Pode haver espaço para corte de juros no Brasil a partir de agosto, diz diretor do Credit Suisse


Na avaliação do diretor de investimentos do banco suíço no País, fim do ciclo de alta dos juros nos EUA, taxa de câmbio estabilizada e novo arcabouço fiscal abrem caminho para o relaxamento monetário

Por Luiz Guilherme Gerbelli
Entrevista comLuciano PaivaDiretor de investimentos do Credit Suisse no Brasil

O diretor de investimentos (CIO) do Credit Suisse no Brasil, Luciano Paiva, acredita que há espaço para uma queda da taxa básica de juros a partir de agosto – oficialmente, o banco projeta que a Selic deve ficar estável em 13,75% ao longo de todo este ano.

“A combinação de juros parando de subir lá fora, taxa de câmbio estabilizada perto do R$ 5, e expectativa de inflação doméstica reagindo bem ao novo arcabouço fiscal abre espaço para cortes de juros em agosto, setembro”, diz Paiva.

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Na avaliação dele, é provável que a Selic caminhe para um patamar próximo a 10%, levando em conta o juro real de equilíbrio do País e a inflação “num lugar em que parece razoável”. Paiva também aponta uma “dissonância nas informações” com base nos dados oficiais da economia brasileira - que surpreenderam positivamente neste início de ano - e a percepção dos empresários.

“Me surpreende um pouco essa percepção um pouco mais qualitativa, de conversas de como as empresas estão lidando com crédito mais apertado versus os dados oficiais, que mostram a atividade um pouco mais forte. Em algum momento, tudo isso, talvez, convirja”, disse.

A seguir os principais pontos da entrevista concedida ao Estadão.

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Expectativas de inflação foram desenhadas com uma taxa de câmbio maior, diz Paiva Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

Qual foi a avaliação do último comunicado do Copom?

O comunicado foi duro no sentido de ainda manter textualmente que, se ele (Banco Central) precisar, pode subir os juros de novo. Era uma dúvida que a gente tinha, se iria suprimir isso ou se manteria. É verdade que o BC colocou que é um cenário pouco provável. Por outro lado, houve um gesto de entender que o arcabouço fiscal pode ajudar a ancorar as expectativas de inflação. O Copom fala que a reoneração de combustíveis, em conjunto com o arcabouço, pode ajudar a ter uma perspectiva de dívida/PIB para frente mais estável. É uma combinação que, eventualmente, traz as expectativas de inflação um pouco mais para baixo. Se isso acontecer, tem espaço para corte de juros, principalmente, se a taxa de câmbio continuar nos arredores de onde está hoje. A maior parte das expectativas de inflação foi desenhada com uma taxa de câmbio um pouquinho mais alta.

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E como avaliou a decisão do Fed? Os juros americanos devem parar de subir?

Fez aquilo que era esperado dele. O Fed não pode avisar que não vai mais subir os juros, tem muita coisa acontecendo lá fora. Mas parece que está, de fato, querendo interromper (o ciclo de aperto) com a alta de quarta-feira, sobretudo se os números de inflação não surpreenderem muito para cima olhando para frente. Tem um fator que ajuda muito nos Estados Unidos. Apesar de todo o susto, com a taxa de inflação batendo a máxima em 40 anos, as expectativas para dois, três, cinco anos adiante sempre continuaram bem ancoradas nos EUA. Nunca houve um descolamento muito grande em relação ao que é a meta do Fed.

Qual é o impacto dessa possível interrupção?

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Ajuda a ter uma referência global de juros mais bem comportados, estabilizados. E, para o nosso Banco Central, a combinação de juros parando de subir lá fora, taxa de câmbio estabilizada perto do R$ 5, e expectativa de inflação doméstica reagindo bem ao novo arcabouço fiscal abre espaço para cortes de juros em agosto, setembro.

Uma mudança na meta de inflação não pode piorar as expectativas?

Tem uma discussão grande se vai ou não haver alteração na meta. Eu acho que, quando se cogitou aumentar o centro da meta, talvez, tenha atrapalhado um pouco. Os agentes acabam colocando um prêmio em cima disso. A discussão mais recente é não alterar o centro, mas alterar a banda. Eu acho que é muito mais palatável. E a ideia de mudar o timing, em vez de ser ano calendário fechado, colocar um horizonte mais contínuo, é bem razoável. Se for uma alteração no sentido de só ampliar a banda e mudar um pouco o espectro temporal em que você analisa, eu acho que as expectativas ficam bem ancoradas e, eventualmente, até devolvendo algum susto de algumas semanas ou meses atrás quando se cogitou aumentar o centro.

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Qual é o espaço para uma eventual queda de juros?

Tem uma regrinha na minha cabeça que é juro real de equilíbrio do Brasil ao redor de 5%, 5,5%, alguma coisa parecida com isso, mais a inflação de equilíbrio, que também seja algo perto de 5%. Então, a gente está falando, numa conta bem arredondada, de 10%. E vão tendo os ciclos. Há momentos em que, por algum motivo, a inflação sobe um pouco mais, e o Banco Central vai trabalhar com um juro um pouco mais alto. Na hora que a atividade está mais fraca, o crédito mais apertado, talvez tenha espaço para cortar um pouco mais. Eu diria que faz sentido mirar para uma Selic que vai para alguma coisa como uns 10% ou 11% em algum momento.

Para diretor de investimentos do Credit Susisse, faz sentido mirar para uma Selic em 10% ou 11%  Foto: ALEX SILVA/ESTADAO
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É um cenário em que o Brasil vai ter sempre juro alto?

Vou voltar para a resposta anterior. Na conta atual, pensando no juro real de equilíbrio no Brasil e na inflação num lugar em que me parece razoável, é ao redor de 10%. Eventualmente, a gente teve algum momento em que a Selic foi para 9%, 8%, 7%. Mas, pensando, numa conjuntura mais ou menos normal, eu acho que o Brasil é um país onde a alocação em juros traz um retorno ajustado ao risco bastante boa.

O câmbio tem um papel importante nas expectativas de inflação. Como ele deve se comportar?

Talvez, a gente esteja muito perto do melhor momento de diferencial de juros do Brasil e dos Estados Unidos. Se o juro acabou de chegar no seu eventual pico nos Estados Unidos, e a gente vai começar a ter reduções de juros no Brasil, essa margem de juro maior do Brasil versus Estados Unidos, talvez, esteja muito perto de diminuir. Tem uma probabilidade de a gente ter uma queda do câmbio nas próximas semanas, mas eu acho que não vem muito abaixo de R$ 5. E, dependendo de quanto o juro cai no Brasil, antes de ter espaço para uma queda de um dos EUA, esse diferencial vai começando a ser contrário, e o dólar pode começar a subir um pouco.

Isso não muda o cenário em que o câmbio ajuda a inflação?

Estamos no comecinho de maio. Não acho que vai haver uma disparada do câmbio até junho. Acho que dá tempo para o câmbio ficar bem-comportado por semanas suficientes para as projeções de inflação serem beneficiadas.

Nessa conjuntura de mais curto prazo, o País pode ter uma inflação mais baixa e ver uma queda dos juros. O crescimento pode ser maior também?

Os números de atividades que saíram recentemente surpreenderam para cima, como os dados do varejo, do próprio IBC-Br, do Caged. Tudo isso está já alimentando uma certa possibilidade de aumento de previsão de PIB para 2023. Agora, é curioso. Têm uma certa dissonância nas informações. Na percepção de conversa com clientes, empresariado em geral, eles estão um pouco mais cético, não têm muito apetite por investimento na área produtiva.

O que ajuda a explicar esse sentimento?

O mercado de crédito passou por alguns problemas. Tem alguns nomes mais icônicos (que sofreram), mas a grande verdade é que, pelas estatísticas, os pedidos de recuperação judicial estão aumentando. Me surpreende um pouco essa percepção um pouco mais qualitativa, de conversas de como as empresas estão lidando com crédito mais apertado versus os dados oficiais, que mostram a atividade um pouco mais forte. Em algum momento, tudo isso, talvez, convirja. Mas se eu for falar só dos dados oficiais, de fato, tem uma atividade um pouquinho mais forte do que se imaginava. E se o juro cai, teoricamente, você está trazendo a possibilidade dessa atividade também se sustentar por um pouquinho mais de tempo.

O que falta para o empresário ter mais otimismo e investir?

De políticas governamentais à definição do novo arcabouço. As pessoas querem saber o que vai ser esse novo marco fiscal. O próprio juro. Com a inflação em 4,60% - muito provavelmente a leitura que vai ser divulgada na semana que vem já vem abaixo de 4,5% -, a gente está falando de um juro real de quase 10%. Isso retrai bastante o apetite do empresário. Ele olha as alternativas que tem e, se deixar o dinheiro parado no banco num investimento pós-fixado ou acompanhando a Selic e o CDI, o juro real é tão grande, com um risco tão baixo, que é um desestímulo muito grande colocar esse dinheiro no setor produtivo.

Tem a dúvida de quão pragmático o governo vai ser na economia?

Eu acho que o Haddad (ministro da Fazenda) tem se provado muito ponderado. Ele tenta ouvir diversas frentes. Ouve empresário, mercado financeiro, diferentes alas dentro do governo. Ele tem tentado ponderar as diversas opiniões e entregar para a sociedade o que é mais equilibrado entre essas opiniões. Obviamente, existem os interesses individuais que acabam falando, tem gente que tenta puxar para um lado, gente que tenta puxar para outro, tem de aprovar no Congresso, tem todas as bancadas com seus diferentes interesses. Mas eu diria que o Fernando Haddad, especificamente, está tentando fazer um projeto razoavelmente bem equilibrado. Você nunca vai agradar a gregos e troianos ao mesmo tempo, mas ele está tentando fazer um projeto bem equilibrado.

Haddad tem se provado muito ponderado, diz Paiva  Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

Em 2024, o cenário pode surpreender também?

A gente nunca vai deixar de ter alguma correlação com o que acontece lá fora. Na minha cabeça, o juro americano, embora - muito provavelmente - tenha parado de subir, deve ficar nesse patamar por um pouquinho mais de tempo. Tem uma certa ansiedade por um ciclo de corte de juros nos Estados Unidos, mas eu acho que demora um pouco mais para acontecer. Então, eventualmente, isso leva a uma desaceleração global um pouquinho maior em 2024. E aqui no Brasil, também é verdade. Se o juro começar a cair, digamos, em agosto ou setembro, o reflexo na atividade doméstica não é imediato. A gente deve começar o ano de 2024 com uma atividade mais fraca e, em cima disso, tem diversas incertezas. O novo marco fiscal é uma. A gente não sabe exatamente como vai ficar. Temos boas dicas, mas sabemos exatamente. Tem também a reforma tributária e outras eventuais reformas que tenham por vir.

O crescimento mais acelerado da China não pode ajudar a mitigar os efeitos da política de juros?

Quando a gente vai para a economia chinesa, eu vou pegar um pouco de carona no comentário do nosso economista de China. Ele comentou que, na verdade, os impactos do lockdown, da política de covid zero, nem foram tão fortes sobre o setor industrial. Óbvio, que diminuiu o crescimento, mas o maior impacto foi sobre o setor de serviços. E, se a gente olhar aqueles indicadores PMIs (índice de gerentes de compras), de fato, a gente vê que, depois que houve a liberalização, os PMIs de serviço foram os que aceleraram mais. A impressão que eu tenho é que, talvez, a China cresça um pouquinho mais do que a gente imaginava, mais por conta de uma volta do serviços do que do lado Industrial.

O diretor de investimentos (CIO) do Credit Suisse no Brasil, Luciano Paiva, acredita que há espaço para uma queda da taxa básica de juros a partir de agosto – oficialmente, o banco projeta que a Selic deve ficar estável em 13,75% ao longo de todo este ano.

“A combinação de juros parando de subir lá fora, taxa de câmbio estabilizada perto do R$ 5, e expectativa de inflação doméstica reagindo bem ao novo arcabouço fiscal abre espaço para cortes de juros em agosto, setembro”, diz Paiva.

Na avaliação dele, é provável que a Selic caminhe para um patamar próximo a 10%, levando em conta o juro real de equilíbrio do País e a inflação “num lugar em que parece razoável”. Paiva também aponta uma “dissonância nas informações” com base nos dados oficiais da economia brasileira - que surpreenderam positivamente neste início de ano - e a percepção dos empresários.

“Me surpreende um pouco essa percepção um pouco mais qualitativa, de conversas de como as empresas estão lidando com crédito mais apertado versus os dados oficiais, que mostram a atividade um pouco mais forte. Em algum momento, tudo isso, talvez, convirja”, disse.

A seguir os principais pontos da entrevista concedida ao Estadão.

Expectativas de inflação foram desenhadas com uma taxa de câmbio maior, diz Paiva Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

Qual foi a avaliação do último comunicado do Copom?

O comunicado foi duro no sentido de ainda manter textualmente que, se ele (Banco Central) precisar, pode subir os juros de novo. Era uma dúvida que a gente tinha, se iria suprimir isso ou se manteria. É verdade que o BC colocou que é um cenário pouco provável. Por outro lado, houve um gesto de entender que o arcabouço fiscal pode ajudar a ancorar as expectativas de inflação. O Copom fala que a reoneração de combustíveis, em conjunto com o arcabouço, pode ajudar a ter uma perspectiva de dívida/PIB para frente mais estável. É uma combinação que, eventualmente, traz as expectativas de inflação um pouco mais para baixo. Se isso acontecer, tem espaço para corte de juros, principalmente, se a taxa de câmbio continuar nos arredores de onde está hoje. A maior parte das expectativas de inflação foi desenhada com uma taxa de câmbio um pouquinho mais alta.

E como avaliou a decisão do Fed? Os juros americanos devem parar de subir?

Fez aquilo que era esperado dele. O Fed não pode avisar que não vai mais subir os juros, tem muita coisa acontecendo lá fora. Mas parece que está, de fato, querendo interromper (o ciclo de aperto) com a alta de quarta-feira, sobretudo se os números de inflação não surpreenderem muito para cima olhando para frente. Tem um fator que ajuda muito nos Estados Unidos. Apesar de todo o susto, com a taxa de inflação batendo a máxima em 40 anos, as expectativas para dois, três, cinco anos adiante sempre continuaram bem ancoradas nos EUA. Nunca houve um descolamento muito grande em relação ao que é a meta do Fed.

Qual é o impacto dessa possível interrupção?

Ajuda a ter uma referência global de juros mais bem comportados, estabilizados. E, para o nosso Banco Central, a combinação de juros parando de subir lá fora, taxa de câmbio estabilizada perto do R$ 5, e expectativa de inflação doméstica reagindo bem ao novo arcabouço fiscal abre espaço para cortes de juros em agosto, setembro.

Uma mudança na meta de inflação não pode piorar as expectativas?

Tem uma discussão grande se vai ou não haver alteração na meta. Eu acho que, quando se cogitou aumentar o centro da meta, talvez, tenha atrapalhado um pouco. Os agentes acabam colocando um prêmio em cima disso. A discussão mais recente é não alterar o centro, mas alterar a banda. Eu acho que é muito mais palatável. E a ideia de mudar o timing, em vez de ser ano calendário fechado, colocar um horizonte mais contínuo, é bem razoável. Se for uma alteração no sentido de só ampliar a banda e mudar um pouco o espectro temporal em que você analisa, eu acho que as expectativas ficam bem ancoradas e, eventualmente, até devolvendo algum susto de algumas semanas ou meses atrás quando se cogitou aumentar o centro.

Qual é o espaço para uma eventual queda de juros?

Tem uma regrinha na minha cabeça que é juro real de equilíbrio do Brasil ao redor de 5%, 5,5%, alguma coisa parecida com isso, mais a inflação de equilíbrio, que também seja algo perto de 5%. Então, a gente está falando, numa conta bem arredondada, de 10%. E vão tendo os ciclos. Há momentos em que, por algum motivo, a inflação sobe um pouco mais, e o Banco Central vai trabalhar com um juro um pouco mais alto. Na hora que a atividade está mais fraca, o crédito mais apertado, talvez tenha espaço para cortar um pouco mais. Eu diria que faz sentido mirar para uma Selic que vai para alguma coisa como uns 10% ou 11% em algum momento.

Para diretor de investimentos do Credit Susisse, faz sentido mirar para uma Selic em 10% ou 11%  Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

É um cenário em que o Brasil vai ter sempre juro alto?

Vou voltar para a resposta anterior. Na conta atual, pensando no juro real de equilíbrio no Brasil e na inflação num lugar em que me parece razoável, é ao redor de 10%. Eventualmente, a gente teve algum momento em que a Selic foi para 9%, 8%, 7%. Mas, pensando, numa conjuntura mais ou menos normal, eu acho que o Brasil é um país onde a alocação em juros traz um retorno ajustado ao risco bastante boa.

O câmbio tem um papel importante nas expectativas de inflação. Como ele deve se comportar?

Talvez, a gente esteja muito perto do melhor momento de diferencial de juros do Brasil e dos Estados Unidos. Se o juro acabou de chegar no seu eventual pico nos Estados Unidos, e a gente vai começar a ter reduções de juros no Brasil, essa margem de juro maior do Brasil versus Estados Unidos, talvez, esteja muito perto de diminuir. Tem uma probabilidade de a gente ter uma queda do câmbio nas próximas semanas, mas eu acho que não vem muito abaixo de R$ 5. E, dependendo de quanto o juro cai no Brasil, antes de ter espaço para uma queda de um dos EUA, esse diferencial vai começando a ser contrário, e o dólar pode começar a subir um pouco.

Isso não muda o cenário em que o câmbio ajuda a inflação?

Estamos no comecinho de maio. Não acho que vai haver uma disparada do câmbio até junho. Acho que dá tempo para o câmbio ficar bem-comportado por semanas suficientes para as projeções de inflação serem beneficiadas.

Nessa conjuntura de mais curto prazo, o País pode ter uma inflação mais baixa e ver uma queda dos juros. O crescimento pode ser maior também?

Os números de atividades que saíram recentemente surpreenderam para cima, como os dados do varejo, do próprio IBC-Br, do Caged. Tudo isso está já alimentando uma certa possibilidade de aumento de previsão de PIB para 2023. Agora, é curioso. Têm uma certa dissonância nas informações. Na percepção de conversa com clientes, empresariado em geral, eles estão um pouco mais cético, não têm muito apetite por investimento na área produtiva.

O que ajuda a explicar esse sentimento?

O mercado de crédito passou por alguns problemas. Tem alguns nomes mais icônicos (que sofreram), mas a grande verdade é que, pelas estatísticas, os pedidos de recuperação judicial estão aumentando. Me surpreende um pouco essa percepção um pouco mais qualitativa, de conversas de como as empresas estão lidando com crédito mais apertado versus os dados oficiais, que mostram a atividade um pouco mais forte. Em algum momento, tudo isso, talvez, convirja. Mas se eu for falar só dos dados oficiais, de fato, tem uma atividade um pouquinho mais forte do que se imaginava. E se o juro cai, teoricamente, você está trazendo a possibilidade dessa atividade também se sustentar por um pouquinho mais de tempo.

O que falta para o empresário ter mais otimismo e investir?

De políticas governamentais à definição do novo arcabouço. As pessoas querem saber o que vai ser esse novo marco fiscal. O próprio juro. Com a inflação em 4,60% - muito provavelmente a leitura que vai ser divulgada na semana que vem já vem abaixo de 4,5% -, a gente está falando de um juro real de quase 10%. Isso retrai bastante o apetite do empresário. Ele olha as alternativas que tem e, se deixar o dinheiro parado no banco num investimento pós-fixado ou acompanhando a Selic e o CDI, o juro real é tão grande, com um risco tão baixo, que é um desestímulo muito grande colocar esse dinheiro no setor produtivo.

Tem a dúvida de quão pragmático o governo vai ser na economia?

Eu acho que o Haddad (ministro da Fazenda) tem se provado muito ponderado. Ele tenta ouvir diversas frentes. Ouve empresário, mercado financeiro, diferentes alas dentro do governo. Ele tem tentado ponderar as diversas opiniões e entregar para a sociedade o que é mais equilibrado entre essas opiniões. Obviamente, existem os interesses individuais que acabam falando, tem gente que tenta puxar para um lado, gente que tenta puxar para outro, tem de aprovar no Congresso, tem todas as bancadas com seus diferentes interesses. Mas eu diria que o Fernando Haddad, especificamente, está tentando fazer um projeto razoavelmente bem equilibrado. Você nunca vai agradar a gregos e troianos ao mesmo tempo, mas ele está tentando fazer um projeto bem equilibrado.

Haddad tem se provado muito ponderado, diz Paiva  Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

Em 2024, o cenário pode surpreender também?

A gente nunca vai deixar de ter alguma correlação com o que acontece lá fora. Na minha cabeça, o juro americano, embora - muito provavelmente - tenha parado de subir, deve ficar nesse patamar por um pouquinho mais de tempo. Tem uma certa ansiedade por um ciclo de corte de juros nos Estados Unidos, mas eu acho que demora um pouco mais para acontecer. Então, eventualmente, isso leva a uma desaceleração global um pouquinho maior em 2024. E aqui no Brasil, também é verdade. Se o juro começar a cair, digamos, em agosto ou setembro, o reflexo na atividade doméstica não é imediato. A gente deve começar o ano de 2024 com uma atividade mais fraca e, em cima disso, tem diversas incertezas. O novo marco fiscal é uma. A gente não sabe exatamente como vai ficar. Temos boas dicas, mas sabemos exatamente. Tem também a reforma tributária e outras eventuais reformas que tenham por vir.

O crescimento mais acelerado da China não pode ajudar a mitigar os efeitos da política de juros?

Quando a gente vai para a economia chinesa, eu vou pegar um pouco de carona no comentário do nosso economista de China. Ele comentou que, na verdade, os impactos do lockdown, da política de covid zero, nem foram tão fortes sobre o setor industrial. Óbvio, que diminuiu o crescimento, mas o maior impacto foi sobre o setor de serviços. E, se a gente olhar aqueles indicadores PMIs (índice de gerentes de compras), de fato, a gente vê que, depois que houve a liberalização, os PMIs de serviço foram os que aceleraram mais. A impressão que eu tenho é que, talvez, a China cresça um pouquinho mais do que a gente imaginava, mais por conta de uma volta do serviços do que do lado Industrial.

O diretor de investimentos (CIO) do Credit Suisse no Brasil, Luciano Paiva, acredita que há espaço para uma queda da taxa básica de juros a partir de agosto – oficialmente, o banco projeta que a Selic deve ficar estável em 13,75% ao longo de todo este ano.

“A combinação de juros parando de subir lá fora, taxa de câmbio estabilizada perto do R$ 5, e expectativa de inflação doméstica reagindo bem ao novo arcabouço fiscal abre espaço para cortes de juros em agosto, setembro”, diz Paiva.

Na avaliação dele, é provável que a Selic caminhe para um patamar próximo a 10%, levando em conta o juro real de equilíbrio do País e a inflação “num lugar em que parece razoável”. Paiva também aponta uma “dissonância nas informações” com base nos dados oficiais da economia brasileira - que surpreenderam positivamente neste início de ano - e a percepção dos empresários.

“Me surpreende um pouco essa percepção um pouco mais qualitativa, de conversas de como as empresas estão lidando com crédito mais apertado versus os dados oficiais, que mostram a atividade um pouco mais forte. Em algum momento, tudo isso, talvez, convirja”, disse.

A seguir os principais pontos da entrevista concedida ao Estadão.

Expectativas de inflação foram desenhadas com uma taxa de câmbio maior, diz Paiva Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

Qual foi a avaliação do último comunicado do Copom?

O comunicado foi duro no sentido de ainda manter textualmente que, se ele (Banco Central) precisar, pode subir os juros de novo. Era uma dúvida que a gente tinha, se iria suprimir isso ou se manteria. É verdade que o BC colocou que é um cenário pouco provável. Por outro lado, houve um gesto de entender que o arcabouço fiscal pode ajudar a ancorar as expectativas de inflação. O Copom fala que a reoneração de combustíveis, em conjunto com o arcabouço, pode ajudar a ter uma perspectiva de dívida/PIB para frente mais estável. É uma combinação que, eventualmente, traz as expectativas de inflação um pouco mais para baixo. Se isso acontecer, tem espaço para corte de juros, principalmente, se a taxa de câmbio continuar nos arredores de onde está hoje. A maior parte das expectativas de inflação foi desenhada com uma taxa de câmbio um pouquinho mais alta.

E como avaliou a decisão do Fed? Os juros americanos devem parar de subir?

Fez aquilo que era esperado dele. O Fed não pode avisar que não vai mais subir os juros, tem muita coisa acontecendo lá fora. Mas parece que está, de fato, querendo interromper (o ciclo de aperto) com a alta de quarta-feira, sobretudo se os números de inflação não surpreenderem muito para cima olhando para frente. Tem um fator que ajuda muito nos Estados Unidos. Apesar de todo o susto, com a taxa de inflação batendo a máxima em 40 anos, as expectativas para dois, três, cinco anos adiante sempre continuaram bem ancoradas nos EUA. Nunca houve um descolamento muito grande em relação ao que é a meta do Fed.

Qual é o impacto dessa possível interrupção?

Ajuda a ter uma referência global de juros mais bem comportados, estabilizados. E, para o nosso Banco Central, a combinação de juros parando de subir lá fora, taxa de câmbio estabilizada perto do R$ 5, e expectativa de inflação doméstica reagindo bem ao novo arcabouço fiscal abre espaço para cortes de juros em agosto, setembro.

Uma mudança na meta de inflação não pode piorar as expectativas?

Tem uma discussão grande se vai ou não haver alteração na meta. Eu acho que, quando se cogitou aumentar o centro da meta, talvez, tenha atrapalhado um pouco. Os agentes acabam colocando um prêmio em cima disso. A discussão mais recente é não alterar o centro, mas alterar a banda. Eu acho que é muito mais palatável. E a ideia de mudar o timing, em vez de ser ano calendário fechado, colocar um horizonte mais contínuo, é bem razoável. Se for uma alteração no sentido de só ampliar a banda e mudar um pouco o espectro temporal em que você analisa, eu acho que as expectativas ficam bem ancoradas e, eventualmente, até devolvendo algum susto de algumas semanas ou meses atrás quando se cogitou aumentar o centro.

Qual é o espaço para uma eventual queda de juros?

Tem uma regrinha na minha cabeça que é juro real de equilíbrio do Brasil ao redor de 5%, 5,5%, alguma coisa parecida com isso, mais a inflação de equilíbrio, que também seja algo perto de 5%. Então, a gente está falando, numa conta bem arredondada, de 10%. E vão tendo os ciclos. Há momentos em que, por algum motivo, a inflação sobe um pouco mais, e o Banco Central vai trabalhar com um juro um pouco mais alto. Na hora que a atividade está mais fraca, o crédito mais apertado, talvez tenha espaço para cortar um pouco mais. Eu diria que faz sentido mirar para uma Selic que vai para alguma coisa como uns 10% ou 11% em algum momento.

Para diretor de investimentos do Credit Susisse, faz sentido mirar para uma Selic em 10% ou 11%  Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

É um cenário em que o Brasil vai ter sempre juro alto?

Vou voltar para a resposta anterior. Na conta atual, pensando no juro real de equilíbrio no Brasil e na inflação num lugar em que me parece razoável, é ao redor de 10%. Eventualmente, a gente teve algum momento em que a Selic foi para 9%, 8%, 7%. Mas, pensando, numa conjuntura mais ou menos normal, eu acho que o Brasil é um país onde a alocação em juros traz um retorno ajustado ao risco bastante boa.

O câmbio tem um papel importante nas expectativas de inflação. Como ele deve se comportar?

Talvez, a gente esteja muito perto do melhor momento de diferencial de juros do Brasil e dos Estados Unidos. Se o juro acabou de chegar no seu eventual pico nos Estados Unidos, e a gente vai começar a ter reduções de juros no Brasil, essa margem de juro maior do Brasil versus Estados Unidos, talvez, esteja muito perto de diminuir. Tem uma probabilidade de a gente ter uma queda do câmbio nas próximas semanas, mas eu acho que não vem muito abaixo de R$ 5. E, dependendo de quanto o juro cai no Brasil, antes de ter espaço para uma queda de um dos EUA, esse diferencial vai começando a ser contrário, e o dólar pode começar a subir um pouco.

Isso não muda o cenário em que o câmbio ajuda a inflação?

Estamos no comecinho de maio. Não acho que vai haver uma disparada do câmbio até junho. Acho que dá tempo para o câmbio ficar bem-comportado por semanas suficientes para as projeções de inflação serem beneficiadas.

Nessa conjuntura de mais curto prazo, o País pode ter uma inflação mais baixa e ver uma queda dos juros. O crescimento pode ser maior também?

Os números de atividades que saíram recentemente surpreenderam para cima, como os dados do varejo, do próprio IBC-Br, do Caged. Tudo isso está já alimentando uma certa possibilidade de aumento de previsão de PIB para 2023. Agora, é curioso. Têm uma certa dissonância nas informações. Na percepção de conversa com clientes, empresariado em geral, eles estão um pouco mais cético, não têm muito apetite por investimento na área produtiva.

O que ajuda a explicar esse sentimento?

O mercado de crédito passou por alguns problemas. Tem alguns nomes mais icônicos (que sofreram), mas a grande verdade é que, pelas estatísticas, os pedidos de recuperação judicial estão aumentando. Me surpreende um pouco essa percepção um pouco mais qualitativa, de conversas de como as empresas estão lidando com crédito mais apertado versus os dados oficiais, que mostram a atividade um pouco mais forte. Em algum momento, tudo isso, talvez, convirja. Mas se eu for falar só dos dados oficiais, de fato, tem uma atividade um pouquinho mais forte do que se imaginava. E se o juro cai, teoricamente, você está trazendo a possibilidade dessa atividade também se sustentar por um pouquinho mais de tempo.

O que falta para o empresário ter mais otimismo e investir?

De políticas governamentais à definição do novo arcabouço. As pessoas querem saber o que vai ser esse novo marco fiscal. O próprio juro. Com a inflação em 4,60% - muito provavelmente a leitura que vai ser divulgada na semana que vem já vem abaixo de 4,5% -, a gente está falando de um juro real de quase 10%. Isso retrai bastante o apetite do empresário. Ele olha as alternativas que tem e, se deixar o dinheiro parado no banco num investimento pós-fixado ou acompanhando a Selic e o CDI, o juro real é tão grande, com um risco tão baixo, que é um desestímulo muito grande colocar esse dinheiro no setor produtivo.

Tem a dúvida de quão pragmático o governo vai ser na economia?

Eu acho que o Haddad (ministro da Fazenda) tem se provado muito ponderado. Ele tenta ouvir diversas frentes. Ouve empresário, mercado financeiro, diferentes alas dentro do governo. Ele tem tentado ponderar as diversas opiniões e entregar para a sociedade o que é mais equilibrado entre essas opiniões. Obviamente, existem os interesses individuais que acabam falando, tem gente que tenta puxar para um lado, gente que tenta puxar para outro, tem de aprovar no Congresso, tem todas as bancadas com seus diferentes interesses. Mas eu diria que o Fernando Haddad, especificamente, está tentando fazer um projeto razoavelmente bem equilibrado. Você nunca vai agradar a gregos e troianos ao mesmo tempo, mas ele está tentando fazer um projeto bem equilibrado.

Haddad tem se provado muito ponderado, diz Paiva  Foto: ALEX SILVA/ESTADAO

Em 2024, o cenário pode surpreender também?

A gente nunca vai deixar de ter alguma correlação com o que acontece lá fora. Na minha cabeça, o juro americano, embora - muito provavelmente - tenha parado de subir, deve ficar nesse patamar por um pouquinho mais de tempo. Tem uma certa ansiedade por um ciclo de corte de juros nos Estados Unidos, mas eu acho que demora um pouco mais para acontecer. Então, eventualmente, isso leva a uma desaceleração global um pouquinho maior em 2024. E aqui no Brasil, também é verdade. Se o juro começar a cair, digamos, em agosto ou setembro, o reflexo na atividade doméstica não é imediato. A gente deve começar o ano de 2024 com uma atividade mais fraca e, em cima disso, tem diversas incertezas. O novo marco fiscal é uma. A gente não sabe exatamente como vai ficar. Temos boas dicas, mas sabemos exatamente. Tem também a reforma tributária e outras eventuais reformas que tenham por vir.

O crescimento mais acelerado da China não pode ajudar a mitigar os efeitos da política de juros?

Quando a gente vai para a economia chinesa, eu vou pegar um pouco de carona no comentário do nosso economista de China. Ele comentou que, na verdade, os impactos do lockdown, da política de covid zero, nem foram tão fortes sobre o setor industrial. Óbvio, que diminuiu o crescimento, mas o maior impacto foi sobre o setor de serviços. E, se a gente olhar aqueles indicadores PMIs (índice de gerentes de compras), de fato, a gente vê que, depois que houve a liberalização, os PMIs de serviço foram os que aceleraram mais. A impressão que eu tenho é que, talvez, a China cresça um pouquinho mais do que a gente imaginava, mais por conta de uma volta do serviços do que do lado Industrial.

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