BRASÍLIA – Pesquisador associado do Ibre/FGV, Armando Castelar endossa a avaliação de boa parte dos economistas de que o pacote de ajuste das contas públicas apresentado pelo governo decepcionou.
Em live promovida pelo Estadão, Castelar aponta que ainda há um espaço para a piora dos ativos brasileiros e a vida do Banco Central ficou mais difícil. Nesta quinta-feira, 27, o dólar chegou ao patamar de R$ 6 pela primeira vez.
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“O câmbio vai pressionar ainda mais os preço”, disse. “O desafio do Banco Central ficou mais complicado. O mercado está precificando uma Selic batendo em 14,5% até o final do ano que vem”.
Leia abaixo trechos da entrevista e reveja a live.
Avaliação do pacote
Havia uma cobrança grande sobre o governo de conter o aumento dos gastos. Os gastos têm crescido muito além da inflação, muito além da capacidade de crescimento do PIB. Havia uma visão de que era importante mudar algumas regras que fazem com que automaticamente tenha um aumento forte do gasto. Primeiro, para ajudar o Banco Central a conter a inflação e evitar ter que subir a taxa de juros para patamares altíssimos. E, segundo, porque o governo está com um déficit muito grande. Isso tem gerado uma dinâmica da dívida que é insustentável. Havia uma pressão grande para tentar conter isso, para que a dívida pare de crescer nesse ritmo tão forte e o gasto também – e que, portanto, você possa ter menos pressão sobre o Banco Central. A gente não viu isso. O que foi anunciado não atingiu nenhuma das duas metas.
Isenção de R$ 5 mil no IR
Tem duas rotas de preocupação. A primeira é: mesmo que aconteça tudo o que o governo planeja, a conta não fecha. A isenção vai custar cerca de R$ 50 bilhões ao ano e o que você vai conseguir arrecadar a mais (com a tributação dos mais ricos) é uma faixa de R$ 10 bilhões, R$ 20 bilhões. Mesmo que politicamente tudo funcione perfeitamente, teria dificuldade. A segunda coisa é que, quando você aumenta a carga em cima de determinados grupos, também aumenta informalidade. As pessoas não gostam de pagar imposto e elas vão procurar outros mecanismos. E há uma preocupação de que, como a carga tributária no Brasil é muito alta, medidas que aumentam a carga tributária, em geral, enfrentam resistência. Medidas de tributação de dividendos já foram tentadas em ocasiões anteriores sem sucesso. Não há nenhuma garantia de que vão conseguir passar agora.
Como fica o olhar do investidor
O que acontece é que o receio de que haja um calote da dívida aumenta, um receio de que se viva uma crise mais a frente. O que os preços estão dizendo é isso. Quando o dólar sobe e quando os juros sobre a dívida sobem, o que você está dizendo é que está mais arriscado ter ativos. O risco de ter ativos brasileiros está bem mais alto.
Cenário parecido do governo Dilma
É um risco. O que a gente viu foi bastante semelhante. As taxas de mercado subindo. Muita gente no governo atual tem a visão de que, talvez, aquele ajuste que a Dilma fez em 2015 teria sido contraproducente. Após a eleição (de 2014), a presidente Dilma fez um pacote fiscal, tentou segurar gastos, e o Banco Central subiu os juros. Eu me pergunto em que medida isso tem alguma influência. Eu acho que é uma leitura errada do que aconteceu, mas o paralelo é bastante válido, porque mexe na imaginação, mexe no que está sendo debatido e, obviamente, o paralelo de indicadores é bastante direto e claro.
Governo perdeu a janela de oportunidade?
Oportunidade sempre tem. O governo pode fazer o que se esperava que fosse feito agora – se vai ocorrer ou não é outra pergunta. A leitura que se faz do que aconteceu é que o governo acredita que tem tempo até as eleições de 2026 e que vai poder não adotar medidas impopulares. Pelo contrário, vai adotar medidas que aumentam o gasto, são populares, têm impacto eleitoral favorável ao presidente Lula numa eventual campanha de reeleição em 2026. A pergunta é se tem tempo mesmo.
Há essa visão de que o pacote compra tempo e tem tempo, de que não vai estourar uma crise mais séria antes das eleições. Obviamente, se isso não se revelar verdade, eu acho que o governo vai ter de fazer alguma coisa. O dólar pode andar mais, a bolsa pode cair mais
Piora dos ativos brasileiros
Se nada for feito, eu acho que sem dúvida (tem espaço para a piora dos ativos brasileiros). Não é só aqui. Tem um ambiente externo que não ajuda. Há bastante dúvida sobre que o Donald Trump vai fazer. O que surpreende é que tenha demorado tanto. A dinâmica da dívida já vinha ruim há bastante tempo, o déficit vem alto há bastante tempo. Na verdade, o que é surpreendente - e muito se debateu sobre isso ao longo deste ano - é porque demorou tanto tempo. Por que uma coisa que era evidentemente insustentável demorou tanto tempo para afetar os preços de uma maneira mais significativa? Só nos últimos meses é que a gente começou a ver essa escalada do dólar, por exemplo.
Como fica o Banco Central
O Banco Central vinha sinalizando nas atas das suas reuniões do Copom a importância do fiscal. Eu acho que o que foi anunciado não atende ao que o Banco Central vinha pedindo. A vida do Banco Central complica. Essa isenção do imposto de até R$ 5 mil estimula, bota mais renda numa camada da população que tem uma propensão a consumir bastante elevada. Reforça esse aumento da demanda que vem pressionando nos preços. Não custa lembrar que o IPCA-15 desta semana mostrou uma inflação em 12 meses de 4,77%, acima do teto de banda de 4,5%.
O câmbio vai pressionar ainda mais os preços. Muita gente já está prevendo uma inflação de 5% ou mais no ano que vem. O desafio do Banco Central ficou mais complicado. O mercado está precificando uma Selic batendo em 14,5% até o final do ano que vem. Politicamente é não trivial. É não trivial porque simbolicamente é ruim, é uma taxa muito grande, e o presidente da República tem batido muito na taxa Selic. É complicado porque, obviamente, o que o Banco Central precisa fazer para controlar a inflação é segurar a demanda e o que esse pacote fiscal sugere é que esse governo não quer segurar a demanda.