos ao redor do globo, a área de gestão de grandes fortunas do Citi tem grande presença no Brasil, quinto maior mercado do banco. Depois de ter vendido sua operação de varejo ao Itaú Unibanco, o americano reforçou os seus negócios de atacado no País e segue com apetite para crescer sob a expectativa de se beneficiar de um ambiente macroeconômico mais favorável. “Vamos continuar expandindo os nossos negócios no País. Somos grandes fãs das oportunidades que existem”, diz o diretor do Citi.

Abaixo, a íntegra da entrevista:

Depois de a S&P ter melhorado a sua visão, a Fitch elevou o rating do Brasil na semana passada. O País tem condições de recuperar o grau de investimento?

Há um alinhamento geral de que um Banco Central independente fazendo a coisa certa em uma situação muito caótica, como a que tivemos nos últimos três anos, é pelo menos um dos múltiplos ingredientes necessários para melhorar as perspectivas de qualquer país. O Brasil tem taxas de crescimento projetadas decentes e se as reformas fiscais realmente permitirem que os gastos permaneçam intactos, essas são questões críticas para qualquer agência potencialmente dar ao Brasil uma perspectiva melhor daqui para frente.

A América Latina iniciou o movimento de corte de juros com o Chile e é esperado que o próximo seja o Brasil, nesta semana. Qual a sua visão para a região, em especial para o Brasil?

O aumento de juros para combater a inflação na América Latina foi um dos mais agressivos que vimos. Os bancos centrais (da região) fizeram um trabalho muito bom e agora estão sendo os primeiros a cortar as taxas. Provavelmente, no caso do Brasil, tem alta probabilidade de ser agora. Com a inflação abaixo dos 4% pelo terceiro trimestre, a taxa Selic em 13,75% e os juros reais em 8%, 9%, o cenário é atrativo o suficiente e permite que o BC tenha alguma almofada para realizar o ciclo de afrouxamento monetário, sem causar outros impactos.

Organismos multilaterais têm alertado que a última milha contra o combate à elevada inflação é o mais difícil. É o momento certo de o Brasil começar a cortar as taxas?

Parece ser o caminho certo a seguir, considerando o estágio da inflação e dos juros no País, e a rapidez com que a inflação respondeu ao aumento real das taxas. É importante ainda para que o Brasil realmente reinicie o seu ciclo de crescimento econômico, do contrário, torna-se um estrangulamento para a economia real. É necessário e provavelmente o momento é bom. O foco era a inflação. E a inflação passou de quase 12% para menos de 4%.

Qual a intensidade esperada para o corte de juros no Brasil?

Achamos que seguirá algo semelhante ao que vimos nos Estados Unidos, com cortes entre 0,25 e 0,50 ponto percentual e o BC monitorando se a inflação está se reduzindo ou há um impacto transitório. A grande questão é: você pode cortar as taxas em 0,50 ou 1 ponto percentual e, então, descobrir em outubro, novembro que a inflação voltou a subir. Os BCs não querem ser pegos em uma situação de ter de subir as taxas depois de tê-las reduzido porque não foram capazes de identificar o comportamento da inflação, que é onde os EUA estão agora.

A queda dos juros no Brasil será suficiente para reduzir o atrito entre o BC e o governo?

Parece que tudo o que vimos e observamos é que o Banco Central continua a trabalhar de forma independente em suas metas de inflação, quer isso acabe se traduzindo em uma política governamental melhor ou não. Acho que ainda será visto, mas acho que eles estão fazendo a coisa certa, dados os níveis e a velocidade da inflação.

Como a manutenção das metas de inflação no Brasil impactam a visão do investidor estrangeiro?

Quando os investidores olham para mercados emergentes para alocar capital, seja financeiro ou investimento estrangeiro direto, eles estão sempre procurando um banco central que esteja atuando, pelo menos com a percepção de independência, é claro, é mais importante quando eles são independentes. As ações do governo brasileiro e do Banco Central deram a muitos investidores estrangeiros uma armadura de tranquilidade. Estamos vendo o BC fazer as coisas que nós esperaríamos que eles fizessem, dado os fatores econômicos que estavam em jogo. Visibilidade com a expectativa futura é sempre uma coisa boa para o investidor.

O governo do presidente Lula quer reinserir o Brasil na pauta internacional. Na sua visão, o que ainda falta? O que é necessário para o Brasil se tornar um hub de investimento externo?

A maioria dos investidores estrangeiros quer ter um manual em que possam confiar no que se espera do ambiente político geral, que proporcione o clima de investimento certo para que se sintam à vontade para investir não apenas no curto, mas no longo prazo. As coisas estão funcionando muito bem para o Brasil hoje, os preços das commodities se estabilizaram em um nível elevado, o que obviamente ajuda na arrecadação de receitas para o País.

Alguns economistas veem a continuidade do superciclo de commodities à frente...

Muitas empresas brasileiras podem continuar lucrativas no atual nível de commodities. Isso é uma grande coisa, certo? A flexibilização da política monetária, ainda mantendo taxas reais muito atrativas, continua impulsionando o notório carry trade atual que muitos investidores observam quando estão obtendo spreads entre as atuais taxas e a inflação. Essa é sempre uma razão atraente para os investidores realmente irem para o Brasil.

A ida do estrangeiro para o País depende de uma queda maior da inflação?

Se a meta de inflação for alcançada, se for sustentável e se houver confiança que o nível de inflação permanecerá, isso vai tornar o Brasil também competitivo do ponto de vista financeiro. O Brasil se beneficiou como outros países como o México da interrupção mais ampla da cadeia de suprimentos. Se você substituir outros players que estiveram historicamente na Ásia para realmente participar dessa nova revolução de substituição da cadeia de suprimentos, considerando a força dos preços das commodities, a flexibilização da política monetária, o controle da inflação e, por último, a situação da cadeia de suprimentos global, acho que o Brasil criou, talvez, não do lado político, mas, do lado econômico, criou um ambiente para os investimentos estrangeiros voltarem.

E qual o desafio?

O maior desafio no Brasil provavelmente nem é o Brasil. Eu diria que é mais o fato de que os mercados financeiros globais permanecem muito apertados. Portanto, não há muito dinheiro circulando por aí. Então, acho que todo país em mercado emergente deve ter uma história melhor do que em uma época de bonança, onde todo mundo está cheio de dinheiro. No momento, os investidores têm uma quantidade limitada de capital e procuram onde podem obter um retorno ajustado ao risco razoável. O Brasil, as ações em particular, têm a base certa para atraí-los se nada mais sair do controle.

Qual a sua visão sobre o mercado acionário brasileiro?

As ações brasileiras têm preços atraentes. Provavelmente, estavam mais baratas há dois meses, quando começamos a falar sobre o Brasil está ‘overweight’ (que aponta um desempenho acima da média do mercado) nas carteiras globais. O mercado de ações brasileiro se recuperou bem, mas ainda está abaixo das médias históricas de longo prazo. O ponto de entrada é bastante atraente e oferece um colchão para outros fatores negativos.

Quais setores a área de gestão de grandes fortunas do Citi tem preferência?

Adotamos uma visão mais macro para o mercado de ações no Brasil. As ações brasileiras têm alta correlação. Quando as coisas realmente vão mal em qualquer mercado no Brasil, isso tende a se correlacionar, impactando as exportadoras de commodities que, de alguma forma, se reflete nos bancos e em outros setores. Portanto, não escolhemos setores no mercado brasileiro, nosso objetivo atual é uma chamada macro unificada.

Enquanto o Brasil está prestes a começar a cortar os juros, os EUA devem elevar novamente e o Citi vê mais uma alta neste ano. Qual o impacto para os mercados emergentes, em especial, o Brasil?

Acreditamos que o Fed ainda vai elevar os juros em 25 pontos-base até o fim do ano, mas é algo que não estamos particularmente confiantes de que acontecerá porque a inflação nos EUA realmente ficou abaixo do que esperavam. Até o fim do ano, teremos atingido o pico das taxas, o que fornecerá uma mensagem muito boa para os mercados emergentes, que não terão mais de competir com um dólar americano extremamente forte. Então, dado o diferencial de taxas entre o Brasil e os EUA, que historicamente tem sido muito maior, nossa visão é de que os juros estarão um pouco menores no fim de 2024, enfraquecendo o dólar frente à maioria das moedas. Com as taxas dos EUA caindo, mas no Brasil se reduzindo de um nível muito mais alto, o País deve permanecer muito atraente do ponto de vista de diferencial de risco e deve fornecer suporte para o mercados de ações, especialmente, se os preços das commodities permanecerem onde estão.

Há um consenso que o Brasil está no caminho certo, mas que precisa avançar nas reformas. O que o senhor espera do pipeline macroeconômico doméstico?

Do lado da reforma tributária, eu diria que o sistema tributário no Brasil é conhecido por ser um dos mais complexos do mundo, portanto, qualquer avanço provavelmente será uma coisa boa. Agora, o diabo está nos detalhes, você pode simplificar e piorar de outras maneiras. Mas, eu acho que uma melhoria no sistema tributário brasileiro é algo positivo para os investidores estrangeiros e para o fluxo de recursos no País.

E o que o investidor estrangeiro não quer ver no Brasil?

Eu diria que não só no Brasil, mas em qualquer mercado emergente, o investidor está procurando por estabilidade política, independência do banco central e a capacidade de (o governo) entregar promessas. A retórica agora é como e quando o governo vai entregar o que prometeu, quanto mais cedo isso se tornar mais visível e mais rápido fique visível um crescimento maior em uma economia que tem o ambiente certo, consumo e todos os aspectos positivos no País. Décima maior economia do mundo, o Brasil tem muitas boas oportunidades à frente, mas há trilhos e desvios.

NOVA YORK - Embora seja uma realidade distante na esfera política, no front econômico, o Brasil criou o ambiente certo para o investidor estrangeiro voltar a apostar no País, diz o diretor de investimentos da área global de gestão de grandes fortunas do Citi, Lisandro Chanlatte.

O Banco Central seguiu atuando de forma independente, a meta da inflação não foi alterada e as reformas avançaram. Mas, em meio a um cenário global desafiador diante dos reflexos do aperto monetário global, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa entregar as promessas que fez para triunfar na disputa por capital estrangeiro, afirma o executivo.

“O investidor está procurando por estabilidade política, independência do Banco Central e a capacidade de (o governo) entregar promessas. A retórica agora é como e quando o governo vai entregar o que prometeu”, afirma Chanlatte, baseado em Nova York, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast.

Área de gestão de grandes fortunas do Citi tem grande presença no Brasil, quinto maior mercado do banco Foto: Werther Santana/Estadão

Com US$ 746 bilhões em ativos ao redor do globo, a área de gestão de grandes fortunas do Citi tem grande presença no Brasil, quinto maior mercado do banco. Depois de ter vendido sua operação de varejo ao Itaú Unibanco, o americano reforçou os seus negócios de atacado no País e segue com apetite para crescer sob a expectativa de se beneficiar de um ambiente macroeconômico mais favorável. “Vamos continuar expandindo os nossos negócios no País. Somos grandes fãs das oportunidades que existem”, diz o diretor do Citi.

Abaixo, a íntegra da entrevista:

Depois de a S&P ter melhorado a sua visão, a Fitch elevou o rating do Brasil na semana passada. O País tem condições de recuperar o grau de investimento?

Há um alinhamento geral de que um Banco Central independente fazendo a coisa certa em uma situação muito caótica, como a que tivemos nos últimos três anos, é pelo menos um dos múltiplos ingredientes necessários para melhorar as perspectivas de qualquer país. O Brasil tem taxas de crescimento projetadas decentes e se as reformas fiscais realmente permitirem que os gastos permaneçam intactos, essas são questões críticas para qualquer agência potencialmente dar ao Brasil uma perspectiva melhor daqui para frente.

A América Latina iniciou o movimento de corte de juros com o Chile e é esperado que o próximo seja o Brasil, nesta semana. Qual a sua visão para a região, em especial para o Brasil?

O aumento de juros para combater a inflação na América Latina foi um dos mais agressivos que vimos. Os bancos centrais (da região) fizeram um trabalho muito bom e agora estão sendo os primeiros a cortar as taxas. Provavelmente, no caso do Brasil, tem alta probabilidade de ser agora. Com a inflação abaixo dos 4% pelo terceiro trimestre, a taxa Selic em 13,75% e os juros reais em 8%, 9%, o cenário é atrativo o suficiente e permite que o BC tenha alguma almofada para realizar o ciclo de afrouxamento monetário, sem causar outros impactos.

Organismos multilaterais têm alertado que a última milha contra o combate à elevada inflação é o mais difícil. É o momento certo de o Brasil começar a cortar as taxas?

Parece ser o caminho certo a seguir, considerando o estágio da inflação e dos juros no País, e a rapidez com que a inflação respondeu ao aumento real das taxas. É importante ainda para que o Brasil realmente reinicie o seu ciclo de crescimento econômico, do contrário, torna-se um estrangulamento para a economia real. É necessário e provavelmente o momento é bom. O foco era a inflação. E a inflação passou de quase 12% para menos de 4%.

Qual a intensidade esperada para o corte de juros no Brasil?

Achamos que seguirá algo semelhante ao que vimos nos Estados Unidos, com cortes entre 0,25 e 0,50 ponto percentual e o BC monitorando se a inflação está se reduzindo ou há um impacto transitório. A grande questão é: você pode cortar as taxas em 0,50 ou 1 ponto percentual e, então, descobrir em outubro, novembro que a inflação voltou a subir. Os BCs não querem ser pegos em uma situação de ter de subir as taxas depois de tê-las reduzido porque não foram capazes de identificar o comportamento da inflação, que é onde os EUA estão agora.

A queda dos juros no Brasil será suficiente para reduzir o atrito entre o BC e o governo?

Parece que tudo o que vimos e observamos é que o Banco Central continua a trabalhar de forma independente em suas metas de inflação, quer isso acabe se traduzindo em uma política governamental melhor ou não. Acho que ainda será visto, mas acho que eles estão fazendo a coisa certa, dados os níveis e a velocidade da inflação.

Como a manutenção das metas de inflação no Brasil impactam a visão do investidor estrangeiro?

Quando os investidores olham para mercados emergentes para alocar capital, seja financeiro ou investimento estrangeiro direto, eles estão sempre procurando um banco central que esteja atuando, pelo menos com a percepção de independência, é claro, é mais importante quando eles são independentes. As ações do governo brasileiro e do Banco Central deram a muitos investidores estrangeiros uma armadura de tranquilidade. Estamos vendo o BC fazer as coisas que nós esperaríamos que eles fizessem, dado os fatores econômicos que estavam em jogo. Visibilidade com a expectativa futura é sempre uma coisa boa para o investidor.

O governo do presidente Lula quer reinserir o Brasil na pauta internacional. Na sua visão, o que ainda falta? O que é necessário para o Brasil se tornar um hub de investimento externo?

A maioria dos investidores estrangeiros quer ter um manual em que possam confiar no que se espera do ambiente político geral, que proporcione o clima de investimento certo para que se sintam à vontade para investir não apenas no curto, mas no longo prazo. As coisas estão funcionando muito bem para o Brasil hoje, os preços das commodities se estabilizaram em um nível elevado, o que obviamente ajuda na arrecadação de receitas para o País.

Alguns economistas veem a continuidade do superciclo de commodities à frente...

Muitas empresas brasileiras podem continuar lucrativas no atual nível de commodities. Isso é uma grande coisa, certo? A flexibilização da política monetária, ainda mantendo taxas reais muito atrativas, continua impulsionando o notório carry trade atual que muitos investidores observam quando estão obtendo spreads entre as atuais taxas e a inflação. Essa é sempre uma razão atraente para os investidores realmente irem para o Brasil.

A ida do estrangeiro para o País depende de uma queda maior da inflação?

Se a meta de inflação for alcançada, se for sustentável e se houver confiança que o nível de inflação permanecerá, isso vai tornar o Brasil também competitivo do ponto de vista financeiro. O Brasil se beneficiou como outros países como o México da interrupção mais ampla da cadeia de suprimentos. Se você substituir outros players que estiveram historicamente na Ásia para realmente participar dessa nova revolução de substituição da cadeia de suprimentos, considerando a força dos preços das commodities, a flexibilização da política monetária, o controle da inflação e, por último, a situação da cadeia de suprimentos global, acho que o Brasil criou, talvez, não do lado político, mas, do lado econômico, criou um ambiente para os investimentos estrangeiros voltarem.

E qual o desafio?

O maior desafio no Brasil provavelmente nem é o Brasil. Eu diria que é mais o fato de que os mercados financeiros globais permanecem muito apertados. Portanto, não há muito dinheiro circulando por aí. Então, acho que todo país em mercado emergente deve ter uma história melhor do que em uma época de bonança, onde todo mundo está cheio de dinheiro. No momento, os investidores têm uma quantidade limitada de capital e procuram onde podem obter um retorno ajustado ao risco razoável. O Brasil, as ações em particular, têm a base certa para atraí-los se nada mais sair do controle.

Qual a sua visão sobre o mercado acionário brasileiro?

As ações brasileiras têm preços atraentes. Provavelmente, estavam mais baratas há dois meses, quando começamos a falar sobre o Brasil está ‘overweight’ (que aponta um desempenho acima da média do mercado) nas carteiras globais. O mercado de ações brasileiro se recuperou bem, mas ainda está abaixo das médias históricas de longo prazo. O ponto de entrada é bastante atraente e oferece um colchão para outros fatores negativos.

Quais setores a área de gestão de grandes fortunas do Citi tem preferência?

Adotamos uma visão mais macro para o mercado de ações no Brasil. As ações brasileiras têm alta correlação. Quando as coisas realmente vão mal em qualquer mercado no Brasil, isso tende a se correlacionar, impactando as exportadoras de commodities que, de alguma forma, se reflete nos bancos e em outros setores. Portanto, não escolhemos setores no mercado brasileiro, nosso objetivo atual é uma chamada macro unificada.

Enquanto o Brasil está prestes a começar a cortar os juros, os EUA devem elevar novamente e o Citi vê mais uma alta neste ano. Qual o impacto para os mercados emergentes, em especial, o Brasil?

Acreditamos que o Fed ainda vai elevar os juros em 25 pontos-base até o fim do ano, mas é algo que não estamos particularmente confiantes de que acontecerá porque a inflação nos EUA realmente ficou abaixo do que esperavam. Até o fim do ano, teremos atingido o pico das taxas, o que fornecerá uma mensagem muito boa para os mercados emergentes, que não terão mais de competir com um dólar americano extremamente forte. Então, dado o diferencial de taxas entre o Brasil e os EUA, que historicamente tem sido muito maior, nossa visão é de que os juros estarão um pouco menores no fim de 2024, enfraquecendo o dólar frente à maioria das moedas. Com as taxas dos EUA caindo, mas no Brasil se reduzindo de um nível muito mais alto, o País deve permanecer muito atraente do ponto de vista de diferencial de risco e deve fornecer suporte para o mercados de ações, especialmente, se os preços das commodities permanecerem onde estão.

Há um consenso que o Brasil está no caminho certo, mas que precisa avançar nas reformas. O que o senhor espera do pipeline macroeconômico doméstico?

Do lado da reforma tributária, eu diria que o sistema tributário no Brasil é conhecido por ser um dos mais complexos do mundo, portanto, qualquer avanço provavelmente será uma coisa boa. Agora, o diabo está nos detalhes, você pode simplificar e piorar de outras maneiras. Mas, eu acho que uma melhoria no sistema tributário brasileiro é algo positivo para os investidores estrangeiros e para o fluxo de recursos no País.

E o que o investidor estrangeiro não quer ver no Brasil?

Eu diria que não só no Brasil, mas em qualquer mercado emergente, o investidor está procurando por estabilidade política, independência do banco central e a capacidade de (o governo) entregar promessas. A retórica agora é como e quando o governo vai entregar o que prometeu, quanto mais cedo isso se tornar mais visível e mais rápido fique visível um crescimento maior em uma economia que tem o ambiente certo, consumo e todos os aspectos positivos no País. Décima maior economia do mundo, o Brasil tem muitas boas oportunidades à frente, mas há trilhos e desvios.

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